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Eficácia Percebida por Estudantes de Medicina no Aconselhamento de Fatores de Risco

Efficacy of Risk Factor Counseling as Perceived by Medical Students

Resumo:

O aconselhamento é um modo de comunicação educativa que tem um potencial crescente na prestação de serviços de prevenção. O propósito deste estudo foi examinar as percepções da auto-eficácia no aconselhamento e a relação dessas percepções com a vivência de um módulo de instrução ao paciente e com a etapa de preparação de estudantes de Medicina. Os dados foram obtidos mediante dois instrumentos: um questionário para apurar a auto-eficácia e as atitudes dos estudantes sobre o aconselhamento na redução de riscos para a saúde, e uma auto-avaliação dos resultados da aprendizagem no módulo. As percepções de auto-eficácia no aconselhamento foram moderadas em intensidade e significantemente relacionadas com os escores da auto-avaliação. Os níveis de auto-eficácia variaram entre áreas de aconselhamento tais como aboliçiio de tabagismo, redução de estresse e orientação alimentar. Não foram observadas diferenças de auto-eficácia entre estudantes com diferentes categorias de atitude sobre o aconselhamento. Em acréscimo, observou-se forte tendência para auto-eficácia crescente no papel de instrução ao paciente com etapas progressivas de preparação. Os resultados confirmam a utilidade da medida de desenvolvi­mento da auto-eficácia e reforçam a idéia da importância de práticas educativas específicas que visem à melhoria do desempenho no aconselhamento.

Descritores:
Estudantes de Medicina; Aconselhamento; Eficácia; Fatores de risco

Abstract:

Counseling is a mode of educational communication that is bound to play an increasing role in the future delivery of preventive services. The purpose of this study was to examine medical students' perceptions of their self-efficacy in counseling and the relationship of the perceptions to a patient education learning experience and the stage of undergraduate training. Data were obtained through two inventories: first a questionnaire to measure students self-efficacy and attitudes about counseling and health risk reduction, and later a self-assessment of learning outcomes from the patient education experience. Students' perceptions of self-efficacy in counseling were moderate in strength and significantly related to self-assessment of the patient-educator role. Self-efficacy levels varied across the areas of counseling, such as smoking cessation, stress reduction, and nutritional guidance. No differences were found in the distribution of self-efficacy measures between categories of attitudinal approach to counseling identified by content analysis. In addition, there was a strong trend for increasing self-efficacy in the patient-educator role with progressive stages of undergraduate training. The results confirm the usefulness of measuring the development of self-efficacy and reinforce the idea of the importancc of specific educationa/ praclices in fostering improvement of medical students' counseli.ng performance.

Keywords:
Medical students; Causeling; Efficacy; Risk factors

INTRODUÇÃO

A necessidade de realçar a prevenção das doenças e a promoção da saúde no ensino de graduação, inclusive pelo fortalecimento de habilidades de comunicação, tem sido amplamente reconhecida1919. World Federation of Medical Education. Proceedings of the World Summit on Medical Education . W. Walton (ed.). Medical Education 28 (supl. 1). 1994.. Existem muitas áreas, como dieta, exercício, comportamento sexual, abuso de drogas e saúde dental, em que várias evidências respaldam a provisão rotineira de aconselhamento médico1717. Us Preventive Services Task Force Guide to Clinical Preventive Services. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996.. Os próprios pacientes esperam o aconselhamento médico na questão de estilo de vida. Eles acreditam, por exemplo, ser importante que os médicos os aconselhem sobre o hábito de fumar, o consumo de bebida alcoólica e a redução do estresse, entre outros tópicos1212. Price. J.H.; Desmond. S.M.; Losh. D.P Patient's expectations of family physician in health promotion. American journal of Preventive Medicine, 7: 33-9, 1991. Portanto, o aconselhamento tende a ter uma importância crescente na prestação de serviços de prevenção de todos os tipos66. Dickey, L.L.; Digiuseppi, C.; Atkins, D. Preventive Medicine I. Monograph, ed. No 199, HSSA. Kansas City, MO: American Academy of Family Physicians. 1995..

