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IMAGENS-OBJETIVO PARA UM PLANO DIRETOR DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO: O CASO DO HOSPITAL PROF. EDGARD SANTOS - UFBA

1. INTRODUÇÃO

Os hospitais de ensino foram implantados no Brasil a partir da década de 40, tendo em conta as influências de renovação da educação médica norte-americana, fundamentadas nos princípios e recomendações do Relatório Flexner.1313. YAZLLE ROCHA, J. S. O hospital universitário e as tendências atuais na educação médica. R. Bras. Educ. Med., Rio de Janeiro 3(2): 41-5, 1979.

Não obstante o reconhecimento social dessas instituições pelas contribuições na formação de recursos humanos, na pesquisa clínico-laboratorial e na prestação de serviços a segmento da população sem acesso aos hospitais privados e sem cobertura previdenciária. o alto custo da sua manutenção e de reposição de equipamentos (tornados obsoletos diante do desenvolvimento científico e tecnológico da medicina) cria sérias dificuldades político-administrativas para a consecução dos seus fins.

Esta crise específica dos hospitais de ensino agravou-se a partir de 1964, em face da política implementada pelo MEC no sentido de reduzir progressiva e significativamente, os recursos para a Universidade Pública e em face das políticas privatizantes no âmbito da assistência médico-hospitalar que conduziram ao “sucateamento” da rede pública de serviços de saúde. Assim, os hospitais de ensino foram atingidos duplamente por políticos anti-sociais dos governos autoritários, sintetizando no seu interior a crise da saúde e a crise da educação.

A percepção dessas crises pelos dirigentes e pelos tecnocratas conduziu, num primeiro momento, à busca da racionalidade. Para tanto, estimularam-se a formação de administradores hospitalares, a incorporação de métodos modernos de gestão, a modernização administrativa, os recursos às técnicas de organização e métodos, o planejamento hospitalar etc.22. BRASIL, Leis, decretos etc. Portaria Interministerial: Ratifica a estratégia das Ações Integradas de Saúde. entre outros. Brasília.7/6/85. Informação para a Saúde. Brasília 6 (7): 94, jul. 1985.),(33. BRASIL. Leis. decretos etc. Resolução 06/85 sobre Ações Integradas de Saúde. Anexo: Normas Gerais aplicáveis as AIS. Brasília. 3/5/84 - 3 Anexo. Tais ações modernizantes, além de enfrentarem resistências dos núcleos de poder médico das referidas instituições, não conseguiram efetivamente responder à questão de fundo que era a crise econômico-financeira desses hospitais.

Diversas reuniões da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) tomaram a questão dos hospitais de ensino como objeto de discussão, resultando na realização de convênios com a Previdência Social.1212. VERAS, R.P. A ABEM e as transformações da prática médica no Brasil. Rio de Janeiro. 1981. 417 p. (Monografia de Mestrado apresentada ao Instituto de Medicina Social da UERJ). Esta proposta foi absorvida pelo MEC acatando as recomendações do documento n.o 02 da Comissão de Ensino Médico (Ensino Médico e Instituições de Saúde)22. BRASIL, Leis, decretos etc. Portaria Interministerial: Ratifica a estratégia das Ações Integradas de Saúde. entre outros. Brasília.7/6/85. Informação para a Saúde. Brasília 6 (7): 94, jul. 1985.. O convênio M EC/MPAS para hospitais de ensino foi progressivamente implantado a partir de1974, através do qual a Previdência Social se comprometia a pagar pelos segurados atendidos nesses hospitais. No ano seguinte, a Lei 6.229 estabelecia a responsabilidade do MEC na manutenção dos hospitais de ensino. Assim, ainda que no plano discursivo se reconhecesse o caráter especial desses hospitais, na prática, a Previdência os sub-remunerava. dispensando um tratamento privilegiado aos hospitais de rede privada. Tal distorção chegou a estimular certos hospitais de ensino a se estruturarem como empresas, tentando submeterem-se à lógica do pagamento por unidade de serviços que era a moeda corrente prestigiada pela Previdência Social.

