Acessibilidade / Reportar erro

O MÉDICO FACE À EUTANÁSIA EM SÃO LUÍS - MA

Resumo:

O presente trabalho busca captar os posiciona­mentos da classe médica ludovicense acerca da eutanásia, bem como ratificar a hipótese de que há carência de embasamentos ético-filosóficos nos mesmos, tomando-se como referência a sua posição favorável ou desfavorável a sua prática, sua conduta diante de um paciente terminal e sua postura quanto a recém-nascidos com deformidades congênitas graves.

Summary:

This work looks for medical working class position from São Luís - MA, Brazil concerning to Euthanasia and confirms the lack of ethical and philosophic basement on them, taking as a reference its favourable or not position to its practice its conduct in front of terminal patient and its posture about newborn children having serious congenital deformities.

Introdução

No contexto dos problemas e das preocupações da vida humana, a eutanásia apresenta-se inserida no fenômeno de maior dicotomia da natureza - Vida e Morte. Como todos os fenômenos da vida humana esta teve sua história e sua evolução dentro de contextos expressos e dirigidos por concepções ético-filosóficas que orientaram e orientam, até hoje, discussões e polêmicas, gerando controvérsias que não permitem atitudes neutras face à questão.

A profissão médica vive constantemente à sombra da Vida e da Morte. O médico não pode se eximir da realidade que lhe é imposta quando do confronto Vida e Morte. Mas, sim, apreender o sentido que se pode dar aos dois fenômenos no cotidiano da prática médica, sobretudo por parte daqueles profissionais que, em decorrência de sua especialização, estão mais ligados à ocorrência de doenças incuráveis e de doentes terminais.

Para EIBACH11. EIBACH, U. Ethische Probleme. Wuppertal, 1976. p.145. Apud: HAERING, B. Livres e Fiéis em Cristo, Teologia Moral. São Paulo: Ed. Paulinas, 3 v., 1984. p.76. "o relacionamento com os pacientes e, especialmente, com o paciente moribundo, dependerá grandemente da maneira como os profissionais da saúde integram em suas próprias vidas a realidade de sua mortalidade."

O tema "O Médico face à eutanásia em São Luís - MA" foi objeto de estudo na elaboração de monografia apresentada como exigência para a obtenção do grau de médico pela Universidade Federal do Maranhão. Para efetuar a pesquisa foi necessário desenvolver um estudo preliminar de conteúdos julgados necessários à compreensão do tema, sendo dividido em: concepções do fenômeno vida, esboço das doutrinas éticas e revisão bibliográfica sobre eutanásia. Estes conteúdos não estão dispostos neste artigo. Ressalta-se, apenas, o conteúdo referente aos resultados da pesquisa.

Busca-se identificar o posicionamento da classe médica ludovicense acerca da eutanásia, bem como ratificar a hipótese de que há carência de embasamento ético-filosófico na formação profissional, tomando-se como referência a posição, favorável ou desfavorável, à prática da eutanásia, conduta diante de um paciente terminal e postura quanto a recém-nascidos com deformidades congênitas graves.

São Luís possui cerca de 1.360 médicos e, na tentativa de abordá-los para identificar o seu posicionamento e compreensão face à eutanásia, partiu-se da hipótese de que não há posicionamento neutro face a questão, tendo em vista que a prática médica está inserta em contextos sócio-culturais diversos, determinados por variantes filosóficas, teológicas e jurídicas.

Metodologia

Para atingir o objetivo da pesquisa, foi feito um levantamento bibliográfico referente à matéria e subsequente fichamento. Posteriormente, foi elaborado um questionário que foi aplicado a 10% do contingente médico existente em São Luís - MA, ou seja, a 136 médicos, buscando aferir sua posição face à eutanásia, sua conduta frente a um paciente terminal, as circunstâncias em que se posicionaria favorável ou desfavoravelmente a sua prática, bem como a tendência ético-filosófica que orienta o seu posicionamento. Os questionários foram distribuídos aleatoriamente em cerca de 20 clínicas e 70 consultórios médicos, solicitando-se a devolução dos mesmos, devidamente respondidos, num prazo de 48 horas. Findo o prazo e atingido o quantum desejado (136 questionários respondidos), procedeu-se ao levantamento dos dados, à tabu­lação e à análise dos resultados.

