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Uma experiência de ensino de psicologia médica e psiquiatria

Resumo:

O autor, através deste trabalho, apresenta uma experiência de ensino de Psicologia Médica e Psiquiatria, que vem sendo realizada desde o ano de 1968, na Faculdade de Medicina de Pelotas, hoje incorporada à Universidade Federal de Pelotas. O objetivo é transmitir ao aluno elementos vivenciais que o capacitem a uma maior maturidade psicológica, para melhor exercício da medicina integrada. A experiência, no decorrer destes anos, vem sofrendo graduais modificações no seu desenvolvimento, não mudando, porém, seu sentido básico, que é o contato com pessoas e situações, visando um melhor relacionamento entre o médico e o paciente.

Pretendemos, em trabalhos posteriores, apresentar esquemas de avaliação que estamos atualmente utilizando, bem como maiores resultados da experiência posta em prática.

Atualmente esta experiência faz parte do currículo regular de graduação médica, na referida Faculdade de Medicina.

I - INTRODUÇÃO

Os alunos de Medicina, ao ingressarem na Faculdade, estão habitualmente voltados para o estudo da evolução e morfologia normal do homem - embriologia, anatomia e histologia.

Como contingente humano, representam um grupo de adolescentes que elegeram uma profissão, a de médico, sem terem clara idéia do que seja Medicina, sem também terem tido tempo para resolver seus problemas pessoais de identidade, atravessando, enfim, uma fase etária de transição difícil.

A tarefa principal dos professores é, a partir daí, e no final de 6 anos, transformar esses adolescentes em médicos, com todas as suas prerrogativas.

Levando em consideração o papel desempenhado pelo médico dentro da comunidade, veremos, em seguida, a profissão médica completamente diferenciada das demais profissões.

Nosso objeto de trabalho é o homem e suas relações. A sociedade, quando nos dá o diploma e nos diz: “Ide exercer a Medicina”, lega-nos também uma série de responsabilidades que nem sempre estamos preparados para receber.

Em linhas gerais, ficamos com direito de vida e de morte sobre nosso semelhante. Alguém, cometendo um homicídio, é levado às barras dos tribunais, julgado e punido. Mas, se a nossa imperícia, imprevisão ou inexperiência nos levam a matar alguém, dificilmente seremos chamados a responder por esses nossos atos.

Por outro lado, desfrutamos de privilégios. dentro da comunidade, como poder mandar qualquer mulher despir-se diante de nós e nela executar manobras físicas. Não há outra pessoa, dentro da comunidade, que tenha licença ou permissão para assim agir.

Uma pessoa vai ao consultório do psiquiatra e revela a ele todo o seu mundo, (às vezes todas as suas misérias internas) coisas em que não se anima nem mesmo a pensar sozinha.

Dessa forma, junto com o diploma recebemos da comunidade uma licença, uma permissão total em relação aos sentimentos dos nossos semelhantes.

A responsabilidade é grande, a tarefa das mais humanísticas, mas também das mais difíceis.

Somos incumbidos da saúde da comunidade tanto física como mental e social. Diante disso, surge-nos a pergunta inevitável: será que o curso de Medicina realmente nos prepara para isso?

Não serão, atualmente, os cursos de Medicina um simples agrupamento de matérias divididas, isoladas, afastadas do seu espírito primeiro, de seu objetivo principal, que é o homem em sua totalidade?

Cada um de nós, estudantes de Medicina, quando veio à escola, trouxe acalentado seu desejo e suas fantasias do que pretendia e seria como médico. E o primeiro impacto oferecido a esse rasgo de idealismo potencial dos estudantes é jogá-los sobre um cadáver. Exatamente o oposto do que vieram buscar e, o que é mais dramático, é que, na maioria das vezes, esses alunos, pelo resto de sua existência, passarão buscando o cadáver imobilizado da Anatomia. Então, o paciente não tem sentimentos nem afetos: não ama, não chora, não sofre.

“Longa é a distância que separa o doente do são. A proverbial solidão humana então cresce e todo o entendimento é impossível”. (Arnaud Pierre, 1966.)

