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As Políticas Públicas e a Formação de Médicos

Public Policies and Medical Education

Durante as três últimas décadas do século passado, a discussão sobre a educação médica mobilizou os atores envolvidos no setor saúde. A reflexão sobre o tema é pródiga em diagnósticos, que concluem pela necessidade de mudar a educação dos médicos e dos profissionais de saúde. As publicações sobre educação médica contêm inúmeras referências a temas como falta de preparo dos docentes, baixa produção de conhecimento, currículos herméticos com carga horária excessiva, teoria desligada da prática, ciclos básico e clinico totalmente dissociados, ênfase nas especialidades com utilização maciça de tecnologia, gerando em seu conjunto, profissionais médicos que irão ler uma prática profissional impessoal, fora de contexto e longe de atender as necessidades da população por atenção à saúde.

Esse diagnóstico, aceito pela esmagadora maioria dos setores e atores envolvidos no processo não teve força suficiente para provocar movimentos de mudança em quantidade e qualidade capazes de causar impacto no sentido de reverter essa situação.

No entanto, a virada do século não admite a perpetuação dos problemas, e pode-se dizer que existe quase uma exigência social de que se mude o processo de formação de médicos, para que se produzam profissionais mais adequados às necessidades da população. Profissionais com boa cultura médica social, sensíveis ao sofrimento humano, capazes de prestar atenção integral e humanizada, que trabalhem em equipe e considerem o contexto em que vive o paciente e os recursos disponíveis ao tomarem suas decisões.

Para se atingir essa meta, é preciso mudar. Mudanças profundas são necessárias tanto na educação como na saúde. Neste sentido, vale a pena destacar o papel que passaram a exercer as políticas públicas, a começar pela reorientação no modelo de atenção à saúde, com a implantação de conceitos como os do programa de saúde da Família, até o mais recente, o Promed - programa de incentivo a mudanças curriculares nos cursos de medicina, visando à reorientação na formação do profissional médico. Estes programas vão implicar mudanças no papel social desses profissionais, gerando e aflorando contradições dentro da categoria médica, que, organizada por especialidades, verá uma mudança nas relações de poder. Isso certamente gerará conflitos, tensões e embates que terão que ser enfrentados pelos atores envolvidos.

Programas como o Promed não podem se sustentar com ações internas às instituições, pois existem fatores externos que influem diretamente na organização das práticas profissionais, na conformação do papel profissional, na orientação das linhas de investigação, etc., interferindo claramente na possibilidade de mudar.

São necessárias, portanto, ações estratégicas num nível mais amplo, das macropolíticas - construir espaços favoráveis à implementação de mudanças e também à sua sustentabilidade futura.

As estratégias macro - ou seja, a abertura de espaços políticos e de políticas favoráveis às mudanças - não acontecerão de forma espontânea Elas serão necessariamente uma construção social, que envolve a participação de atores sociais relevantes em cada momento. A articulação entre as políticas de saúde e educação é uma ação fundamental para criar um ambiente favorável às transformações. O Promed, atualmente, e a recente aprovação das diretrizes curriculares para os cursos de medicina, enfermagem e nutrição são sinais de uma aproximação entre os ministérios da Educação e da Saúde. Lembre-se que a discussao das diretrizes curriculares conseguiu ainda mobilizar setores do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.

É fundamental seguir trabalhando para que as diretrizes curriculares das outras profissões de saúde sejam aprovadas em consonância com a perspectiva de mudança, como aconteceu no caso da medicina e da enfermagem. Mas também é essencial mudar os critérios de avaliação dos cursos, para que estejam coerentes com as orientações definidas nas diretrizes curriculares. Nada disso vai acontecer espontaneamente, sem que os atores interessados se mobilizem e se articulem.

Também é importante criar mecanismos que favoreçam a coerência entre as políticas de saúde e educação, envolvendo desde a criação de linhas de apoio à investigação aplicada, voltada para a solução de problemas do SUS e da população, até à política de bolsas e de estímulo à especialização de acordo com as necessidades de transformação da formação/especialização. No caso da medicina, isto é primordial, pois a tendência à especialização pode anular o impacto dos processos de mudança na graduação.

É importante, portanto, construir processos participativos, sem a ilusão de que com isso se vai conseguir unanimidade. Vai haver luta, vai haver disputa, mas com estratégias mobilizadoras geralmente se consegue conformar movimentos que concentram poder suficiente para ultrapassar os obstáculos que todo processo de mudança enfrenta.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2002
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