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Escolas Médicas: Crise Financeira ou Intelectual?

Ao Editor,

Temos assistido denúncias contra as escolas médicas, que rotuladas como particulares, em más condições financeiras e sem condições técnicas, têm formado médicos sem condições de exercerem uma Medicina de bom padrão. “O nível do Curso de Medicina está caindo a cada ano!”; uma afirmação freqüente.

Recentemente se tem levantado, como conseqüência, os erros médicos, a quem cabe a culpa, e como puni-los. Nos parece que o problema não é tão simples assim e merece uma reflexão mais ampla.

As escolas médicas, isoladas ou ditas, impropriamente, particulares, conforme análise feita pelo Professor Dioclécio Campos Júnior, em artigo para o último número de 1982 da Revista Brasileira de Educação Médica, foram criadas a partir da década de 60, dado o grande número de jovens que optaram pelo Curso de Medicina. A partir de então, o número de escolas aumentou para 72 em todo País, das quais a maioria está ligada a uma Fundação, responsável pelas mesmas, dita como mantenedora.

Particulares, mas sem donos, e isoladas por não estarem ligadas a nenhuma estrutura universitária, estas escolas foram sofrendo, com o passar dos anos, influências as mais diversas, culminando inevitavelmente com o problema financeiro, onde se fecha o círculo vicioso que inclui falta de equipamento e, o que é pior, falta de recursos humanos.

A maioria das escolas médicas contam com corpo docente formado por colegas médicos que, com algum gosto pela carreira universitária e com alguma aptidão técnica, passam então a professor de Medicina, sem ter recebido a menor orientação para exercer tal cargo. Mas o problema não para aí, porque a maioria deles é proprietário de casas de saúde particulares, médicos dos postos da previdência social ou membros do corpo clínico de outros hospitais que, por necessidade de sobrevivência, têm vários empregos, entre eles, a Faculdade de Medicina, onde também são mal remunerados, e se fecha, assim, outro círculo vicioso.

Pois bem, acho que uma revisão geral merece ser feita, no sentido de tentar equacionar o problema existente. Criticar os colegas recém-formados é criticar a si mesmos e serem omissos quanto ao problema. Culpá-los de sua má formação profissional, culpando a crise financeira e a falta de hospitais supostamente bem equipados, é, na nossa maneira de ver, desconhecer a realidade Brasileira.

Culpar o Ministério da Educação, ou da Previdência Social, pelas crises por que passam as nossa Faculdades de Medicina é transferir o problema da comunidade, onde a Faculdade está situada, para o âmbito federal, pois foram estas comunidades que criaram as Faculdades de Medicina; portanto, cabem a elas manter e tornar viáveis o seu funcionamento. Os Ministérios citados dão todo o apoio necessário à viabilização das Escolas Médicas; exemplo marcante o de nossa Faculdade, que fechada há 3 anos, por sucessivas crises financeiras decorrentes de forças externas e internas existentes na própria comunidade, é hoje uma escola em franco desenvolvimento e em situação financeira invejável graças ao convênio universitário celebrado com a Previdência Social, após um período de intervenção federal, decretada pelo MEC, em 1979. No entanto, é preciso lembrar que foi um árduo trabalho de toda a comunidade universitária, mas que hoje serve como modelo às escolas em situações difíceis, restando, apenas, saber por quanto tempo ela resistirá às pressões da sua comunidade.

O conceito de que os hospitais universitários devam ser bem equipados para uma boa formação médica parece um erro grave. O que não pode é se dissociar a prática da Medicina do ensino médico, como bem chamou a atenção Richard Bright, em 1932. Um bom trabalho de campo e um bom ambulatório servem tão bem, ou até melhor, para ensinar; não precisa de nenhum equipamento sofisticado. O erro de se colocar o acadêmico de 3° ano nos Hospitais faz com que ele perca toda a visão da Medicina de comunidade, esta sim, muito mais carente no nosso País.