Como professor, com pouquíssimas vivências didáticas, assaltava-nos constantemente um sentimento de que alguma coisa deveria ser feita, pois a estrutura da escola de Medicina não correspondia a seus fins e parecia até estimular um pacto tácito entre professores e alunos. Estes e aqueles estavam convencidos de que a Medicina tratava dos aspectos físicos das pessoas. E, para corroborar essa observação, guardo uma frase dita por um aluno de primeiro ano: “O senhor está enganado: gente é gente, e paciente é paciente”.

Não pretendemos, absolutamente, identificar culpados: nem os docentes, nem os discentes nem mesmo o currículo. Mas a concepção íntima de que paciente não é gente está arraigada, desde longos anos, nos candidatos e na grande maioria dos médicos.

Todos nós, médicos, temos uma necessidade absoluta de curar, e nem sempre o paciente se dispõe a satisfazer essa necessidade. E aí, pensamos, começa o entrechoque. O médico tem de ter ânimo curativo, tem de ter uma atitude curativa, mas não pode ter um furor curativo, sob pena de querer transformar-se num semideus. As escolas, todos os anos, soltam semideuses. Parece que é um direito do paciente vir a nós, em aflições de vida e de morte, e nos olhar como tais. Onde aceitarmos esta figura, certamente teremos como resultado médicos que rechaçam seus pacientes, que se utilizam de manobras cirúrgicas desnecessárias, aumentando as frustrações terapêuticas dos nossos dias.

Partindo de tantos valores contraditórios e também de tanto desejo manifesto, da grande maioria, de se tornar genuinamente bom médico, foi que idealizamos um curso que seria executado do primeiro ao último ano de medicina, firmado tão-somente num pensamento: ensinar é realmente modificar alguma coisa dentro da pessoa. E, para tal, nosso objeto e nosso objetivo são nossa figura e nossas vivências, ou seja, o homem como uma totalidade física e mental.

II - CONSIDERAÇÕES GERAIS

Na atualidade, deparamos com a Organização Mundial de Saúde pregando: “Precisamos humanizar os médicos, precisamos pedir às mães que voltem a aleitar os seus filhos”.

Partindo daí pensamos que, de alguma forma, teríamos de ajudar os estudantes a se capacitarem, de imediato, logo ao entrarem na Faculdade, de que os pacientes são gente, e é a essa gente, humana sob todos os aspectos, que eles iriam atender.

Temos de levá-los a pensar que 70% das pessoas que procuram um médico o fazem baseadas em problemática emocional pura. Não se pode formar médicos que não tenham condições de avaliar isso ou de poder dar algum tipo de atendimento a essa grande maioria.

Sabemos que o número de doentes mentais cresce assustadoramente e que, dentro dos próximos anos, deverá crescer ainda mais, tendo em vista a fantástica massificação e insegurança do homem hodierno, geradas pela rapidez das transformações sociais, culturais e morais. Não haverá psiquiatras suficientes para todo esse atendimento. Então, só há uma linha de combate, que é a linha médica. E ela terá de estar preparada para o atendimento integral do paciente. O médico não poderá mais atender simplesmente a um número ou a uma ficha.

E aí surge a nossa certeza de que o ensino de Psicologia Médica é absolutamente necessário e indispensável em uma Faculdade de Medicina. O aluno tem de adquirir experiência e habilidade de falar com pessoas, de ouvir histórias e de acelerar, através de vivências diversas, seu desenvolvimento emocional. Assim, no exercício de sua profissão, surgirá a medida de sua própria grandeza como pessoa e como médico.

III - PROPOSIÇÃO

Estávamos convencidos de que o ensino teórico de Psicologia Médica e de Psiquiatria não atingia seus objetivos, uma vez que os alunos se limitavam a decorar uma série de conceitos e quadros clínicos, distanciados da real finalidade da disciplina.

A Psiquiatria era tida como filha espúria da Medicina. Os pacientes eram divididos em pacientes de medicina, com patologias orgânicas, e pacientes dados aos psiquiatras.

Nessa sistemática é que foi dado o passo inicial do nosso trabalho.

De um modo geral, tratava-se de estudar a evolução do homem e seus problemas desde seu nascimento até sua morte. E, tanto quanto possível, esse estudo teria características eminentemente práticas ou vivenciais, de apreensão ou compreensão dos fenômenos psíquicos e sociais, com poucas ou mínimas concepções teóricas.

