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A Percepção dos Professores do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá sobre Suas Dificuldades e Necessidades Educacionais para o Desenvolvimento do Ensino Médico

Perception by Medical School Professors at the State University in Maringá, Paraná, Brazil, concerning Difficulties and Educational Needs for the Development of Medical Education

Resumo:

A boa formação didático-pedagógica do professor de Medicina é importante para contribuir decisivamente para a formação do futuro profissional. Considerando que a maioria dos professores de Medicina não é formalmente capacitada em educação, foi realizado um estudo exploratório por meio de questionário estruturado com abordagem de domínios do processo educacional, com a finalidade de avaliar a percepção dos médicos docentes do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (PR) sobre suas dificuldades e necessidades nas atividades educacionais. A maioria dos professores participantes do estudo não tem treinamento formal em educação e se baseia em modelos de professor que conheceram. Houve grande porcentagem de discordância ou de ausência de opinião formada em relação a se sentir capacitado nos diversos domínios das atividades educacionais, indicando necessidade de apoio. A avaliação de necessidades educacionais é difícil e, para ser completa, não pode prescindir da conjunção de vários métodos. Ao se avaliar a percepção por meio da metodologia do questionário, transparecem os aspectos nos quais os professores sentem maiores dificuldades e necessitam de reforço.

Palavras-chave:
Educação Médica; Capacitação; Docentes de Medicina

Abstract:

Medical school faculty need to improve their skills as teachers in order to contnbute to the training of future physicians and encourage changes in medical education. Considering that most medical professors have no formal training in education, a study was performed using a structured questionnaire in order to evaluate perception by medical faculty at the State University in Maringá, Paraná, Brazil, concerning the difficulties and unmet needs in their educational activities. Most participants in the study lacked any formal training in education and based their teaching skills on role models they encountered during their own expenence as medical students. There was extensive disagreement (and sometimes even lack of explicit opinions) in relation to feeling competent in the various domains of educational activities, thus suggesting the need for support for medical faculty. Needs assessment is difficult and often requires various methods. Even so, evaluation of faculty members' perceptions through a structured questionnaire revealed key areas in which teachers expenence the greatest difficulties and need reinforcement.

Key-words:
Education, Medical; Training; Faculty, Medical

INTRODUÇÃO

O professor de Medicina tem algumas particularidades que o diferenciam dos demais professores de muitos outros cursos universitários: a) a maioria deles não tem qualificação formal em educação, e não é exigida formação específica para conceber e desenvolver as atividades de ensino-aprendiza­gem; b) a graduação e a especialização do médico não têm como finalidade a formação do professor; c) a atividade de docente normalmente é complementar e secundária à profissão médica, sendo menor o compromisso profissional com a docência; d) a capacitação do professor de Medicina, no que se refere aos aspectos pedagógicos da ação docente, não tem recebido a devida importância e valorização dentro das próprias instituições11. Batista NA, Silva SHS. O professor de Medicina. São Paulo: Edições Loyola; 1998..

Sendo assim, o médico desenvolve suas atividades como professor baseado nos modelos e atividades que conheceu ao longo de sua vida estudantil, modificados por seus interesses, experiência e bom senso22. Batista NA. Conhecimento, experiência e formação: do médico ao professor de Medicina [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1997.), (33. Wilkerson L, Trby DM. Strategies for improving teaching practices: a comprehensive approach to faculty development. Acad Méd. 1998;73(4):387-96..

A competência pedagógica não deve ser compreendida apenas como simples estratégias didáticas. O professor deve estar inserido na missão e na essência da universidade e conhecer seu contexto político-social-pedagógico, objetivando atender às necessidades da comunidade. É importante o professor compreender a proposta educacional, a concepção e o objetivo do currículo44. Krasilchik M. Planejamento educacional: estruturando o currículo. In: Marcondes E, Gonçalves EL, coordenadores. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p. 5-10.. Os aspectos educacionais também compreendem a determinação dos objetivos (o plano do curso, da unidade, das disciplinas, das aulas); o planejamento e a seleção das melhores estratégias para atingir estes objetivos; a execução e, por fim, a verificação do alcance dos objetivos55. Consolara A. O ser professor: arte e ciência no ensinar e aprender. 2 ed. Maringá (PR): Dental Press International; 2000..

