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Extensão Universitária e Formação Médica: Uma Análise da Experiência dos Bolsistas no Programa "Escola Cidadã"

Resumo:

Relata-se uma experiência universitária no programa de Extensão “Escola Cidadã” - parceria UNI-RIO/município de Queimados, objetivando0 formar uma rede interdisciplinar de apoio ao ensino fundamental. Sob a ótica da pesquisa qualitativa, enfoca atividades do grupo de alunos de Medicina, utilizamos: questionários de avaliação, respondidos pelos bolsistas em 1996; observação de campo, atas, plano de ação e relatórios de 1996 e 1997. O trabalho de Extensão: proporcionou aos alunos o conhecimento de uma realidade social que validou e interligou as diferentes disciplinas do currículo; permitiu a concretização e conhecimentos de cunho social e humanístico, mostrando a necessidade de uma formação social para o médico; possibilitou o trabalho interprofissional (Medicina, Biomedicina, Biologia, Enfermagem, Pedagogia, Música, Nutrição e Teatro), entrevendo a necessidade de busca de interdisciplinaridade. Ao fomentar “o estado de apetite científico” dos alunos, evidenciou que a prática de Extensão concretiza sua função articuladora entre Ensino e Pesquisa, mostrando ser indispensável a indissociabilidade das três funções universitárias para a formação de profissionais com visão participativa e crítica.

Palavras-chave:
Extensão universitária; Educação médica; Pesquisa-ação em saúde; Interdisciplinaridade

Summary:

This article delas with the report of a college experience at the extension program “Escola Cidadã” - a partnership between UNI-RIO/Secretaria de Educação, Cultura e Desporto do município de Queimados (Department of Education, Culture and Soprts of the City of Queimados), aiming to build an interdisciplinary net as a support to primary schools. Analysing it under the optics of qualitative research, focusing on the activities of a group of Medical students, we have used questionnaires, answered by interns, in 1996, field observation, plans of action and reports from 1996 to 1997. The work of extension provided the students with knowledge about a social reality that legitimated and interwined the different disciplines of the course; allowed the concreting of social and humanistic knowledge; made possible an interprofessianl work (Medicine, Biomedicine, Biology, Nursing, Pedagogy, Music, Nutritionh and Drama), catching a glimpse of the need to search for interdisciplinarity; by stimulating the ‘state of scientifical appetite’ of the studentes, it was made evident that the practice of extension pronounces its function as the articulator between teaching and research, marking clear the indispensable indissolution of the three university functions for the formation of professionals with a critical, participative vision.

Keywords:
Medical Education; Active-research in health; Interdiciplinarity

“Assim como a tomada de consciência não se dá nos homens isolados mas enquanto travam entre si e o mundo relações de transformação, assim também somente aí pode a conscientização instaurar-se.” Paulo Freire

INTRODUÇÃO

Investigar como está se dando a concretização do conceito de Extensão torna-se fundamental para o fortalecimento de sua prática e para a indicação de estratégias necessárias ao desenvolvimento de projetos e programas desse campo. Nesse sentido, a pesquisa-ação permite acompanhar esse processo educativo, desvelando a sutileza de seus problemas, conflitos, contradições, na abrangência de sua subjetividade e interdisciplinaridade.

É com esse entendimento que apresentamos neste artigo a experiência de alunos da UNI-RIO envolvidos no Programa "Escola Cidadã: um processo em construção", uma parceria entre a UNT-RIO e a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto do município de Queimados. A experiência dos participantes neste Programa - que abrange interdisciplinarmente diversos conteúdos dos currículos formais e permite a inserção precoce dos acadêmicos em comunidade com problemas concretos - tem concorrido para potencializar uma visão crítica, participativa e criativa em seus participantes, contribuindo para a formação de profissionais mais conscientes e engajados, que possam atuar como intelectuais transformadores de sua realidade social. Enfocaremos, especialmente, o reflexo desta experiência na formação médica.