A partir de então, em contato com o Dr. David Zimmermann, de Porto Alegre, idealizamos um curso de Psicologia que deveria, fundamentalmente, ao invés de ensinar Psiquiatria, que é uma especialidade definida, levar ao aluno uma soma de conhecimentos que lhe permitisse poder exercer melhor a Medicina.

Durante todo o curso, procurava-se dar a oportunidade de contato com os aspectos psicológicos e psicopatológicos das pessoas.

Em 1968 foi iniciada essa experiência que, como curso, é desenvolvida até hoje.

Naturalmente, achamos muito cedo para se tentar uma análise global de toda a experiência. Alguns ensinamentos, entre tanto, já foram colhidos.

Por um lado verificamos a grande dificuldade com que a tentativa é encarada por parte de muitos professores, formados e conformados na dicotomia entre os problemas ditos psíquicos e os chamados somáticos, e, certamente, envolvidos por sua própria problemática emocional.

Outro tanto se torna evidente por parte dos alunos, aos quais parece muitas vezes mais cômoda a posição de alienação face à concepção de que, ao procurarem melhor compreender os outros, fatalmente se obrigam a enfrentar-se cada um a si mesmo.

O referido curso vem sendo ministrado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas.

Adiante transcreveremos o início do programa realizado e seu funcionamento até hoje. Para melhor entendê-lo, pareceu-nos viável apresentá-lo em seu funcionamento, isto é, dividido em 5 períodos, assim caracterizados:

Psicologia Médica I - (1.o ano)

Psicologia Médica II - (2.o ano)

Psicologia Médica III - (3.o ano)

Psicologia Médica IV - (4.o ano)

Clínica Psiquiátrica - (5.o ano)

IV - PLANIFICAÇÃO DIDÁTICA

Partindo da idéia de ensinar aos alunos a conhecer a quem irão tratar, antes de saberem como tratar, escolhemos, como a fórmula mais simples, o contato direto do aluno com pessoas, nos seus diferentes estágios de desenvolvimento. Para tanto, estratificamos em faixas etárias o estudo do homem, do seu nascimento até a adolescência e, a partir daí, como seqüência, a observação de crises vitais comuns à maioria das pessoas e seu comportamento em grupo.

DESENVOLVIMENTO

Psicologia Médica I

O programa consta de uma parte prática e outra teórica. A parte prática é desenvolvida a partir de observações efetuadas pelos alunos, junto a grupos assim determinados:

  1. - crianças de 0 a 1 ano

  2. - crianças de 1 a 3 anos

  3. - crianças de 3 a 6 anos

  4. - crianças de 6 a 12 anos

  5. - puberdade masculina e feminine

  6. - gestante

Cada aluno recebe a tarefa de observar uma pessoa, dentro de um dos grupos acima relacionados. A escolha é pessoal e rigorosamente fora do seu ciclo de amizades.

Semanalmente faz um relatório e o apresenta em aula, composta de pequenos grupos (cerca de 10 alunos), onde serão discutidas as observações realizadas, sob a supervisão de um monitor, aluno de 4.o ou 5.o ano.

Duas vezes por semana os monitores reúnem-se para supervisão de 2 horas, com um professor da disciplina. É ventilada então a mecânica dos pequenos grupos, e feita a respectiva avaliação.

A parte teórica é desenvolvida a partir do livro texto “A Criança e Seu Mundo” - D. W. Winnicott - sob forma de seminário semanais. Os capítulos estudados são os seguintes:

  1. Um Homem Encara a Maternidade

  2. Conheça o seu Filhinho

  3. O Bebê como Organização em Marcha

  4. Alimentação do Bebê

  5. Para Onde vai o Alimento

  6. O Fim do Processo Digestivo

  7. Pormenores da Alimentação do Bebê pela Mãe

  8. Alimentação

  9. Por que Choram os Bebês

  10. O Mundo em Pequenas Doses

  11. O Bebê como Pessoa

  12. O Desmame

  13. Mais Idéias sobre os Bebês como Pessoas

  14. - A Moralidade Inata do Bebê

  15. - Instintos e Dificuldades Normais

  16. - As Crianças e as Outras Pessoas

Durante esses seminários, alguns dos relatórios já apresentados nos pequenos grupos são selecionados e reapresentados à discussão, no grande grupo, ou seja, com os demais colegas da turma (50 no máximo), sob a coordenação de um professor da disciplina.