Durante a distribuição dos questionários procurou-se esclarecer o objetivo da pesquisa, bem como elucidar as dúvidas advindas das questões, cuidando para que, no bojo da explicação, não se adentrasse no mérito de dado posicionamento.

Resultados e discussão

Trabalhou-se por amostragem obtendo-se resultados, os quais, configurados, vislumbram uma aproximação da veracidade.

1 - Resultados obtidos referente à 1a questão - Qual a sua posição em relação a eutanásia? (Tabela 1)

TABELA I
Posição Médica em Relação à eutanásia

Os 30 (22,1%) que responderam ser a favor da eutanásia, justificaram-se nas seguintes expressões que tentamos sintetizar mediante as incidências de respostas:

  • no caso de parada cárdio-respiratória irreversível e morte cerebral;

  • questão de foro íntimo, estritamente médica;

  • escassez de vagas para internação e falta de espaço físico nos hospitais existentes;

  • crença na existência de outra vida, não se devendo aprisionar a alma;

  • que a eutanásia seja realizada com critérios bem definidos;

  • contradição entre o dever do médico de amenizar o sofrimento, oferecer qualidade de vida e o prolon­gamento artificial da vida;

  • custos médicos em U.T.I.;

  • maior ônus para a sociedade.

Os 106 (77,9%) que responderam ser contra a eutanásia, justificaram-se, segundo as maiores incidências de respostas:

  • só Deus dá a vida e só ele a pode tirar;

  • princípio hipocrático: curar, prevenir, salvar;

  • ninguém tem o direito de matar;

  • incerteza de que o caso seja irreversível.

Diante do quadro, acima demonstrado, percebe-se haver significativo posicionamento contra a eutaná­sia havendo acentuada influência de uma cultura marcada por uma ética judaico-cristã e, também, pela Deontologia, ou moral do dever, fechando a possibilidade de discussão em torno da questão.

Em relação às respostas a favor da eutanásia há uma postura de tendência mais crítica e de definição quanto aos parâmetro que caracterizam a morte - parada cardíaca irreversível, morte cerebral, que seja imbuída de critérios bem definidos, matéria de foro íntimo restrito ao médico. No caso das respostas de cunho mais analítico, como a escassez de vagas para internação e de espaço físico nos hospitais existentes, custos médicos em U.T.I. e maior ônus para a sociedade, sente-se a influência de ética mais utilitarista, afirmando-se num humanismo mais antropocêntrico quando justifica a eutanásia como abreviação do sofrimento e o prolonga­mento artificial da vida como contrário ao dever do médico em possibilitar qualidade de vida.

2 - Resultados obtidos referentes à 2a questão- Diante de um paciente terminal, qual seria sua posição como médico?

TABELA II
Posição Médica diante de um paciente terminal

A incidência das respostas favoráveis ao prolongamento da vida, ou seja, 81 (59,5%), constituem um dado significativo na definição da postura ética do profissional médico, onde podemos destacar uma concepção de vida ligada ao Vitalismo, com exaltação da vida biológica. Os 22 (16,2%) que responderam favoravelmente à abreviação do sofrimento (da vida), aproximaram-se mais da visão organicista da vida e da ética psico-analítica, onde a consciência se constituiria na razão de viver.

Dos que não responderam à 2a questão, ou seja, 33 (24,3%), manifestaram-se mediante as seguintes assertivas:

  • 18 (54,5%) deixaram a questão em branco;

  • 7 (21,2%) apenas aliviariam o sofrimento;

  • 4 (12, 1 %) deixariam a doença evoluir naturalmente;

  • 2 (6,1%) nada fariam;

  • 2 (6, 1 %) consideraram a pergunta tendenciosa.