Especificamente com relação ao ensino médico, Bardes e Hayes66. Bardes CL, Hayes JG. Are the teachers teaching? Measuring the educational activites of clinicai faculty. Acad Méd . 1995;70(2):111-4. lembram seu início amador, quando era exercido por competentes médicos locais.

Wilkerson e Trby33. Wilkerson L, Trby DM. Strategies for improving teaching practices: a comprehensive approach to faculty development. Acad Méd. 1998;73(4):387-96. referem que, durante a primeira metade do século 20, admitia-se que o conhecimento do processo de ensino fosse parte do conhecimento do conteúdo. Com o tempo, o ensino foi reconhecido como uma habilidade associada, porém separada do conhecimento do conteúdo.

Agravando a realidade de ensino, muitas vezes os professores mais capacitados são direcionados, de preferência, para as áreas de pós-graduação e pesquisa, em detrimento da do ensino, principalmente pelo melhor status e maior valorização conferidos àquelas22. Batista NA. Conhecimento, experiência e formação: do médico ao professor de Medicina [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1997.. A pós-graduação stricto sensu com o intuito de capacitar o médico para a pesquisa e para a docência não cumprirá sua função se os professores, quanto mais capacitados estiverem, mais se afastarem e deixarem as atividades de graduação somente para os professores iniciantes.

Considerando esses aspectos, nos propusemos realizar um estudo exploratório com abordagem quantitativa para conhecer a percepção dos médicos professores do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (PR) (DMD/ UEM) a respeito de suas dificuldades e necessidades educacionais para o desenvolvimento do ensino médico em um modelo pedagógico tradicional.

O presente estudo objetivou o reconhecimento da realidade local do ensino médico. O foco da pesquisa sobre a percepção das dificuldades e necessidades educacionais se justifica como meio para materializar medidas a curto, médio e longo prazos que supram as deficiências apontadas - tornando a atividade docente mais produtiva - e, após a aquisição de novas competências, possibilitem maior e constante reflexão sobre nossas atividades como docentes.

O objetivo principal dos planejadores de cursos de capacitação é oferecer programas que sejam atrativos e ao mesmo tempo supram as necessidades de aprendizado apontadas. Segundo as estratégias de planejamento de cursos de capacitação, o primeiro passo é identificar as necessidades. Este processo é um dos mais difíceis e menos compreendidos, e, ao mesmo tempo, um dos mais importantes componentes do planejamento. Uma importante função dos educadores e professores é ajudar os alunos a identificar suas necessidades de aprendizado77. Laxdal OE. Needs assessment in continuing medical education: a practical guide. J Med Educ. 1982 Nov; 57(11):827-34..

OBJETIVOS, PARTICIPANTES DO ESTUDO E MÉTODOS

O objetivo geral foi avaliar a percepção dos médicos docentes do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (DMD/UEM) sobre suas dificuldades ou limitações e necessidades em suas atividades educacionais, com o objetivo específico de, com base nas informações levantadas, oferecer subsídios que possam servir para futuros pro­gramas de capacitação docente.

Este trabalho foi realizado por meio de questionário estruturado entregue a todos os docentes médicos do DMD/ UEM.

Utilizou-se a metodologia de coleta de dados por meio de questionário com a técnica de Escala de Valores (Likert Scale), em vista de o método ser adequado à coleta de percepções individuais, possibilitar a abrangência de grande número de participantes e abordar um assunto bem definido.

A população estudada foi composta somente pelos médicos professores do DMD/UEM. O Departamento de Medicina conta com 88 docentes, sendo 85 médicos, uma nutricionista, uma enfermeira e uma assistente social.

