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TRANSMISSÃO CULTURAL E SAÚDE: O LUGAR DE UM PROGRAMA DE MEDICINA GERAL COMUNITÁRIA

Este trabalho refere-se a um momento de avaliação, de reflexão, de questionamento e de redefinição de nossa posição de prática como equipe de saúde. A história do nosso programa, segue-se uma descrição da situação atual, temas de questionamento e nossa proposta atual de trabalho referente a saúde, como lugar ao redor do qual se podem gerar novas formas organizativas da comunidade para atingir consciência e autonomia.

O programa de Medicina Comunitária desenvolve-se na comunidade de Eucalipto, na região de Maruípe, área adjacente ao Centro Biomédico e ao Hospital Escola da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A implantação deste programa se deu em 1980, quando foi iniciado o processo de desenvolvimento curricular do Curso Médico no Centro Biomédico da Universidade. As conclusões nos levaram a dar prioridade aos modelos profissionais e à ação e à vivência do alunado como trabalhador na área de saúde, como elementos fundamentais de formação profissional, iniciada nos cuidados primários. Chegamos a um currículo onde, nos quatro primeiros períodos do Curso Médico, o aluno irá:

  1. reconhecer a pessoa, a sociedade onde vive e situar-se em relação à saúde (1o período); b) detectar problemas de uma população (2o período); c) elaborar soluções para os problemas, em comparação com os sistemas de saúde vigentes (3o período); d) atuar como agente de saúde (4o período).

Nos 5o e 6o períodos, basicamente, há o treinamento semiótica, com valorização do saber ouvir e saber examinar, como elementos essenciais neste nível de formação. Nos três períodos seguintes (7o 8o e 9o), deverá realizar treinamento em ambulatórios de Clínica Geral, Pediatria Geral, Clínica Cirúrgica e Ginecologia/Obstetrícia, sob supervisão com curso teórico complementar. Nos três últimos períodos, realiza, então, treinamento em ambulatórios de especialidades e nos setores de internação do Hospital Universitário.

Os modelos profissionais e o elemento de vivência, o lugar da prática de cuidados primários, tiveram que ser criados. Desta forma foi implantado, a partir de março de 1983, o Programa de Medicina Geral Comunitária, com base em um trabalho iniciado, em 1964, por THOMAZ TOMMASI na Área Programática de Maruípe. Em 1978, foi implantado o Programa de Pediatria pelo Departamento Materno-Infantil da UFES e, a partir de 1982, monitores do Departamento de Medicina Social iniciaram um cadastramento da área, através de visitas domiciliares e reuniões na comunidade.

O propósito inicial do programa de Medicina Geral Comunitária é detectar problemas e desenvolver soluções em conjunto com a comunidade, até que esta se torne autônoma no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde.

A população de Eucalipto já acompanhava os passos da implantação do Programa, embora, a nosso ver, dentro da tradicional ótica de “que bom que teremos médicos mais pertinho, não teremos que enfrentar as filas do INPS” etc. A equipe que vinha se reunindo três vezes por semana, discutindo a política e a filosofia do Programa, sempre esteve consciente de que, em um programa desta natureza, os “problemas locais da comunidade não podem ser entendidos como locais, nem em sua manifestação, e nem em sua origem. Não queríamos e nem queremos oferecer a ilusão de que o povo participa na solução de seus problemas, ocultando o fato deque está impedido de fazê-lo em relação aos verdadeiros problemas reais determinantes das precárias condições de vida que padece”.

Após as resistências esperadas contra este tipo de programa, inauguramos, em 21 de outubro de 1983, a Unidade Comunitária “THOMAZ TOMMASI”, com grande participação material e afetiva da Comunidade Eucalipto. A Unidade conta com recepção, uma sala para reuniões da Comunidade e trabalhos com grupos, três consultórios, uma sala de vacinas e injeções e uma biblioteca. A Unidade faz parte do complexo assistencial do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, o órgão de apoio terciário do programa. Nesta Unidade, atuam equipes de saúde compostas por agentes de saúde, denominação genérica para qualquer membro da equipe, independentemente de sua área de formação, que devem incluir membros da comunidade.

