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RESENHA BIBLIOGRÁFICA

EWAN, Christina E.; BENNETT, M. J.. - Medicine in prospect the first-year student's view. Medical Education , London, 15: 287-93, 1981.
FOSTER, Patrícia Joan. - Clinical discussion groups: verbal participation and outcomes. Journal of Medical Education , Washington, 56: 831-38, 1981.
GOFFMAN, William. - Marco de referência teórico para el establecimiento de una red internacional de información de salud. Educación Médica y Salud , Washington, 15 (4): 467-73, 1981.
MARTIN, Louis F.. - The initial impact of a surgical AHES program on medical students' career decisions. Journal of Medical Education , Washington. 56: 812-17, 1981.
NEUFELD, V. R.. - Clinical problem-solving by medical students: a cross-sectional and longitudinal analysis. Medical Education , London, 15: 315-22, 1981.
MILLER, George E.. - Os princípios na prática. CUADERNOS DE SALUD PUBLICA. Estrategias educativas para las profesiones de la salud. Genebra, v. 61, 1975 1

EWAN, Christina E. & BENNETT, M. J. - Medicine in prospect the first-year student's view. Medical Education, London, 15: 287-93, 1981.

A seleção de candidatos ao curso de medicina tem suscitado, recentemente, muita discussão. Em geral, as escolas baseiam a seleção, unicamente, em méritos acadêmicos, tornando os exames cada vez mais complexos e difíceis. Alega-se que esses tipos de exames favorecem os estudantes que são natural mente mais voltados para os aspectos acadêmicos, preterindo-se aqueles que têm tendências humanísticas. Como corolário, atribui-se indiretamente a essa distorção o declínio na relação médico/paciente e a insatisfação pública com a prestação de serviços de saúde que recebe. O conceito inerente a esta visão é de que a excelência acadêmica e a habilidade em relacionar-se com os outros são mutuamente exclusivas. A idéia, implicitamente, permite aos professores de medicina transferir suas responsabilidades no processo de formação de médicos para fatores externos à educação médica.

O trabalho relata os resultados de um estudo realizado com uma amostra de alunos do primeiro ano com o objetivo de determinar, numa visão prospectiva, as razões pelas quais escolheram medicina, suas aspirações e expectativas quanto ao curso médico e ao exercício da profissão. Cada aluno era entrevistado durante aproximadamente uma hora, segundo um roteiro composto de trinta e três questões semi-abertas que investigavam os seguintes campos: hábitos de estudo, atitudes para com a medicina e o curso médico, contexto pessoal e familiar. A entrevista, conduzida de forma a mais aberta possível, estimulava os estudantes a falarem livremente sobre si mesmos. As respostas, para fins descritivos, foram enquadradas nas seguintes categorias: Porque decidiu estudar medicina? Qual o aspecto mais atrativo na prática da medicina? Qual o aspecto mais atrativo do curso médico? Que ramo da medicina gostaria de praticar? Em que tipo de ambiente gostaria de exercer a profissão? Quais as dificuldades previstas para atingir seus ideais? Devido ao crescente número de mulheres no curso médico, as respostas foram analisadas separadamente, com o propósito de estabelecer possíveis diferenças entre homens e mulheres quanto à escolha da carreira e esperanças profissionais futuras. Após descreverem e comentarem minuciosamente cada uma daquelas questões, resumiram os achados mais importantes. Contrariamente ao que pensam muitos educadores médicos, os estudantes não estavam primariamente motivados por ambições intelectuais ou científicas. Apresentavam um grande interesse em prover adequados cuidados médicos. Era muito evidente a motivação em se tornarem bons médicos com um forte sentimento ético, bem como o desejo de assistir as pessoas de acordo com as suas necessidades físicas, sociais e psicológicas. Um terço delas pretendia uma prática geral enquanto cerca da metade queria especializar-se. Mesmo esses, entretanto, expressavam a idéia de especialização motivados por intensas razões sociais. Desde o estágio inicial da carreira existem diferenças marcantes entre homens e mulheres. O idealismo é altíssimo entre as mulheres, enquanto que, entre os homens ressalta a necessidade de segurança financeira, embora estejam dispostos a considerável cota de sacrifício para o seu desenvolvimento profissional. A curiosidade intelectual é alta e equivalente nos dois grupos. A expectativa de um trabalho profissional institucionalizado e assalariado é muito maior entre as mulheres. O aumento progressivo de mulheres praticando medicina pode vir a contribuir substancialmente para mudanças nos modelos da prestação de serviços. Parece, portanto, que as atitudes indesejáveis constatadas entre os graduandos de medicina não estão presentes nos estágios iniciais do seu processo de formação.