Foi realizado um estudo piloto de aplicação do questionário na Universidade Estadual de Londrina (PR), Centro de Ciências da Saúde, com nove professores críticos e qualificados em Educação Médica, com a finalidade de avaliar o entendimento e afastar assertivas ambíguas ou negativas nos itens em que foi usada a técnica de Escala de Valores (Likert Scale).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização Geral da População Estudada

Somente um dos 85 médicos docentes do DMD/UEM optou por não participar do estudo. Foram entregues 83 for­mulários para serem preenchidos e devolvidos. Tivemos um retorno de 69 (83,1 %) formulários.

Excetuando-se o autor, 14 professores (16,9%) não devolveram o questionário respondido. São todos do sexo masculino, sendo que 2 apresentam titulação de mestre, e 12 não apresentam pós-graduação stricto sensu (professores auxiliares). Nove professores têm regime de trabalho de 40 horas/aula semanais, 4 de 24 horas/aula semanais e 1 de 12 horas/aula semanais.

Dos participantes do estudo, 52 (75,4%) são do sexo masculino e 17 (24,6%) do sexo feminino.

O tempo médio de formado é 19,3 anos, o desvio-padrão é 5,9 anos, e a mediana de 18 anos.

O tempo médio como docente no curso de Medicina da UEM é de 8,3 anos, com desvio-padrão de 3,5 anos e mediana de 8 anos.

Quanto à titulação acadêmica, 36 (52,2%) professores não apresentam pós-graduação stricto sensu, 22 (31,9%) apresentam pós-graduação em nível de mestrado, e 11 (15,9%) em nível de doutorado. Observamos que mais da metade dos docentes (52,2%) não apresentam formação específica para as atividades de ensino-aprendizagem. Esse número é ainda maior se levarmos em conta que 12 docentes auxiliares de ensino não devolveram o questionário.

Quanto ao regime de trabalho, temos a distribuição conforme a Tabela 1. O regime Tide é tido como a profissionalização docente, contribuindo para a excelência do ensino. Apesar disso, na área médica, o professor de Medicina tem que ser médico, e sua experiência externa é desejável. Muito mais importantes que o regime Tide, acreditamos serem o compromisso, a dedicação, o vínculo com todo o processo educacional e a capacitação docente. Por tudo que representam, as atividades docentes devem ser valorizadas e recompensadas adequadamente, para que as funções de magistério e pesquisa possam ser exercidas em períodos adequados ou mesmo integrais88. Carvalhal GF, Kluwe LHS, Pereira J. O professor universitário e a medicina: aspectos do contexto contemporâneo. R Med PUCRS. 1998 Jan/Mar;8(1):13-6..

TABELA 1
Distribuição dos docentes de acordo com o regime de trabalho

Considerando a capacitação didático-pedagógica dos docentes, 16 (15,0%) docentes não apresentavam nenhuma, portanto em momento algum tiveram treinamento para o exercício da docência. Apesar de pequeno, o número é muito expressivo, uma vez que eles deveriam estar capacitados para o ensino superior. Cinquenta e três docentes (49,6%) referem capacitação didático-pedagógica obtida em cursos de mestrado e doutorado. Dezoito (16,8%) referem cursos isolados de capacitação pedagógica.

Para a questão "Como você aprendeu a ensinar? Assinale a(s) alternativa(s) que se aplica(m) a você", verificou-se que em 38,7% das vezes os docentes tiveram como modelo os professores do curso de graduação e em 9,2% os professores de cursinho. A formação específica para a docência ocorreu em 48,7% das respostas, com a realização de cursos de especialização de metodologias de ensino e pós-graduação stricto sensu. Esses dados corroboram os fatos de o médico, inicialmente, se basear em modelos de professor, e de sua capacitação ocorrer após alguns anos, por meio, principalmente, dos cursos de mestrado e doutorado, daí a importância da pós-graduação.