A realidade brasileira é outra. A necessidade de bons clínicos para o interior brasileiro é um fato conhecido por todos; no entanto, confunde-se sofisticação médica com boa formação médica e o nosso aluno, quando se forma, não viu sofisticação pela falta de equipamentos nos Hospitais em crise, e não teve boa formação médica por falta de um currículo adequado à nossa realidade, e daí o resultado de toda esta polêmica de hoje.

Propor como solução o fechamento das escolas médicas deficientes e redução do número de vagas nas demais é desconhecer o artigo do querido professor Carlos Gentile de Mello, Médico contra ensino médico, escrito para Folha de São Paulo de 28/10/82.

Solução para escolas médicas existe, e os Ministérios da Educação e da Previdência Social já a criaram, qual seja, o Convênio Padrão, com todas as suas vantagens, que só não vê quem não quer, ou quem quer desconhecer por interesse próprio.

Assim é que o problema existe e a solução também, mas para tanto é preciso formação universitária, consciência capaz de salvar as escolas médicas de sua crise financeira, conseqüência da crise intelectual, esta sim muito mais difícil, pois demanda tempo, formação acadêmica e interesse universitário.

Rubens Trombini Garcia
Superintendente do Hospital de Base Fac. Reg. de Medicina de S. José do Rio Preto

O Plano do CONASP e o ensino médico

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Ao Editor

Ao receber hoje o Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica (Vol. XV, n° 02 - março/abril de 1983) e, após a leitura da Crônica “O Plano do CONASP e o ensino médico” e da “Carta da ABEM”, senti-me orgulhoso, pela primeira vez, em pertencer à Associação Brasileira de Educação Médica.

Diante da clareza e lucidez com que o Prof. Firmino. Brasileiro Silva (que ainda não tive o prazer de conhecer) examina a política previdenciária, já exaustivamente analisada e criticada pela Medicina Social brasileira nas duas últimas décadas, senti-me compelido a redigir esta carta, parabenizando o referido professor e a atual Direção da ABEM pelo compromisso social com a redefinição das práticas de saúde e pelo posiciona mento crítico face às relações entre a educação médica e as políticas de saúde. Ainda que, pessoalmente, não disponha do mesmo otimismo com que o autor examina os possíveis desdobramentos de implementação do Plano do CONASP, reconheço e louvo os princípios que fundamentam as proposições do Plano. Nem por isso, considero que devamos declinar de lutar por tais principias e pelas reivindicações contidas na carta da ABEM.

Nesse sentido, quero apresentar os meus cumprimentos aos membros da Diretoria da ABEM, pela iniciativa de resgatar o debate e a crítica para a prática da nossa Associação.

Jairnilson Silva Paim

Internato: é preciso retomar a discussão

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Ao Editor

Dentro do processo de discussão curricular, a questão do Internato tem ocupado grande espaço tanto nas publicações especializadas, como também em diversos encontros, seminários e congressos de educadores médicos.

Chegamos até a admitir que a ênfase dada a este período do Curso de Graduação deixa entrever uma certa postura escapista por parte dos educadores médicos que mantém uma questionável divisão desse Curso em ciclos, e tenta concentrar, precisamente no Internato, modificações mais profundas, dando pouco valor ao que.se passa nos ciclos básico e profissional. Este aspecto pode ser percebido a partir da posição que os estudantes tem assumido em face a estas propostas de mudanças. Quando não as repudiam, pelo menos reservam-se o direito da desconfiança em relação a elas. Embora sem explicitar muito claramente as suas razões, fica caracterizada a dificuldade em aceitar mudanças no Internato, considerando o que ocorre, ou não ocorre, nos dois ciclos anteriores.

Entretanto, podemos também considerar esta discussão sob óptica diversa, qual seja, a de utilizá-la como “estratégia de intervenção” cujo processo de discussão poderá levar ao questionamento mais profundo do Curso Médico. É de acordo com esta premissa que pretendermos trazer alguns comentários relativos a Resolução n° 9 do CFE que trata do assunto.