Observamos que a incidência das respostas favoráveis ao prolongamento da vida, ou seja, 81 (59,5%), é compatível com o posicionamento contra a eutanásia, 106 (77 ,90%), enquanto os que responderam ser favo­ráveis à abreviação do sofrimento (da vida), 22 (16,2%) aproximaram-se dos que foram a favor da eutanásia, ou seja, 30 (22,1 %). Entretanto, o número de questionários em que esta questão foi respondida e diante das respostas evasivas como: aliviaria o sofrimento; deixaria a doença evoluir naturalmente; nada faria; pergunta tendenciosa; há uma compreensão de que nas evasivas presentes, deixou-se de considerar o caráter prático e vivencial de uma situação concreta, cuja evidência faz parte dos objetivos de nosso estudo. Essas evasivas foram consideradas como questões não respondidas, embora consideradas significativas. Por mais que a pesquisa tenha um caráter social e um comprometimento com a realidade, são as pessoas individualmente atingidas e isto vai de encontro à sacralidade da pessoa humana e daí, talvez, a rejeição encontrada na prestação de informações.

3 - Resultados obtidos referentes à 3ª questão. - Qual seria sua posição diante de um paciente recém-nascido com deformidades congênitas graves, como a anencefalia?

TABELA III
Posição médica diante de um paciente recém-nascido com deformidade congênita grave (ex: Anencéfalo)

Em relação à opção -utilizar-se-ia dos recursos terapêuticos visando prolongar a vida -as justificativas foram arroladas considerando-se as incidências maiores, quais sejam:

  • só Deus tem o direito de tirar a vida;

  • não há direito para decidir a vida ou a morte de alguém;

  • mesmo sabendo-se que a pessoa não tem condições de viver, faça-se o que se deve;

  • a formação profissional diz ser dever do médico prolongar a vida;

  • esgotar os recursos;

  • a sacralidade da vida, mesmo sendo inútil para a sociedade.

Vê-se nestas respostas a influência das doutrinas éticas judaico-cristãs e deontológicas já referidas na Tabela I em relação à opção desfavorável à eutanásia. A concepção de vida se identifica com o Vitalismo, colocando a morte como um fenômeno fora da atividade profissional do médico, como se morrer não constituís­se um fenômeno tão natural quanto viver e como se a morte fosse a negação da prática médica. Nota-se, pois, ausência de referencial crítico.

A opção -deixaria atuar a Lei da Seleção Natural -teve no seu contexto, como justificativa, os seguintes argumentos:

  • a vida pertence a Deus e só a ele cabe decidir;

  • nos casos de anencefalia não há sentido em se manter artificialmente a vida;

  • face ao custo social, econômico e financeiro;

  • não havendo consciência não se justifica prolongar a vida;

  • se as deformidades forem incompatíveis com a vida é mais justo usar os recursos em pacientes com real chance de vida;

  • a natureza deve determinar o término de sua existência.

Por ter sido dado como exemplo de deformidade congênita, a anencefalia, as respostas foram direcionadas para essa situação. Entretanto, ressaltam a vida como dependência de Deus e da natureza; foi acentuada a referência à consciência, como um dado definitivo para que a vida se prolongue; a utilização de recursos prolongaria o sofrimento do paciente e dos familiares.

Diante das justificativas em deixar atuar a Lei da Seleção Natural, há o enfoque acentuado de determinismos teológico e cosmológico, enfatizando Deus e a natureza como autores da seleção. A questão da consciência corresponde às discussões mais recentes sobre a questão da morte encefálica, tema de preocupação dos moralistas contemporâneos. O apego à consciência como característica essencialmente humana encontra subsídios na teoria vitalista, segundo a qual a consciên­cia é o que caracteriza e determina o "eu-sujeito", ou seja, os graus de vida vegetativa, sensitiva, e intelectual do ser humano. Encontra embasamento na Lei da Conscientização, segundo a qual o homem é um ser infinito em consciência, capaz de conhecer a si próprio, às coisas que o cercam e ao próprio infinito. Daí constituir-se o homem, segundo a Teoria da Evolução Programada de CHARDIN, no terceiro infinito, tanto no que tange à complexidade, quanto no que se refere à consciência, isto é, à infinita capacidade de reflexão, de questionamento, de transcendência. Desse modo, o po­sicionamento dos entrevistados é diametralmente oposto ao Antropomorfismo Darwiniano, o qual vê o homem como ser estático e reduzido ao nada. Observamos em tal posicionamento uma sobrelevação do ser humano como ser essencialmente consciente, produto de um salto qualitativo no processo da evolução. Desse modo, uma vez retirada do homem a consciência, reduzir-se-á este à condição de finitude, incompatível com o pensamento dos interpelados e, portanto, concordante com o de TEILHARD CHARDIN.