A percepção referente aos conhecimentos em Educação Médica - avaliada por meio da pergunta "Meus conhecimentos em Educação Médica são:" - mostrou que 22 (32,8%) docentes os consideraram bons, 37 (55,2%) apenas aceitáveis, 7 (10,5%) insatisfatórios e 1 (1,5%) muito pobres.

Quanto às técnicas de ensino utilizadas, 75,4% dos professores têm preferência pela aula expositiva, que ainda é a estratégia mais utilizada nas atividades. A aula expositiva tem sua importante no ensino. Porém, no curso médico, em vista das necessidades de desenvolvimento de formação crítica pelo aluno, aquisição de habilidades e competências, e conscientização de aprendizado contínuo, entre outras, a aula expositiva, por não conduzir a esses objetivos, está sendo mal utilizada e em excesso.

À pergunta: "Lê artigos de Educação Médica?", 36 (53,7%) responderam "sim", e 31 (46,3%) responderam "não".

Os professores médicos não lêem muito, especificamente sobre Educação Médica. Quando lêem, o fazem para cuidar dos pacientes, que são o foco de interesse deles.

Resultados - Dificuldades Educacionais

A Tabela 2 apresenta os dados referentes à percepção dos docentes sobre sua capacitação, em relação aos vários domí­nios (que estão grifados) do processo educacional.

TABELA 2
Graduação da capacitação docente cm relação aos diversos tópicos das atividades de ensino-aprendizagem, conforme a Escala de Likert

Com referência à percepção de estar capacitado a definir os objetivos educacionais, 11 (16,4%) têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 17 (25,4%) dos professores não têm opinião formada, e 39 (58,2%) têm posição de concordância. Em nossas atividades docentes, a maioria das vezes, não nos perguntamos "por que" e "o que" ensinar; não há reflexão sobre esses aspectos. Se os objetivos estiverem claros e escritos, e forem conhecidos pelo corpo docente e discente, teremos um melhor aproveitamento de nossas ações educacionais. Para Tapajós99. Tapajós R. Os objetivos da educação médica. In: Marcondes E, Gonçalves EL, coordenadores. Educação Médica . São Paulo: Sarvier ; 1998 p. 69-94., no planejamento educacional, a definição de objetivos, sejam eles gerais (objetivos da instituição, do curso, do currículo) ou específicos (objetivos da unidade, da disciplina, da aula, do ensino em pequenos grupos, da avaliação), é o aspecto fundamental de toda atividade de ensino. A partir dos objetivos, inter-relacionados com o planejamento de recursos, temos as prioridades, n seleção da melhor estratégia, a execução e a avaliação quanto ao alcance dos objetivos.

Com referência a sentir-se capacitado para preparar as atividades didáticas (planejamento do conteúdo, meios, recursos) a fim de atingir os objetivos educacionais, 10 (14,7%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 4 (5,9%) não têm opinião formada, e 54 (79,4%) têm posição de concordância. Este aspecto da atividade educacional se refere às nossas reflexões sobre "como ensinar", ou, melhor ainda, como levar o aluno a aprender, como selecionar estratégias para atingir o objetivo pretendido.

Quanto a estar capacitado para utilizar nas atividades didáticas as aulas expositivas, 5 (7,3%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 4 (5,9%) não têm opinião formada, e 59 (86,8%) têm posição de concordância. Muito provavelmente pelo fato de as aulas expositivc1s serem o método predominante no curso de Medicina da UEM e em toda a nossa vida estudantil, somente 13,2% não se sentem capacitados ou não têm opinião formada. A despeito deste dado, 18 (26,5%) professores têm posição de discordância em relação a estar satisfeito com a qualidade de suas aulas expositivas, 10 (14,9%) não têm opinião formada, e 40 (58,8%) concordam com esta assertiva. Se essa insatisfação decorre da mera repetição das mesmas aulas prontas no longo dos anos, se a aula expositiva não está se prestando ao objetivo pretendido ou se decorre do desconhecimento de outras estratégias de ensino, nós não sabemos; é um tópico a ser pesquisado.