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO PROGRAMA "ESCOLA CIDADÃ" E A FORMAÇÃO ACADÊMICA

O "Escola Cidadã" é um programa plurianual, iniciado em 1995, criado a partir da parceria entre duas entidades públicas. Apoiado pelo fomento indicado no convênio SESu/MEC/ FNDE nº 323/94 no âmbito do ensino fundamental, o programa foi construído com o compromisso de implantar uma rede interdisciplinar de apoio ao primeiro grau, a partir do desenvolvimento de ações de Ensino, Pesquisa e Extensão, envolvendo aspectos educacionais, culturais e de saúde. O município de Queimados, localizado na Baixada Fluminense, a cerca de urna hora do Centro do Rio de Janeiro, foi escolhido devido a sua recente emancipação, em 1990, com uma população­alvo de cerca de 8.400 alunos de ensino fundamental, 369 professores e 19 escolas, funcionando em até quatro turnos, o que, por si só, justifica a cooperação da Universidade com o município na superação de suas dificuldades iniciais de implementação.

É importante salientar que as metas do programa foram estabelecidas sempre buscando-se a concretização das bases concluídas e aprovadas no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em novembro de 1987, sobre a concepção de Extensão universitária:

“A extensão é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade... é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração das práxis de conhecimento acadêmico... docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão, que estabelece a troca de saberes sistematizados - acadêmico e popular, terá como consequência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; e a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada social”.

Em termos de formação acadêmica, o programa apresenta alguns pressupostos definidos na Proposta Institucional do Programa "Escola Cidadã":

  1. a formação acadêmica do futuro profissional deve estar vinculada á realidade social; sendo assim, é fundamental que as instituições de ensino possam ampliar o espaço da sala de aula, oferecendo oportunidades de desenvolvimento de atividades, a partir das disciplinas curriculares, que estabeleçam um elo com esta realidade e possibilitem um redimensionamento das práticas pedagógicas;

  2. o currículo deve caracterizar-se por um conjunto de atividades vivenciadas pelo aluno e organizadas pela comunidade escolar, tendo como base uma concepção pedagógica definida (Projeto Pedagógico da UNI-RIO de 1995) que atenda às necessidades da sociedade, fortalecendo o necessário vínculo com a realidade social, envolvendo as funções de Ensino, Pesquisa e Extensão, permitindo ao aluno a vivência de experiências concretas que o auxiliem a perceber a realidade e as possibilidades de efetivar seu compromisso social;

  3. a discussão da prática vivida pelo aluno nas atividades de Extensão permite o arejamento dos conteúdos a partir do confronto de saberes e pela construção de novos conhecimentos, reunindo-se possibilidades de serem efetivadas ações conjuntas de Ensino, Pesquisa e Extensão que exercitem a percepção de currículo, e ainda promovam um redimensionamento do pensar e agir da Universidade.

No que tange à UNI-RIO, inicialmente, o Programa se desenvolveu com a participação de profissionais e alunos das seguintes Unidades: Escola de Teatro; Instituto Villa Lobos (unidade de Música); Escola de Arquivologia; Escola de Biblioteconomia; Escola de Museologia; Escola de Educação; Escola de Ciências Biológicas; Escola de Enfermagem Alfredo Pinto; Escola de Medicina e Cirurgia; Escola de Nutrição e Instituto Biomédico (unidade responsável pelo tronco pré-profissional do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde)

MÉTODOS

O Plano Nacional de Extensão Universitária enfatiza em relação à Pesquisa:

“Assume interesse especial a possibilidade de produção de conhecimento na interface universidade/comunidade, priorizando as metodologias participativas e favorecendo o diálogo entre categorias utilizadas por pesquisados e pesquisadores, visando criação e recriação de conhecimentos possibilitadores de transformações sociais, onde a questão central será identificar o que deve ser pesquisado e para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos.” 1 1. PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Raízes e Rumos. Rio de Janeiro, 1998, Ano 5, n° 9: 36.

