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CONSTRUINDO OS SISTEMAS DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: UMA ABORDAGEM PRELIMINAR

Making the systems of education and health a preliminar aprroach

Resumo:

O artigo aborda correlações, em termos de estratégias de mudança preconizadas na Constituição de 1988, para as áreas da saúde e da educação, apontando semelhanças nas ações previstas para ambas as instâncias, no sentido de alterar o panorama sanitário e educacional. Revela avanço mais significativo alcançado pela saúde, face a implantação do Sistema Único de Saúde, consequência talvez de um processo de amadurecimento maior quanto à própria realidade e uma maior clareza e vontade política, por parte dos profissionais do setor, de interferir nessa mesma realidade. Destaca como mecanismos essenciais para a mudança a descentralização (enquanto movimento social e político de ruptura) e o controle social como garantia para a democratização dos setores de saúde e da educação. Propõe articulação mais estreita entre essas áreas, pontilhando experiências e somando conquistas.

Palavras-chave:
Saúde; Educação; Descentralização e Controle Social

Abstract:

The article focuses on the relations between the areas of education and health established by the 1988 constitution, presents the similarities in the actions planned for both areas, in order to contribute to change the sanitary and education at sceneries.

It argues that significant advance which health has archieved can be seen as a consequence of the implantation of the unified health system, which can be atributed to the health professionals cleaner perception of their own reality. It emphasizes the descentralization (as a social political movement of rupture) and social control as a guarantee to democratize the areas of health and education. It suggests closer relations between these two areas, so those experiences and achievements can be shared.

Key word:
Health; Education; Descentralization; Social Control

“Não somos melhores nem piores. Somos iguais. Melhor é a nossa causa.

“Não, não tenho o sol escondido em meu bolso de palavras.

Tiago de Mello

1. Introdução

Na 8a Conferência Nacional de Saúde101. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 8ª Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília, DF, 1986., realizada em 1986, a saúde foi configurada como “a resultante das condições de alimentação, habitação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Assim, a saúde é, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida.”

Já o relatório Final da 9a Conferência202. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 9a Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília. DF, 1992., ocorrida seis anos após, em 1992, expressa a recomendação de que "se reproduza em outros setores de ação governamental - previdência, educação, assistência social, habitação, saneamento -a mesma prática de democratização do processo decisório que se observa em curso na saúde. Isto se deve, entre outras razões, a que saúde é dependente dos resultados também desses setores da vida nacional e que a possibilidade de seu avanço fica condicionado ao avanço desse conjunto".

Por entender a necessidade e pertinência de se construir uma relação mais estreita, eficiente e eficaz entre os setores da saúde e da educação, é que o autor se propõe a apontar, no presente texto, algumas questões que podem ser enfrentadas e compartilhadas pelos dois setores em tela, na construção dos respectivos sistemas.

Desse modo, o estudo busca abordar (ainda que de maneira preliminar e, portanto, incompleta) relações existentes entre as áreas de educação e da saúde, mais particularmente no tocante à descentralização das ações concernentes a cada uma dessas instâncias.

O autor, também, não releva ou subestima a complexidade do assunto, o presente estudo apenas levanta algumas questões, frente a realidade de um país com flagrantes contradições económicas e sociais, onde convivem miséria absoluta e avançadas tecnologias de ponta. Um país de contrastes marcantes, no qual as grandes decisões, sistematicamente, favorecem a determinada e privilegiada parcela da população, em detrimento de um a grande massa de despossuídos de saúde, de educação, de moradia, de transportes, de mínimas e básicas condições de cidadania.303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992.

Esse cenário pode ser melhor compreendido via uma reflexão sobre a história política e econômica recente que, a partir da década de setenta, reforçou a tradição centralista de atribuir ao Estado o papel principal no planejamento do desenvolvimento económico. As diversas e sucessivas reformas administrativas ocorridas resultaram no fortalecimento do governo central, dotando-o de condições para intervir, de maneira mais planejada e eficaz, nos diferentes campos que compõem o entorno social.

