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Humanidades Médicas – Metodologia Utilizada no Curso de Medicina do Centro Universitário Lusíada (Unilus)

Medical Humanities – Methodology Used in the Medical Course of Centro Universitário Lusíada (Unilus)

RESUMO

Na atualidade, não há mais dúvidas sobre a importância das ciências humanas e humanidades no currículo médico, isto já é consenso. É necessário retomar, pelo menos parcialmente, a capacidade de empatia e comunicação dos futuros médicos, a exemplo do que se tinha outrora, além do olhar sistêmico para que os pacientes possam se sentir mais bem acolhidos, o que é muito bem ilustrado no texto da médica Tatiana Bruscky, produzido pela Ria Slides: “Onde andará o meu doutor”44. Onde andará o meu doutor?. [Acesso em: 11 de novembro de 2016]. Disponível em: www.momentos-pps.com.br/download.php?codigo=582
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. No entanto, ainda não foi encontrada uma forma sistematizada de trabalhar esses conceitos, apesar das iniciativas que vêm ocorrendo no Brasil, principalmente após 2014, visto que as Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Medicina inseriram ainda mais aspectos relacionados à comunicação médico-paciente. Introduzir esses assuntos e discussões no ensino dos cursos de Medicina é uma tarefa difícil, pois, quase sempre, dosar teoria e prática e tornar as disciplinas que as compõem atrativas e valorizadas pelos alunos são um grande desafio. Não existem parâmetros claros e nem descrições pormenorizadas das metodologias utilizadas, apenas breves relatos. Este artigo aborda, detalhadamente, uma das formas de ensinar humanidades no curso de Medicina do Centro Universitário Lusíada (Unilus), descrevendo a metodologia passo a passo, a experiência e alguns resultados desde a sua implantação em 2010, com uma estação denominada Comunicação, pertencente à disciplina de Habilidades Práticas. Ela é desenvolvida nos três primeiros anos, sendo que no primeiro o foco é a comunicação entre médico, paciente e familiares em situações diversas de consulta; no segundo ano, é a comunicação de más notícias, enquanto no terceiro o enfoque são os cuidados na comunicação do pré e pós-operatório. Por meio de simulações, os alunos conseguem treinar e refletir sobre uma vasta gama de casos e contextos, dos mais simples aos mais complexos. O intuito é compartilhar a didática aplicada e estimular a discussão e a troca de experiências entre profissionais interessados e comprometidos com a excelência na formação médica.

PALAVRAS-CHAVE
Humanização; Educação de Graduação e Medicina; Empatia

ABSTRACT

At the present there is no longer any doubt about the importance of human sciences and humanities in the medical curriculum. This is already a consensus. It is necessary to resume at least partially the ability of future doctors to empathize and communicate as in the past in addition to the systemic view so that patients can feel better welcomed which is very well illustrated in the text of the doctor Tatiana Bruscky produced by Ria Slides: “Onde andará o meu doutor”44. Onde andará o meu doutor?. [Acesso em: 11 de novembro de 2016]. Disponível em: www.momentos-pps.com.br/download.php?codigo=582
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. However, finding a systematized way of working on these concepts still does not exist despite the initiatives that have been taking place in Brazil, especially after 2014, since the Curriculum Guidelines for undergraduate courses in Medicine have inserted even more aspects related to this medical / patient communication. Introducing these subjects and discussions in the teaching of medical courses is a difficult task since almost always dosing theory and practice and making the disciplines attractive and valued by the students is a great challenge. There are no clear parameters or detailed descriptions of the methodologies used only brief reports. This article seeks to address in detail one of the ways of teaching humanities in the Centro Universitário Lusíada (Unilus) medical course, describing the step-by-step methodology, experience and some results since its implementation in 2010 with a Station called Communication belonging to the discipline of Practical Skills. It is developed in the first three years. In the first year the focus is the communication between doctor and patient/family in different consultation situations. The second year is the communication of bad news while in the third the focus is the communication of pre and postoperative. In that way students can train and reflect through simulations a wide range of cases and contexts from the simplest to the most complex. The purpose is to share applied didactics and stimulate the discussion and exchange of experience among interested professionals committed to excellence in medical education.