Nesse sentido, a pesquisa-ação constitui uma estratégia metodológica importante no campo de produção de conhecimento, via Extensão universitária. Thiollent define: “A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”22. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação, 7.ed., São Paulo: Cortez,1996.. O mesmo autor nos mostra que os objetivos da pesquisa-ação, considerada como uma estratégia metodológica de pesquisa social, consistem em: estabelecer a tomada de consciência das pessoas e grupos no contexto em que vivem, esclarecendo os problemas da situação observada; promover a ação no sentido de resolução de problemas; aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento útil paro a coletividade considerada; elucidar a relação entre os objetivos de pesquisa e os objetivos de ação. Muitas vezes, só se consegue alcançar um ou outro objetivo, porém, com o amadurecimento metodológico, a pesquisa-ação poderá alcançá-los simultaneamente. Nesse campo de pesquisa, o objeto de investigação é constituído pela situação social e pelos problemas de diferentes naturezas aí encontrados, permitindo o estudo dinâmico dos problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação.

Para ampliar o nível de consciência e o conhecimento dos atores implicados nesse processo de investigação, foi necessário "mergulhar" nas contribuições teóricas da Teoria Crítica, em especial nas abordagens da Teoria Psicanalítica, Pedagogia Crítica de Paulo Freire e Henry Giroux e Psicologia Social/Comunitária. Neste artigo, apresentaremos apenas um enfoque da pesquisa maior1 1 A pesquisadora de que trata este artigo é parte de outra mais ampla, em que participa Maria Fernanda Correia Mascarenhas, Assistente Social, Consultora do Programa “Escola Cidadã” na UNI-RIO, Mestranda em “Educação em Saúde - Tecnologia Educacional”, do Nutes/UFRJ. , desenvolvida no Programa, referindo-nos ao grupo de bolsistas e tomando como centro de análise o grupo de acadêmico de Medicina, no ano do 1996. Nesse âmbito, nos aproximamos das questões discutidas atualmente em diversos fóruns de educação médica.

Por meio da análise qualitativa de um instrumento de avaliação, respondido pelos participantes da UNI-RIO envolvidos no Programa no ano de 1996 - atas, plano de ações, observações feitas em campo e relatórios das ações -, foram obtidas informações, reflexões, questionamentos e indicações sobre o processo de trabalho desenvolvido naquele ano, o que concorreu para a definição de novas estratégias nas atividades futuras do Programa. A avaliação dos resultados foi sendo efetuada em reuniões de equipe no decorrer de 1997, pelos participantes e pelos pesquisadores ou, então, era apresentada pelos pesquisadores, para que se ampliasse o nível de consciência e se encaminhassem soluções para os problemas identificados. Concomitantemente, foi sendo ampliado o conhecimento sobre determinados temas, como Comunicação em Saúde, Educação em Saúde, conceito de Extensão, estratégias de ensino-aprendizagem, dinâmica de grupo.

No período de setembro a dezembro/962 2 - Em agosto/96, chega o fomento do Programa de Extensão (Proext/95), SESu/MEC/FNDE, possibilitando bolsas aos alunos da UNI-RIO e material de apoio às ações do Programa “Escola Cidadã” em sua totalidade. A verba do Propext/96 é autorizada, mas não chega: foi cortada pelo MEC, dificultando o desenvolvimento dos programas regionais já iniciados. Curiosamente, em 1995 surge a Universidade Solidária. , foram desenvolvidas diversas ações constantes do Programa "Escola Cidadã", que envolveram 46 bolsistas (3 de Educação, 3 de Biblioteconomia, 10 de Medicina, 5 de Biologia e Biomedicina, 11 de Enfermagem, 7 de Nutrição, 2 de Museologia, 3 de Teatro e 2 de Música) e 12 profissionais - entre professores (3 de Educação, 3 de Biblioteconomia, 2 de Medicina, 1 de Enfermagem, 2 de Nutrição), 1 técnico de laboratório de Parasitologia, e 2 consultores (Psicopedagogia e Serviço Social). Desse modo, em dezembro de 1996, envolvemos estes participantes no sentido de fornecerem informações sobre o processo de trabalho desenvolvido, por meio de um questionário respondido individualmente (foi sugerido que, na medida do possível, o instrumento fosse discutido, em seguida, em cada grupo de trabalho), indicando que o diário de campo seria útil no preenchimento do mesmo. Destacaram-se três categorias de análise, contidas no conceito de Extensão, a serem consideradas no processo avaliativo: a interdisciplinaridade; articulação Ensino, Pesquisa, Extcns.io; e comunicação Universidade/Sociedade. Do total de 46, 34 questionários foram respondidos e posteriormente identificados como de A1 a A46.