O trabalho cita 8 referências bibliográficas.

FOSTER, Patrícia Joan - Clinical discussion groups: verbal participation and outcomes. Journal of Medical Education, Washington, 56: 831-38, october 1981.

O objetivo primordial do ensino clínico é desenvolver o raciocínio clínico. Para tal, os estudantes de medicina são colocados em situações variadas como aulas, prática na beira do leito e discussões em pequenos grupos com instrutores. Até o momento existem poucos estudos sobre as situações de aprendizado clínico, e nenhum deles aprofunda especificamente a discussão clínica em pequenos grupos. Assume-se, intuitivamente, que quanto maior a participação do aluno nas discussões, maior o seu aprendizado. O autor estudou, quantitativamente e qualitativa mente, aspectos cognitivos das perguntas formuladas pelos instrutores e da participação verbal dos estudantes em 62 sessões de discussão de grupo realizadas com 119 alunos do terceiro ano. Depois de analisar gravações de cerca de 75 horas de discussões de grupo, examinou-se cuidadosamente como o processo de interação no pequeno grupo relacionava-se com o nível de juízo crítico adquirido pelo aluno e seu desempenho nos exames finais. O instrumento utilizado para a análise foi uma versão modificada do sistema Flanders, ao qual se incorporou a taxionomia do domínio cognitivo de Bloom. Três grandes achados resultaram do estudo. O primeiro foi que o nível cognitivo das questões formuladas pelo professor está intimamente relacionado com o nível cognitivo da resposta dada pelo aluno, especialmente nos níveis mais altos do domínio cognitivo. Isso sugere, portanto, que os alunos responderão com maior profundidade cognitiva se os professores procurarem elevar o nível da discussão e das questões.

O segundo ponto indicou que os alunos que, na discussão, participaram com maior nível cognitivo, também foram aqueles que obtiveram maiores notas nos exames de admissão à escola médica. Em geral, os professores estão habituados a apreciar os alunos mais brilhantes e melhor preparados e procuram estimulá-los dirigindo­lhes as questões de maior nível. Sendo assim, há o risco da discussão em pequenos grupos prejudicar os indivíduos que são verbalmente reticentes. Por último, verificou-se que, embora houvesse correlações significativas entre alguns aspectos da participação verbal e os resultados obtidos no desempenho final dos estudantes, as análises de regressão múltipla demonstraram que a maior contribuição para os desempenhos finais dependiam mais das atitudes e conhecimentos prévios que os estudantes já possuíam na ocasião da entrada na escola, do que das variáveis envolvidas na discussão de grupo. Ou seja, o estudo não valida o conceito tão difundido de que quanto mais os alunos discutem em classe, melhor o seu desempenho e aprendizado. Pelo contrário, os achados sugerem que os alunos melhor preparados e que, portanto, obtêm melhores resultados, são também aqueles que, incidentalmente, participam mais durante as discussões. Sob este ponto de vista, deve-se questionar a validade da aplicação de um método de ensino clínico que consome muitas horas docentes. Por outro lado, a satisfação dos estudantes com o método de discussão de grupo foi muito alta.

O artigo traz 21 referências bibliográficas.

GOFFMAN, William - Marco de referência teórico para el establecimiento de una red internacional de información de salud. Educación Médica y Salud, Washington, 15 (4): 467-73, 1981.

Reconhece-se, em geral, que a informação é de importância vital para os profissionais de saúde. Também é difícil refutar que as fontes principais de informação de saúde são as publicações. Portanto, na base de todo o sistema de informação deve haver uma biblioteca, apesar das modificações tecnológicas pelas quais elas estão passando. Durante muito tempo se concebeu que, para maior facilidade dos usuários, a biblioteca deveria ser autônoma, isto é, conter a maior coleção possível. A biblioteconomia baseada nesse critério está ficando insustentável, por razões de custo. O artigo inclui várias con­siderações sobre os principais problemas dos sistemas de informação de saúde, e discute os benefícios advindos da adoção de novas políticas de organização das bibliotecas médicas. Esclarecendo os conceitos de seletividade e intercâmbio de recursos bibliográficos para se conseguir uma melhor relação custo-benefício, descreve-se a metodologia que deve ser aplicada na reorganização ou criação de bibliotecas, ou de redes de informação de saúde. Exemplifica-se, através do sistema MEDLARS da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos e do sistema aplicado pelo Instituto de Informação Científica da Universidade Case Western Reserve, os métodos pelos quais se pode estruturar uma coleção básica de títulos.