Em comum com o restante da América Latina, o Brasil compartilhou “o fracasso do projeto desenvolvimentista para romper a dependência das economias nacionais, bem como para obter melhor distribuição da riqueza na região. (...) Todavia, o predomínio dos governos militares autoritário-burocráticos não somente preteriu a demanda por descentralização, mas também fortaleceu as estruturas centrais com um estilo de gestão altamente excludente e autoritário. Excludente na medida em que foram fechados os canais de cooptação dos trabalhadores, criando uma autonomia decisória sem precedentes na história da burocracia regional. Autoritário, na medida em que utilizou largamente a repressão para impor um projeto de desenvolvimento econômico que favoreceu de maneira flagrante certas frações do capital nacional associado e/ou a empresas transnacionais”.303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992.

É fato também que o colapso/falência dos governos autoritários inaugurou uma etapa de transição para a democracia, caracterizada "pela irrupção da demanda contida de participação cidadã e utilização das políticas estatais para a promoção de uma redistribuição da riqueza em favor dos setores preteridos”.303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992.

É nesse contexto de transição e sob a conquista, por parte da sociedade, de canais de participação que, no Brasil, é promulgado o texto constitucional de 1988404. CONGRESSO NACIONAL: Constituição (1988). Brasília, 1988. 292p., no qual os direitos sociais “(a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” - Artigo 6°), assumem caráter prioritário das determinações constitucionais, revelando um significativo avanço em relação às Cartas Magnas anteriores. No caso da saúde ("A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso único e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"- Art.196) e da educação ( "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa , seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" - Art. 200), há uma clara afinidade no discurso e nas garantias que contemplam ambos os setores, as quais apontam para o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa e a necessária participação da comu­nidade para a reformulação, implantação e desenvolvimento de ambos os sistemas. No que se refere à saúde, a Constituição é taxativa ao estabelecer que "as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalista e hierarquiza da e constituem um sistema único" (Art. 198), organizado mediante diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da comunidade. Para a educação (menos contundente, é verdade) rege que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino" (Art. 211).

Conseqüência, talvez, de maior capacidade de aglutinação de forças progressistas em tomo de um objetivo comum em dado momento político ou, ainda, decorrência de um processo de amadurecimento mais avançado quanto a própria realidade de uma maior clareza e vontade política de interferir sobre essa mesma realidade, fato é que o movimento no sentido da mudança ocorreu com maior agilidade e intensidade na saúde. Exemplo disto é a Lei Orgânica da Saúde (instrumento essencial para a operacionalização do Sistema Único de Saúde), aprovada pelo Congresso Nacional já em 1990, estando em vigência plena, enquanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (definidora e orientadora do cumprimento das disposições constitucionais), acha-se, ainda hoje, em tramitação no Senado Federal.

Dado que os problemas que envolvem os dois setores - educação e saúde - possuem raízes estruturais comuns e visam ambos melhoria de qualidade do viver humano, é importante que a experiência acumulada por uma das áreas seja apreendida pela outra, a fim de que o processo de mudança possa avançar mais rapidamente. Ainda que tradicionalmente os dois setores operem com lógicas distintas, o desafio que se coloca é o da capacidade de se articularem propostas e estratégias compartilhadas, cada setor nutrindo-se na experiência do outro, em um permanente processo de troca e de aprendizagem.

Apenas como demonstrativo das inúmeras interfaces que aproximam os setores da saúde e da educação, menciona-se que a formação de pessoal para atuação na saúde é responsabilidade da educação (nos termos da organização jurídico-administrativa vigente, é ela que confere e valida a habilitação profissional) a qual, dada a natureza e especificidades do processo educacional em saúde, não pode prescindir dos serviços de saúde como campo de ensino-aprendizagem do seu alunado. Essa “relação dialógica” é, portanto, mais que necessária, imprescindível.

2. Descentralização e desconcentração

Na saúde como na educação, a tese da descentralização "é tida como a alternativa para a ruptura do impasse"505. BORDIGNON, Genuíno: Políticas e gestão educacional: descentralização ou democratização? Rev. Bras. Adm. Educ. 8, (1), 9:41, Brasília, 1992. em que se encontram. "A gestão do sistema educacional, firmada em estruturas piramidalmente hierarquizadas, cada vez mais burocratizadas e complexas, segue o figurino dos padrões administrativos tradicionais”505. BORDIGNON, Genuíno: Políticas e gestão educacional: descentralização ou democratização? Rev. Bras. Adm. Educ. 8, (1), 9:41, Brasília, 1992., análise esta também se aplica ao sistema de saúde. Nesse contexto, tanto a prática educativa quanto a sanitária se baseiam em relações de poder que se espraiam do centro para as extremidades, cabendo ao poder central, de maneira verticalizada, ordenar, classificar, estabelecer demandas e financiar as ações consideradas necessárias para a manutenção dos sistemas.

