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O que a pedagogia pode oferecer a uma escola de medicina

O Ensino Médico no Brasil, como em todas as escolas de formação profissional do nível superior, baseou-se durante muito tempo na atuação de professores, de comprovada qualificação e renome profissional quer pelo trabalho desenvolvido em suas clínicas quer pela publicação de teses e trabalhos científicos mas, quase todos (ou todos) “Professores leigos”, isto é, professores sem preparo específico para a função de ensinar.

Pessoas alçadas a uma função para a qual não foram preparadas tendem a se fixar em model os com os quais conviveram e que são os únicos parâmetros que conhecem; desta forma foram se reforçando os modelos do professor de medicina; aquele que apresenta brilhantes aulas à beira do leito, exímio no exame físico mas também na retórica do diagnóstico diferencial e cultor dos casos raros e graves, atualmente sendo substituídos pelo médico tecnicista que melhor sabe usa r e explorar a aparelhagem colocada a seu serviço.

Longe de nós querer diminuir a importância de qualquer um dos dois modelos mas ambos ressaltam um mesmo enfoque: a centralização do processo no professor que “ensina” e no conteúdo a ser “ensinado” e não no aluno que “a prende”.

Este panorama perdura até hoje o que nos faz ter certeza de que as Escolas de Medicina se ressentem de princípios diretrizes pedagógicas para que a educação médica se insira num contexto mais amplo de EDUCAÇÃO e não apenas de transmissão e renovação de conhecimentos médicos.

Os princípios e diretrizes pedagógicas fazem falta desde a formulação dos currículos das escolas até o trabalho do professor em sala de aula. Não se entende que decisões sobre currículo; sobre planejamento a nível de sistema ou a nível de sala de aula; sobre métodos, técnicas, material ou equipamento de ensino e, principalmente, sobre avaliação, sejam tornadas sem base pedagógica uma vez que se trata de tarefas de educadores e o processo educacional é o mesmo, seja qual for a área em que ele esteja se manifestando.

Sendo a Pedagogia a própria “ciência da educação”, é ela que m poderá oferecer às Escolas Médicas as diretrizes de que necessitam para que não se vejam reduzidas a um papel mecânico de formação de “técnicas” em determinada área sem vinculação com o contexto sócio-econômico e cultural em que vive.

A ação da Pedagogia, neste sentido, pode se dar sobre o indivíduo-professor, orientando sobre planejamento de ensino, utilização de técnicas e recursos e avaliação da aprendizagem mas sua ação pode ir se ampliando ao Departamento, às instituições de ensino e, conseqüentemente, ao próprio sistema educacional corno um todo.

Neste ponto se impõe um questionamento: quais os caminhos para as escolas se utilizarem da Pedagogia.

Baseados na nossa experiência podemos afirmar que existem dois caminhos ou estratégias para isso.

O primeiro deles, que já tem sido tentado por muitas escolas, é o de fornecer aos médicos-professores, o conhecimento básico de pedagogia para melhor desempenharem suas tarefas, através de cursos de didática, metodologia do ensino ou pedagogia ou através da leitura de bibliografia a respeito.

Não podemos negar que esta fórmula, de início, deve ser aplicada, até mesmo como tentativa de sensibilizar os professores para a necessidade da Pedagogia. A experiência, no entanto, tem demonstrado que a rentabilidade desta estratégia é mínima ou quase nula em relação ao número de professores de uma escola. Para colocarmos em termos numéricos temos observado que, em cursos desse tipo, em turmas de 30 professores dois ou três são sensibilizados a realizarem modificações por conta própria em seus cursos o que nos dá um percentual de 10%.

Além disto este meio não se tem mostrado o melhor caminho porque, em sua maioria, os professores assimilam algumas técnicas, tentam aplicá-las e, se obtiverem sucesso, tendem a perpetuá-las sem criticá-las ou reformulá-las, quase como se fossem dogmas mas, se fracassaram tendem a abandonar por completo quaisquer veleidades pedagógicas.

Uma segunda estratégia seria criar uma estrutura de apoio técnico-pedagógico dentro da escola ou ligada a instituições especializadas com este objetivo como é o caso do Programa de Preparo e/ou Atualização Pedagógica (PPP) da ABEM.

Essa estrutura seria constituída basicamente de pessoal especializado em educação trabalhando com o pessoal médico visando a consecução de objetivos comuns quais sejam os de desenvolver a educação naquele nível.

Tal trabalho conjunto precisa ser estruturado sobre um relacionamento interprofissional franco, direto, honesto, aberto cm que o profissional de educação questiona o profissional médico sobre sua forma de trabalhar o conteúdo e apresenta técnicas pedagógicas específicas e o profissional médico questiona essas técnicas e apresenta seus argumentos gerados na vivência com a medicina e o estudante de medicina.

A estrutura de apoio técnico-pedagógico serviria como mecanismo de apoio constante aos professores que quisessem modificar os seus próprios cursos baseados em princípios pedagógicos, levando-os a experimentar mas também a criticar suas experiências e as que lhes forem apresentadas e a enfrentar os fracassos de algumas iniciativas.