Finalmente, enumeram-se os elementos fundamentais para o bom êxito dos sistemas de informação, entre eles a identificação e obtenção de tecnologia adequada para a difusão, manutenção e utilização do material, a formação de pessoal capacitado para o intercâmbio, a educação dos usuários e o estabelecimento de uma estrutura financeira bem planejada.

O trabalho apresenta 6 referências bibliográficas.

MARTIN, Louis F. et alli - The initial impact of a surgical AHES program on medical students' career decisions. Journal of Medical Education, Washington. 56: 812-17, October 1981.

O AHES (area health education system) é um programa desenvolvido por indicação da Comissão Carnegie, que procura colocar profissionais de saúde em zonas rurais, com o objetivo de estimulá-los a se radicarem em áreas não urbanas. O programa tem sido alvo de muitas especulações, no que diz respeito ao seu potencial de influenciar a distribuição de médicos, porém não há avaliação de longo prazo quanto aos seus efeitos. Desde 1974 a Universidade de Louisville tem mandado estudantes de medicina para uma zona rural a fim de cumprirem programa de treinamento em serviço na área cirúrgica. O relatório revê os cinco primeiros anos do programa e seus efeitos sobre a escolha da Residência. Dos 679 estudantes que se graduaram entre 1976 e 1980, dezessete por cento participaram do programa. Eram em tudo similares aos demais estudantes que permaneceram na zona urbana. Após descrever a concepção e a organização do programa, o relatório mostra que um internato cirúrgico rural pode prover experiência educacional equivalente a programas baseados em centros urbanos, utilizando-se para esta comparação parâmetros objetivos e subjetivos. É importante estabelecer-se a validade educacional de um programa rural, porque a necessidade do aumento do número de médicos no interior não justifica a produção de médicos academicamente inferiores aos seus pares das cidades.

Os estudantes que participaram do programa rural escolheram Residência em medicina geral em maior proporção que os do programa urbano. Embora encorajador, este resultado não prova que o AHES, por si só, interfere nesse tipo de seleção de carreira.

O relatório cita 7 referências bibliográficas.

NEUFELD, V. R. et alli - Clinical problem-solving by medical students: a cross-sectional and longitudinal analysis. Medical Education, London, 15: 315-22, 1981.

Analisa-se o desenvolvimento do raciocínio clínico entre estudantes de medicina. Nas duas últimas décadas o ensino clínico tendeu a considerar o clínico como um solucionador de problema. Nesse sentido organizaram-se currículos, e muitos esforços foram feitos para aperfeiçoar instrumentos que testassem a habilidade de resolver problemas. Tais condutas, porém, pressupõem que a capacidade de resolver problemas é uma habilidade própria e geral, que pode ser isolada do saber e desenvolvida especificamente. Até o momento, entretanto, não há razão para supor que esteja sujeita a processos de instrução, mais do que a inteligência. Há, sim, evidências de que pode estar intimamente relacionada com o conteúdo do problema apresentado. Vários estudos têm examinado a maneira pela qual os clínicos resolvem problemas e mostram que, durante a observação clínica, os médicos geram hipóteses diagnósticas precocemente, em número limitado, que interferem poderosa­ mente na seqüência e na natureza da obtenção de novos dados clínicos. Embora exista pouca pesquisa sobre o assunto, voltada para os estudantes de medicina, os resultados sugerem que os mesmos solucionam melhor os problemas como conseqüência de um processo de educação. As pesquisas, no entanto, não revelam se essa melhoria decorre do aumento do conhecimento médico, da exposição repetida a problemas similares, ou se é um artefato dos métodos de simulação. No caso deste trabalho foram tomadas, ao acaso, três amostras de estudantes de graduação que cursavam períodos diferentes. Posteriormente, vinte e dois desses estudantes foram acompanhados, todos os anos, desde o período de pré-internato até o final do primeiro ano após a graduação.