Essa concepção centralizadora é, por sua própria natureza, perversa e excludente, posto que ignora realidades regionais e locais, promovendo uma condução paternalista e clientelista, sem que os cidadãos participem da construção do processo. É nesse sentido que a burocracia se apresenta como um mecanismo dissimulado de dominação, ao buscar estabelecer um padrão comum que, na verdade, não contempla a diversidade de situações em que se constitui o conjunto da sociedade.

O problema crucial com que se defrontam as áreas da educação e da saúde (no momento em que se coloca na sociedade o debate sobre o papel do Estado), é a formulação/execução de uma proposta que dê concretude ao discurso da descentralização, enquanto movimento social e político de ruptura, modificando a estrutura dos sistemas (educacional e sanitário) vigentes. Proposição de tamanha abrangência não ocorre de modo consensual e sem percalços, pois as forças que detém (e defendem) o poder centralizado opõem vigorosa resistência ao avanço de um processo que resulta em diluição desse poder. Essas forças se alinham em um discurso de descentralização, de tarefas, onde não se alteram estruturas, permanecem centralizadas normalizações e recursos financeiros, garantindo a posse e o exercício do poder e criando, para a sociedade, a ilusão de propostas transformadoras que, na verdade, escamoteiam o objetivo de impor e manter.202. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 9a Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília. DF, 1992.

Neste ponto, é importante que sejam explicitados os conceitos de descentralização e desconcentração, para que a questão possa ser melhor entendida. Assim, “a problemática da descentralização trata fundamentalmente da distribuição do poder e da atribuição de competências às diferentes esferas de governo,303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992. sendo um processo, de investir de autoridade as estruturas político - administrativas locais para a formulação de suas políticas e o desempenho das funções de natureza local".303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992. Em outros termos, “a essência da descentralização está no deslocamento do eixo do poder, permitindo que as políticas e as decisões sejam formuladas via participação”.505. BORDIGNON, Genuíno: Políticas e gestão educacional: descentralização ou democratização? Rev. Bras. Adm. Educ. 8, (1), 9:41, Brasília, 1992.

Por sua vez, a desconcentração é entendida como delegação de competência para realização de determinadas tarefas (ou serviços), "sem que haja, porém, um deslocamento do poder decisório",303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992. não havendo outorga de ampliação da autonomia (em seus aspectos políticos, administrativos e financeiros), que possibilite à esfera local de governo traçar e implementar ações estratégicas resultantes de efetiva demanda social.

As políticas sociais definidas para as áreas da educação e da saúde possuem interseções e particularidades comuns, estruturais, que se refletem em sistemas fragmentados e excludentes. A existência, tanto na saúde quanto na educação, de sistemas diferenciados para as classes sociais mais abastadas (que possuem força política e/ou econômica) e as mais necessitadas (cujo direito de acesso à educação e à saúde ou inexiste ou é extremamente precário), é parte integrante de nosso cotidiano, estando a exigir amplas e urgentes mudanças.

Interessante observar o quanto se assemelham as características que identificam e sob as quais os dois sistemas (ou pseudo-sistemas), vem operando. Teixeira303. TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992. aponta o que denomina de características centrais do modo como se organiza o sistema de saúde (conformado em sub-sistemas muitas vezes independentes) as quais, a rigor, se adequam perfeitamente às condições apresentadas pelo sistema de educação (também este fragmentado e insuficiente):

"a) multiplicidade de instituições com ações desordenadas;

  1. superposição e irracionalidade na distribuição da rede de serviços;

  2. seletividade e exclusão da população mais pobre, com concentração da rede nas áreas urbanas mais ricas;

  3. centralização e burocratização da administração dos serviços;

  4. programação verticalizada;

  5. ausência de controle da produção de insumos; ao contrário, a produção passa a determinar o modelo de atenção;

  6. não valorização dos prfissionais;

  7. não participação da comunidade."

Uma tal organização tem como conseqüências, entre outras, alto nível de insatisfação por parte dos usuários, baixo nível de compromisso dos profissionais que atuam no setor, inadequação dos serviços oferecidos em relação à demanda prevalente, baixa resolutividade e não socialização do saber.