A incorporação de atividades de prevenção de doença e promoção de saúde no currículo médico tem muitas facetas. As atitudes dos estudantes a respeito são críticas, uma vez que influenciam os resultados da aprendizagem. Em particular, um enfoque centrado no paciente provavelmente é mais eficaz no contexto da orientação sobre prevenção de doença e promoção de saúde1111. Meakin, R.P. & Lloyd, M.H. Disease prevention and health promotion: a study of medical students and teachers. Medical Education, 30: 97-104, 1996.. Há relatos de que os estudantes têm interesse no conhecimento sobre fatores de risco e na promoção de saúde, mas têm dificuldade em converter o conhecimento em prática1313. Rubin, J.D.; Sobal, J.; Moran, M.T. Health promotion beliefs and practices of fourth-year medical students. American journal of Preventive Medicine , 6: 106-11, 1990..

O nível de autoconfiança ou eficácia pessoal do estudante na sua habilidade em desempenhar o papel de educador pode ser um fator potente na realização pessoal do aconselhamento. A noção de auto­eficácia é usada no sentido definido por Bandura22. Bandura, A. Self-efficacy. In Social Foundations of Thought and Action. Englewoods Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1986, pp. 390-453.: “o julgamento das pessoas sobre sua capacidade de organizar e executar ações requeridas para alcançar determinados tipos de desempenho”. Bandura33. Bandura, A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist 28: 117-148, 1993. mostrou que os indivíduos formam julgamentos da auto-eficácia mediante apreciação e integração de informações provenientes de quatro fontes: (a) desempenho na atividade; (b) experiência vicariante; (e) persuasão verbal de que podem desempenhar a atividade; (d) feedback fisiológico (sensação de ansiedade ou de euforia). Maior eficácia pessoal no desempenho da atividade associa-se a maior interesse, compromisso, esforço, bem como realização pessoal33. Bandura, A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist 28: 117-148, 1993..

A teoria da auto-eficácia propicia um esquema útil para a análise de vivências de aprendizagem relacionadas à instrução ao paciente. Tresolini & Stritter1616. Tresolini, CP. & Stritler, F.T. An analysis of learning experiences contributing to medical students' self-efficacy in conducting patient education for health promotion. Teaching and Learning in Medicine, 6: 247-54. 1994., numa análise pormenorizada de vivências de aprendizagem de instrução ao paciente para promoção de saúde, identificaram cinco características principais relacionadas aos escores de auto-eficácia: interesses e crenças sobre o papel do médico, oportunidades de prática, modelo do papel de educador e complexidade de estratégias educativas. Esses autores indicam que a auto-eficácia pode ser incrementada pela provisão de cuidadosas práticas educativas de instrução ao paciente.

O incentivo para o presente estudo foi o desafio lançado às escolas médicas pela Agenda para a Ação da Organização Mundial da Saúde e sua ênfase na promoção de estilos de vida saudáveis, por meio do desenvolvimento da comunicação como área de competência profissional44. Boelen, C. Medical education reforms: the need for global action. Academic Medicine, 67: 745-749, 1992.. O propósito do estudo era fazer uma apreciação das percepções de estudantes de Medicina sobre sua auto-eficácia no aconselhamento sobre comportamentos de risco, bem como descobrir se suas atitudes e preparação importavam em algo1515. Sobral, D.T. Students' perceptions of own effectiveness in counselling. Education for Health, 11 (3): 393-396, 1998.. Os estudantes selecionados para o estudo estavam matriculados em disciplina que desenvolvia um módulo sobre o papel de instrução ao paciente e situavam-se em diferentes etapas do curso médico. Quatro questões orientaram o presente relato:

  1. Quais são as percepções de auto-eficácia dos estudantes em relação à instrução ao paciente em gemi e ao aconselhamento em particular?

  2. Que atitudes os estudantes expressam sobre o valor do aconselhamento em fatores de risco?

  3. Que relação a auto-eficácia no aconselhamento tem com a vivência do módulo de instrução ao paciente?

As percepções de auto-eficácia estão associadas a diferentes categorias de atitude ou a etapas de preparação dos estudantes?

MÉTODOS

Participantes

Foram selecionados todos os estudantes matriculados numa disciplina do curso de Medicina da Universidade de Brasília ao longo de cinco anos. O total de 165 participantes (51,2% do sexo masculino) constitui cerca de metade dos alunos que concluíram a fase pré-clinica do curso no mesmo período de tempo. A maioria (63,6%) estava iniciando a preparação clínica no terceiro ano do curso. Cerca de 16% estavam no segundo ano, e os restantes estavam no quarto ano. Não foram observadas diferenças significantes entre participantes e não-participantes no tocante à distribuição sexual, ao índice de rendimento acadêmico e aos descritores de características dos aprendizes, a exemplo de motivação para aprender e autoconfiança como aprendiz.