4 -Relação entre as tabelas I e II

Tabela I A favor da eutanásia (30 ou 22,1%) Contra a eutanásia (106 ou 77,9%) Tabela II Prologaria o sofrimento 6 (20%) 75 (70,8%) Abreviaria o sofrimento 18 (60%) 4 (3,8%) Não responderam 6 (20%) 274 (25,5%)

Diante do quadro demonstrativo, de relação das Tabelas I e II, constata-se que dos 30 (22,1%) que se posicionaram a favor da Eutanásia, tiveram o seguinte posicionamento na 2ª questão: 6 (20%) prolongaria o sofrimento (a vida); 18 (60%) abreviaria o sofrimento (a vida); 6 (20%) não responderam. Os resultados d­monstrados dão conotação de uma certa incompreensão do que seja eutanásia, pois cerca de 6 (20%) dos que se posicionaram a favor da eutanásia optaram por prolongar o sofrimento (a vida); os outros 6 (20%) não responderam. Portanto, os que se posicionaram a favor da eutanásia, 12 (40%) prolongariam o sofrimento (a vida) ou não responderam à mencionada questão, o que constitui um percentual significativo, que revela uma perceptível incoerência.

Os que se posicionaram contra a eutanásia, ou seja, 106 (77,90%), tiveram o seguinte posicionamento em relação à 2ª questão: prolongaria o sofrimento (a vida), 75 (70,80%); abreviaria o sofrimento (a vida), 4 (3,8%); não responderam, 27 (25,5%). Manifesta-se, também, nesses posicionamentos uma incoerência nas relações entre as respostas. Há os que sendo ao mesmo tempo a favor da eutanásia, optam pelo prolongamento do sofrimento (da vida); outros, ao mesmo tempo que se posicionam contra a eutanásia, optam pela abreviação do sofrimento (da vida).

5 - Relação entre as Tabelas I e III

Tabela I A favor da eutanásia (30 ou 22,1%) Contra a eutanásia (106 ou 77,9%) Tabela III Utilizar-se-ia dos recursos disponíveis visando prolongar a vida 7 (23,4%) 46 (43,4) Deixaria atuar a Lei da Seleção Natural 21 (70%) 60 (56,6%) Não responderam 2 (6,9) -

Neste caso também se observa uma posição que demonstra não haver clareza quanto ao conteúdo das opções: Dos 106 (77,90%) que se posicionaram contra a eutanásia, 46 (43,4%) utilizar-se-iam dos recursos terapêuticos disponíveis visando prolongar a vida e 60 (56,6%) deixariam atuar a Lei da Seleção Natural. Demonstra-se, assim, uma incoerência nessa relação, pois ao mesmo tempo em que se posicionam contra a eutanásia, agiriam deixando atuar a Lei da Seleção Natural, numa atitude que se amolda à denominada eutanásia passiva e que se constituiria na abstinência ao uso dos denominados recursos terapêuticos extraordinários, ou seja, valer-se de remédios, tratamentos e operações que, uma vez utilizados, não ofereceriam razoável esperança de benefícios além do que representariam um gasto excessivo, dor e/ou outro inconveniente quando de sua utilização. Julga-se, contudo, que tal posicionamento possa ter decorrido de uma compreensão restritiva do enunciado da terceira questão no que tange à situação hipotética de um problema congênito grave, qual seja, a anencefalia, tendo em vista que a referida questão dever-se-ia constituir apenas em um exemplo e não se equiparar à situação genérica de deformidades congênitas graves.

Comentários

Não obstante haver, na análise efetuada, conclusões resultantes dos dados obtidos e das reflexões atentas, ainda há margem para expressar alguns aspectos que não foram esgotados. Sem a pretensão de esgotar todo o conteúdo que envolve as polêmicas em torno da eutanásia, apesar de todo o esforço efetuado, ainda resta uma grande limitação.