Quanto a estar capacitado a utilizar, nas atividades didáticas, o ensino em pequenos grupos (dinâmica de grupos), 16 (23,9%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 20 (29,8%) não têm opinião formada, e 31 (46,3%) têm posição de concordância. Na vida profissional do médico, há um intercâmbio constante de informações entre os diversos profissionais da área e equipe de saúde, entre o médico e os pacientes. Deve haver reflexão nas ações médicas, e, muito provavelmente haverá situações de dificuldade, desconhecimento e impotência. O ensino em pequenos grupos é um dos meios de preparar os alunos para essas atividades e ações. Segundo Mascaretti1010. Mascaretti LAS. Exposição dialogada, técnicas de trabalho em grupo, estudo dirigido e outras técnicas. In: Marcondes E, Gonçalves EL, coordenadores. Educação Médica . São Paulo, Sarvier, 1998 p. 238-42., o ensino em pequenos grupos, assim como as atividades de solução de problemas, é uma metodologia facilitadora e estimuladora do auto-aprendizado e do relacionamento interpessoal, multidisciplinar e multiprofissional, favorecendo o respeito, a liderança, a capacidade de expressão e o espírito crítico.

Com relação ao ensino em pequenos grupos, a Associação Americana de Escolas Médicas encoraja as escolas médicas a implementarem atividades de solução de problemas e ensino em pequenos grupos, devendo ocorrer o treinamento do corpo docente para ser facilitador de pequenos grupos1111. Educating Medical Students. Assessing Changes in Medical Education: The Road to Implementation (ACME­TRI Report). Acad Med. 1993;68 Suppl:S1-S46..

Em relação a estar capacitado a assessorar e coordenar os estudantes nas atividades práticas (ambulatórios, enfermarias, laboratório), 2 (2,9%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 1 (1,5%) não tem opinião formada, e 65 (95,6%) têm posição de concordância. Este fato se deve a estas atividades serem muito frequentes durante o curso médico, principalmente durante o internato, e também a melhor capacitação profissional do médico com o internato - ele está fazendo o seu "dia-a-dia".

Com referência à percepção de estar capacitado para utilizar a avaliação de forma coerente com os objetivos educacionais, 12 (17,6%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 19 (27,9%) não têm opinião formada, e 37 (54,5%) têm posição de concordância. É importante o treinamento e capacitação com relação às finalidades da avaliação e ao momento em que ela deve ser aplicada para atingir estas finalidades. Os professores deverão igualmente conhecer as modalidades de avaliação a serem utilizadas com vistas aos objetivos iniciais.

Na realidade, é prática corrente, não só no curso médico, realizar avaliações (provas) meramente em cumprimento às normas do curso, sendo elas muito mal elaboradas, quando deveriam avaliar e corrigir o processo formativo.

Para Fujimura1212. Fujimura I. Avaliação do aluno. In: Marcondes E, Gonçalves EL, coordenadores. Educação Médica . São Paulo: Sarvier ; 1998 p. 248-61., o objetivo da avaliação é verificar a aquisição e configurar o rendimento escolar do aluno em seus aspectos cognitivo, psicomotor e afetivo. A avaliação no contexto do plano de ensino é indissociável do processo de ensino­aprendizagem. Quanto mais a avaliação estiver fundamentada em critérios racionais, maior será a valorização de sua significância. Daí a relevância do domínio dos aspectos técnicos da avaliação.

Quanto à percepção de estar capacitado para utilizar os diversos métodos de avaliação, 23 (33,8%) professores têm posição de discordância em relação a esta assertiva, 27 (39,7%) não têm opinião formada, e 18 (26,5%) têm posição de concordância. Este aspecto do processo avaliativo diz respeito ao conhecimento e a utilização dos métodos adequados para avaliar os domínios cognitivo, psicomotor e afetivo do aluno.