Os alunos eram observados ao realizarem o exame clínico de pacientes simulados e seus processos de raciocínio eram posteriormente desdobrados através de uma revisão crítica e comentada do vídeo-teipe do exame. Caracterizando o processo de raciocínio clínico foram estudadas inúmeras variáveis, tais como: tempo decorrido até a formulação da primeira hipótese diagnóstica, número de perguntas relativas à anamnese, número de manobras semiológicas realizadas, proporção de achados clínicos significativos descobertos, entre outras. Além dessas, para estudar o resultado final do exame clínico, foram definidas quatro medidas: precisão do diagnóstico, plano diagnóstico e terapêutico instituído e grau de relação médico-paciente obtido. Análise da variância das diferenças entre estudantes de diversos níveis e o grupo médico, usado como controle, indicaram que a maioria das variáveis pertinentes ao processo de raciocínio clínico não se correlacionam com o nível educacional. Por outro lado, o estabelecimento dos planos diagnóstico e terapêutico estavam intimamente relacionados com o aumento da educação dos alunos. Os resultados do estudo mostram que o processo de raciocínio clínico é, na verdade, uma integração de quatro competências básicas, e que permanece razoavelmente constante desde a entrada até a saída da escola médica. Esse conhecimento traz implicações importantes para o ensino e avaliação. Ressalta-se, entre elas, o fato de que o ensino da solução de problemas deva estar mais dirigido para atuar sobre duas dessas competências capazes de serem modificadas pela instrução. As restantes, que envolvem principalmente atributos pessoais dependerão fundamentalmente dos sistemas de seleção dos candidatos a medicina.

O artigo apresenta 16 referências bibliográficas.

MILLER, George E. - Os princípios na prática. CUADERNOS DE SALUD PUBLICA. Estrategias educativas para las profesiones de la salud. Genebra, v. 61, 19752 2 Tradução, autorizada pelo autor, de responsabilidade de Maria Helena Ferreira, Secretária dos Cursos do CLATES, OPS - Rio de Janeiro.

Não é fácil a tarefa de plasmar em práticas institucionais ou docentes os princípios enunciados neste artigo e na publicação anterior da OMS sobre o mesmo assunto. De fato, as modificações essenciais que, infalivelmente, devem acompanhar a aplicação integral dessas estratégias pedagógicas será, sempre, uma tarefa árdua e, com freqüência, até mesmo decepcionante e desencorajadora. Neste trabalho examinaremos, pois, as perspectivas que esta missão oferece, a fim de que o pessoal engajado na mesma e que enfrenta problemas irritantes, dificuldades aparentemente insuperáveis, o próprio desalento ou a hostilidade declarada de seus colegas, não se sinta completamente só e possa vislumbrar uma luz de esperança no fundo do túnel.

A aplicação sistemática da pedagogia ao ensino da medicina é relativamente recente. Fazem apenas 15 anos que os primeiros centros oficiais de pesquisa e desenvolvimento do ensino se instalaram, quase simultaneamente, em três escolas de medicina dos Estados Unidos. Cinco anos antes fora feita na Escola de Medicina de Buffalo a primeira tentativa de estabelecer uma colaboração assídua entre pedagogos e professores de medicina, para estudar os problemas comuns. Em que pese a fecunda influência exercida pelo pequeno grupo que ali iniciou este trabalho, o experimento deixou apenas vestígios nessa instituição, quando seus inspiradores a abandonaram para prosseguir sua obra em outros lugares. Para explicar esta aparente falta de resultados, cabe recorrer a uma analogia biomédica: um estímulo antigênico provoca uma reação de anticorpos que, se chega a ter suficiente intensidade, pode causar a rejeição de um transplante.

Não há dúvida de que em Buffalo produziu-se um encadeamento semelhante de fatos: era quase inevitável que a discussão e a proposta de novas idéias sobre o processo educacional, que se opunham a práticas arraigadas por muitos anos de ensino, suscitassem nos professores de medicina uma reação de defesa; ao grupo idealista de jovens entusiastas faltava a habilidade necessária para prever, evitar ou combater essa reação, anulando-a. Felizmente, com esta experiência aprendeu-se muito, e os que prosseguiram com o trabalho puderam contrabalançar mais eficazmente, em outros lugares, o fenômeno previsível de dinâmica humana que desencadeia a introdução de idéias novas e insólitas. Como muitos dos leitores deste artigo se defrontarão com reações semelhantes, quando tentarem transportar princípios educacionais para a prática docente-institucional, a experiência adquirida por um colega pode tornar-se animadora e, inclusive, proveitosa.