A eutanásia constitui-se num tema objeto de discussões desde a antiguidade, ainda com muitos pontos nebulosos e, consequentemente, muita polêmica. Entretanto, se insere no cotidiano do profissional médico, sem conter, ainda, uma orientação, ou uma legislação, que lhe permita um mínimo de segurança ético-jurídica no que tange ao seu posicionamento diante do caso concreto. Observa-se nos resultados desta pesquisa uma fuga significativa do médico no pronunciamento sobre a questão e, como foi demonstrado na análise anterior, há dúvidas e equívocos nos enten­dimentos efetuados. Para FARIA: A conclusão sobre o que, de fato, constitui a eutanásia, torna-se imperiosa. O mundo vive a era do transplante, o progresso da ciência médica tem sido a cada dia mais acelerado e, em consequência, a prática da eutanásia insinuase inevitavelmente.22. FARIA, Yaara Silveira. Eutanásia ativa versus Eutanásia passiva. Op. cit.

É, pois, necessário determinar um conceito de eutanásia que possa delimitar a conduta. Observou-se que o tema constituiu surpresa para os médicos, bem como a intenção do trabalho. E não foi destituída de dificuldades a catalogação desta amostragem. Torna-se, portanto, imprescindível uma legislação específica a fim de evitar abusos e riscos, deturpando sua real função. Daí afirmar FARIA que: Vários aspectos têm que ser estudados e o primeiro deve ser o estabelecimento detalhado da ação, que pode ser intitulada eutanásia.22. FARIA, Yaara Silveira. Eutanásia ativa versus Eutanásia passiva. Op. cit.Faz-se indispensável que as autoridades médicas, jurídicas e religiosas reúnam seus conhecimentos afim de que cheguem a uma definição plausível de eutanásia. A partir daí, seriam iniciados estudos sobre a possibilidade ou não de aceitação dessa prática.33. FARIA, Yaara Silveira. Atitude de médicos e advogados em relação à Eutanásia. p. 45 Op. cit.

No esforço de identificar o nível de compreensão acerca da eutanásia, pela classe médica de São Luís, chega-se a conclusões significativas face às indagações e correspondentes respostas ao objeto específico deste trabalho.

No estudo preliminar da eutanásia, ou seja, das concepções de vida e de morte, temas que deveriam ser do domínio da formação médica, sente-se o quanto é necessário que se reveja o conteúdo da formação profissional para que possamos ter mais clareza diante desses fenômenos, levando-nos a uma prática menos mercantilista e mais humana.

Ao desenvolver um esboço dos sistemas éticos ou doutrinas éticas, nota-se o quanto é importante ter consciência do porquê de nossas opções e de nosso modo de pensar, de sentir e de agir. Tomando conhecimento do quanto essas doutrinas marcam tempo e espaço determinando o comportamento moral dos homens na sociedade é que se vislumbra que cada uma tem definido o tipo de homem e de mundo que se pretende construir.

Considerando que a atividade médica se situa num contexto social onde predomina o domínio de uma ou mais doutrinas, constata-se que a mesma não está isenta da influência que delas emanam para determinar o modo de pensar e de agir do médico no transcurso de sua atividade profissional. Nesse sentido a formação acadêmica poderia arcar com um conteúdo mais extenso e mais profundo sobre o homem, a vida e a morte.

Pensar e tratar a questão da eutanásia envolve abordar questões sobre o homem e sobre a vida. Ficou bem claro a influência do pensamento judaico-cristão, sobretudo no mandamento "não matar", entretanto, sentimos uma significativa ausência de reflexão e de conhecimento do mesmo, da evolução do próprio conhecimento cristão. Resultados semelhantes, que atestam a influência de ordem religiosa no determinismo dos posicionamentos, já forma adquiridos em estudos anteriores (FARIA, 1986), independente de credo, constatando que, "os resultados evidenciaram a existência de relação significativa entre crenças religiosas e atitude sobre a eutanásia''.33. FARIA, Yaara Silveira. Atitude de médicos e advogados em relação à Eutanásia. p. 45 Op. cit.