KEYWORDS
Humanities; Education, Medical; Empathy

INTRODUÇÃO

Na tentativa de romper com a estrutura de ensino tradicional, meramente informativa, com transmissão de conceitos e conteúdos, fragmentação do conhecimento e negligência dos aspectos psicossociais11. Ferreira LC, Brito TM, Carvalho IGM, Ferreira RC. A Percepção de Acadêmicos sobre a Relação Médico-Paciente Discutida em Oficinas do Caso Eixo Teórico Prático Integrado. Rev. Bras Educ Med 2015; 39 (1)., os cursos de Medicina estão buscando adotar em seus currículos metodologias pedagógicas com participação mais ativa dos alunos. Dessa forma, várias modificações têm sido realizadas com base nas diretrizes nacionais para o ensino médico de 2001, reforçadas nas diretrizes de 2014, que preconizam, acima de tudo, formar médicos com competência técnica e humanística por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem22. Brasil. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 3/2014. Diário Oficial da União. Brasília. Seção I, pp 8-11..

No entanto, faltam parâmetros que norteiem o como fazer isso, o que pode dar certo e contribuir para uma boa formação do futuro médico, e o que não funciona. Quando se trata das ciências humanas e humanidades, o caminho é ainda mais obscuro. Parece tudo muito empírico. Os profissionais que se empenham em buscar formas atrativas de ensinar humanidades médicas que realmente sejam valorizadas e assimiladas pelos discentes apenas recentemente vêm trocando mais experiências e realizando oficinas, para que juntos possam traçar parâmetros fundamentados, condizentes com a realidade, que auxiliem os docentes a atuar com maior eficiência.

Entre as principais dificuldades do ensino das humanidades, Rios33. Rios IC. Humanidades médicas como campo de conhecimento em Medicina. Rev Bras Educ Med. 2016; 40(1):21-29. destaca: objetivos educacionais mal definidos, falta de integração com disciplinas clínicas, conteúdo programático descolado de problemas reais da medicina assistencial, metodologias de ensino inadequadas e professores despreparados. Portanto, tem-se um longo caminho de ensaios e erros a ser percorrido até que se possa alcançar, também, um consenso sobre como proceder.

Este artigo, um relato de uma experiência, procura dar uma contribuição no sentido de avançarmos um pouco mais na direção de encontrar um modo eficiente de repassar as competências que cabem às disciplinas de humanidades. Ele aborda, detalhadamente, uma das formas de ensinar tais habilidades no curso de Medicina do Centro Universitário Lusíada (Unilus).

Como isso tem sido feito?

A disciplina de Habilidades Práticas (HP) do curso de Medicina do Unilus desenvolve, simultaneamente, várias estações. Uma delas, denominada Comunicação, ocorre nos três primeiros anos, já que o curso é anual, com enfoques diferentes. No primeiro ano, ela aborda a relação entre médico, paciente, familiares e equipe multidisciplinar, sempre procurando sensibilizar o aluno quanto à necessidade de zelar pelo bem-estar do outro, ficar atento ao contexto e às próprias emoções, desenvolver a empatia, adotar uma postura ética e um pensamento crítico e reflexivo. No segundo ano, a estação aborda a comunicação de más notícias e procura dar noções do Protocolo Spikes, mas trabalhando com os alunos a necessidade de se ajustar à situação em particular. Isto para que o futuro médico seja sempre um aliado do paciente por pior que seja a notícia, que acolha, compreenda e respeite os sentimentos dele e reflita sobre suas próprias dificuldades e possibilidade de afastamento emocional por conta da inevitável sensação de vulnerabilidade. No terceiro ano, são trabalhadas questões relacionadas à comunicação de procedimentos cirúrgicos, eletivos e de emergência, com o paciente e familiares, no pré e pós-operatório, e a comunicação com familiares de pacientes com morte encefálica para doação de órgãos.