Psicologia Médica II:

O programa de Psicologia II é desenvolvido de modo semelhante ao da Psicologia I. As observações, porém, são realizadas com outros grupos:

  1. trabalhadores

  2. serviço militar (recruta)

  3. noivado (noivo-noiva)

  4. “hobbies”

  5. velhice

  6. - viuvez

  7. - paciente desenganado (1.o semestre)

2.o semestre:

  1. Grupo familiar

  2. Clube social

  3. Entidade Esportiva

  4. Entidade Religiosa

  5. Hospital (Maternidade-Bloco Cirúrgico, etc.)

  6. Fábricas

Nos seminários teóricos o livro texto continua sendo “A Criança e Seu Mundo” (D. W. W.) com os seguintes capítulos:

  1. E o Pai

  2. Os Padrões Dele e os Seus

  3. O Que Entendemos Por Criança Normal

  4. O Filho único

  5. Os Gêmeos

  6. Por que as Crianças Brincam

  7. A Criança e o Sexo

  8. Roubar e Dizer Mentiras

  9. Primeiras Experiências de Independência

  10. Apoio aos Pais Normais

Atualmente o programa de Psicologia Médica I e II é desenvolvido apenas em 1 semestre, em cada um dos respectivos anos. As observações sobre agrupamentos humanos foram retiradas, com exceção de Grupo Familiar. A parte teórica, a distribuição de atividades e a carga horária semanal continuam as mesmas.

Psicologia Médica III

No 3o ano o aluno entra em contato com o paciente, realizando anamnese e exame clínico, no ambulatório de clínica médica. E iniciado o estudo da relação médico-paciente.

O curso processa-se em 1 semestre, e o material deriva unicamente das anamneses realizadas pelos próprios alunos.

As turmas são divididas em grupos de, no máxcimo, 15 alunos, sendo as discussões coordenadas por um professor da disciplina.

Atualmente, essa parte do curso é dada no 4o ano - Psicologia Médica IV - porque se observou que no 3o ano o aluno não faz ainda o seguimento do paciente, limitando-se mais a observar a atividade do aluno mais graduado. Pareceu-nos então mais proveitoso que o aluno tivesse melhor noção básica sobre a teoria do desenvolvimento da personalidade, antes de entrar na discussão da dinâmica da relação médico-paciente, propriamente dita.

A Psicologia Médica III é, agora, eminentemente teórica, sendo ministrada, sob a forma de seminários, a seguinte matéria:

  1. Teoria dos Instintos

  2. Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente

  3. As estruturas do Aparelho Psíquico

  4. Desenvolvimento da Personalidade

  5. Fantasias Inconscientes

  6. Relações de Objetos

  7. Grupo Psicológico

  8. Conflito Psíquico e os Mecanismos de Defesa

  9. Gravidez, Parto e Puerpério

  10. Situações Psicológicas (Adolescência-Climatério-Velhice)

Nas aulas de Grupo Psicológico, além de serem abordados os aspectos teóricos do assunto, efetuam-se experiências de grupo. Assim, os próprios alunos formam um grupo de discussão livre e outro de observação do 1o grupo, com o objetivo de compreender sua dinâmica.

Psicologia Médica IV:

Após uma parte introdutória que est u­ da as Neuroses e enfermidades psicossomáticas, dedicamo-nos à discussão da relação médico-paciente, a partir das anamneses realizada pelos alunos, no ambulatório geral, e também ao estudo de capítulos selecionados do livro texto “Conversando com o Paciente” (Brian Bird).