Observa-se que no contexto social de São Luis/MA, não tem havido acompanhamento das discussões que se tem desenvolvido em outros centros de maior envergadura e pesquisa científica ou, se isso aconteceu, deu-se de forma muito restrita, sem participação significativa do meio acadêmico. Quanto a esse aspecto, o Curso de Medicina deveria liderar a formação da Área de Saúde e da sociedade, tanto em relação ao tema objeto de reflexão quanto de outros afins, que envolvam o fenômeno vida e morte.

Considera-se este esforço de organização do pensamento em face da eutanásia, aqui desenvolvido, um momento de magnitude no que concerne à formação profissional do médico, mas reconhecendo que seu con­teúdo expressa apenas uma iniciação ao estudo do tema, o que deve motivar, como preâmbulo, para aprofunda­mento futuro.

É provável que haja, no contexto das respostas à essa pesquisa, influências de outras correntes do pensamento ou sistemas éticos, contudo identificamos especial ênfase à Deontologia, ou seja, a moral do dever, ressaltando o Código de Ética como determinante da atitude profissional, sem que de fato se perceba o sentido e instância desse código. Isto significa que um Código de Ética deve ter um caráter de norma moral e não de norma jurídica. A norma moral é de foro íntimo e envolve no seu bojo a consciência, a liberdade e a responsabilidade. Sua coação é interna. Logo, não é por simples dever e nem por causa de punição externa que se é levado a pensar e a agir, mas pela convicção de que essa ou aquela atitude é a mais certa, a mais nobre para si e para o próximo.

Os resultados da pesquisa ainda ressaltam a atitude identificada sob a influência de um sistema ético - Utilitarismo, que marca significativamente o nosso contexto social, onde os valores ligados ao modo ter prevalecem ao modo ser, caracterizando a nossa sociedade de consumo inserta nos moldes capitalistas.

É imprescindível que o Conselho Federal de Medicina ao lado dos Regionais participem através da realização de fóruns, debates, cursos e concursos de ética, que viabilizem reflexão sobre o tema, bem como a relação entre os mencionados Conselhos e os professores universitários da disciplina Deontologia Médica, de modo que, a partir de discussões e debates, possam atualizar os conteúdos disciplinares, tendo em vista as novas exigências que a evolução científico-tecnológica nos impõe.

Diante dos dados obtidos e das conclusões daí derivadas, pode-se recomendar determinadas atitudes e providências que possam incrementar e fornecer melhores subsídios a um posicionamento mais crítico e menos leigo em relação ao tema objeto deste trabalho.

Faz-se necessário destituirmo-nos do tabu ainda representado pelo tema morte e eutanásia, o segundo como decorrência do primeiro. Daí servir a lição de KÜBLER-ROSS em seu livro "On death and dying", uma obra clássica sobre esse tema, a qual assim se manifesta: Há esclarecido que en el problema no essolamente saber como ayudar a los enfermos, sino también, cómo ayudar a los estudiantes y al resto del equipo médico que pueden estar bloqueados ante la realidad de la muerte y como, sobreponerse a él. Todos actuamos como sifuéramos inmortales y que sólo ótros son mortales.44. MATURANA, Carlos Trejo. El enfoque ético del paciente terminal. Boletin Hospital San Juan de Dios, Santiago, v.35, n.5, sep/oct. 1988. 334- 339p.

Há necessidade premente de revisão dos Currículos da Área Médica, notadamente do Curso de Medicina, tendo em vista a introdução de conteúdos humanistas mínimos que permitam um posicionamento fundamentado diante das questões éticas que se apre­sentam ao longo da vida profissional, além da incrementação de equipe multidisciplinar que possa ensejar apoio aos pacientes terminais, proporcionando-lhes melhor qualidade de vida. É necessário, ainda, que se formem nas diversas instituições que recebem pacientes em estado terminal, os denominados Conselhos de Ética, buscando viabilizar e uniformizar condutas e atitudes diante de casos que ensejem conflitos e questionamentos éticos.