Em relação à assertiva "Eu estou capacitado para realizar a avaliação de habilidades e competências", 17 (25,4%) professores têm posição de discordância, 28 (41,8%) não têm opinião formada, e 22 (32,8%) têm posição de concordância.

Para Troncon1313. Troncon LEA. Avaliação do estudante de medicina. Medicina (Ribeirão Preto). 1996;29:429-39., “O estudante de medicina deve não só adquirir um conjunto de conhecimentos fundamentais, como também deve dominar uma diversidade de habilidades de complexidade variável, que nem sempre são de fácil avaliação. [...] as habilidades podem ser descritas como pertencentes a três grandes domínios: o cognitivo, o psicomotor e o afetivo”. A avaliação tradicional, em que é selecionado um “caso clínico” internado, carece de maior objetividade e padronização. Dependendo do “caso clinico" e do observador, pode haver questões mais breves ou discussões mais aprofundadas.

Resultados - Necessidades Educacionais

A Tabela 3 reúne os dados referentes à percepção dos do­centes sobre suas necessidades educacionais em relação aos diversos componentes do processo educacional.

TABELA 3
Distribuição referente à percepção das necessidades educacionais

Considerando a formação e a capacitação em educação/ Educação Médica dos docentes, eles apresentam as seguintes percepções de necessidades referentes a:

  1. desenho curricular: mais informação/reforço: 63,8%(44); treinamento completo: 21,7% (15); especialização/ aprofundamento: 10,1 % (7); não necessidade: 4,4% (3).

Observamos que 85,5% dos docentes necessitam de mais informação/reforço ou treinamento completo sobre desenho curricular. A maioria dos docentes não conhece a proposta do currículo, sua organização e as especificações que devem ocorrer no processo educativo. Na perspectiva atual, é oportuno capacitá-los, mostrando que o currículo não é somente um arranjo de disciplinas e, sim, um caminho a seguir, um repensar completo do curso embasado nas diretrizes nacionais, para atender a um novo perfil pedagógico, profissional e social1414. Arruda BKG, organizador. A educação profissional em saúde e a realidade social. Recife: Instituto Materno Infantil de Pernambuco; 2001.

Para Batista e Silva11. Batista NA, Silva SHS. O professor de Medicina. São Paulo: Edições Loyola; 1998.:

Constitui desafio atual para a educação médica a busca da interdisciplinaridade, da transdisciplinaridade e de mecanismos que possam responder à velocidade espantosa com que se dá a obsolescência do conhecimento na área médica. Associada a isso, está a necessidade de formar um médico que responda às demandas sociais, isto é, um humanista e técnico competente que possua conhecimentos, habilidades psicomotoras, atitudes e comportamentos éticos e compromisso social. É nesse enfoque que atualmente se discutem as reformulações curriculares. Com muita frequência, confunde-se currículo com grade curricular.

  1. definição de objetivos: mais informação/reforço: 63,8%(44); treinamento completo: 13% (9); especialização/aprofundamento: 11,6% (8); não necessidade: 11,6% (8).

Observamos que 76,8% dos professores necessitam de mais informação/reforço e treinamento completo neste domínio.

É importante que nossas ações estejam sempre em conformidade com os objetivos propostos e que os professores tenham sempre em mente a busca desses objetivos, sejam eles gerais (da instituição, do curso), ou mais específicos, como os da unidade, da disciplina, das aulas ou das avaliações.

  1. seleção de conteúdos: mais informação/reforço: 56,5% (39); treinamento completo: 14,5% (10); especialização/aprofundamento: 11,6% (8); não necessidade: 17,4% (12).

