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A responsabilidade do professor na seleção das técnicas didáticas

Resumo:

Reconhecendo o valor da seleção criteriosa das técnicas didáticas no processo ensino-aprendizagem, o autor chama a atenção do docente para sua responsabilidade nessa seleção.

Summary:

Acknowledging the value of the judicious selection of the didatic technics in the teaching and learning process the author calls the attention of the teacher's responsability for that selection.

São freqüentes os depoimentos dos professores acerca das dificuldades dos alunos quanto à leitura, à pesquisa bibliográfica, à expressão oral, ou escrita, ou ao raciocínio.

De tão repetidos e enfáticos, tais depoimentos parecem indiscutíveis. Todavia, sondar as razões daquelas dificuldades apresenta-se como tarefa interessante, séria e oportuna.

Há razões dependentes do ambiente, do professor e do estudante, que não se excluem, mas interagem, contribuindo para delinear o quadro - dito tão desolador - da educação escolar.

Sem negligenciar as outras variáveis, vale sublinhar a importância da ação do profissional diretamente encarregado do processo ensino­aprendizagem: o professor.

Quando se pergunta quem é esta figura poderosa, temida, respeitada, amada, a resposta é pronta e familiar: o professor é alguém que ensina. Ou mais: é alguém com poder, socialmente instituído, para influenciar aqueles que estão sob a tutela do seu saber, de suas crenças, de sua forma de ser. Alguém capacitado a ensinar conceitos, valores e regras.

Como profissional do ensino, o professor, em geral, conhece conceituações de aprendizagem, podendo, por exemplo, repetir com Schmitz, que “a aprendizagem representa uma modificação mais ou menos estável nos modos de perceber, ser, pensar e agir das pessoas”33. SCHMITZ, E. F. - Didática moderna-fundamentos. Rio, Livros Técnicos e Científicos, 1980.. Sabe ele, também, que a aprendizagem é pessoal, ativa, intencional e automotivada. Possuidor desses conhecimentos, e os aceitando, o professor pode repensar o significado de sua tarefa: criar condições que permitam a aprendizagem.

Comprometer-se com a aprendizagem, minimizando a primazia do ato de ensinar, é assumir a humildade de reconhecer que só há ensino se alguém aprende o que se ensina.

Aceitar esta constatação é redimensionar a sua responsabilidade e redefinir o seu papel no processo ensino-aprendizagem. É saber que ser professor é ser pessoa, profissionalmente equipada, que interage com outra(s), contribuindo para seu destino existencial.

Sabe-se que esse profissional não nasce feito nem, a rigor, se improvisa. Forma-se. Tanto mais será um profissional competente quanto mais, ao lado do domínio de uma área específica do conhecimento, dispuser de conhecimento sobre a pessoa humana - o aluno - e sobre as condições que afetam a sua aprendizagem.

Assim situado, o professor poderá aquilatar a responsabilidade de cada um nos acertos e erros da educação. Com serenidade, saberá que pode contribuir para modificar o quadro. Ainda que modestamente.

Uma das formas iniciais de o professor revelar seu compro misso com a melhoria da qualidade da educação é selecionar com critério as técnicas didáticas que favoreçam a real aprendizagem.

Se a escolha dos objetivos, do conteúdo e dos métodos de avaliar não lhe tem sido atribuí­ da, cabe-lhe a seleção das técnicas didáticas, de inestimável importância no trabalho pedagógico que cumpre ao professor desempenhar. “Poucos são os professores que se dão conta da relação direta que existe entre a maneira de ensinar e os resultados que esperam alcançar”11. BRIDGE, E. M. - Pedagogia médica. NY, Organización Panamericana de la Salud. OMS, 1965..

Em geral, os professores esperam que seus alunos alcancem o domínio de conteúdos cognitivos. Entretanto, esta é apenas parte da tarefa da escola, que tem compromisso, também, com a formação de atitudes do aluno, e responsabilidades para com a sociedade.

Se não se concentram esforços para estabe1ecer os objetivos de uma escola, de um departamento, de uma disciplina, pode ocorrer que ensino e aprendizagem se processem de forma imprecisa, sem metodologia. Esta só se define com clareza se baseada em objetivos previamente determinados.

Pode-se desejar que o aluno aprenda, por exemplo, a ler, ouvir, auscultar, discutir, diagnosticar, prevenir, tratar. Por serem ações diferentes, ainda que complementares, caberá ao professor procurar meios para que cada uma delas se cumpra.

Pretendendo que os alunos aprendam informações, o professor pode oferecer-lhes como meio de aprendizagem, por exemplo, aulas expositivas, ou pesquisas em biblioteca. No dizer de Bridge, “infelizmente, em muitas escolas de medicina, a aprendizagem se baseia tanto em aulas magistrais, que não sobra muito tempo para que se obtenham informações por outros meios”11. BRIDGE, E. M. - Pedagogia médica. NY, Organización Panamericana de la Salud. OMS, 1965..