2. AS AÇÕES INTEGRADAS DE SAÚDE E OS HOSPITAIS DE ENSINO

As crises sucessivas que se abateram sobre os hospitais de ensino levaram-nos a reivindicar, periodicamente, revisões do convênio-padrão no sentido de superar seus orçamentos deficitários. No que se refere ao MEC, houve uma progressiva omissão de responsabilidade em relação aos seus hospitais próprios, situação bastante evidente no documento preliminar sobre as Ações Integradas de Saúde, de maio de 198444. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Ações integradas de saúde: política de trabalho integrado entre o MEC e os Hospitais de Ensino. Brasília. 1985..

“O MEC alocará recursos para as AIS em cada Unidade Federada, através das seguintes formas: - manutenção integral da despesa com pessoal e encargos sociais e das despesas de capital, e eventualmente, co-participação na despesa de custeio de seus hospitais próprios” (grifo nosso).

Ou seja, enquanto para os hospitais próprios exibe o caráter eventual para a participação no custeio admite, posteriormente, a “co-participacão no custeio dos hospitais universitários e hospitais-escola que não pertençam à rede federal própria” e co-participação em municípios onde não existam hospitais federais próprios, “no financiamento de adequações de instalações e/ou compra de equipamentos para serviços públicos ou beneficentes de saúde” (grifo nosso).

Nos últimos dias de governo autoritário, o MEC lançou o documento “Ações Integradas de Saúde - Política de Trabalho Integrado entre o MEC e Hospitais de Ensino”, reconhecendo a sua “enorme parcela de responsabilidade advinda do fato de possuir uma rede com 9.300 leitos” ou seja, “a maior rede hospitalar federal da República”55. BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Comissão de Ensino Médico. Documento de ensino médico. Brasília, 1978.. Tal reconhecimento, todavia, restringia-se à criação do “Grupo de Trabalho de Planejamento Hospitalar” com os objetivos de criar diretrizes para a elaboração de planos de desenvolvimento hospitalar, articular o trabalho entre os hospitais, o CEDATE e o SESU, elaborar, implementar e acompanhar o programa anual de trabalho de cada hospital e o seu conjunto, e coordenar o programa de hospitais do MEC com o de outro órgãos que atuam no setor saúde.

Com a Nova República um novo alento surgiu entre os hospitais de ensino, particularmente em função das diretrizes estabelecidas pelo programa de Ação do Governo do Presidente Tancredo Neves11. BORBA, E. coord. Programa de Ação do Governo - Setor Saúde. Documento elaborado pelo Escritório Técnico do Presidente Tancredo Neves. s.n.t. 65 p.. Assim, tais hospitais deveriam participar:

  1. no sistema unificado de saúde, como centro de excelência e hospital de referência;

  2. na formação e reciclagem de recursos humanos em saúde;

  3. na vigilância tecnológica de equipamentos médico-cirúrgicos;

  4. no teste de eficácia e inocuidade de procedimentos terapêuticos;

  5. na análise de sensibilidade e de especificidade de procedimentos diagnósticos;

  6. na pesquisa clínico-epidemiológica.

Não obstante, o amplo consenso em torno dessas diretrizes, o Governo da Nova República ainda não criou as condições e meios necessários ao cumprimento das mesmas. O Ministério da Educação não implementou as propostas do Grupo de Trabalho de Planejamento Hospitalar nem vem honrando a cláusula do convênio das AIS que assegura a manutenção integral das despesas com pessoal e de capital. O Ministério da Saúde, por sua vez, não tem contribuído com regularidade no suprimento de medicamentos da GEME, contidos na Relação Nacional de Medicamentos (RENAME). As únicas iniciativas do Governo Sarney que favoreceram os hospitais de ensino foram a ampliação dos convênios das AIS66. BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Comissão de Ensino Médico. Hospital de ensino: diretrizes para seu funcionamento. Brasília. 1979. 22 p. (Documento n.o 42). que permitiu o pagamento dos pacientes não previdenciários e a assinatura da Portaria 06/85 de 15/05/85 da CIPLAN que redefiniu as bases do convênio padrão beneficiando os hospitais universitários com o índice de valorização hospitalar (IVH)77. BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA - SECRETARIA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR. Política para hospitais universitários de ensino. 12 p. (Documento apresentado por ocasião da XLIII Reunião Plenária do CRUB. Salvador, 28 de julho a 1.o de agosto de 1986).. Esta última medida, embora benéfica, privilegiou os hospitais com melhores recursos de equipamentos e instalações; como tais itens constituem-se em despesas de capital e, portanto, de responsabilidade do MEC, a omissão desse Ministério reforça o círculo vicioso da pobreza-enfermidade de parte significativa dos hospitais de ensino.