Contexto

Todos os participantes estavam matriculados numa disciplina optativa que incorporava - nas quatro semanas finais - um módulo de oito horas sobre tópicos de instrução ao paciente. O propósito do módulo era propiciar o desenvolvimento do papel de educador mediante:

  1. Definição do conhecimento pessoal sobre a entrevista clínica (enfocando a explanação ao paciente);

  2. Sondagem de atitudes e práticas relacionadas à instrução ao paciente;

  3. Demonstração de receptividade às necessidades de informação do paciente;

  4. Preparação de plano cooperativo sobre instrução ao paciente;

  5. Participação em projeto eletivo sobre informação em saúde.

O módulo envolvia leituras, debates em grupo pequeno, exercícios (tais como role-play do encontro clínico e preparo de instruções escritas ao paciente) e um miniprojeto pertinente ao tema da instrução ao paciente com relação a pessoas e problemas concretos.

MEDIDAS

Os dados coletados provinham de dois instrumentos: o questioná­rio sobre aconselhamento em saúde e a auto-avaliação no módulo de instrução ao paciente. O primeiro foi adaptado do material descrito por Horowitz e colegas88. Horowitz, M.; Byrd, J.C.; Gruchow, H.W. Attitudes of faculty members, residents, students and community physicians toward health promotion. Journal of Medical Education, 62: 931-4, 1987. e consistia em quatro partes:

A) Primeiro, pedia-se aos estudantes para pontuar cada uma de 20 condutas especificas conforme a importância na promoção da saúde de uma pessoa. As respostas foram dadas numa escala de quatro pontos, de 1 = não importante, até 4 = muito importante.

B) Indagava-se sobre a percepção de auto-eficácia no aconselhamento de pacientes em sete tópicos de promoção de saúde: tabagismo, consumo de álcool, exercício, nutrição, estresse, sexualidade e proteção física. Os participantes registravam a extensão da eficácia pessoal mediante uma escala de sete pontos, abaixo discriminados. A confiabilidade (alfa de Cronbach) dessa parte do instrumento era 0,79.

'Sou capaz de, em relação à conduta ou tarefa:

0 = Nada (rejeição ou falta de informação sobre a tarefa)

1 = Apenas apreciar os esforços de quem a domina

2 = Apenas interagir com quem a domina

3 = Efetuar a conduta ou tarefa somente com extenso treinamento (incentivo, orientação, maturação, prática e fecdback)

4 = Efetuar a conduta ou tarefa com pouca ajuda (apoio, revisão, oportunidade)

5 = Efetuar a conduta ou tarefa com autonomia em condições favoráveis

6= Efetuar a conduta ou tarefa com plena autonomia, mesmo sob pressão negativa (ambiente adverso, falta de tempo ou recursos).'

C) Perguntava-se então: vale a pena aconselhar pacientes em relação a modificação de estilo

D) Finalmente, pedia-se que explicassem resumidamente por que pensavam assim.

O segundo instrumento, a auto-avaliação, sondava o nível de auto­eficácia acadêmica ao término do módulo de instrução ao paciente. Para registrar a intensidade da auto-eficácia percebida com relação aos cinco objetivos do módulo, os participantes usavam a mesma escala de sete pontos acima descrita. A confiabilidade (coeficiente alfa) desse instrumento era 0,88.

Os dois instrumentos foram aplicados, na ordem descrita, na semana final do período letivo, com poucos dias de intervalo, em cada oferta da disciplina.

ANÁLISE DE DADOS

Três participantes foram excluídos da análise por causa de dados incompletos, enquanto os demais responderam a todas as questões. Escores médios foram computados para: cada item, total da pontuação de auto-avaliação e total da pontuação de áreas de aconselhamento. Também foram computados percentuais de estudantes com pontuação mais elevada (níveis 4 a 6 na escala de auto-eficácia já descrita).