A matéria teórica, que é ministrada semestralmente, aborda os seguintes tópicos:

  1. Revisão dos Conceitos Psicológicos vistos na Psicologia Médica III

  2. Conflito Psíquico e Mecanismos de Defesa (revisão)

  3. Origem e Formação dos Sintomas

  4. Neuroses: Conceito-Formas Clínicas-Etiopatogenia

  5. Neuroses de ansiedade - Conceito-etiopatogenia: - histérica-conceito-formas clínicas-etiopatogenia - sintomatologia
    • hipocondríaca: conceito-etiopatogenia-sintomatologia

    • fóbica: conceito-sintomatologia-etiopatogenia

    • depressiva: conceito-sintomatologia-etiopatogenia

    • obsessiva: compulsiva: conceito -sintomatologia -etiopatogenia

    • neurastenia: conceito-sintomatologia-etiopatogenia

  6. Distúrbios de Personalidade: conceito-formas clínicas-etiopatogenia

  7. Enfermidades Psicossomáticas: conceito-transtornos psicossomáticos gastrointestinais transtornos psicossomáticos cardiovasculares
    • transtornos psicossomáticos respiratórios - transtornos psicossomáticos genito-urinários, ginecológicos e sexuais - transtornos psicossomáticos alérgicos e cutâneos - Cefaléias - obesidade - Anorexia

  8. Procedimento Terapêuticos. Psicoterapias.

O Programa teórico-prático consta de discussões das anemneses e de seminários sobre os seguintes capítulos do livro texto:

  1. O Paciente Ansioso

  2. O Médico Ansioso

  3. O Paciente Agressivo

  4. O Paciente com Agressividade Latente

  5. O Paciente que Provoca a Agressividade do Médico

  6. O Paciente Apaixonado

  7. O Paciente que Pede Conselhos

  8. O Paciente que Chora

  9. O Paciente Enlutado

  10. O Paciente Culpado

  11. O Paciente Moribundo

  12. O Paciente Alcoólatra

  13. O Paciente Psicossomático

  14. O Paciente com Delírio

  15. O Paciente Deprimido e o Paciente Suicida

  16. O Paciente Psiquiátrico

  17. O Paciente Oligofrênico

  18. O Paciente Cirúrgico

  19. Reação à Cirurgia: Letargia e Apatia

  20. Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos

  21. Depressão na Cirurgia

  22. Conversando sobre Dinheiro

Psiquiatria:

O programa de Psiquiatria, desenvolvido no 5.o ano, pretende dar aos alunos noções básicas que o médico clínico deve ter sobre o tema, a fim de capacitá-lo a reconhecer um problema psiquiátrico, preveni-lo, se for possível, e decidir qual a melhor conduta diante dele.

A parte teórica é desenvolvida sob a forma de seminários, e a ênfase do curso é dada à atividade prática, que consta do atendimento ambulatorial de pacientes psiquiátricos, feitos pelos alunos, com supervisão especializada.

A fonte de material para as discussões clínicas é a seguinte: participação semanal na discussão de 1 caso de clínica psiquiátrica, apresentado por um residente em Psiquiatria; - atividade diária junto à Praxiterapia do Hospital; quinzenalmente, plantão clinico-psiquiátrico, sob supervisão direta de um residente.

O curso é realizado no Hospital Psiquiátrico, já referido, para grupos de 15-20 alunos, num período de 2 meses.

O programa teórico consta de:

  1. - Entrevista Psiquiátrica

  2. - Etiologia das Doenças Mentais

  3. - Comunidade Terapêutica

  4. - Psicoses Afetivas: conceito e formas clínicas

  5. - Esquizofrenias: conceito-formas clínicas

  6. - Demências Arterosclerótica e Senil: conceito-formas clínicas

  7. - Estados Paranóides: Paranóias­conceito-formas clínicas

  8. - Terapêutica Psiquiátrica: procedimentos psicoterápicos - psicoterapia para o médico geral

  9. - Dependência a Drogas: conceito-formas clínicas

  10. - Terapêutica Psiquiátrica: procedimentos psicofarmacológicos

  11. - Alcoolismo: Psicose alcoólica - conceito - formas clínicas e etiopatogenia

  12. - Urgências Psiquiátricas: suicídios

O que se tem em mira, fundamentalmente, com o programa de Clínica Psiquiátrica, propriamente dita, é fazer com que o aluno perca o receio que o doente mental geralmente desperta.