Por outro lado, tem sido comum pensar o processo de descentralização restringindo-o apenas à esfera pública. As iniciativas para organização de um sistema único e descentralizado tem que incluir a esfera privada, na perspectiva de se estabelecer um sistema nacional de saúde (ou de educação). Há que se romper com a dicotomia público e privado, buscando uma sistemática que não apenas articule mas que seja facilitadora da integração desses dois setores.

Para a saúde e para a educação vem se colocando, com persistência, a descentralização como estratégia para transformação do panorama atual de ambas as esferas destacando-se um importante ponto de concordância na forma de implementar o processo: a saúde considera a atenção primária como o instrumento principal de ação, a partir do qual se pretende atingir a transformação de todo o sistema de serviços de saúde. Da mesma forma, a educação propugna pela possibilidade de acesso universal à educação básica, construindo uma plataforma de sustentação e de mobilização no sentido de conquista e de avanço aos níveis mais complexos de ensino.

Tanto a reforma sanitária quanto a educacional têm na descentralização (enquanto deslocamento de poder) o instrumento para o devir. Uma e outra se configuram em um processo político-institucional de transformação das consciências sanitária e educacional e das instituições de saúde e de educação, no sentido de resgatar a cidadania e garantir o direito universal de saúde e de educação, como preconizado no texto constitucional vigente.

Como nos apresenta Jacobi606. JACOBI, Pedro. Descentralização municipal e participação dos Cidadãos: apontamentos para o debate. In: Caderno da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 113: 120. 1992., a descentralização engloba um complexo conjunto de fatores intervenientes. Dentre as diversas dimensões presentes em tal processo, há que se analisar "a questão do papel dos sujeitos e sua relação com a redistribuição de recursos e competências, a questão territorial e suas ambigüidades político-administrativas, o debate em torno de descentralização e desconcentração, a dinâmica organizacional e os aspectos relacionados com a participação".

3. Controle social

As propostas de reformulação dos sistemas de saúde e de ensino passam pela criação e implemento de instâncias colegiadas nas diferentes esferas de governo, às quais compete o direcionamento e gestão administrativa do processo, respeitadas especificidades e demandas regionais e locais. Para consecução desse processo de mudança a “articulação, organização, compromisso, participação e representatividade são marcos importantes"202. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 9a Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília. DF, 1992. e que caracterizam a desejada democratização de ambos os setores.

Em um trabalho que visa complementaridade de ações e de sustentação técnica, política e financeira para a consecução das reformulações pretendidas (objetivando a implantação e desenvolvimento de um sistema único), na saúde foram criados e procuram atuar de maneira articulada o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, este compostos de representantes eleitos pela comunidade (usuários e prestadores de serviços), possibilitando a participação plena da sociedade "na formulação das políticas de saúde, em seu planejamento, acompanhamento, controle e avaliação, como forma de garantir a democratização do setor"202. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 9a Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília. DF, 1992.. No entanto, o controle social não deve traduzir-se ou limitar-se apenas a mecanismos formais, mas refletir-se no real poder da população em influir na transformação da estrutura social. O controle, engloba e requer a participação também, por exemplo, de sindicatos, associações profissionais, partidos políticos.

Cabe mencionar, enquanto mais um fator que aproxima os horizontes da saúde e da educação, o texto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional707. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Câmara dos Deputados. Brasília, DF, 1990. aprovado em 1990 pela comissão de educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, sendo relator o Deputado Jorge Hage, que preconiza o Sistema Nacional de Educação possuindo, entre outras instâncias, um órgão normativo e de coordenação, o Conselho Nacional de Educação (à semelhança do Conselho Nacional de Saúde, um Fórum Nacional de Educação (correspondente à Conferência Nacional de Saúde).

O texto acima referido concebe o Sistema Nacional de Educação como "expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente do estado e da sociedade brasileira pela educação, (e) compreende os Sistemas de Ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como outras instituições públicas ou privadas, prestadoras de serviços de natureza educacional" (Art. 8°), esse conjunto atuando de maneira articulada e integrada buscando atendimento às demandas regionais e locais, respeitadas as diferenças existentes em cada uma das esferas governamentais consideradas. A proposta de um Sistema nesses moldes, obedecendo a implementação de Planos Nacionais de Educação elaborados a partir de resultados de um processo envolvendo instâncias colegiados em diferentes níveis. Garantindo sobretudo a participação da população na construção do novo, não difere muito da sistemática adotada para a área da saúde. É um caminho que aponta, via descentralização, para mudanças de caráter estrutural no cenário da Educação brasileira e cujo avanço acha-se vinculado à conquista e exercício do controle social, para que a transparência nas ações estimule a sociedade, como um todo, a comprometer-se com a mudança.