As explicações causais dos estudantes55. Brown, G. Lecture and Explaining. London: Methuen, 1978. sobre a valia do aconselha­mento em fatores de risco para a saúde foram sujeitas a análise de conteúdo, usando-se a técnica descrita por Haggart(7). Esperava-se que a atitude global sobre o aconselhamento (centrado ou não no paciente) pudesse emergir das dimensões e características identificadas na análise das explicações.

As relações entre as variáveis foram aferidas por testes de correlação, ou qui-quadrado, conforme apropriado. Diferenças na distribuição das medidas de auto-eficácia entre fatores de agrupamento foram aferidas por análise de variância (Kruskal-Wallis one-way). Testes qui-quadrado de tendência de aumento da proporção de participantes de acordo com etapa progressiva de preparação foram obtidos para as medidas de auto-eficácia e de categoria de enfoque de aconselhamento. Os procedimentos estatísticos foram guiados pelos trabalhos de Andrews e colegas11. Andrews, F.M.; Klem, L; Davidson, T.N.; O'Malley, P.M.; & Rogers, W.L. A Guide for Selecting Statistical Techniques for Analyzing Social Science Data. Ann Arbor: ISR, University of Michigan, 1981. e de Kirkwood1010. Kirkwood, B.R. Essentials of Medical Statistics. Oxford: Blackwell Scientific, 1988..

RESULTADOS

São descritos inicialmente os achados do conjunto de participantes, seguidos dos achados associados ao agrupamento dos participantes conforme etapas de preparação e categorias de atitude ou enfoque sobre o aconselhamento.

Questionário sobre Aconselhamento em Saúde

As médias dos escores de auto-eficácia em aconselhamento e os percentuais dos participantes com pontuação nos níveis superiores da escala encontram-se na Tabela 1. Somente 32 (19,7%) estudantes sentiam capazes de efetuar as atividades de aconselhamento com pouca ou nenhuma ajuda nas sete áreas em estudo. A faixa de pontuação de auto-eficácia foi extensa, e a maior diferença foi observada entre abolição do tabagismo e orientação alimentar.

TABELA 1
Médias e desvios padrões de escores de auto-eficácia em tarefas de aconselhamento e proporções de estudantes em níveis superiores (4 a 6 pontos) de auto-eficácia

Que apreciação fizeram os estudantes do valor do aconselhamento? Primeiro, cerca de 80% ou mais dos participantes atribuíram importância ou muita importância a uma série de condutas na promoção de saúde, pertinentes às sete áreas de aconselhamento examinadas. As proporções variaram de 80%, para 'beba álcool moderadamente', a 99,4%, para 'não fume'. Todos os participantes (menos um) acreditavam que aconselhar pacientes a mudar o estilo de vida valia a pena, seja definitivamente (75,3%) ou provavelmente (24,0%). Quase todos (97,5%) apresentaram uma explicação para essa apreciação da valia do aconselhamento. A análise de conteúdo identificou três dimensões, cada uma com várias características. Foram as seguintes:

  1. atribuição - para quem importa (paciente, médico, sistema de saúde);

  2. critério de valia - princípios de prevenção ou de equidade, responsabilidade profissional, benefício do paciente;

  3. condição restritiva - vantagem para, receptividade do, potencial mórbido do estilo de vida do paciente individual; informação educacional requerida; ou nenhuma condição explícita.

A partir dessa análise, os participantes foram agrupados em três categorias de enfoque: a maioria (46,8%) realçava benefício para o paciente; a categoria intermediária (34,2%) enfatizava a responsabilidade profissional; e a minoria (19%) endossava uma visão de saúde pública. A Tabela 2 mostra que a identificação de benefício ao paciente no acon­selhamento era associada ao condicionamento do paciente, em termos de disposição de mudança, conveniência pessoal e nível de risco envolvido - representando, portanto, um enfoque centrado no paciente.

TABELA 2
Relação entre categoria de enfoque no aconselhamento e fatores condicionantes da valia do aconselhamento a pacientes na redução de riscos (N = 158)

AUTO-AVALIAÇÃO

Os escores de auto-eficácia referentes aos itens do módulo de instrução ao paciente para o conjunto de participantes são relatados na Tabela 3. Do total, 98 (60,5%) estudantes sentiam-se capazes de efetuar todas as atividades com pouca ou nenhuma ajuda. A atividade em que a menor proporção dos participantes registrou um nível de autonomia na auto-eficácia percebida foi 'participação ativa em projeto de informação em saúde'.