As atividades do primeiro ano, neste artigo, foram descritas com o máximo de detalhes. Os alunos, semanalmente, são distribuídos em grupos de 10 a 12 numa das estações e nela permanecem naquele dia, durante quatro horas/aula com um intervalo de dez minutos. Enquanto um grupo está na estação de Comunicação, por exemplo, os demais estão distribuídos nas outras, como na estação de Anamnese — estas duas se entrelaçam e se complementam perfeitamente. Toda semana há rodízio dos grupos até que todos passem por todas as estações. Esse sistema parece dinâmico e do agrado dos alunos. Como no primeiro ano as disciplinas são básicas, em sua maior parte, e a princípio parecem distantes da prática médica, a disciplina de Habilidades Práticas parece interessante, pois possibilita que o aluno vivencie algo mais próximo do exercício da medicina. A estação de Comunicação dá ao aluno a oportunidade de passar pela vivência de ser um médico, um paciente, um familiar acompanhante ou um membro da equipe multidisciplinar por meio de situações e consultas simuladas, sempre retiradas de casos reais.

MATERIAL

Físico — uma sala de aula pequena, mas que acomode, confortavelmente, 12 cadeiras para os alunos, uma para o professor e outra para o ator. Uma lousa branca e canetas apropriadas. Fichas com a descrição dos casos. Um consultório médico, montado num dos cantos da própria sala, contendo: uma escrivaninha, uma cadeira para o médico e duas para o paciente e acompanhante, além de uma maca, escadinha de dois degraus, rolo de papel para a maca, travesseiro, estetoscópio, termô-metro, lixo, receituário, bloco de pedidos de exame, carimbo e caneta. Também é interessante ter uma caixa, fora da sala de simulação, com roupas e adereços: perucas, óculos, bonés, chapéus, colares, pulseiras, lenços, bolsas, barriga de gestante, etc.

Humano — alunos, professor e ator(es).

METODOLOGIA

O professor explica aos alunos que serão feitas várias simulações de casos de situações retiradas da realidade e que eles poderão ser o médico, o paciente, o familiar e/ou outro membro da equipe. Procura estimular a participação, porém nunca impondo. Relembra ou explica aos grupos que ainda não tiveram anamnese qual a sua finalidade, seus principais tópicos e como devem realizá-la. Explica o que vem a ser o raciocínio clínico. Em seguida, para dar início à primeira simulação, pede que um aluno, voluntariamente, se candidate a fazer o papel de um funcionário que passará por um médico do trabalho para um exame admissional. O ator, previamente instruído, representará um médico grosseiro, impositivo, sem postura ética, distante e desinteressado. No final da simulação, o aluno que representou o funcionário deve ser estimulado a dizer com se sentiu. Posteriormente, todos devem comentar o que acharam do atendimento, quais as falhas e como poderia ser melhorado. Com base nesses comentários, o professor vai discutindo o que é importante para conseguir estabelecer uma boa relação no atendimento médico. Reforça que, nesse caso, como se tratava de um funcionário a ser admitido, provavelmente não estava fragilizado. E pede que reflitam sobre esse tratamento no caso de um paciente/doente. Novamente, abre-se espaço para que os alunos exponham seus pensamentos. Nessa experiência, o envolvimento do grupo na atividade tem particularidades e rendimentos diferentes, porém todos, sem exceção, acabam tendo uma participação proveitosa, mesmo os mais tímidos.

