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Curso de cirurgia na graduação

I - Introdução

O ensino médico na graduação necessita de uma revisão nos seus objetivos e sua dinâmica.

Os comprometimentos da saúde, que afligem o homem, no seu meio sócio-econômico-familiar, estão a exigir nova demanda de atendimento médico.

Para tanto, faz-se necessário rever o tipo de médico que está sendo graduado, para que o produto final possa, realmente, atender às necessidades do meio comunitário.

Em particular, no Curso de Cirurgia, a nível de graduação, os esquemas estanques e clássicos não têm mais ressonância na prática e o ensino deve se pautar por constantes que, essencialmente, são agrupados em: Princípios Básicos de Cirurgia e Operações Fundamentais, além das noções introdutórias da Metabologia Cirúrgica.

Cabe, exclusivamente, ao Departamento e não à Disciplina-Serviço, planejar, deliberar, executar e supervisionar o ensino.

No entanto, não se deve esquecer que:

  1. mais vale dar um curso razoável dentro de nossas condições físicas e econômicas, do que um curso de planejamento utópico, que se tornará medíocre pela defasagem entre o planejamento e as condições reais de cada Departamento;

  2. as reformas não podem esquecer o elemento humano, que é o professor-profissional (a improvisação ou o aproveitamento de profissionais não motivados, são obstáculos sérios à execução eficaz de um programa);

  3. é preciso que o aluno de graduação volte a conhecer, entender e viver o paciente, humanísticamente;

  4. o curso deve dar ao aluno, noções fundamentais de ética, quanto ao paciente, ao colega, ao hospital, ao sistema previdenciário, enfim, ao amplo exercício da Medicina.

II - Delineamento

Qual seria, a nosso ver, a dinâmica mais singela e prática do ensino da Cirurgia na graduação? (Ver Organograma I). O Colegiado de Coordenação Didática com a função de coordenar todo o currículo médico, ouvidos os Departamentos, terá uma ação normativa norteando aspectos fundamentais, tais como, carga horária, créditos, objetivos gerais e específicos do curso e revisões periódicas de métodos de avaliação e de ensino.

A Comissão de Ensino de cada Departamento fará a disposição dos objetivos de acordo com as condições e potencialidades de cada disciplina-serviço, programando os temas e respectivos professores, bem como locais, datas e horários.

Essa designação de docentes seria feita atendendo a dois propósitos:

  1. o de aproveitar a carga horária docente de cada um e,

  2. o de retirar do mesmo a sua participação nas atividades rotineiras, tais como: atendimentos assistência clínicocirúrgica, pesquisa aplicada (ou básica), manutenção da estrutura básica de serviço, cursos de pós-graduação, especialização e extensão (atualização). Com este segundo propósito, a disciplina-serviço progride nas suas pesquisas para beneficiar o ensino na pós-graduação, na reciclagem, sem prejudicar os objetivos da Comissão de Ensino do Departamento, responsável pela execução do curso de graduação.

A organização geral deve ser feita para a graduação, mas as disciplinas devem ter seus serviços também para obter experiências, pesquisar, divulgar e exercer influências universitárias sobre aqueles que delas necessitam, ou que as procuram para melhoria de suas condições culturais, sob a forma de residência, especialização, atualização e pós-graduação.

A disciplina-serviço teria, então, duas atividades. A de generalista, em termos de graduação, usando a experiência dos decentes; atendendo ao planejamento feito pela Comissão de Ensino e pelo Colegiado. E a atividade especializada, pelo seu corpo docente, com o apoio do Departamento, que aí não deve intervir cientificamente.

A coordenação dos cursos de cada disciplina não será feita exclusivamente pelos coordenadores dós serviços. Será baseada em determinações gerais a nível departamental e do Colegiado de Curso.

A composição do programa de Cirurgia será estruturada fundamentalmente por três objetivos gerais, fundamentais e imprescindíveis: Princípios Fundamentais, Operações Fundamentais e Metabologia Cirúrgica.

Ao aluno não se ensinará fazer uma gastrectomia, colectomia ou outra cirurgia maior. O Curso só fará com que ele chegue a essses tratamentos cirúrgicos dando-lhe três orientações primordiais. A primeira delas, deve tratar das noções básicas de Metabologia Cirúrgica e sua implicações clinicas. A segunda faz com que o aluno ouça, veja, estude e desempenhe, para aprender e sedimentar todos os princípios fundamentais da cirurgia, que são aplicáveis a qualquer tipo ou especialidade, sem excessão. A terceira orientação fará com que ele desenvolva habilidades em executar todas as operações fundamentais de todas as especialidades, sobretudo, as aplicáveis às soluções de urgência e aos casos de cirurgia realizáveis numa comunidade. Possuidor dos conhecimentos fundamentais de pré e pós-operatório da cirurgia em geral e conhecedor das operações fundamentais, a ponto de desempenhá-las ainda que sem adestramento, com o estudo e a vivência que a profissão lhe dará, o médico conseguirá tratar com segurança e tranqüilidade.