A Escola de Medicina da Universidade de Illinois, onde, provavelmente, se encontra o serviço mais completo de pesquisa e desenvolvimento do ensino das profissões de saúde que existe nos Estados Unidos, não aplicava métodos pedagógicos mais avançados do que a maioria das outras, quando, em 1959, nela se estabeleceu um Centro de Pesquisas sobre Ensino da Medicina. O que a distinguia das demais era a presença de um decano convencido de que, para planejar ou aplicar um bom programa docente, era fundamental um estudo sistemático a cargo de especialistas em medicina e educação, totalmente dedicados a este problema; o decano era auxiliado por um grupo de professores que tinham refletido bastante a respeito, para dar-se conta da envergadura dos problemas propostos e se disporem a empregar métodos originais para resolvê-los. Embora nem todos tivessem uma idéia clara do que poderia fazer um serviço desse tipo, foi acolhida com entusiasmo moderado a contratação de um pedagogo, um médico e um psicólogo especializado em métodos docentes.

Este sentimento durou quase um ano, enquanto os dois novos membros da equipe se dedicaram a interrogar os catedráticos, os grupos de professores, os administradores e os alunos, sobre os objetivos gerais do ensino, os problemas práticos com que se defrontavam e os meios que, a seu ver, eram necessários para resolver esses problemas. Entretanto, a pesquisa não se limitava a uma simples compilação de dados, e também lançou luz sobre certos aspectos que os profissionais consideravam importantes; a especificação dos objetivos, a harmonia entre os objetivos e os programas de ensino, e a precisão e validez dos métodos de avaliação utilizados para reunir dados sobre o progresso dos alunos, a eficácia do programa, etc... A intranqüilidade que estas sondagens provocaram, em geral, foi tolerável, mas as conseqüências educacionais levantaram, com freqüência, discussões apaixonadas.

Os professores experimentaram uma inquietação um pouco maior quando se aplicou um segundo método informativo, anteriormente utilizado no projeto de Buffalo, que consistia na observação direta e na documentação sistemática da influência recíproca entre os processos de aprendizagem e o ensino. Centenas de horas foram passadas em salas de conferência, aulas, laboratórios, consultórios e salas de hospital, para obter em prime ira mão o que resultou ser uma excelente imagem do processo formativo a que se submetem os alunos e do conteúdo do ensino.

O ceticismo com que viam este trabalho alguns professores que tinham esperado uma ação, e não simplesmente um estudo a cargo de um grupo de pedagogos profissionais, aumentou ainda mais quando foi solicitada sua autorização, ou sua participação em pesquisas concretas encaminhadas para obter informação mais detalhada sobre determinados aspectos do programa docente. Entre os aspectos examinados figuravam: 1) os valores e atitudes de alunos e professores; 2) a sensibilidade dos alunos e professores em relação ao ambiente acadêmico (incentivos e recompensas); 3) a perícia dos alunos para formular e resolver problemas e a influência dessa habilidade nos resultados obtidos; e 4) a retenção pelos estudantes e professores dos conhecimentos adquiridos nos cursos de ciências fundamentais.

As conclusões que se impunham por detrás da informação assim acumulada, serviram de base para as sugestões, propostas e recomendações que o pessoal do novo serviço se considerou então autorizado a formular. Lamentavelmente, como cabia esperar, estas conclusões e recomendações não foram do tipo que a maioria dos professores esperava. Dois exemplos serão suficientes para esclarecer esta discrepância.

Em primeiro lugar, obtinha-se no estudo, entre outras coisas, a nítida impressão de que o sistema de exames influía muito mais na aprendizagem do que os objetivos do ensino, a organização do programa de estudos ou os métodos didáticos; em verdade, por mais atraente que fosse o enunciado dos objetivos, por mais lógica que fosse a organização do programa, por mais brilhantes que se tornassem os métodos didáticos, o que mais claramente indicava ao aluno o que se esperava dele era, precisamente, o exame. Infelizmente, os exames na escola de medicina pareciam estar, com freqüência, mais em conflito do que em harmonia com os objetivos explícitos e implícitos do ensino e com a organização do programa. Por exemplo, enquanto quase todos os professores estavam de acordo em que é importante ajudar os alunos a adquirir a capacidade necessária para identificar, analisar e resolver problemas, nos exames punha-se, sobretudo, à prova, sua capacidade de recordar fragmentos isolados de informação; por outro lado, como os exames se realizavam por disciplinas embora seu conteúdo costumasse ser comum a várias delas, não só se premiava os alunos que podiam recordar todos os fatos, mas também os que podiam recordar fatos diferentes para responder à mesma pergunta, segundo quem a formulasse (por exemplo, um interno, um cirurgião ou um psiquiatra, que interrogassem sobre o tratamento da úlcera péptica). Esta observação indicava que a verdadeira reforma do programa docente devia começar pelo sistema de exames, e não pelo plano de estudos. Em teoria, um sistema deste tipo pode desempenhar duas funções: uma de orientação dos alunos e professores, para facilitar a aprendizagem, e outra de controle, para garantir que foram adquiridos os conhecimentos necessários. Para isso, faz falta algo mais que o esforço sincero de alguns professores que trabalham separadamente na célula isolada de uma cátedra; é imprescindível uma organização acadêmica que permita verificar e compensar o entusiasmo individual ou coletivo por um determinado aspecto do saber, assim como pessoal auxiliar especializado que conheça bem a teoria e domine as práticas de avaliação do ensino.