Na sequência, seleciona-se um caso (Quadro 1) entre os vários existentes, e as pessoas que dele participarão. O ator pega a ficha desse caso com toda a descrição, que ele já conhece, e leva o paciente e acompanhante, quando este existir, para fora da sala de simulação. Lá os coloca a par de quem, o quê e como terão que representar. Às vezes, é necessária uma caracterização, como a barriga de uma gestante, mas, mesmo que não seja preciso, eles podem usar os acessórios da caixa que desejarem, para assumirem o perfil que lhes foi designado. São instruídos a tentar incorporar ao máximo o personagem, pois, quanto melhor representarem, mais facilitarão o aprendizado do colega “médico”. Enquanto se preparam lá fora, na sala de simulação o aluno que representará o médico fica sabendo qual é o contexto e sua especialidade, mas não qual será a queixa principal. Poderá, também, ir se familiarizando com o consultório e respectivos materiais, e repassando os tópicos da anamnese em conjunto com os demais alunos que permaneceram na sala. Após o término do preparo do paciente/acompanhante pelo ator, é dado o aval para o início da simulação. O médico deverá começar recepcionando o paciente/familiar na porta, conduzindo-o até a sala de atendimento e dando prosseguimento. Os demais assistem e podem fazer anotações para que sejam discutidas no final da situação. Caso o aluno não consiga conduzir a consulta, poderá pedir ajuda dos “universitários” e dar sequência até finalizá-la. Então, é aberta a discussão. O médico deve dizer como se sentiu, quais os problemas e dificuldades encontrados. Depois, o paciente e acompanhante descrevem suas impressões e, na sequência, os alunos que assistiram fazem seus comentários. O professor vai mediando as opiniões e também aborda o que achou do atendimento, os aspectos positivos, as falhas e dificuldades notadas, fazendo sugestões e observações, sempre incentivando e reforçando que todos têm pontos a melhorar.

QUADRO 1
Caso utilizado na simulação, retirado de uma situação real de atendimento

Cada caso escolhido para a simulação apresenta um ou alguns aspectos importantes. Um pode abordar o preconceito, outro a dificuldade de entender um paciente confuso/desorientado ou uma mãe que não deixa o médico conversar com seu filho adolescente que é o paciente, uma mãe ansiosa, uma queixa velada, um paciente muito tímido que praticamente não fala, um idoso que nega e discute com a filha que não precisa de atendimento, um paciente com medo de ter uma doença grave, um paciente resistente a um tratamento — enfim, são abordadas várias situações distintas.

Após a simulação do primeiro caso, um novo é escolhido entre os existentes e prossegue-se com a mesma metodologia. São representados, em média, de sete a oito casos no período. Reservam-se 15 minutos finais para uma avaliação, quando cada aluno comenta a sua participação e opina sobre o que achou da estação. No geral, a metodologia é de agrado dos alunos.

A nota do aluno é a soma das estações pela qual passou, dividida pelo número delas, sendo 50% referentes à presença e participação, e os outros 50% a uma prova prática denominada Osce (Objective Structured Clinical Examination — um moderno tipo de exame que tem sido usado nas ciências da saúde). Nela, o aluno é sempre o médico. Existe um checklist para avaliação de várias competências trabalhadas na estação.

CONCLUSÃO

A metodologia descrita, utilizada no curso de Medicina do Unilus para desenvolver algumas das habilidades das humanidades médicas, parece funcionar bem até o momento, pois os alunos, quando questionados no processo de avaliação final da estação, aprovam essa forma de aprendizagem e, em sua maioria, parecem ficar entusiasmados. Costumam participar com empenho e disposição tanto das simulações como dos comentários. Além disso, segundo o feedback dos professores que com eles mantêm contato nos ambulatórios e no hospital-escola, os alunos que passaram pela disciplina de Habilidades Práticas chegam mais bem preparados e com melhor interação e cuidados com os pacientes. Isto nos leva a supor que essa metodologia contribui para formar melhor os alunos, sensibilizando-os quanto à necessidade de zelar pelo bem-estar do outro, ficar atentos às próprias emoções, desenvolver a empatia e adotar uma postura ética e um pensamento crítico e reflexivo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ferreira LC, Brito TM, Carvalho IGM, Ferreira RC. A Percepção de Acadêmicos sobre a Relação Médico-Paciente Discutida em Oficinas do Caso Eixo Teórico Prático Integrado. Rev. Bras Educ Med 2015; 39 (1).
  • 2
    Brasil. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 3/2014. Diário Oficial da União. Brasília. Seção I, pp 8-11.
  • 3
    Rios IC. Humanidades médicas como campo de conhecimento em Medicina. Rev Bras Educ Med. 2016; 40(1):21-29.
  • 4
    Onde andará o meu doutor?. [Acesso em: 11 de novembro de 2016]. Disponível em: www.momentos-pps.com.br/download.php?codigo=582
    » www.momentos-pps.com.br/download.php?codigo=582

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2017
  • Aceito
    14 Jul 2017
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