Enfim, pode-se resumir uma série de condutas que, uma vez postas em prática, viabilizarão uma melhor compreensão do tema e um relacionamento mais humano e criterioso entre o paciente e o médico, quais sejam:

  1. La enseñanza de la medicina debe ser reorientada. Completar la formación científica con la formación humanística, por cuanto la ciencia es válida sólo cuando está em función de servicio de las personas y cuando es responsable;

  2. La necesidad de crear grupos especializados atención de pacientes terminales que investigación, enseñanza e apoyo;

  3. No obstante lo anterior, todos tinen que saber el manejo del enfermo terminal. En especial preocuparse por la formación de enfermeras y auxiliares;

  4. La necesidad de contar con comités de ética en cada grupo importante de trabajo;

  5. La toma de conociencia de los directivos en salud que junto al mundo de la eficiência existe el ámbito de los valores humanos. Em el crescimento y realización de la persona humana ocupan um lugar de privilegio que no debe ser excluído;

  6. Todos, enfin, tenemos que aprendes a morir. Lograr, que la muerte se ala legitimación de una biografia y enfrentarla em reconciliada paz consigo mismo y com el mundo. Así se vivie la esperanza. 4 4. MATURANA, Carlos Trejo. El enfoque ético del paciente terminal. Boletin Hospital San Juan de Dios, Santiago, v.35, n.5, sep/oct. 1988. 334- 339p.

Referências bibliográficas

  • 1
    EIBACH, U. Ethische Probleme. Wuppertal, 1976. p.145. Apud: HAERING, B. Livres e Fiéis em Cristo, Teologia Moral. São Paulo: Ed. Paulinas, 3 v., 1984. p.76.
  • 2
    FARIA, Yaara Silveira. Eutanásia ativa versus Eutanásia passiva. Op. cit.
  • 3
    FARIA, Yaara Silveira. Atitude de médicos e advogados em relação à Eutanásia. p. 45 Op. cit.
  • 4
    MATURANA, Carlos Trejo. El enfoque ético del paciente terminal. Boletin Hospital San Juan de Dios, Santiago, v.35, n.5, sep/oct. 1988. 334- 339p.

Bibliografia consultada

BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade do Médico. 1a ed. Porto Alegre, Ed. SAGRA, 1990.

BONHOEFER, Dietrich. Ética. 9" ed. São Leopoldo - RS, Editora Sinodal, 1985.

C., Augusto Léon. Las unidades de cuidado intensivo - algunos aspectos etico-legais. Med. Crit. Ven., Caracas, v. l , n.2, Abril - Junio. 1986. 53 - 56p.

CHÂTELET, François. História da Filosofia (O Iluminismo). de Janeiro: ZAHAR Editores, 2974. 23 l p.

CORTE, Nicolas. As origens do homem. São Paulo: Ed. Flamboyant, 1958 l 39p.

COSTE, René. Moral para uma sociedade que se transforma. 1ª ed. São Paulo, Ed. Paulinas, 1976.

DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis: Vozes, 1986. 285p.

FARIA, Yaara Silveira. Conceituação de Eutanásia: uma pesquisa de campo. Arq. Bras. Psic., Rio de Janeiro, v .42, n.2, mar/maio. 1990.

FAVERO, Flamínio. Medicina Legal: introdução ao estudo da Medicina Legal, identidade, traumatologia. 12 ed. Belo Horizonte: Vila Rica, 1991

FERREIRA, Arnaldo Amado. Da técnica médico-legal na investigação forense. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais Ltda, 1962.

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 3 ed. São Paulo, Fundo Editorial BIK-PROCIENX, 1982. 4 I l p.

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1982. 4 ed.

FROMM, Erich. Análise do Homem. 9ª ed. Rio de Janeiro, ZAHAR Editora, 1974.

FROMM, Erich. Ter ou Ser? Rio de Janeiro, ZAHAR Editores, 1977. 202p.

GALLIANO, A. Guilherme. O Método Científico: Teoria e Prática. P ed. São Paulo, Editora Mosaico Ltda., 1979

GOMES, Hélio. Medicina Legal. 21 ed. Rio ele Janeiro, Freitas Bastos S.A., 1985.

GRAZZIOSI, Laura. Códigos de Ética del Servicio Social. Buenos Aires: Editorial HUMANITAS, 1977. 223p.