Desta maneira, as equipes de saúde desenvolvem, dentro da comunidade, ações de prevenção, educação para saúde, desenvolvimento comunitário, e, nos consultórios da Unidade, dão atenção aos problemas encontrados nas famílias. O Programa conta atualmente com sete médicos residentes e com uma equipe de docentes de várias áreas (Clínica Médica, Pediatria, Saúde Mental, Serviço Social, Enfermagem, Epidemiologia, Medicina do Trabalho, Ginecologia/Obstetrícia). O Programa conta com a participação da Prefeitura de Vitória e estamos estudando propostas para integração com o INAMPS, Secretaria de Saúde de Vitória, Secretaria de Saúde do Município da Serra e Legião Brasileira de Assistência.

A Comunidade de Eucalipto identifica-se com as demais comunidades de periferia da Grande Vitória - população migrante do interior do Estado e dos Estados vizinhos. Compõe-se de aproximadamente 800 famílias (cerca de 4.000 pessoas). Os moradores em sua maioria, são mão-de­obra não qualificada, com renda não superior a dois salários mínimos. Em relação à escolaridade, mais de 12% são analfabetos e 78,4% não concluíram o 1.o grau. A população constitui-se de 50,7% de homens e 49,28% de mulheres. Entre as últimas, 25,28% estão entre 15 e 49 anos, 37,18% dos habitantes estão na faixa de zero a 14 anos.

O saneamento básico é bastante precário, não havendo rede de esgoto. Esta situação está sendo minimizada, tanto pela drenagem de uma vala e construção de galeria pluvial, quanto pela coleta de lixo pela Prefeitura Municipal, lutas encaminhadas pelo Movimento Comunitário após a implantação do Programa.

As equipes de saúde, compostas de residentes e preceptores, desenvolvem ações de prevenção. primária, secundária e terciária. O atendimento nos consultórios é feito para diagnosticar e tratar, ou encaminhar, problemas episódicos. Trabalhamos com prontuários de família. Enfatiza­se a relação médico-paciente com o uma função per se, terapêutica, e a educação em saúde possível nestes contatos. No consultório também são feitos levantamentos do perfil de saúde de famílias, agendadas nas visitas que as equipes fazem às famílias em suas casas. Nestas ocasiões, é preenchido um questionário para levantamento do perfil sócio-econômico da comunidade. Este levantamento inclui características demográficas do saneamento ambiental, recursos e atividades existentes relacionadas com a saúde, os indicado­ res da população (alimentação, moradia, educação, centros de recreação, nível.de organização da comunidade, renda per capita, índice de paridade).

Os dados obtidos pela contagem de casos atendidos nos consultórios, dos levantamentos dos perfis de saúde das famílias e sócio-econômico, são analisados em conjunto com elementos da Diretoria da Comunidade. Das conclusões, podem-se elaborar programas específicos de ação prioritária (educativos, materno-infantis, odontológicos, em saúde mental, de vacinação, sanitários etc.). Este tipo de ação retrata um processo integrado de serviço de saúde e desenvolvimento de força de trabalho no qual os serviços de saúde são planejados e desenvolvidos para atingirem as necessidades de saúde e demandas de populações, enquanto a força de trabalho é planejada, treinada e utilizada para atingir as necessidades destes serviços de saúde.99. FULOP, T. Health personel to meet the people's needs. WHO chron , 33 (3): 80-93, 1979. Este é o formato clássico de trabalho em cuidados primários.

A Diretoria do Movimento Comunitário, eleita em Assembléia Geral dos Moradores do Bairro, reúne-se semanalmente aos sábados, a partir das 16:00 horas, alternadamente, nas casas dos moradores e na Unidade de Saúde. A equipe de saúde faz-se representar por residentes e outros profissionais, não com o objetivo de assessoramento, mas de participar do processo de discussão dos moradores.

Observamos que a Diretoria do Movimento Comunitário mantém com o programa um vínculo de dependência e passividade, fruto, ao nosso ver, da marca do autoritarismo de nossa história política. Quando, nas nossas reuniões conjuntas, ela apenas assente, dizendo que está “tudo bem”, “muito obrigada”, “tudo está ótimo”, está explicitado que o poder está com o programa e os seus executores. (Quando da inauguração da Unidade, a Diretoria da Comunidade ofereceu-se para doar bancos para a sala de espera; ressaltamos na época como estavam querendo garantir seu lugar passivo e de espera). A partir dessa relação, a Diretoria reproduz a Comunidade esse mesmo vínculo de dominação, pois o que se constata é que a Diretoria não é representativa da Comunidade, não facilita a participação e a entrada de pessoas novas no grupo. É sempre o mesmo grupo que discute, planeja, decide e executa.