O reconhecimento, pelo atual Governo, da saúde como direito do cidadão e dever do Estado, ratificado pela VIII Conferência Nacional de Saúde, promovida pelo Ministério da Saúde em março último, recoloca, mais uma vez, a responsabilidade do Governo na manutenção da rede pública de saúde e, particularmente, os hospitais de ensino. Se tais hospitais devem ser contemplados com o orçamento do MEC, do MS, do MPAS, ou de outros é uma questão importante, porém secundária. O fundamental é que o Estado assuma inteiramente o seu dever para com a saúde e a educação e que, no caso dos hospitais de ensino, disponha de uma política consistente com os princípios e diretrizes gerais reiteradamente enunciados e que tenha, por sua vez, uma expressão orçamentária condizente com a consecução dos seus fins socialmente reconhecidos.

3. O CASO DO HOSPITAL PROFESSOR EDGARD SANTOS

O Hospital Prof. Edgard Santos foi inaugurado em 1948, após 17 anos de obras, na qualidade de Hospital-Escola da então Universidade da Bahia. Concebido neste modelo, dispunha de estrutura moderna e técnicas atualizadas, representando um marco de progresso na história da medicina e do povo da Bahia.

No seu bojo o ensino médico e de enfermagem ganhou forma e cresceu, agregando um número cada vez maior de profissionais de alta qualificação, tendo-se aí desenvolvido, dentre as primeiras do Brasil, a pós-graduação médica, sob a forma de Curso de Residência.

Elemento central para o treinamento de médicos e enfermeiros, tem sido verdadeiro celeiro de recursos humanos para a saúde na Bahia e no Nordeste. Contribui, também, para a formação de nutricionistas e farmacêuticos e oferece estágios a numerosos profissionais de nível médio: auxiliares de enfermagem, técnicos de radiologia, de fisiatria, de análise clínica etc.

A pesquisa aí se desenvolveu desde cedo, abordando aspectos dos mais variados tipos de patologia humana e priorizando sempre os problemas regionais. São de reconhecido valor, nos cenários nacional e internacional, os trabalhos procedentes da Bahia e desenvolvidos neste hospital, referentes sobretudo às grandes endemias brasileiras.

A assistência médica prestada tem beneficiado grandemente a população da Bahia - tanto de Salvador, como de cidades vizinhas - e de outros Estados, particularmente as suas camadas mais pobres, que nele têm encontrado seu principal centro de tratamento. Embora sem vinculação formal à rede local de assistência médica, vem funcionando como hospital de referência durante todos esses anos, sendo para aí drenados os casos mais graves e de patologias mais complexas.

No decorrer de seus quase 40 anos, o hospital constituiu-se em patrimônio do povo baiano, tal a magnitude dos serviços que tem prestado.

Com o passar do tempo, entretanto, numerosos obstáculos têm surgido para o bom desempenho desta Instituição, a qual vem enfrentando sérias crises financeiras, administrativas e funcionais. Com isso, vem perdendo suas características de Escola e de Centro de Excelência, com graves prejuízos para a saúde e a educação.

Os 366 leitos iniciais sofreram redução para 200, chegando mesmo a 80 em algumas ocasiões. Sem a devida manutenção e adequada reposição, o prédio e o arsenal instrumental se encontram obsoletos.

Em 1984, o hospital chegou mesmo a suspender inteiramente suas atividades durante 2 meses, tal a precariedade de sua situação. Este fato causou grande constrangimento à população da Bahia e numerosos movimentos da comunidade se manifestaram, em prol da reativação, em apoio a sua Diretoria e à Universidade. Em conseqüência, conseguiu-se reativá-lo, porém com funcionamento ainda precário, vez que não houve a recuperação imprescindível do prédio e dos equipamentos.

A reativação, no entanto, foi apenas provisória e a Bahia vê-se, agora, diante de outra reagudização da crise, com o hospital mais uma vez ameaçado de fechar. Novamente mobilizada, a comunidade baiana apóia a direção e a Universidade, na reivindicação de um “Plano de Recuperação do Hospital Prof. Edgard Santos”.