Além disso, poderia também servir como órgão de assessoria para as decisões pedagógicas das escolas.

Na Faculdade de Medicina de Campos, instituição isolada de ensino superior, estamos participando, há três anos, de uma experiência de criação de uma estrutura de apoio técnico-pedagógico dentro da escola.

O trabalho se iniciou com a associação de um médico professor com uma pedagoga, por iniciativa do primeiro, motivado pela necessidade de apoio pedagógico permanente sentida a partir de um curso de Metodologia do Ensino Superior. Inicialmente trabalhou-se em uma disciplina, cm um nível: - Pediatria a nível de 5.o ano numa tentativa de melhorar o padrão pedagógico do Curso. Este trabalho funcionava, como foi descrito anteriormente, numa relação interprofissional em que cada um apresentava seus conhecimentos técnicos dentro de suas próprias áreas, mas também questionava o que o outro apresentava tendo sempre em mente a centralização do processo no aluno que a prende e não no professor que ensina ou no conteúdo a ser ensinado.

A partir deste trabalho o departamento todo foi envolvido e a ação passou a se desenvolver em todos os níveis por ele abrangidos.

Paralelamente, outras disciplinas trabalhavam com inovações pedagógicas (dinâmica de grupo, ensino por objetivos, ensino programado) sem contar com apoio técnico-pedagógico constante, por iniciativa e risco dos respectivos Chefes de Departamento.

Todo este contexto contribuiu para sensibilizar a direção da escola que resolveu oferecer um mecanismo de apoio técnico-pedagógico constante através da contratação de uma assessoria pedagógica em tempo integral.

A idéia evoluiu até a criação de um órgão de apoio técnico-pedagógico - o Laboratório de Ensino Médico (L.E.M.E.) diretamente subordinado à Fundação que mantém a Faculdade, independente desta, a caracterizar a ausência de interferência na autonomia dos diferentes departamentos que compõem àquela.

Através do L.E.M.E., a experiência inicial foi se disse minando e para uma ação mais eficaz, a direção da FACULDADE solicitou a elaboração de um Projeto que envolvesse os demais professores.

Para a realização de tal projeto foi solicitada a assessoria do Programa de Preparo e Atualização Pedagógica da ABEM. Numa primeira fase realizou-se um Seminário de Docentes Médicos para o qual foram convidados todos os professores. A segunda fase que está sendo realizada, dirigiu a ação para os Departamentos Clínicos a nível de internato através de um Curso de Metodologia do Ensino Superior - planejamento de ensino com Assessoria técnico-pedagógica constante. Com as próximas fases pretende-se estender a ação aos demais departamentos.

Percebe-se aqui a utilização a distância de um núcleo pedagógico não mais por um docente mas por uma estrutura de apoio técnico-pedagógico filiada a uma escola médica. Verifica-se então, uma interação intra a interinstitucional que, de tal maneira se situou natural, franca e harmônica com o Programa da ABEM que passamos a atuar como multiplicadora do referido programa.

As vias de intercâmbio com outras instituições se fazem sentir naturalmente pela troca de experiências de trabalhos e discussão de resultados com entidades outras de formação docente.

Como resultado desta experiência que estamos vivendo podemos afirmar que os benefícios deste trabalho ultra passa m os limites da Faculdade de Medicina uma vez que se refle tem também no setor educacional como um todo e, especificamente, na própria definição das funções do profissional de educação ou pedagogo que têm sido muito questionadas ultimamente.

Alguns pontos, entre tanto, precisam ficar claramente estabelecidos para que tal trabalho tenha êxito.

Um desses pontos, que nos parece de extrema importância, é que esta não pode ser uma ação imposta, é preciso primeiro mobilizar os professores, através de seminários, cursos ou reuniões para que eles sintam a necessidade de procurar o apoio técnico-pedagógico. Por outro lado é preciso cuidado para não impor também nenhuma linha pedagógica ou filosófica mas que qualquer linha precisa ser assumida e não imposta, caso contrário, cria-se logo de início uma resistência que impede a reflexão e a crítica levando ao fracasso da iniciativa. O professor precisa sentir que ele tem liberdade de adotar esta ou aquela linha desde, é óbvio, que não vá de encontro à filosofia da escola expressa em seu regimento.

Queremos dizer com isso que a estrutura de apoio técnico-pedagógico deve executar, antes de tudo, um trabalho de assessoria e não de controle, tarefa que cabe aos órgãos que já existem dentro da instituição como conselhos e departamentos.

Durante muito tempo as escolas se limitaram a exercer uma ação controladora sobre seus alunos e professores, tornando-se imutáveis centros onde as aulas e programas se repetiam uniformes ano a ano.

Alguns raros professores sobressaiam­se por sua figura, por sua atividade extra­ classe, por sua impostação de palavra, ou por outras particularidades. Tornavam-se excentricidades a serem imitadas.

Acreditamos, no entanto, que aos grandes educadores não há que se dar nomes pois que a grandeza da educação se insere no anonimato do trabalho metódico em que não se vise criar uma estrela para contemplação e o perseguir de alguns poucos; mas descortinar um firmamento onde todos saibam onde nasce e onde se põe o sol.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1979
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