O segundo exemplo corresponde à organização do plano de estudos. Todos admitiam que o acervo de conhecimentos biomédicos é tão amplo e muda com tal rapidez, que é impossível abrangê-lo no tempo de que se dispõe para um programa de ensino básico de medicina. Entretanto, havia outro objetivo docente de maior importância que a instrução exaustiva: ensinar os alunos a estudar por sua conta e, assim, capacitá-los a atualizar seus conhecimentos biomédicos ao longo de seu exercício profissional. Apesar disso, o planejamento do programa de estudos suscitava uma luta constante para conseguir mais horas de aula, a fim de ensinar a todos os alunos aquilo que, segundo pretendiam os diversos professores, era o mínimo absoluto para cada disciplina: entretanto, quando se somavam esses horários mínimos absolutos, o programa estava tão sobrecarregado que os alunos não tinham, praticamente, nenhuma possibilidade de aprender a estudar por sua conta e como, por este meio, se formava neles uma atitude de dependência, não havia porque surpreender-se com seu escasso interesse em prosseguir instruindo-se, depois de obtido o diploma. A solução do problema da formação contínua do médico, que tanto preocupava o pessoal docente, parecia residir não tanto em organizar mais programas de formação contínua para diplomados, mas em dar aos ensinamentos básicos de medicina uma nova estrutura que estimulasse e recompensasse verdadeiramente a aprendizagem pessoal. Para isso, entretanto, era inevitável renunciar a “horas de aula”, e poucas cátedras estavam dispostas a dar este passo, embora muitas não fizessem objeção em admitir que outras poderiam fazê-lo facilmente. Como sucede em relação à mudança do sistema de exames, a solução para este problema exige algo mais que esforços isolados; exige o estabelecimento de um sistema institucional que permita verificar e harmonizar o planejamento e a execução do programa de estudos.

À medida que tais dados e idéias vinham à superfície, o ceticismo dos professores se transformava em uma hostilidade mal disfarçada, porque se tornava evidente que os peritos chamados para ajudar o pessoal docente a cumprir sua missão, não se contentariam em reestruturar o plano de estudos e oferecer uma variedade maior de métodos didáticos; ao contrário, defendiam uma modificação fundamental do sistema de adoção de decisões e da prática do ensino. Deste modo, romperam-se as hostilidades, da mesma maneira como sucederá em toda faculdade de medicina onde se empreenda exame de consciência semelhante. O resultado final do confronto dependerá de muitos fatores, embora, para que prevaleça a tese defendida neste artigo, três deles parecem revestir­se de particular importância: o apoio administrativo, a participação dos professores e um persistente espírito crítico.

Embora não seja indispensável que o diretor, decano, vice-reitor e reitor sejam peritos em pedagogia, sem sua compreensão e seu apoio, não é provável que semelhante reorientação fundamental do planejamento do programa e das funções docentes, resista aos ataques diretos e à sabotagem indireta que provoca toda proposta de mudança radical das práticas de ensino; se esses administradores não estão dispostos a enfrentar o descontentamento de seus colegas, que protestam contra a invasão da autonomia de sua cátedra, até então inviolável, ou não estão convencidos de que o acervo de conhecimentos acumulados pelos pedagogos profissionais encontra uma aplicação evidente nos programas de estudo das ciências da saúde, as possibilidades de que essa atividade passe a constituir um elemento integrante da programação institucional serão muito reduzidas.