Sendo o enfoque principal deste trabalho a experiência dos bolsistas, trataremos a seguir do contexto vivido por eles nas atividades de campo de 1996, isto é, na Escola Municipal Professora Scintilla Exel, escolhida como escola polo do trabalho naquele ano e afastada cerca de 20 minutos do centro do município de Queimados. A equipe da área de Saúde, composta por acadêmicos e professores dos cursos de Medicina, Enfermagem, Nutrição, Biologia e Biomedicina, fez-se presente no município por meio de duas visitas semanais à escola selecionada. As visitas ocorriam nos períodos da manhã e da tarde. A Universidade garantiu o transporte da equipe em seu microônibus, e a Escola Municipal ofereceu a alimentação.

Ao longo de 1996, foram realizados exames clínicos e coproparasitológicos nos alunos da 1a à 4a séries. Foram realizadas dinâmicas de grupo para trabalhar com DST, prevenção de parasitoses, sexualidade e nutrição, entre outros. Sendo as parasitoses um dos problemas mais proeminentes naquela região, o atendimento médico dividiu-se em duas etapas: clínico-pediátrico, realizado por acadêmicos que já haviam cursado a disciplina de Pediatria, supervisionados por professores da disciplina de Pediatria; e clínico-parasitológico e laboratorial, englobando alunos do final do ciclo pré-profissional, também com supervisão.

O atendimento era realizado, sempre que possível, na presença dos pais, com a disponibilidade de três salas equipadas, basicamente, com mesas, cadeiras, macas para exames, biombos, balanças antropométricas, escala optométrica, esfigmomanômetros e estetoscópios infantis, otoscópios, oftalmoscópios, fita métrica e abaixadores de língua. Um acordo entre a Universidade e o município garante o fornecimento das medicações prescritas pelos postos de saúde municipais. Os casos em que os problemas médicos ultrapassavam as possibilidades de atendimento nas escolas, eram prontamente encaminhados ao Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, especialmente aqueles em que se faziam necessários outros exames complementares, procedimentos cirúrgicos ou acompanhamento especializado.

ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO

Articulação Ensino, Pesquiso e Extensão

Neste eixo de análise, os dados obtidos agruparam-se, basicamente, em três categorias específicas: desconhecimento das funções universitárias, confrontação da teoria com a prático dos conteúdos curriculares e a descentralização do ensino médico hospitalar.

A necessidade de discutir a Universidade como instituição foi demonstrada quando as repostas do instrumento de avaliação, com grande frequência, indicaram uma visão limitada do significado de suas funções - Ensino, Pesquisa e Extensão. Isto quando não demonstraram desconhecimento da impor­tância e da indissociabilidade destas funções, estabelecendo as duas últimas como apêndices da primeira.

Em relação a Extensão, os estudantes demonstraram urna compreensão não-dialógica deste conceito, definindo o trabalho extensionista como meramente “passar e receber conhecimentos”. Em certo momento, no instrumento de avaliação, quando os acadêmicos eram inquiridos sobre o grau de interesse no trabalho e sobre sua motivação, foram frequentes respostas que exprimiam a ideia de que a população do município de Queimados necessitava de informação técnica apenas para melhorar sua qualidade de vida, como demonstra o exemplo: “Percebia a carência de informação da comunidade...” (A30).

