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CARTAS

Prezado Editor

Considerando-se que o diálogo e a troca de idéias são fatores propulsores do crescimento pessoal e profissional e que a Carta ao Editor publicada na Revista ABEM v.27 n.1 de Jan/Abril 2003, inicia um novo diálogo em relação à avaliação de programa, gostaria de agregar alguns outros pontos de vista, um tanto distintos daqueles apresentados pelos professores Gilson Maestrini Muza e Marisa Pacini Costa, então vinculados à Escola Superior de Ciências da Saúde - ESCS da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do GDF.

Para tanto, tomarei como eixo referencial a conceitualização da avaliação. Nesse sentido, toda avaliação que não resultar numa ação é como um diagnóstico que não resulta num plano terapêutico ou de cuidado. Avaliar é julgar, emitir um juízo de valor sobre algo e, dessa forma, tomar uma decisão sobre a manutenção, melhoria ou completa modificação daquilo que se está julgando11. Worthen BR, Sanders JR, Fitzpatrick JL. Program evaluation: alternative approaches and practical guidelines. 2nd ed. New York: Longman Publishers; 1997..

Ter hipóteses ou pressupostos ao fazer urna avaliação é condição preliminar para o desenho e a escolha metodológica que se fará, assim como, a formulação de questões simples tais como: o que avaliar? Porque avaliar? Quando avaliar? Como avaliar? Quem avalia? Essas questões também auxiliam na delimitação do objeto e na escolha metodológica.

A abordagem qualitativa na avaliação, bem como em toda pesquisa qualitativa, deve ser empregada quando se busca revelar “o significado e a intencionalidade como inerentes aos atos, relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas” (22. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro/ABRASCO; 1998..

Dessa forma, o resumo da Avaliação da unidade educacional Habilidades e Atitudes da ESCS, do qual também fui autora, publicado na página 104 dos Anais do XL Congresso Brasileiro de Educação Médica, utiliza a abordagem qualitativa para analisar os depoimentos de uma amostra de estudantes. A técnica de análise de conteúdo (modalidade temática) foi empregada para interpretar significados, atribuídos pelos estudantes, nas suas avaliações sobre a referida unidade educacional.

Embora a análise de conteúdo tenha um caráter quantitativo quando utiliza a frequência de aparecimento ou mesmo a ausência de idéias ou núcleos de sentido de um conjunto de depoimentos, certamente sua aplicação não guarda relação com as características da pesquisa quantitativa, conforme exemplificado na Carta ao Editor. O percurso metodológico da análise de conteúdo inclui: a identificação e descrição dos núcleos de sentido, a inferência e a interpretação33. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa; Edições 70; 1977., dialogando texto e contexto numa perspectiva hermenêutica-dialética22. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro/ABRASCO; 1998..

Cabe, ainda, ressaltar que a amostra dessa avaliação foi intencional, uma vez que dos 40 formatos selecionados (50% do universo), metade tinha avaliado a unidade como satisfatória e a outra metade tinha avaliado ou a unidade ou algum dos seus aspectos, como insatisfatórios. O objetivo foi o de revelar os extremos e, assim, distintas significações e valores sobre a unidade.

Os predomínios apontados no trabalho referem-se ao predomínio das idéias ou núcleos de sentido encontrados nos depoimentos amostrados. Porém, o mais expressivo não é a simples descrição dos núcleos, mas a interpretação do significado das idéias que apareceram e das idéias que não apareceram, em função do projeto político pedagógico da escola. Esse tipo de avaliação permite refletir sobre os significados atribuídos e sobre o quanto estamos próximos ou distantes de traduzirmos intenções em gestos. É, assim, um valoroso ponto de partida para a reflexão de todos os sujeitos envolvidos: estudantes, professores, gestores do currículo e outros.

Ao se explicitar o referencial utilizado para emitir um determinado juízo de valor e ao apontar áreas que requerem atenção e áreas de fortaleza, a avaliação favorece a discussão dessas diferentes interpretações e a elaboração de novos planos, visando a melhoria de processos e produtos. Para tanto, avaliar requer, acima de tudo, uma postura corajosa e de abertura para com as diferentes traduções das pessoas envolvidas.

A leitura do resumo da Avaliação da Unidade e da Carta ao Editor permitiu identificar claras diferenças na concepção educacional que se utiliza para interpretar os depoimentos dos estudantes. Nisso, sim, não há nenhum "pecado". São distintas concepções, diferentes escolhas. Aponta, especialmente, uma legítima necessidade de diálogo sobre essas diferentes concepções, que só apareceram nas entrelinhas.

Nenhuma das nossas ações é desprovida de intencionalidade. Muito menos as educativas. Assim, como professora, considero que esse é o nosso maior compromisso com os estudantes e com a sociedade: explicitar nossas intenções e defendê-las como urna proposta de reprodução da sociedade ou de transformação dela.

Atenciosamente,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Worthen BR, Sanders JR, Fitzpatrick JL. Program evaluation: alternative approaches and practical guidelines. 2nd ed. New York: Longman Publishers; 1997.
  • 2
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro/ABRASCO; 1998.
  • 3
    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa; Edições 70; 1977.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2004
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