Igualmente reduzidas serão, se aqueles que tentam introduzir os princípios pedagógicos são insensíveis aos interesses, dúvidas e inquietações de seus colegas, ou ignoram as linhas habituais de comunicação e autoridade. Se, por acaso, a escola conta com um grupo organizado de professores ou com um comitê encarregado de estabelecer as políticas e aplicar os programas, estes grupos oferecem uma via ótima para modificar o funcionamento da instituição. Ao contrário, quando uma escola não é, do ponto de vista orgânico, outra coisa senão uma federação mal articulada de cátedras fundamentalmente autônomas, o mais razoável será trabalhar pacientemente no seio dessa estrutura, até conseguir a aplicação coordenada ou cooperativa e, definitivamente, institucional, das faculdades decisórias. Qualquer dos dois métodos exige mais tempo que o requerido pela simples modificação do programa dentro de uma esfera mais limitada de responsabilidade pessoal. Além disso, o meio mais fácil pode oferecer a outros um exemplo evidente de novas estratégias ou táticas didáticas, mas não influirá necessariamente nas práticas docentes alheias. A verdadeira tarefa de quem pretende estimular a modificação do ensino é estabelecer as bases para renovação do espírito docente em que se inspiram os programas de uma instituição, e não simplesmente demonstar que podem ocorrer mudança s em um pequeno departamento.

Para levar a bom termo esta tarefa, é indispensável que o inovador não adote um papel de missionário que traz respostas prontas aos problemas do ensino, mas que se limite a buscar estas respostas nos demais. Não há soluções universais que possam ser aplicadas sem que se leve em conta a realidade social, cultural, econômica e orgânica de cada estabelecimento particular. Embora as conclusões de ordem geral possam ser úteis em um contexto institucional preciso, ainda terá maior utilidade a compilação sistemática de dados institucionais, que pode substituir os impulsos intuitivos em que tantas vezes se baseia a adoção de decisões no sistema contemporâneo de ensino da medicina. Seria utópico esperar que as provas bastassem para convencer os professores; entretanto, se faltam os dados, as opiniões favoráveis a uma linha de conduta não terão mais peso do que as manejadas para apoiar outro modo de proceder. Por outro lado, quando os dados são escassos, as opiniões são quase invariavelmente obstinadas e, em conseqüência, certos fatores, como o prestígio de um indivíduo ou de uma cátedra, podem ter uma influência mais decisiva do que a informação fundamental no processo de planejamento.

A existência de apoio administrativo, participação do professorado, e espírito crítico constante, não são uma garantia de êxito para a incorporação da pedagogia ao programa de uma faculdade de medicina, mas sua ausência aumenta as probabilidades de fracasso. No programa de Illinois, felizmente, coincidiram o respaldo entusiasta dos sucessivos titulares dos altos cargos administrativos, a estruturação em forma de comitê do grupo de professores, que permitiu ao pessoal docente (que, por sua vez, começou progressivamente a apreciar a contribuição dos pedagogos) assumir a responsabilidade de direção, e a presença de um grupo cada vez mais numeroso de especialistas em desenvolvimento do ensino e pesquisas pedagógicas, que não só desempenharam sua função auxiliar com um alto grau de perícia técnica, mas que estavam, além disso, dispostos a colocar à prova suas teorias, no cenário autêntico de uma faculdade de medicina. Entretanto, nem mesmo estas vantagens, unidas a recursos financeiros suficientes para que a operação prosseguisse sem grandes limitações orçamentárias, permitiram sua rápida aceitação. Só depois de dez anos conseguiu-se que a resistência generalizada a propostas como as que foram descritas anteriormente, se transformasse em um respeito apático; mas existem ainda núcleos de ressentimento perceptíveis e, inclusive, claramente evidentes, devido à considerável erosão da autonomia de cátedra, que acompanham essas mudanças.

Tais sentimentos não são, de modo algum, uma simples manifestação de interesses míopes. Há quem acredite sinceramente que o desaparecimento progressivo do predomínio das cátedras, no planejamento dos programas e na adoção de decisões, enfraqueceu seriamente a qualidade acadêmica. É provável que adotem esta posição aqueles que consideram que a faculdade de medicina, assim como a universidade da qual faz parte, é antes de tudo uma comunidade de universitários que só respondem a essa comunidade pelo conteúdo e qualidade do programa; ao contrário, os que vêem na faculdade de medicina um instrumento da sociedade e não só do grupo de professores, provavelmente observarão que a introdução da pedagogia obrigou a submeter a exame crítico os objetivos e procedimentos que a ciência sempre exige de seus seguidores, e estimulou um sistema de valorização baseado no estudo e na compilação organizados de informação objetiva, e não em opiniões pessoais.