Os dados mostram que 71% dos professores necessitam de mais informação/reforço e treinamento completo. Daí a importância de capacitá-los, mostrando que o conteúdo deve ser relevante, estimulante, de domínio gradativo e apresentado em sequência lógica, e, principalmente, estar em compasso com os objetivos pretendidos.

  1. métodos de instrução: mais informação/reforço: 52,9%(36); treinamento completo: 19,1% (13); especialização/aprofundamento: 16,2% (l l); não necessidade: 11,8% (8).

Esses dados indicam que 72% dos professores necessitam de mais informação/reforço e treinamento completo nesse domínio. É muito importante que os professores conheçam os vários métodos de instrução, suas vantagens e limitações, e como otimizá-los.

Além de métodos de instrução como a aula expositiva, seminários e ensino em pequenos grupos, temos a aprendizagem baseada em problemas, a exposição dialogada, o estudo dirigido, a aplicação da informática e internet no ensino médico e as atividades práticas.

  1. escolha das atividades educacionais: mais informação/reforço: 62,3% (43); treinamento completo: 17,4%(12); especialização/ aprofundamento: 11,6% (8); não necessidade: 8,7% (6).

Essa capacidade de escolha só ocorrerá quando os professores conhecerem as vantagens e limitações dos diversos métodos referidos, e não somente a utilização da aula expositiva, para, então, poderem optar pelo que melhor conduza aos objetivos propostos.

  1. aula expositiva: mais informação/reforço: 53,6% (37); treinamento completo: 2,9% (2); especialização/ apro­fundamento: 8,7% (6); não necessidade: 34,8% (24).

Com referência à percepção de não necessidade, a aula expositiva se destaca com 34,8%. Porém, mesmo sendo a estratégia de ensino mais utilizada, observamos que 39 professores (56,5%) ainda necessitam de mais informação/reforço e treinamento completo nesse item. A aula expositiva, apesar de frequentemente criticada em virtude do papel passivo do aluno, da pouca retenção e da dificuldade de manter a atenção, não é um método condenado, tendo papel importante em algumas situações e finalidades muito bem definidas por Vanzolini1515. Vanzolini ME. A aula expositiva. In: Marcondes E, Gonçalves EL, coordenadores. Educação Médica . São Paulo: Sarvier ; 1998. p. 189-92., como: a) introdução de temas novos; b) transmitir um assunto vasto ou complexo que precisa ser organizado; c) apresentar conceitos e princípios fundamentais; d) despertar o interesse; e) sintetizar e concluir unidades.

  1. técnicas de trabalho em grupo: mais informação/reforço: 50,0% (34); treinamento completo: 23,6% (16); especialização/aprofundamento: 17,6% (12); não necessidade: 8,8% (6).

Segundo os dados, 73,6% dos professores necessitam de mais informação/reforço e treinamento completo em relação às técnicas de trabalho em grupo. É fundamental que os professores estejam capacitados para conduzir os grupos de estudo ou trabalho, selecionar e apresentar o tema para estudo e discussão, e estimular os alunos, uma vez que esta metodologia é adequada aos vários aspectos e necessidades das futu­ras atividades médicas do aluno.

Os dados acima, somados ao fato de a aula expositiva ser a estratégia mais utilizada no curso de Medicina da UEM, reforçam a necessidade de correção dos desvios ocorrentes em sua utilização.

  1. tutoriais (PBL - aprendizagem baseada em problemas): mais informação/reforço: 16,0% (11); treinamento completo: 62,3% (43); especialização/aprofundamento: 14,5% (10); não necessidade: 7,2% (5).

O PBL é o item que tem maior porcentagem de necessidade de treinamento completo (62,3%), muito provavelmente por ser uma metodologia nova no Brasil.

Embora a proposta inicial deste estudo tenha sido avaliar as dificuldades e necessidades educacionais para o desenvolvimento do ensino médico em um modelo pedagógico tradicional, possibilitando capacitar o professor para este modelo pedagógico, é conveniente conhecer o PBL como estratégia inovadora, que centra o processo educacional no estudante. Sua inclusão também se justifica por se prestar à avaliação do grau de atualização em métodos e avanços educacionais de educação de profissionais da saúde.