A discussão sobre o que representa/significa o controle social merece um aprofundamento que extrapola o objetivo deste texto. O tema, por sua abrangência, suas diferentes formas, a diversidade de ações e mecanismos que envolve, requer um trabalho específico e, certamente, não conclusivo, dada a dinâmica do assunto. Não pode o autor, no entanto, deixar de reafirmar que o exercício do controle social pode efetivar-se mediante representação em órgão colegiados deliberativos (caso dos Conselhos de Saúde), ou de forma direta, por diversos canais de manifestação, através do encaminhamento de subsídios às autoridades incumbidas das ações junto às comunidades e proposições ou reivindicações de medidas específicas destinadas a atender às necessidades da população. O controle social é a forma participativa que coloca o cidadão no centro do processo de avaliação das ações desenvolvidas (no caso, pela saúde e pela Educação), com o Estado perdendo sua característica de árbitro infalível do interesse coletivo.

4. Considerações/contribuições

As conquistas constitucionais nos campos da Educação e da saúde tem que ser preservadas e, se possível, ampliadas. A defesa dessas mesmas conquistas, no entanto, tem que estar apoiada nos resultados advindos da implementação de estratégias que representam efetiva melhoria de qualidade de vida para a população. Há que estar alicerçada em ações que demonstrem serem factíveis, socialmente justas e democráticas as medidas constantes em textos legais. Nesse sentido e com essa preocupação, há que se ter claro que as políticas e práticas sociais não podem ser desenvolvidas isoladamente, mas combinadas com programas e ações que envolvam e comprometem diferentes áreas, como saúde, Educação, saneamento, previdência, habitação, instituindo-se em cada uma delas uma mesma prática de democratização do processo decisório. São áreas que se interligam e muitas vezes se confundem em razão da interdependência que mantém, e que as condicionam.

No que diz respeito às áreas da Educação e da saúde, a articulação deve ser implementada de forma vigorosa, posto que se completam no processo de construção social. A penas para citar uma interseção especifica, a política de formação de pessoal a ser estabelecida para o setor saúde não pode prescindir, da parceria com o setor Educação. É fundamental reduzir drasticamente a histórica distância entre esses dois setores, buscando-se efetiva articulação entre o setor formador de pessoas (Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação) e o setor prestador de serviços de saúde (Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde).

Numa perspectiva de articulação mais ampla e contundente, há que se estabelecer um diálogo mais estreito, mais solidário, mais desprendido entre profissionais e usuários das duas áreas no que se relaciona a um processo de descentralização, tendo por horizonte a democratização das políticas sociais.

A saúde acumulou, nesse movimento, nessa caminhada, uma larga e rica experiência, profunda e crítica que, no entendimento do autor, deve ser repassada e apropriada pela Educação, para que esta, dela retire os êxitos e não incorra em equívocos graves já cometidos pela saúde na implantação do sistema único. Possivelmente o conhecimento e a análise do processo permitirá que a Educação o realize de maneira mais fluída, menos traumática para os usuários e com maior clareza e compromisso dos profissionais do setor. Para que isto ocorra, é preciso que se estabeleçam espaços e instâncias para o debate amplo entre as duas áreas, aproximando-as no que tem de comum, partilhando vicissitudes, êxitos, avanços e recuos estratégicos. É sair, em suma, de retórica do desejo para a prática cotidiana do exercício da clareza política, da vontade política e do compromisso social que deve aliar todos os que acreditam no potencial humano e em sua capacidade permanente de mudança.

Rio de Janeiro, setembro de 1993.

Referências Bibliográficas

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    MINISTÉRIO DA SAÚDE. 8ª Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília, DF, 1986.
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    MINISTÉRIO DA SAÚDE. 9a Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final -- Brasília. DF, 1992.
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    TEIXEIRA, S.M. FLEURY. Descentralização dos serviços de saúde: dimensões analíticas. In: Cadernos da IX Conferência Nacional de Saúde. Universidade de Brasília. (1): 27.37, 1992.
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  • 07
    CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Câmara dos Deputados. Brasília, DF, 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1994
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