TABELA 3
Médias e desvios padrões de escores de auto-avaliação nos itens do módulo de instrução ao paciente e proporções de estudantes nos níveis superiores de auto-eficácia

DISTRIBUIÇÃO DE GRUPOS

Não foram observadas diferenças na distribuição de medidas de auto­eficácia (no aconselhamento ou na instrução ao paciente) entre três categorias de atitude quanto ao aconselhamento. As diferenças na distribuição de medidas de auto-eficácia entre as etapas de preparação foram significantes tanto para escores de aconselhamento (p = 0,006), quanto para escores de auto-avaliação nos itens de instrução ao paciente (p < 0,000). O aumento nos escores de auto-eficácia no aconselhamento com a progressão de etapas de preparação era atribuível a quatro tópicos: álcool, estresse, tabagismo, e proteção física. Para os três outros tópicos (exercício, nutrição e sexualidade) não ocorreram alterações estatisticamente significantes.

Os testes qui-quadrado de tendência, em função da etapa de preparação dos estudantes, são relatados na Tabela 4. A tendência de proporção crescente de participantes que se sentiam capazes de efetuar as atividades com pouca ou nenhuma ajuda foi altamente significante apenas para o escore total de auto-avaliação. O nível mais elevado de preparação (ano 4) estava associado às percepções mais fortes de auto eficácia em todos os itens de instrução ao paciente. Em contraponto, a proporção de participantes com enfoque centrado no paciente declinou com a progressão de etapas de preparação.

TABELA 4
Testes qui-quadrado de tendência da auto-eficácia e do enfoque de aconselhamento com progressão de etapa de preparação dos estudantes

As correlações de postos (coeficiente de Kendall) entre os escores de auto-eficácia na instrução ao paciente (auto-avaliação), de auto-eficácia no aconselhamento e a etapa de preparação dos estudantes foram todas positivas e significantes, variando de 0,21 a 0,37. Obteve-se coeficiente mais elevado (0,37) na relação entre os escores de auto-avaliação e de aconselhamento. O item 'participação ativa em projeto de informação em saúde' foi o mais fortemente associado aos escores de aconselhamento. Uma análise de regressão exploratória revelou que a etapa de preparação e o escore total de auto-eficácia no aconselhamento contribuíram independentemente para explicar a variância do escore total de auto-avaliação de resultados da aprendizagem no módulo de instrução ao paciente (coeficiente de determinação múltipla - R2 = 0,35).

DISCUSSÃO

No conjunto, as medidas de auto-eficácia foram mediana ou mode­radamente elevadas. A percepção de auto-eficácia no aconselhamento era fracamente associada à etapa de preparação.

Observou-se associação estreita entre os escores de aconselha­mento e de auto-avaliação do papel de instrução ao paciente - que mede a percepção de auto-eficácia acadêmica. Existe, por certo, uma base comum entre as duas medidas, e a auto-eficácia no aconselhamento pode ser vista como uma dimensão do papel de instrução ao paciente. Em acréscimo, o módulo educativo gerou fontes de informação para a percepção de auto-eficácia, ao menos em relação ao desempenho pessoal e à experiência vicariante das demonstrações de instrução ao paciente por colegas. Os achados das Tabelas 5 e 6 sugerem que essa vivência foi mais importante do que a etapa de preparação como base de informação para o nível de auto-eficácia no aconselhamento.

Como os estudantes vêm a diferir nas suas percepções de auto­eficácia no aconselhamento? Admite-se que os níveis de auto-eficácia possam variar conforme os padrões de aprendizagem, definidos por cinco características principais - interesses dos estudantes, crenças a respeito do papel do médico, oportunidades de desempenho, modelo de atuação, e complexidade de estratégias de instrução ao paciente1616. Tresolini, CP. & Stritler, F.T. An analysis of learning experiences contributing to medical students' self-efficacy in conducting patient education for health promotion. Teaching and Learning in Medicine, 6: 247-54. 1994.. Embora as configurações de aprendizagem prévia não tenham sido examinadas neste estudo, os seguintes aspectos podem ser comentados: etapa de preparação do participante, eficácia pessoal na aprendizagem, acesso a conteúdo educativo específico e atitude relativa ao aconselhamento.