V - O QUE SE PRETENDE

Devemos obrigatoriamente considerar que, se pretendemos que os médicos atinjam o maior grau de eficiência possível no que respeita aos seus papéis profiláticos e terapêuticos e que se mantenham com um mínimo potencial patogênico, será na formação dos profissionais que se há de colocar a máxima atenção. Em todos os tempos e em todos os países, tem sido lamentada a situação de os planos de formação de médicos se desenvolverem de tal maneira que, ao final de sua carreira, os conhecimentos de psicologia e psicopatologia não podem nem de longe equiparar-se às noções anatômicas, fisiológicas e patológicas no sentido somático.

Então, do ponto de vista dos papéis que cabem ao médico geral, como agente de saúde mental, podemos considerar fundamentalmente três situações:

  1. O médico como agente profilático

  2. O médico como agente terapêutico

  3. O médico como agente patogênico

1) O médico como agente profilático - por sua peculiar situação em face dos pacientes e mesmo da comunidade, múltiplas, e todas importantes, são as oportunidades que se oferecem ao médico para agir. A orientação adequada que pode ser proporcionada, dentro de suas mais estritas atribuições, por um ginecologista, por um obstetra, por um pediatra, pode claramente funcionar na profilaxia de perturbações mentais.

2) O médico como agente terapêutico - a cada momento, seja no cuidado dos pacientes de padecimentos ditos funcionais, como - e este é um aspecto freqüentemente esquecido - naqueles portadores de lesões orgânicas, também extremamente amplas são as possibilidades de ação terapêutica. Desde a maneira como se realiza o atendimento do paciente em suas várias fases, até a forma como se escolhem e como se executam os diferentes procedimentos de terapêutica médico cirúrgica, é óbvio que muito do que se obtém em termos de bons ou maus resultados deve ser computado como resultado da ação psicoterápica imanente do trabalho médico. Por outro lado, é desnecessário ressaltar a importância de saber cada médico decidir quem e quando, entre os vários enfermos e as diversas oportunidades, necessita de encaminhamento a atendimento psiquiátrico.

3) O médico como agente patogênico - é provável que um médico geral, por maior que seja sua boa vontade, não possa melhorar grande número dos pacientes neuróticos que lhe venham às mãos. Entretanto, o mínimo que se espera esteja ele em condições de fazer é não piorar tais pacientes.

Comenta-se com grande freqüência e talvez exagerado entusiasmo o caso de pacientes que, portadores de um processo de patologia orgânica, ficam longo tempo sendo vistos e manejados como se fossem apenas neuróticos. Pouco é comentado, entretanto, embora a situação seja muitíssimo mais freqüente, sobre os enfermos neuróticos que são agredidos e têm seu estado agravado por atitudes e práticas que partem de concepções erroneamente organicistas.

Na realidade, o médico geral ou o especialista com formação incompleta freqüentemente atuam de modo que, além de, por omissão, não conseguirem proporcionar melhora, terminam, por ação, agravar a situação dos pacientes.

Muitas vezes parece ser esquecida, pelos profissionais, a advertência de Julius Bauer de que “a palavra do médico é uma das mais poderosas de suas armas, e das mais perigosas”. E assim, pelo que dizem ou pelo que deixam de dizer com clareza, transformam-se freqüentemente os médicos em agentes patogênicos.

Levado pelo desejo de que a profissão médica, atualmente tão controvertida, se desenvolvesse com maior potencial de afeto, procurando atingir seus objetivos humanísticos integralmente, colocamos todo nosso entusiasmo nessa experiência. Depois do exposto, resta-nos como pergunta: Formamos melhores médicos? Como se poderia avaliar a dimensão dos resultados?

Muitas manifestações já nos chegaram dos mais diversos pontos do país, incentivadoras, gratificantes e realistas.

Achamos que a semente está lançada. E a soma positiva de resultados é que nos animou a este trabalho.

“Nenhuma tarefa é mais importante do que construir uma pessoa.” (Antonio Xavier Teles - 1976.)
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    * A presente experiência foi planejada e supervisionada, nos dois primeiros anos, pelo Prof. David Zimmermann, Prof. Adjunto de Psiquiatria da UFRS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1980
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