Desejando que os alunos relacionem, sintetizem, julguem, o professor pode eleger como procedimentos didáticos, discussões em grupo, seminários, sessões clínicas. Estas técnicas favorecem a aprendizagem ativa, e o bom êxito delas depende, em grande parte, do professor. A ele cabe sugerir um tema apropriado ao interesse e às necessidades dos alunos, bem como criar um clima que propicie a livre expressão de idéias e a seriedade na busca de soluções.

Outra forma de proporcionar a aprendizagem ativa é o trabalho em laboratório que pode servir a muitos objetivos, dentre os quais, segundo Miller, o mais marcante é “a aquisição de sólida compreensão de fatos ouvidos em preleções, lidos em livros, ou periódicos, observados em demonstrações, ou discutidos nos debates. O aluno tem condições de obtê-la através de experiência direta cujo resultado depende de iniciativa e habilidades suas, mais a responsabilidade pessoal inerente à situação, e o desafio que representa”22. MILLER, G. E. - Ensino e aprendizagem nas escolas médicas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967..

O laboratório permite também adquirir aptidões específicas na manipulação de equipamento, de conceitos matemáticos, em observação, análise dos dados e síntese de resultados.

Vale, aqui, relembrar depoimentos de muitos professores a respeito do desempenho de seus alunos nas chamadas “aula teórica” e “aula prática”. Em suas observações, é nas “práticas” que os estudantes demonstram maior interesse, responsabilidade, vivacidade, efetivo empenho em trabalhar.

Essa opinião é reforçada por Bridge, ao descrever duas situações: na primeira, os alunos decoravam, em murmúrio, ou em voz alta, “fórmulas bioquímicas e o diagnóstico diferencial da hérnia umbilical” para sair-se bem nos exames; na segunda, em laboratórios e enfermarias, estudavam “a natureza diretamente, através da experimentação, ou de observação, e cuidados a pessoas doentes”11. BRIDGE, E. M. - Pedagogia médica. NY, Organización Panamericana de la Salud. OMS, 1965.. Na primeira, mostravam-se ansiosos e temerosos; na segunda, interessados e autoconfiantes.

Tais fatos levam a pensar na responsabilidade do professor em procurar fazer a “teoria” tão atraente quanto a “prática”. Mais que isso, porém, levam à urgente obrigação de não dissociar a teoria da prática.

Aprende-se teoria tanto em aulas expositivas, quanto em discussões em grupo, ou em trabalhos de laboratórios. Aprende-se prática não só em laboratório, ou à beira do leito do doente, mas, também, em visitas e discussões, entendendo-se por prática tanto atividades mentais, quanto psicomotoras. Teoria e prática não se excluem, antes se completam: são aspectos de um todo, o conhecimento.

É, pois, necessário, que o professor selecione e reorganize experiências de aprendizagem que possibilitem reduzir o hiato entre o discurso e a ação, entre o que se teoriza e o que se pratica.

Informação, compreensão, destreza, são objetivos que devem convergir para o objetivo maior de qualquer escola: a formação de atitudes.

Os professores, por vezes, preocupam-se mais em transmitir conteúdos cognitivos e facilitar o domínio de técnicas que em modificar e criar atitudes.

Essa dificuldade talvez advenha do fato de que atitudes não podem ser “ensinadas” diretamente e de forma sistematizada. Mas o professor, mesmo sem se dar conta, influencia o estudante com sua presença, sua maneira de tratá-lo, a atenção que lhe dispensa, a forma como relata um conteúdo cognitivo. Assim é que o professor pode oferecer ao aluno condições para aceitar passivamente fatos e idéias, ou condições para observar, raciocinar, discutir, indagar.

Convém enfatizar que a técnica, por si, não garante a qualidade da educação. Técnica é meio e, como tal, está subordinada a fins.

Que o professor saiba para que fins empenha seu esforço e, a partir daí, selecione as técnicas mais adequadas para atingi-los, são requisitos fundamentais para criar condições de real aprendizagem. Mas que tudo, porém, convém conhecer seu aluno.

Segundo Miller, “se o professor, use o método que usar, não conseguir provocar o aluno, ou se apenas o fizer por meio de exames periódicos, tempo e esforço de ambas as partes não estarão sendo bem aproveitados, é quase certo... É imprescindível que os professores, com vistas a aprendizagem mais proveitosa, saibam alguma coisa a respeito de seus alunos como indivíduos - seus antecedentes, hábitos de trabalho e de pensamento - e dêem ensejo a que cada um encontre e use o ambiente que for mais propício à sua produtividade, porque nem classes grandes, nem horário de aulas limitado etc., mudam o fato básico de que os estudantes são indivíduos e como tal devem aprender”22. MILLER, G. E. - Ensino e aprendizagem nas escolas médicas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967..

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BRIDGE, E. M. - Pedagogia médica NY, Organización Panamericana de la Salud. OMS, 1965.
  • 2
    MILLER, G. E. - Ensino e aprendizagem nas escolas médicas São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967.
  • 3
    SCHMITZ, E. F. - Didática moderna-fundamentos Rio, Livros Técnicos e Científicos, 1980.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1982
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