4. A PROPOSTA DE UM PLANO DIRETOR PARA O HPES

Nas diferentes oportunidades em que são discutidos os problemas do Hospital Professor Edgard Santos, destaca-se a falta de uma política explicita que defina o papel do HPES em relação ao ensino, à pesquisa e à assistência e, nesse particular, a sua vinculação à rede de serviços de saúde. Embora se reconheça que as sucessivas crises que afetam o hospital tenham inibido as iniciativas visando a definição de uma política institucional, não raro ocorre que os próprios órgãos governamentais exijam da Universidade esta definição ao acenarem com eventuais provisões de recursos.

Nessa perspectiva, formular uma política para o HPES com referência ao ensino, à assistência e à pesquisa, através da elaboração de um Plano Diretor, evidencia um momento importante na vida da instituição, não somente por procurar a tender a tais demandas mas, especialmente, pela possibilidade de sistematizar um conjunto articulado de proposições e estratégias, visando orientar sobre o que fazer cotidianamente, além de constituir-se num elemento de formação de uma consciência crítica acerca das dificuldades e da mobilização de vontades pela sua superação.

Um Plano Diretor para o HPES deve considerar o processo institucional em curso, no qual funcionários, estudantes, professores e médicos residentes têm ampliado a sua participação, de forma organizada, na identificação de problemas, na apresentação de sugestões e no compromisso com a sua gestão. Poderá, portanto, potencializar esta experiência democrática na medida em que, orientando a utilização judiciosa dos recursos obtidos, crie melhores condições para assegurar eficácia política às propostas apresentadas. Conseqüentemente, a busca da eficiência assumida pelo Plano corresponde também a uma necessidade política de dar respostas sistemáticas e concretas ao conjunto de problemas que impede o pleno funcionamento do HPES no âmbito do ensino, da assistência e da pesquisa.

Mesmo admitindo-se que o problema maior do HPES seja a insuficiência de recursos financeiros para a sua manutenção, incluindo inversões, exigindo a elaboração de proposições políticas e o estabelecimento de estratégias específicas, faz-se necessária a definição das imagens­objetivo do Hospital. A adesão que se possa conseguir em torno dessas imagens-objetivo, além de orientar a mobilização de vontades para a sua construção, tende a evitar a dispersão da aplicação de recursos em áreas incongruentes no que se refere à política institucional então definida.

A perspectiva teórico-metodológica que embasa a formulação do plano afasta-se do modelo normativo de planejamento, em que seria fixada uma única imagem-objetivo, capaz de orientar todos os esforços institucionais. Considerando-se a especial conjuntura política do país e as possíveis redefinições das políticas de saúde e educação, quanto à manutenção dos hospitais de ensino, a partir do desenvolvimento das Ações Integradas de Saúde, das proposições da VIII Conferência Nacional de Saúde, das futuras Constituinte e Reforma Sanitária, a opção que se apresenta e estabelecer algumas alternativas de imagem-objetivo para o HPES, aproximando-se de um modelo estratégico de planejamento11. Nesse sentido, devem ser contemplados os elementos facilitadores e bloqueadores das diferentes alternativas, dentro e fora da instituição em questão, e qualificados os problemas identificados e as respectivas proposições em função de sua natureza e complexidade. Nesse particular, é de se esperar que ocorrerão problemas passíveis de solução mediante propostas administrativas cujas decisões encontram-se no interior do hospital tal e da Universidade; outros que implicam na obtenção de recursos adicionais ou em intervenções sistemáticas que requerem a elaboração de um conjunto de projetos, de modo que ás proposições se transformem nos próprios objetivos do projetos; finalmente, existem problemas mais complexos que incidem na disposição do poder institucional ou são decorrentes das políticas do setor e, portanto, exigem a formulação de proposições políticas que deverão passar por análises de factibilidade, coerência e viabilidade e que, em última instância, contribuirão para o desempenho estratégico.

Desse modo, a proposta de Plano Diretor para o HPES é constituída por 4 partes:

A primeira parte contém os princípios e diretrizes e as alternativas de imagens-objetivo com seus respectivos cenários99. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Centro Panamericano de Planificación de la Salud. Formulación de políticas de salud. Santiago, 1975.72p..