Por muitos anos, organizações governamentais e privadas dispenderam muito esforço e dinheiro tentando melhorar a prestação de cuidados de saúde, mas deve admitir-se que nenhuma mudança radical resultou no estado de saúde das populações. Nos países em desenvolvimento e nos industrializados há insatisfação, sendo a razão principal “falha em atingir as expectativas das populações”.77. FLAHAULT, D. The role of qualified personel in health and development. WHO chron , 34 (5): 186-8, 1980. Esta referência poderá fazer-nos pensar, primeiramente, em falhas de comunicação entre instituições por suas equipes de trabalho, e determinados grupos sociais. As percepções de um grupo podem não corresponder às do outro e a existência de um padrão prefixado de relação instituição/grupo social pode servir como barreira para sintonia destas percepções. O resultado pode ser a aparente concordância de metas e objetivos. Aparente por possuírem significação diversa. A única concordância é alienada e mantém a desigualdade de percepção da realidade.

A inserção da equipe na comunidade onde trabalha parece ser a maneira de assumir este trabalho como sendo da comunidade. “Para compreender convenientemente um fator social é necessário apreendê-lo totalmente, isto é, de fora, como uma coisa de que faz parte integrante a apreensão subjetiva (consciente e inconsciente) que dela teríamos se, inevitavelmente homens, vivêssemos o fato como indígena, em vez de observá-lo como etnólogo”.1414. RENZI, E. Sobre a noção do inconsciente em Lévi­Strauss. In: LIMA, L. C. O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis, Vozes , 1968. A presença do médico geral comunitário nas casas caracteriza o contacto com as pessoas agrupadas na família, a unidade dinâmica fundamental da comunidade.1010. INSTITUTO NACIONAL DE LA SALUD. Espanha. La medicina familiar y comunitaria. Madrid, Sanidad y Seguridad Social, 1980.

Algumas questões, entretanto, necessitam ser colocadas neste ponto. Com os olhos de quem a equipe de saúde enfoca a Comunidade? A significação do percebido é a mesma para as equipes e para a comunidade? Não estaremos repetindo uma relação determinada pelos aparelhos ideológicos de Estado que perpetua o discurso transmitido de geração a geração em relação ao lugar do sujeito, da família e da comunidade?

Qualquer atividade, para ser eficiente, deve contar com total participação comunitária (indivíduos, famílias e outros grupos).1111. MAHLER, H. The role of health in socioeconomic development. WHO chron , 33 (9): 319-21, 1979. A equipe de saúde pode usar sua posição privilegiada em vantagem do desenvolvimento da comunidade. Entretanto, as características do vínculo estabelecido podem determinar progressão ou paralisia.

MERLEAU-PONTY colocava a questão de direito: “Como compreender o outro sem o sacrificar à nossa lógica, ou sacrificá-la a ele? A apreensão do fato social é concreta enquanto é totalizante, envolvendo em um único movimento as propriedades objetivas e a experiência subjetiva”. Parece-nos, pois, que há um hiato, urna solução de continuidade entre a obtenção de dados estatísticos, o planejamento e a execução de programas, e o momento-histórico da comunidade. Com freqüência, surpreendemo-nos, institucionalizando e tecnologizando a nossa prática, de maneira, totalmente dissociada de um grupo social que ainda não pode manifestar seus valores, seus desejos.

Dois discursos alienados terão muito poucos pontos de encontro. E, para uma equipe de saúde, nos parece fundamental reconhecer sua própria alienação ideológica, para poder facilitar a sincronia dos discursos. Não é o discurso livre que é transformado em ação, mas um discurso atado à complexidade de uma instituição, por sua vez atada a toda uma organização social. Este discurso só pode perpetuar a manutenção dos lugares individuais, familiares e comunitários. E conceitos de casa, de higiene, e autocuidado são subordinadas à determinação fantasmática social.

