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A Formação Médica e o Processo de Trabalho Convite à Construção de Novas Propostas

Medical Education and Medical Work: A Call for New Proposals

A consolidação do modelo "assistencialista e hospitalocêntrico" na década de 70 no Brasil, associada à reforma do ensino, fortaleceu a formação do profissional de medicina voltada à especialização, sendo esta retratada por meio da fragmentação da forma de abordagem dos conteúdos e das práticas do processo ensino-aprendizagem. Foi introduzida nos cursos a subdivisão das grandes áreas do conhecimento em diversas disciplinas, e os cenários de aprendizagem ficaram limitados ao hospital.

O esgotamento desse modelo hegemônico, expresso pela não melhoria d os níveis de saúde da população e, principalmente, por seu alto custo, fundamentou a construção de propostas alternativas, formalizadas, em seus princípios, por meio da implantação do Sistema Único de Saúde.

A cada momento histórico, em função do diagnóstico de saúde da população, da forma de organização do processo de trabalho, da produção do saber e do desenvolvimento de tecnologias, torna-se evidente a necessidade de redefinir o perfil profissional a ser formado, para atender às exigências dos serviços de saúde. As adequações requeridas, em nosso meio, envolvem a grande maioria dos profissionais, e sua abrangência atinge desde a porta de entrada até a estrutura administrativa hierárquica a superior do sistema.

Embora diversos estudos apontem a necessidade de proceder a adequações dos cursos de formação profissional, poucas iniciativas referentes à reforma curricular foram efetivamente implementadas. Em sua maioria, as modificações abrangeram algumas alterações de grade disciplinar ou a incorporação de modelos pedagógicos em alguns segmentos do curso. A capacitação dos profissionais já integrantes dos serviços não tem sido satisfatória quantitativamente e, com frequência, está orientada para a atualização do saber estrutura do, sendo pouco valorizada a educação permanente que busca associar a aplicação do conhecimento à realidade local.

Em relação às práticas de saúde, surgiram algumas iniciativas na tentativa de retomar a coerência antes defendida pela Atenção Básica de Saúde, tornando-se referência para os defensores das ações que ultrapassavam o campo biológico, colocando-se como alternativa ao modelo hegemónico. O conjunto de atividades preconizado incorpora medidas que envolvem a qualidade de vida, em especial as referentes a estilo de vida, meio ambiente, habitação, educação, trabalho, renda, transporte e lazer, abrangendo também procedimentos clínicos em níveis de complexidade crescente, em função da capacidade instalada dos serviços e das características dos profissionais envolvidos.

Como referência para o desenvolvimento de ações a respeito, vários projetos têm sido utilizados, como, por exemplo, o Silos, Vigilância à Saúde, Cidades Saudáveis, Valorização da Vida e Programa de Saúde da Família. Quanto à relação dessas iniciativas com a formação e a capacitação de recursos humanos, convém ressaltar a necessidade de realizar projetos estratégicos dirigidos à construção de tecnologias para os serviços e a utilização de modelos pedagógicos que viabilizem a atuação profissional, tendo como referência o processo de trabalho. Além do enfoque meramente biológico, deve-se buscar a construção de instrumentos de intervenção em saúde de forma intersetorial, visando à integralidade da atenção, ou seja, atuar frente aos determinantes dos principais problemas de saúde identificados num território e invertendo-se a lógica da demanda espontânea pela responsabilidade do serviço, da equipe e do profissional com uma população adscrita. Portanto, as modificações requeridas no processo de trabalho dependem intimamente das competências, das habilidades e da adoção de valores éticos, sociais e culturais dos profissionais. Neste aspecto, de forma coerente com as diretrizes curriculares recentemente aprovadas e os princípios da educação permanente, torna-se de fundamental importância a escolha dos métodos de ensino-aprendizagem, atrelados a uma nova forma de interpretar e agir em saúde; a diversificação dos cenários; a capacitação dos próprios docentes que irão participar como multiplicadores do processo; e, sobretudo, estimular a produção do conhecimento na área da saúde individual e coletiva, voltada a diagnosticar e a intervir nas questões de saúde da população, utilizando protocolos de atuação previamente definidos e que permitam uma avaliação permanente e ajustes em função das especificidades locais.

A construção de métodos, instrumentos e indicadores destinados à avaliação do processo ensino-aprendizagem deve ter também como referência as competências e habilidades adequadas à multidisciplinaridade. Em síntese, os instrumentos tecnopolíticos deverão abranger os diversos componentes do processo saúde-doença no nível tanto do diagnóstico, quanto da intervenção nas áreas individual e coletiva.

Convém enfatizar que as iniciativas propostas necessitam da colaboração dos diversos atores envolvidos, pertencentes tanto às instituições de ensino, quanto aos serviços. Visando alcançar esses objetivos, estamos estimulando todos os interessados a participarem da construção coletiva, da sistematização e da divulgação das propostas de produção e reprodução do saber voltado a uma nova lógica do processo de trabalho, que atenda às necessidades de saúde da população.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2003
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