A segunda parte apresenta um conjunto articula do de proposições políticas e estratégicas.

A terceira parte contempla uma categoria de proposições dispostas em projetos específicos.

A quarta parte dispõe de um elenco de propostas administrativas, a serem executadas, a curto prazo, com recursos e decisões da própria instituição.

No presente artigo será descrita e comentada apenas a primeira parte que, pelo seu cará ter genérico, poderá ter alguma utilidade para outros hospitais de ensino.

4.1 Princípios e diretrizes

A definição de imagens-objetivo para o HPES parte inicialmente do reconhecimento de princípios e diretrizes gerais das Ações Integradas de Saúde, entendidas como estratégia de reorientação e desenvolvimento do Sistema Nacional de Saúde, de acordo com a Portaria Interministerial 01/MS/MPAS/MEC de 07/06/85:

  1. responsabilidade do Poder Público em relação à saúde da população e ao controle do sistema de saúde;

  2. integração interinstitucional, tendo como eixo o setor público, ao qual está vincula­ do, técnica e funcionalmente, o setor privado prestador de serviços;

  3. definição de programa, ações e atividades das instituições envolvidas, a partir do quadro de doenças mais prevalentes a níveis regional e local;

  4. integralidade das ações de saúde, superando as dicotomias preventivo/curativo, individual/coletivo, ambulatorial/ hospitalar;

  5. regionalização e hierarquização única dos serviços públicos e privados;

  6. valorização das atividades básicas de saúde, assegurando-se o encaminhamento dos casos de comprovada necessidade de atendimento mais complexo;

  7. utilização prioritária e plena da capacidade instalada da rede pública;

  8. planejamento da cobertura assistencial, a partir das necessidades de atendimento da população, com parâmetros e estratégias assistenciais de melhor relação custo /benefício;

  9. co-participação, claramente definida, das várias instituições envolvidas no financiamento das ações de saúde, de acordo com as responsabilidades institucionais;

  10. desenvolvimento de recursos humanos como condição básica de operação do sistema, incluindo definicão dos conteúdos e estratégias de formação de recursos humanos, assentada sobre a prática dos serviços de saúde, e o estabelecimento de planos adequados de cargos e salários;

  11. reconheci mento da legitimidade de participação dos vários segmentos sociais na definição de necessidades, no encaminhamento de soluções e na avaliação do nível de desempenho da assistência prestada.

Dentro desse marco mais amplo de referência, cabe ainda destacar diretrizes específicas dos hospitais de ensino:

  1. os hospitais de ensino devem se articular à rede de serviços de sua região, com um perfil assistencial claramente definido pela Comissão Interinstitucional de Saúde (CIS), ao se elaborar o Plano Estadual de Saúde;

  2. o papel assistencial que couber ao hospital, assim definido, servirá de fundamento norteador de suas ampliações, reformas, instalações de novos serviços ou desativação de outros, tudo isto organizado num plano de desenvolvimento que leve em conta a situação atual e futura;

  3. a formação dos profissionais adequada à situação médico-assistencial deve ser pro­ cessada em estabelecimentos de saúde variados, nos quais os alunos e o docente possam participar na atenção dos níveis primário, secundário e terciário, na mesma proporção em que os problemas de saúde geram demandas a cada um destes níveis;

  4. cabe às Universidades e aos Hospitais de Ensino em especial um papel fundamental e prioritário, não apenas na assistência em si, mas também no próprio processo de transformação cios serviços, com o objetivo de constituir a rede única de serviços regionalizados e hierarquizados.

4.2 Imagens-objetivo

Nessa perspectiva, o Plano Diretor para o HPES apresenta as seguintes alternativas de imagens-objetivo, que contemplam as suas finalidades de ensino, assistência e pesquisa:

  1. integrar-se à rede assistencial, como hospital de ponta, principalmente para cuidados terciários e quaternários com suas áreas prioritárias definidas, de acordo com as necessidades regionais de saúde da população, e evitando duplicações e competições com outras unidades hospitalares das mesmas rede e região. Nesta alternativa, o hospital disporia de todos os equipamentos mínimos indispensáveis a um hospital geral de padrão universitário, mas concentraria os seus recursos humanos e materiais no diagnóstico, tratamento e pesquisa das doenças, no âmbito das áreas prioritárias selecionadas, de acordo com os critérios destacados acima. Os recursos financeiros para seu reequipamento e manutenção proviriam do Ministério da educação (correspondendo à sua função de órgão de ensino, “formador de recursos humanas”) e complementados pelo Ministério da Saúde (atuando no estudo e erradicação das grandes endemias), INAMPS, e Governos Estadual e Municipal;