Uma perspectiva de quinze anos permite advertir que esta atividade não apenas sobreviveu, mas prosperou. Os especialistas, que no início eram dois, são atualmente quase 50; de observadores e relatores passaram a ser coparticipantes na elaboração de estratégias e táticas docentes; o limitado programa de pesquisas sobre ensino que iniciaram, chegou a ser uma importante empresa que se ocupa de numerosos projetos; o trabalho pessoal e particular de convencer os professores locais de que havia algo digno de saber em relação ao ensino, transformou-se em uma atividade de formação de pessoal docente, que compreende, inclusive, um programa para a obtenção de um diploma oficial, para o qual há candidatos vindos de todas as partes do mundo. Entretanto, com uma perspectiva de um mês, e ainda de um ano, o progresso parece às vezes muito pequeno. Mesmo depois de tantos anos de experiência, não é raro que os membros do pessoal experimentem desalento e frustração ante a lentidão desesperadora com que progridem, ou a distância que ainda os separa de uma meta importante. Se estas observações forem reunidas, observar-se-á claramente que o especialista em pedagogia médica necessita absolutamente, para ter êxito, de duas qualidades que devem somar-se à competência técnica.

A primeira é a paciência. As mudanças importantes se produzem lentamente, e quanto mais importante for a mudança, provavelmente mais lenta será sua evolução. Assim como a reprodução humana, na qual por muito experimentada que seja uma parte, e muito receptiva a outra, há que se esperar nove meses para que o espermatozóide e o óvulo unidos se convertam em um novo ser perfeitamente formado e funcionalmente viável, a criação de um novo plano de estudos é uma obra difícil e laboriosa, mas não é nada, se comparada com a gestação de um novo espírito docente, independente, em essência, da estrutura do programa de estudos. É certo que se pode modificar com rapidez a aparência externa desses programas e que muitas instituições docentes assim o fizeram; entretanto, ao fim de vários anos, tiveram que perguntar-se porque as coisas continuavam sendo, na realidade, praticamente idênticas ao que eram antes. Conseguir algo mais que uma simples operação de cirurgia estética exige paciência, qualidade de que muito poucos são generosamente dotados.

A segunda qualidade é a capacidade de perceber com toda clareza um objetivo ideal sem perder de vista o ponto de partida, uma vez que os dois indicadores têm a mesma importância. É fácil criticar um programa em que se observam deficiências evidentes e com o qual não se alcançam os resultados previstos; essa crítica pode ser muito útil quando constitui um elemento de juízo e não um juízo definitivo, mas também é importante olhar na outra direção, para determinar se o que foi conseguido representa um avanço rumo ao objetivo a longo prazo. Poucas coisas são mais eficazes que o êxito para estimular a ambição e, portanto, o reconhecimento periódico dos êxitos parciais, que supõe o alcance dos objetivos intermediários, é tão importante como a visão contínua de um ideal que, contudo, pode estar ainda muito afastado.

A descrição, que aqui se oferece, de quinze anos de experiência, e os princípios orientadores que emanam dessa experiência, não são nem mais nem menos que o fruto de uma obra pessoal. Sem dúvida, não são um novo evangelho a que se deva, necessariamente, agarrar nem uma série de novas teorias que devam ser submetidas a um ensaio experimental. Trata-se de uma simples descrição do que sucedeu em uma escola de medicina norte-americana tradicional, importante, bem arraigada e subvencionada com fundos públicos, quando se decidiu introduzir uma disciplina nova e desconhecida (a pedagogia) em sua estrutura institucional. Não há dúvida de que os resultados teriam sido diferentes em uma escola menor ou em fase de organização. Embora o número de escolas que se criam no mundo aumente sem cessar, muitas delas parecem envelhecer rapidamente, à medida em que as idéias ousadas de que nasceram vão forjando uma nova ortodoxia. Além disso, os problemas que os grandes estabelecimentos apresentam são discutidos em toda parte. For estes motivos, até uma breve descrição, como a que aqui se oferece, pode ter certa utilidade prática para outros especialistas no ensino da medicina. Pelo menos, quando se defrontem com problemas e se sintam desanimados. Talvez lhes sirva de consolo saber que não estão sós...

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    Tradução, autorizada pelo autor, de responsabilidade de Maria Helena Ferreira, Secretária dos Cursos do CLATES, OPS - Rio de Janeiro.
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    Tradução, autorizada pelo autor, de responsabilidade de Maria Helena Ferreira, Secretária dos Cursos do CLATES, OPS - Rio de Janeiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1982
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