Assim, por exemplo, ao invés de se dar um curso sobre vinte e quatro operações terapêuticas do tubo digestivo, difíceis e inexeqüiveis para a maioria dos que se iniciam, ensinam-se quatorze operações fundamentais (ver Organograma II).

Essas, isoladas ou conjugadas, darão ao aluno a possibilidade de chegar às operações terapêuticas, porque estas nada mais são do que urna somação de operações fundamentais.

O curso será leve, motivador, exeqüível, prático, objetivo, criativo e poderá obter vários cirurgiões em potencial com uma qualidade imprescindível: conhecerão os princípios fundamentais, sem os quais nada é possível construir com segurança.

III - Esquema Geral do Curso de Cirurgia na Graduação

1. Objetivo Geral: formar médico com conhecimentos, habilidades e atitudes gerais, referentes à cirurgia de comunidade (Cirurgia Geral).

2. Elementos Humanos Indispensáveis: Estudantes, Professores e Professores-Coordenadores e Pacientes.

3. Elementos Físicos Indispensáveis: Cirurgia Experimental, Ambulatório, Emergências, Bloco Cirúrgico, Arquivo (Documentação).

4. Pré-requisitos: Anatomia Humana, Fisiologia, Microbiologia, Semiologia, Anatomia Patológica.

5. Relação Aluno-Professor: (nas atividades práticas) 10:1, no máximo.

6. Duração: dois anos (60 semanas) mais um estágio no 6.o ano (Rodízio).

7. Total de Horas: 720 horas-aula, com Estágio Rotativo e, regime de Pré­Residência (nas férias curriculares) ou de Residência (no 6.o ano).

8. Divisão da Cirurgia:

  • Ano I:
    • Princípios Fundamentais

    • Operações Fundamentais

  • Ano II:
    • Clínica Cirúrgica (Integração Clinico-Cirurgião)

    • Participação nas Operações Fundamentais

  • Ano III (6.o ano do curso):
    • Estágios em Regime de Internato (Rodízios).

9. Setorização de Cirurgia:

  • Ano I:
    • Anatomia Topográfica

    • Peças isoladas

    • Bonecos

    • Cadáver

    • Experimental (cobaia, cão)

    • Pequena Cirurgia em Ambulatório

  • Ano II:
    • Ambulatório (Clínica Cirúrgica)

    • Pequenas e médias cirurgias em “Leitos móveis”

    • Emergências

    • Enfermaria

    • Sala de Cirurgia

  • Escalas nas férias curriculares, dividindo-se os al unos entre os serviços (pré-residência)

  • Internato (rodízio) no 6.o ano

  • Anestesiologia - pequenos grupos serão designados e confiados a cada Anestesiologista (Instrutor) para treinamento direto na sala de cirurgia.

10.

Adaptação do Professor ao Curso de Graduação Ano I Grupo A (Docente) 2 anos Ano II Grupo B (Docente) 2 anos (Permutar de 2 em 2 anos)

11. Métodos de Ensino:

  • Teórico (expositivo)

  • Treinamento em Pesquisa Bibliográfica

  • Aulas Práticas (Psicomotoras)

  • Experimental

  • No Paciente (Supervisionado Diretamente)

  • Diapositivos

  • Filmes

  • Demonstrações Cirúrgicas

  • Participação nas Equipes Cirúrgicas

  • Exposições Didáticas pelos Alunos (Sorteio)

  • Pré-Residência (Escalas nas Férias Curriculares)

  • Residência (Rodízio no 6.o ano).

12. Calendário

  • Janeiro - férias (4 semanas)

  • Fevereiro, março e abril - aulas

  • Abril, maio, junho - aulas

  • Julho provas e férias (1 semana)

  • Julho, agosto - aulas

  • Semana da Pátria - férias (1 semana)

  • Setembro, outubro, novembro aulas

  • Dezembro - provas e férias (4 semanas).

13. Programas: (Ver tópico IV) - distribuídos previamente pela Comissão de Ensino, com a aprovação do Departamento, a cada professor, de maneira a envolvê-lo durante todo o ano, sem prejudicar as atividades do Serviço a que estiver vinculado. Todos os professores terão atividades iguais e proporcionais às suas cargas horárias.

IV - Programas

Os métodos didáticos serão usados de acordo com a atividade que o assunto exigir: teórico, teórico-prático, demonstrativo, prático, audiovisual e outros.

Os assuntos principais e que dão condições ao generalista de se preparar bem, para atender à comunidade, serão enumerados a seguir, sempre ligados aos três grandes objetivos gerais: princípios e operações fundamentais e metabologia cirúrgica.

Os assuntos serão desenvolvido s em dois anos, divididos didaticamente em anos - 1.o e 2.o - a sua ministração será integral ou seletiva, dependendo da orientação da Comissão de Ensino.