As percepções de eficácia pessoal dos participante variaram com o tempo de preparação no curso, com níveis mais elevados entre estudantes com maior experiência clínica. A progressão na preparação enseja mais oportunidades de desempenho, de observação e de persuasão. Essa tendência foi marcante em relação aos itens de auto-avaliação.

Parece também que os escores de auto-eficácia podem estar associados a outros componentes de eficácia pessoal. A eficácia pessoal, segundo Bandura33. Bandura, A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist 28: 117-148, 1993., é constituída de três domínios - acadêmico, auto-regulação e social. Uma medida de auto-eficácia na aprendizagem autodirigida mostrou correlação significante com os escores de auto-eficácia nesses mes­mos participantes1414. Sobral, D.T. lmproving learning skills: a self-help group approach. Higher Education, 33: 39-50, 1997. (dados não relatados). Há evidências de que a eficácia pessoal na aprendizagem autodirigida influencia a auto-eficácia acadêmica, que motiva o rendimento acadêmico direta e indiretamente1818. Zimmerman, B.J.; Bandura, A.; Martinez-Ponz, M. Self-motivation for academic attainment: the role of self-efficacy beliefs and personal goal setting. American Educational Research Journal. 29: 663-676, 1992..

As diferenças nos escores entre tópicos de aconselhamento podem se relacionar com acesso diferencial a conteúdos educativos específicos. Por exemplo, doenças relacionadas ao consumo de álcool são enfatizadas mais precoce e freqüentemente do que doenças relacionadas à sexualidade. As diferenças podem se relacionar também com a complexidade de critérios de ação na redução de fatores de risco: mais difíceis de explicar para o aconselhamento alimentar (controle de ingestão e equilíbrio de uma variedade de nutrimentos) do que para o tabagismo (abstinência).

Os participantes expressaram em comum uma crença no envolvimento ativo dos estudantes (e médicos) no aconselhamento e noutras atividades de instrução ao paciente. Cerca de metade mostraram evidência de enfoque centrado no paciente (i.e., levando em conta a situação do paciente e sua disposição para mudança). Esse enfoque parece ser mais favorável à promoção de saúde1111. Meakin, R.P. & Lloyd, M.H. Disease prevention and health promotion: a study of medical students and teachers. Medical Education, 30: 97-104, 1996.. Contudo, o enfoque centrado no paciente não foi significativamente associado aos níveis mais elevados de auto-eficácia, talvez em decorrência do tamanho da amostra.

Alguns achados são positivos, na medida em que o aconselhamento é um tipo básico de comunicação para educação em saúde - uma estratégia primordial da promoção de saúde ‘positiva’, segundo Kemm & Close99. Kemm, S. & Close, A. Health Promotion - Theory and Practice. London: MacMillan, 1995.. Primeiro, a maioria dos estudantes mostrou um ponto de vista firme quanto à valia do aconselhamento aos pacientes a respeito de modificação de condutas de risco, com base principalmente em convicções sobre benefício ao paciente, responsabilidade profissional ou importância da saúde e da prevenção. Segundo, em três importantes riscos de estilo de vida (tabagismo, consumo de álcool e proteção física) obteve-se evidência, embora fraca, de elevação da auto-eficácia no aconselhamento com a progressão no tempo ou etapa de preparação dos estudantes.

São pontos negativos tanto os níveis de escores de auto-eficácia para exercício, nutrição e sexualidade, quanto a falta de incremento com o tempo de preparação dos participantes. Os dados podem refletir deficiências nas fontes de informação relativas à cobertura dos tópicos, aos modelos de atuação médica e aos cenários de aprendizagem, até o quarto ano do curso, ao menos. Inadequações na educação nutricional e sexual dos estudantes de Medicina são fontes de preocupação em muitas escolas.

Em suma, os achados deste estudo sugerem a utilidade de medidas de auto-eficácia tanto na aferição de necessidades quanto na monitoração do progresso do aprendiz no aconselhamento em prevenção de doença e promoção de saúde. Vale realçar que, embora a preparação clínica por si promova percepções de auto-eficácia na instrução ao paciente, são necessárias práticas educativas específicas para o desenvolvimento de cada área de aconselhamento para prevenção de doença e promoção de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    May-Sep 2000
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