KANT nos ensina que o estado mental do indivíduo influencia aquilo que ele percebe na vida, que não apenas a mente se amolda à realidade, mas também a realidade se amolda à mente. Assim, o estado mental da pessoa influencia a realidade que ela percebe ao seu redor.1313. MAY, R. O destino humano e o inconsciente. Tempo Psicanalítico , 4 (1):41-51, 1981. A ilusão manifesta-se nos valores culturais nos hábitos, nas condições de vida, na educação infantil, no posicionamento social e político. A ilusão precisa ser significada, e para isto é preciso falar dela. É preciso o reconhecimento prévio à elaboração. Os programas educacionais, os programas específicos em questão de saúde, mesmo executados em comum acordo, podem ter utilidade acessória. Primeiro, é preciso que a própria alienação hermetizante seja reconhecida. Esta compreensão pelos trabalhadores de saúde pode facilitar seu desempenho em um duplo papel sintetizando desenvolvimento de saúde e desenvolvimento da com unidade.77. FLAHAULT, D. The role of qualified personel in health and development. WHO chron , 34 (5): 186-8, 1980.

As idéias de um sujeito existem nos seus atos, na relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e com a conseqüência, a relação social. A transmissão cultural nos parece o eixo fundamental para determinar a percepção da realidade e a tendência para a paralisia, ou para a ação modificadora. O real não é um dado sensível, nem um dado intelectual, mas é um processo, um movimento temporal de constituição dos seres e suas significações, e esse depende fundamentalmente do modo como os homens se relacionam entre si e com a natureza.

Damos prioridade ao falar e ao ouvir. Pode-se falar e pode-se ouvir. A consciência do próprio discurso, a identificação e a complementação com o discurso do outro, nos parece o veículo de troca mais eficiente no sentido de aquisição pessoal e da transmissão entre gerações.22. BERNARD, M. & CUISSARD, A. Temas de psicoterapia de grupos. Buenos Aires: Helgueros, 1979. É a capacidade da comunidade para organizar-se saindo da passividade, que é o fundamental nos cuidados primários de saúde.66. DONOSO, G. Health care and community action. WHO chron, 32 (3): 102-5, 1978. A cultura são as relações dos homens com a natureza pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem, as instituições sociais, o Estado, a religião, a ciência, a filosofia (os aparelhos ideológicos do Estado).44. CHAUI, M. de S. O que é ideologia. 10. ed. São Paulo. Brasiliense, 1980.

A vida psíquica dos indivíduos é a discriminação feita ao longo de toda a vida entre os desejos determinados temporalmente, e insatisfeitos, e as frustrações socialmente definidas.88. FREUD, S. O futuro de uma ilusão. In OBRAS completas. Rio de Janeiro, IMAGO, 1974. v.21. Os indivíduos são singularizações, microcosmos de determinadas relações vitais, sintomas viventes de estados sociais.55. DAHMER, H. Possibilidades e limites de uma sócio­psicologia analítica. Tempo Psicanalítico, 4 (1): 52-62, 1981.

Regra geral, todo indivíduo recebe de sua família de origem, ou transmite à que ele cria, o valores sociais, o mundo de relações do indivíduo e da família, os conhecimentos, incluindo as condições para a saúde e a enfermidade. A família é peça fundamental de estrutura social.1010. INSTITUTO NACIONAL DE LA SALUD. Espanha. La medicina familiar y comunitaria. Madrid, Sanidad y Seguridad Social, 1980. A família não somente é a instância de intermediação das normas societárias, como também representa a sociedade existente como agente de socialização, em face da nova geração que se deve tomar ocultamente capaz

Antes de nascer, a criança é, portanto, sempre já sujeito designado a sê-lo na e pela configuração ideológica familiar específica em que é “esperada” depois de ter sido concebida.33. BRAZIL, H. V. O discurso psicanalítico no contexto social In:____. Psicanálise: problemas metodológicos. Petrópolis, Vozes, 1975. v.2. FREUD mostrou a importância dos primeiros anos de vida no ser humano. Conflitos que lhe são necessários, conflitos identificatórios, e não conflitos coma realidade; e, se o mundo exterior é sentido pela criança como benévolo, ou como hostil sabemos que se trata de uma situação imaginária que deve pouco a pouco simbolizar-se. Nas relações com os pais, a criança deve aprender a deixar uma situação dual (de fascinação imaginária) para introduzir-se numa ordem ternária quer dizer, estruturar o complexo de Édipo, o que não se pode fazer senão pela sua entrada na ordem da linguagem.