  2. integrar-se, programática e funcionalmente, à rede de serviços, de acordo com o Plano Estadual de Saúde, recebendo referência de pacientes com patologia mais complexa de uma área geográfica definida, funcionando assim como hospital de assistência secundária e terciária, podendo ou não destacar uma ou mais áreas de atenção prioritárias para assistência e pesquisa. Seu grau de sofisticação técnica seria intermediário, exceto na ou nas áreas prioritárias, e sua manutenção seria garantida com recursos provenientes de todas as entidades envolvidas na rede assistencial (INAMPS, Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde) e da própria Universidade;

  3. manter a pretendida posição de hospital de alta qualificação, voltado principalmente para o ensino, sem população-alvo definida, funcionando autonomamente em relação à rede de serviços de saúde, onde exerceria um papel complementar. Suas fontes de recursos adviriam basicamente do Ministério da Educação (que seria responsável pela verba de pessoal, consumo, readaptação e reequipamento, para fazer face a todas as necessidades do ensino e da sofisticada tecnologia diagnóstica e terapêutica dos dias atuais) e da remuneração por eventuais serviços prestados através de convênios com empresas estatais ou privadas.

No anexo I apresenta-se o esquema das imagens-objetivo propostas para três cenários específicos22. BRASIL, Leis, decretos etc. Portaria Interministerial: Ratifica a estratégia das Ações Integradas de Saúde. entre outros. Brasília.7/6/85. Informação para a Saúde. Brasília 6 (7): 94, jul. 1985. em função de sete elementos de definição. Embora o Plano Diretor eleja como preferência o “cenário desenvolvimentista” para o estabelecimento de estratégias tem, no entanto, como opção-reserva o “cenário racionalizador”, capaz de ser acionado taticamente de acordo com os momentos conjunturais imediatos. Quanto ao “cenário tradicional”, embora respaldado pela tendência inercial da instituição e por grupos interessados na manutenção do status quo, não se apresenta orgânico à conjuntura política de saúde no Brasil, de modo que a insistência na sua preservação pode significar a cronicidade da crise do Hospital.

ANEXO I
Imagens-Objetivo propostas para o HPES

5. COMENTÁRIOS FINAIS

A presente proposta de Plano Diretor para o Hospital Professor Edgard Santos, representa a sistematização de um conjunto de proposições, coletivamente elaboradas nos diferentes momentos da luta institucional pela preservação e desenvolvimento dessa complexa unidade de assistência, ensino e pesquisa. Embora formalizadas num documento de caráter técnico e fundamentadas por um método de planejamento que privilegia os aspectos estratégicos da mudança1111. TESTA, M. Planificación estrategica en el sector salud. CENDES/UCV. 1981 mimeo., tais proposições tiveram a sua origem na resistência contra o autoritarismo, a tecnocracia e o anacronismo de duas décadas de administração e emergiram no processo democrático de escolha da sua atual Direção e de revitalização das suas atividades-fim. Nesse particular, contribuíram os movimentos contra a descaracterização do Hospital mediante a incorporação, em suas práticas, da lógica da economia de mercado, as discussões realizadas em reuniões de equipes, seminários e assembléias da comunidade hospitalar, bem como os esforços de redefinição das políticas de saúde e de educação em curso na Nova República.

A concepção que norteou este esforço de planejamento é a de que o plano constitui-se num instrumento de mobilização de vontades, de transparência do processo decisório e de socialização das informações acerca do que fazer no cotidiano de uma instituição.

Tal planejamento para ser efetivo depende do movimento das forças sociais que atuam na instituição e desse modo é recriado, a cada instante conjuntural, pelos grupos capazes de imprimir a direção dos esforços para uma das imagens-objetivo definidas e conseguir o consenso ativo de segmentos expressivos da comunidade hospitalar. A construção dessa hegemonia em bases democráticas supõe a preservação dos canais de participação para todas as forças institucionais - inclusive aquelas que se opõem ao plano - e a garantia do direito ao discurso. Nesse particular, a competência técnica requerida para a formulação do plano deve ser necessariamente complementada pela competência política dos agentes que atuam diariamente no processo político-institucional.