De início é preciso ressaltar que existem alguns pontos de consenso expresso pelos educadores médicos com respeito ao Internato: ampliação de sua duração; coordenação interdepartamental para as atividades desenvolvidas; definição de um programa que coloque o aluno numa linha de cuidados médicos progressivos, enfatizado pela “desospitalização” do ensino e a incorporação da escola médica ao sistema de saúde; observação do caráter de terminalidade que deve ter o Curso Médico.

Os três primeiros pontos mencionados apontam claramente para a tentativa de uma abordagem interdisciplinar, que pretende colocar o aluno em contacto com os problemas de saúde e capacitá-los para a sua solução. Em outras palavras, propõe-se enfatizar o aprendizado para a competência, ou seja, aprender a fazer e aprender fazendo.

A importância de que este processo se dê na prática, pela exposição do aluno à realidade de saúde, a partir dos níveis de complexidade do sistema, é fazer com que ele incorpore um comportamento e uma configuração profissional, além de uma visão mais precisa do contexto nosológico da Região e do País.

Ora, parece que este espírito infelizmente não foi o que norteou a elaboração da citada Resolução. Basta ver o parágrafo 1° do Art. 1°, que estabelece a obrigatoriedade do rodízio do aluno pelas chamadas quatro grandes áreas: Clínica Médica, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia e Pediatria.

Não se trata de discutir se este modelo confira uma espécie de avanço em relação ao Internato eletivo em uma disciplina especializada. Trata-se, sim, de sublinhar que, ao estabelecer a obrigatoriedade do rodízio, se nega frontalmente a possibilidade de um programa baseado na organização dos serviços de saúde por níveis de assistência. Até porque, por definição, estas quatro áreas constituem o conjunto das atividades assistenciais de segundo nível. Além do mais, a obrigatoriedade do rodízio encobre um outro item de consenso que a da “desospiralização” do ensino. Este ponto é muito importante pois que o sistema de rodízio, pode ser realizado nas enfermarias dos Hospitais Universitários, sem que haja qualquer modificação significativa no atual quadro da formação médica. Sabe-se perfeitamente que os departamentos de clínicas dos hospitais universitários, em sua maioria, são subdivididos em setores especializados e que, portanto, o modo operacional deste rodízio acabará se dando com base da organização destes departamentos, reproduzindo o ciclo profissional já cumprido pelos alunos, só que um pouco mais de autonomia para exercerem atividades práticas. E acima de tudo isto, ele traz no seu bojo o falso pressuposto de que a soma do conhecimento das partes conduz ao conhecimento do todo.

Visto desta forma, a possibilidade de que a modificação do Internato fosse efetivamente uma “estratégia de intervenção” para mudanças mais profundas no Curso Médico, ou seja, fosse uma etapa no processo de mudanças, fica inteira mente prejudicada. A obrigatoriedade do rodízio imobiliza o processo de mudanças e consagra de forma definitiva o curso em ciclos desconexos e arcáicos.

É preciso reconhecer que, certamente, nem todas as escolas médicas, brasileiras teriam condições de, no momento, partir para uma experiência concreta de integração com os serviços de saúde, até porque estes serviços não estão organizados de forma a constituir um sistema.

Entretanto, a obrigatoriedade do sistema de rodízio significará um retrocesso para algumas escolas. que já desenvolveram modelos alternativos ao Internato eletivo. Inúmeras experiências como o Internato rural da UFMG em Montes Claros, do Projeto de Integração Docente-Assistencial da Universidade Federal de Juiz de Fora, o modelo de Internato por níveis de assistência, elaborado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, dentro do Programa de Integração Regionalização e Hierarquização das Ações de Saúde no Estado do Rio de Janeiro - Área programática de Niterói, ficarão paralizadas em função da citada Resolução.

Entendemos, portanto, que é necessário retomar a discussão.

Luiz Antonio Santini Rodrigues da Silva
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Universidade Federal Fluminense

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1983
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