  1. métodos de avaliação: mais informação/reforço: 50,7% (35); treinamento completo: 23,2% (16); especialização/ aprofundamento: 17,4% (12); não necessidade: 8,7% (6).

Pela relevância de que se reveste o domínio da avaliação do aluno, é fundamental capacitar estes 51 (73,9%) professores, mostrando o propósito, o momento e a modalidade ele avalição, bem como os principais recursos para avaliar os domínios cognitivo, psicomotor e afetivo, de maneira a elaborarem uma boa "prova".

  1. avaliação de programas de ensino: mais informação/reforço: 44,9% (31); treinamento completo: 40,6% (28); especialização/aprofundamento: 11,6% (8); não necessidade: 2,9% (2).

Os dados mostram que 85,5% dos professores necessitam de mais informação/ reforço e treinamento completo em relação à avaliação de programas de ensino. Muito mais importante é o corpo docente estar capacitado para desempenhar adequadamente suas atividades com os alunos. É importante também que haja professores capacitados a avaliar mais objetivamente o ensino de graduação, a eficácia de um currículo, a competência dos médicos recém-formados e um modelo pedagógico.

  1. princípios da educação do adulto: mais informação/reforço: 44,9% (31); treinamento completo: 37,7% (26); especialização/aprofundamento: 11,6% (8); não necessidade: 5,8% (4).

Intuitivamente, sabemos que os alunos de Medicina iniciam o curso com grande volume e qualidades diferentes de experiências e conhecimentos, que são responsáveis por sua própria condução de vida e que se autodirecionam. Mas, nesta fase de transição de alunos dependentes para alunos autodirecionáveis, há necessidade de ajuda nos aspectos educacionais1616. David TJ, Leena P. Adult learning theory, problem based learning, and paedatrics. Arch Ois Child. 1995 Oct;73(4):357-63.. Neste item, 82,6% dos professores necessitam de mais informação e treinamento completo, daí a importância de mostrar as particularidades que, muitas vezes, não são observadas e podem ser motivo de ressentimentos e resistências, por exemplo, quando os professores tentam impor seu desejo1616. David TJ, Leena P. Adult learning theory, problem based learning, and paedatrics. Arch Ois Child. 1995 Oct;73(4):357-63..

CONCLUSÃO

A avaliação de dificuldades e necessidades educacionais é difícil e requer a conjunção de vários métodos. Porém, ao se avaliar a percepção por meio da metodologia do questionário, transparecem os aspectos em que os professores sentem dificuldades e precisam de reforço.

No desenvolvimento das atividades educacionais, os docentes se baseiam em modelos, em experiências prévias e no bom senso. Esse procedimento pode ser suficiente, mas é possível de ser muito melhorado se houver capacitação para tais atividades.

A maioria dos professores participantes do estudo não tem qualificação ou treinamento formal em prática de teoria da educação. Tem posição de discordância ou não tem opinião formada quanto a se sentir capacitada em vários domínios do processo educativo e, portanto, necessita de apoio.

Acreditamos que faltou avaliar a percepção elas dificuldades e necessidades em relação a alguns aspectos: informática, sistemas de informação, busca e resgate de informações.

Os dados podem ter alguns vieses, e, certamente, outros estudos são necessários. Este trabalho ficaria mais enriqueci­do se complementássemos os dados aqui obtidos com outros métodos da pesquisa qualitativa, como entrevistas e grupos focais, e sessões e análise de vídeos.

É importante que cada docente identifique suas necessidades de aprendizado e treinamento, e que esteja envolvido e motivado, para que, com o apoio da instituição, possa assu­mir a sua própria formação docente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2004

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2003
  • Revisado
    30 Ago 2004
  • Aceito
    28 Out 2004
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