A nível mais amplo das políticas de saúde, no entanto, o equacionamento dos graves problemas enfrentados pelos hospitais de ensino e pelos hospitais universitários, em particular, requer uma profunda Reforma Sanitária Nacional, na qual “os hospitais Universitários e os das Forças Armadas devem estar totalmente integrados ao Sistema único de Saúde, sem prejuízo das funções de ensino, pesquisa e prestação de serviços dos primeiros”1010. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Grupo de Trabajo para el Estudio de las Perspectivas del Desarroll o de la educación médica para el año 2000. Imagem objetivo de la educación médica en el año 2000. Washington. D.C. 28-31 de mayo de 1985. mimeo.. O financiamento deste sistema de saúde há de ser assegurado a partir de “um orçamento social que englobe os recursos destinados às políticas sociais dos diversos Ministérios”1010. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Grupo de Trabajo para el Estudio de las Perspectivas del Desarroll o de la educación médica para el año 2000. Imagem objetivo de la educación médica en el año 2000. Washington. D.C. 28-31 de mayo de 1985. mimeo. configurando-se desse modo a responsabilidade do Estado em relação à saúde e à educação. Ainda que mereça um registro a recente tentativa do Governo em explicitar a sua “política para Hospitais Universitários e de Ensino”11. BORBA, E. coord. Programa de Ação do Governo - Setor Saúde. Documento elaborado pelo Escritório Técnico do Presidente Tancredo Neves. s.n.t. 65 p., tal esforço tende a se confinar em revisões de tabelas de pagamento por porte e procedimentos enquanto for mantida a proverbial omissão do Ministério da Educação na defesa da Universidade Pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BORBA, E. coord. Programa de Ação do Governo - Setor Saúde Documento elaborado pelo Escritório Técnico do Presidente Tancredo Neves. s.n.t. 65 p.
  • 2
    BRASIL, Leis, decretos etc. Portaria Interministerial: Ratifica a estratégia das Ações Integradas de Saúde. entre outros. Brasília.7/6/85. Informação para a Saúde Brasília 6 (7): 94, jul. 1985.
  • 3
    BRASIL. Leis. decretos etc. Resolução 06/85 sobre Ações Integradas de Saúde Anexo: Normas Gerais aplicáveis as AIS. Brasília. 3/5/84 - 3 Anexo.
  • 4
    BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Ações integradas de saúde: política de trabalho integrado entre o MEC e os Hospitais de Ensino. Brasília. 1985.
  • 5
    BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Comissão de Ensino Médico. Documento de ensino médico Brasília, 1978.
  • 6
    BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Comissão de Ensino Médico. Hospital de ensino: diretrizes para seu funcionamento. Brasília. 1979. 22 p. (Documento n.o 42).
  • 7
    BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA - SECRETARIA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR. Política para hospitais universitários de ensino 12 p. (Documento apresentado por ocasião da XLIII Reunião Plenária do CRUB. Salvador, 28 de julho a 1.o de agosto de 1986).
  • 8
    CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8. Brasília, 17-21 mar. 1986. Relatório final Brasília, 1986. 31 p.
  • 9
    ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Centro Panamericano de Planificación de la Salud. Formulación de políticas de salud Santiago, 1975.72p.
  • 10
    ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Grupo de Trabajo para el Estudio de las Perspectivas del Desarroll o de la educación médica para el año 2000. Imagem objetivo de la educación médica en el año 2000 Washington. D.C. 28-31 de mayo de 1985. mimeo.
  • 11
    TESTA, M. Planificación estrategica en el sector salud CENDES/UCV. 1981 mimeo.
  • 12
    VERAS, R.P. A ABEM e as transformações da prática médica no Brasil Rio de Janeiro. 1981. 417 p. (Monografia de Mestrado apresentada ao Instituto de Medicina Social da UERJ).
  • 13
    YAZLLE ROCHA, J. S. O hospital universitário e as tendências atuais na educação médica. R. Bras. Educ. Med, Rio de Janeiro 3(2): 41-5, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1987
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