ANO 1° - 30 semanas

  • Unidade Hospitalar

  • O Paciente e a Cirurgia

  • Preparo psicológico e condicionamento do Cirurgião

  • Bloco cirúrgico

  • Combinado Cirúrgico

  • Instrumental operatório

  • Esterilização

  • Hemostasia

  • Pré-operatório (normal e complicações)

  • Síntese

  • Fisiopatologia da cicatrização. Infecções cirúrgicas.

  • Pós-operatório imediato (normal e complicações)

  • Estudo crítico dos curativos em geral

  • Classificação e tratamento das feridas de pele

  • Pós-operatóio tardio - preservação (“Follow-up”)

  • Equilíbrio hidroeletrolítico:
    • Fisiopatologia dos líquidos, eletrólitos e pH

    • Propedêutica laboratorial. Valores normais. Indicações

    • Patologia do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base

    • Reposição hidroeletrolítica básica. Soluções comerciais e suas composições.

    • Reposição das perdas hidroeletrolíticas e correção dos desvios do pH

  • Anestesia

  • Princípios fundamentais de biópsias em geral

  • Insuficiência respiratória aguda. Traqueostomia

  • Choque

  • Tratamento da adinamia circulatória aguda

  • Princípios fundamentais do atendimento cm traumatologia

  • Vias de acesso:
    • Pediculos vásculo-nervosos

    • Craniotomias

    • Lobotomia

    • Laparotomias (evisceração, eventração)

    • Toracotomias (mínimas e eletivas)

    • Tóraco-abdominais

  • Princípios fundamentais das drenagens Princípios fundamentais da endoscopia (conceitos, indicações, contra-indicações e demonstrações)

  • Ileo dinâmico ou obstrutivo

  • Ileo funcional (parético, paralítico, espástico).

ANO 2° - 30 semanas

  • Princípios gerais de cirurgia de pele

  • Confecção de retalhos

  • Queimaduras

  • Princípios gerais da cirurgia dos tendões e músculos

  • Princípios gerais da cirurgia de: ossos e articulações

  • Princípios gerais da cirurgia das artérias

  • Princípios gerais da cirurgia das veias

  • Princípios gerais da cirurgia da mão

  • Princípios gerais das:
    • amputações

    • desarticulações

  • Princípios gerais da circulação extracorpórea

  • Princípios gerais da cirurgia da cabeça e pescoço

  • Princípios gerais da cirurgia de tireóide e paratireóide

  • Princípios gerais da cirurgia da mama

  • Hérnias orificiais abdominais

  • Princípios fundamentais da cirurgia do tubo digestivo

  • Operações fundamentais do tubo digestivo

  • Princípios fundamentais da cirurgia bílio-pancreática

  • Operações fundamentais da cirurgia bilio-pancreática

  • Princípios gerais do tratamento do abdome agudo (hemorragia digestiva e peritonites)

  • Infecções perianais

  • Pequena cirurgia ano-retal

  • Princípios gerais da cirurgia pediátrica

  • Emergência em cirurgia pediátrica

  • Princípios gerais da cirurgia do câncer

  • Conduta do cirurgião nas lesões neoplásicas

  • Pequena cirurgia ginecológica

  • Princípios gerais da cirurgia do útero e anexos

  • Princípios e operações fundamentais do rim

  • Princípios e operações fundamentais das vias urinárias (ureter e bexiga)

  • Princípios e operações fundamentais do pênis e testículo.

PRÉ-RESIDÊNCIA 6 escalas nas férias curriculares

INTERNATO - Rodizio no 6.o ano

ANESTESIOLOGIA - (ver tópico III e IV)

ÉTICA

V - Referências Bibliográficas

  • 1
    LÁZARO DA SILVA, A. - A medicina de ambulatório no interior Revista Brasileira de Medicina - 26: 443-448, 1969
  • 2
    LÁZARO DA SILVA, A. - A estrutura departamental e a pesquisa. Revista Brasileira de Medicina , 30: 19-620, 1973.
  • 3
    LÁZARO DA SILVA, A. - Um sugestão ao Curso de cirurgia na graduação. Revista da Associação Médica de Minas Gerais, 26:72-75, 1975.
  • 4
    LÁZARO DA SILVA, A. - Estrutura e organização dos cursos de pós-graduação na área biomédica. In: Anais do Simpósio sobre Pós-Graduação Ribeirão Preto, 6 a 8 de abril de 1978.
  • 5
    LÁZARO DA SILVA, A. - O mestrado na área clínica. Revista da Associação Médica Brasileira 22:476-477, 1976.
  • 6
    LÁZARO DA SILVA, A. - Residência médica e pós-graduação. Revista da Associação Médica de Minas Gerais , 28:105-106, 1977.

ORGANOGRAMA I

ORGANOGRAMA II

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1979
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