Se a criança não ouve a mãe, não pode compreender o lugar que ocupa no seu fantasma.1212. MANNONI, M. A criança, sua doença e os outros. 2. ed. Rio de Janeiro. Zahar, 1980. Em casa, a mãe é usualmente a primeira pessoa a prover cuidados e ensino em saúde e esta influência no comportamento das crianças permanece com elas pelo resto de suas vidas. E desde o pré-escolar, a escola toma a seu cargo as crianças de todas as classes sociais, inculca-lhes savoir faire durante anos, os anos em que a criança está mais vulnerável, entalada entre o aparelho de estado familiar e o aparelho de estado escolar.11. ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3. ed. Lisboa, Proença, 1980.

A nossa participação na comunidade como facilitadores da emergência da palavra e da significação, e a participação nos grupos operativos, parecem ser os elementos mais abrangentes e mais eficazes sob o prisma do conceito de prevenção primária. A experiência nos ensina que a reeducação não se revela eficaz senão nos casos em que, para lá do sintoma e do reeducar, uma mensagem é inicialmente a ouvir.1212. MANNONI, M. A criança, sua doença e os outros. 2. ed. Rio de Janeiro. Zahar, 1980. Segundo a teoria da cultura de FREUD, a psicologia individual é antes, uma psicologia social.55. DAHMER, H. Possibilidades e limites de uma sócio­psicologia analítica. Tempo Psicanalítico, 4 (1): 52-62, 1981.

Quando o sujeito não se reconhece como produto das obras e como sujeito da história, mas toma as obras e a história como forças estranhas exteriores, alheias a ele, e que o dominam e perseguem, temos o que HEGEL designa como alienacão.44. CHAUI, M. de S. O que é ideologia. 10. ed. São Paulo. Brasiliense, 1980.

Após fazermos uma revisão reflexiva da história de nosso Programa, pudemos estabelecer o lugar das modalidades de ação em nosso trabalho: assistência, programas específicos, grupos operativos, trabalho em quarteirões, reunião da comunidade. Esta seqüência nos parece ser a que vai da ação menos abrangente e menos efetiva para as ações mais abrangentes e mais efetivas aquelas que podem, ou não, ser capazes de mudar o discurso transmitido. Cada uma destas ações tem seu limite de efetividade.

A assistência ambulatorial, seja individual grupal, ou familiar, a assistência hospitalar e a assistência domiciliar representam formas tradicionais, o já conhecido, o que a comunidade compreende como Serviço de Saúde. Cuida do episódico.

Os programas específicos em saúde, logicamente incluindo educação em saúde, têm um lugar accessório. A sua efetividade parece diretamente relacionado com um momento de demanda da própria comunidade, momento em que pode haver compreensões novas, que podem orientar ações do grupo social. Tivemos uma experiência frustra com treinamento de agentes da comunidade quando não havia demanda, nem compreensão por parte da equipe e por parte do grupo da comunidade

Os grupos operativos podem ter papel relevante, mas também com limitações variáveis. Em nossa Universidade, há uma experiência bastante séria com grupos operativos, iniciada há 5-6 anos pelo Serviço de Pediatria. A experiência é positiva em muitos aspectos. A definição do papel da mulher na comunidade e do lar como lugar privilegiado, único lugar de luta são alguns exemplos. Mas, as mudanças sobre saúde ocorreram muito mais na equipe do que nos demais componentes dos grupos operativos. A participação das pessoas da comunidade nos grupos operativos gerou consciência do lugar que ocupam, gerou consciência de si mesmos, mas não modificou as formas organizativas vigentes na comunidade.

Desta mane ira, em nossa participação nas reuniões da comunidade e no trabalho das equipes junto com os moradores, nos quarteirões, passamos a ver nossa ação mais abrangente e mais efetiva. Através de reivindicações em relação saúde, tipo campanhas de lixo, construção de galerias etc., pode haver desenvolvimento da própria capacidade organizativa. Não existe dissociação entre saúde e política. A saúde, para nós serve como veículo de inserção. Através dela pretendemos ter um lugar dentro da comunidade que nos permita fazer pontuações, inclusive de nossas próprias resistências, e dar significação aos fantasmas sociais, o que pode nos colocar, e à comunidade, em um papel ativo, organizativo e sujeito de nossas próprias histórias.

Referências bibliográficas

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    ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado 3. ed. Lisboa, Proença, 1980.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1985
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