GRELOT, P. Homem, quem és? l ª ed. São Paulo, Ed. Paulinas, 1980.

HAERING, Bernhard. Livres e Fiéis em Cristo (Teologia Moral para Sacerdotes e Leigos). 2a ed. 3v. São Paulo, Ecl. Paulinas, 1984.

HAERING, Bernhard. Medicina e Moral no Sec. XX. 1 ed. Lisboa: Ed. Verbo, 1974.

HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. 4 ecl. Coimbra: Ed. Armênio Amado, 1974. 347p .

JOLIVET, R. Curso ele Filosofia. 3 ed. Rio ele Janeiro, AGIR Editora, 1957.

LAHR, C. Manual de Filosofia. 8 ed. Porto, Livraria Apostolado ela Imprensa, 1968.

LEPARGNEUR, H. Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Ed. Paulinas, 1978. 1 l 7p.

MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia. 4 eel. Rio de Janeiro, AGIR Editora, 1956.

MARITAIN, Jacques. Problemas Fundamentais da Filosofia Moral. 2 ed. Rio ele Janeiro, AGIR Editora, 1977.

MA TURANA, Carlos Trejo. Aspectos éticos frente a la muerte. Boletin Hospital Vifía dei Mar, Santiago, v.43, n. 2-4, 1987. 228 - 233 p.

MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha. 5 ed. Rio de Janeiro: AGIR, 1968. 213p.

MONDIM, Battista. Antropologia Teológica. 3 ecl. São Paulo: Ed. Paulinas, 1986. 396p.

MONDIM, Battista. O Homem, quem é ele? 5 ed. São Paulo, Ed. Paulinas, 1980.

MONDIM, Battista. Introdução à Filosofia. 2 ed. São Paulo, Ed. Paulinas, 1981.

MONDIM, Battista. Curso de Filosofia. 3 ed. 1 v. São Paulo, Ed. Pau1inas, 1985.

MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia (Lições Preliminares). 4 ed. São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1970.

NARISI, Mário. TDF. Trabalho Dirigido de Filosofia. l ed. São Paulo, Saraiva, 1977.

NEUMANN, Erich. Psicologia Profunda e Nova Ética. 1 ed. São Paulo, ed. Paulinas, 1991.

NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti-Humanismos. 8 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1983. 296p.

PESSINI, Leocir. Eutanásia e América Latina. Aparecida: Ed. Santuário, 1990. l 76p.

QUEIROZ, José J. Ética no Mundo de Hoje. I ed. São Paulo, ed. Paulinas, 1985.

ROJAS, Nerio. Medicina Legal. 12 ed. Buenos Aires. "EL ATHENEO", 1979.

S., Alfredo Paleio. EI profisional en Ciencias de la Salud ante la muerte. UNIMETRO (Organo de informacion e investigacion), Barranquilla, v. l, n.2, jul/Dec. 1985. 50-53p.

SEGRE, Marco. Eutanásia: aspectos éticos e legais. Rev. Ass. Med., Brasil, v.32, n. 7/8, jul/ago, 1986. 141-142p.

SPINSANTI, Sandro. Ética Biomédica. 1 ed.São Paulo, ed. Paulinas, 1990.

TEPE, Valfredo. O Sentido da Vida. 4 ed. Salvador: Ed. Mensageiro da Fé, 1961, 263p.

VASCONCELOS, Geraldo Majela Fortes. Lições de Medicina Legal. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979.

VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 12 ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira S.A., 1990. 267p.

VIANA, Mário Gonçalves. Ética Geral e Profissional. 1 ed. Porto, Livraria Figueirinhas, 1961.

VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes (Moral Fundamental). 1 ed. 1 v. Aparecida - SP, Editora Santuário, 1978.

VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes (Ética da Pessoa) 2 ed. 2v. Aparecida - SP, Editora Santuário, 1981.

VINA, A. Garcia de. Dificuldades y Compreensiva Psicológica de La Relaciona Médico-Paciente Oncológico. Arch. Med. lnt., Montevideo, v.10, n.2-3, 71-78p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1996
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com