Novamente, percebe-se uma distorção tanto na caracterização da ação universitária, como no próprio diagnóstico da realidade. É preciso questionar a validade do ato de "dar informação". Afinal, qual a sua validade numa comunidade que não tem meios materiais nem motivação ideológica para incorporá-la a seu dia-a-dia? Não é mais possível compreender uma relação Universidade/Sociedade baseada numa prática que se limite à transmissão - de forma acrítica, repetitiva e pretensamente não-ideológica - de um saber pré-fabricado que nega suas bases dialéticas indispensáveis a qualquer trabalho comunitário que não se pretenda assistencialista ou menos ainda paternalista. A noção de que o problema é falta de conhecimento técnico-higiênico é uma visão equivocada e simplista, que reduz a relação Universidade/ Comunidade à mera reprodução de um saber-fazer intervencionista e por isso mesmo ineficiente - já que não é acompanhado de reflexões sociais, políticas e filosóficas mais profundas -, desprovida do caráter crítico que deveria caracterizar uma atividade universitária.

Em palestras da equipe da Parasitologia para crianças da quarta série, nas quais o objetivo inicial era o esclarecimento sobre os ciclos biológicos e métodos de prevenção dos parasitos prevalentes naquela região, nossa equipe foi surpreendida por ter de reestruturar seu programa, visto que as crianças conheciam não somente os ciclos biológicos, como também os nomes científicos dos parasitos!. Como podemos relacionar este dado com o fato de que esta mesma população infantil se encontrava intensamente parasitada? Essa experiência levou a equipe a se assegurar de que:

“É preciso uma formação universitária que abandone definitivamente a ‘pedagogia agorafóbica’ das salas de aula e laboratórios e rompa com o hermetismo elitista que estuda o homem abstraído de sua realidade, mandando sua vinculação a uma comunidade específica com determinações históricas, políticas e econômicas.” 3 3. TUTIMAN, M. T.; MASCARENHAS, M. F. C.; GUIMARÃES, R. G. M.; MALHEIROS, R. "Escola Cidadã: um processo em construção": uma experiência de extensão na UNI-RIO. Rio de Janeiro, 1998, Ano 5, nº 9: 32.

É premente que estas ações sejam embasadas num referencial teórico que aposente os princípios positivistas e tome uma posição crítica, construtiva e participativa, deixando de usar sua pretensa imparcialidade para justificar seu imobilismo diante dos conflitos da realidade histórica e social. Paulo Freire nos alerta: “Quem fala de neutralidade científica são precisamente os que temem perder o direito de usar de sua ineutralidade em seu favor.”44. FRETRE, P. Extensão ou Comunicação? 10a ed., São Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 77.

Neste sentido, tais atividades universitárias devem ter uma finalidade mais concreta, no sentido estrutural, ou seja, devem apresentar alternativas não apenas metodológicas. Os profissionais em formação devem trabalhar sua formação Social, que se constrói na prática social vivida no dia-a-dia, sendo interpretada como um aprendizado de cidadania que implica uma consciência e uma atividade política voltadas para a construção de uma sociedade melhor, isto é, de uma sociedade em que todos os cidadãos tenham garantidos os direitos que a Constituição lhes reserva, destacando-se a participação em associações de bairro, grupos comunitários, diretórios, sindicatos, partidos. Esta "consciência política" não objetiva somente uma melhoria na saúde da população. Ela também se relaciona às transformações necessárias à condição de trabalho em saúde e do trabalho médico no Brasil, onde, de um lado, é pressionada por um sistema público de saúde caótico e, por outro lado, vê-se-lhe apresentar como alternativa a Medicina de grupos privados, que vem tolhendo a autonomia em sua prática.

Os estudantes de Medicina, oriundos, em sua maioria, da classe média, frequentemente trazem consigo um desinteresse frente às disciplinas de cunho social e humanístico, como Epidemiologia, Saneamento, Saúde Pública, Sociologia e Psicologia, num processo de negação da realidade no País, trocando a Medicina eminentemente social por uma Medicina dita moderna, tecnicista, que é "comprada" equivocadamente como mais apta a atender às necessidades de sua própria classe - uma minoria social-, distanciando-se da realidade da maioria social. Estes estudantes são recebidos por uma Universidade historicamente positivista, com modelos curriculares fragmentados, que passa a servir às necessidades mercadológicas. Considerando-se, ainda, que esta Universidade é uma das pontas de um sistema educacional que, durante décadas, foi abertamente regido por medidas que promoveram o esvaziamento político-crítico dos conteúdos desenvolvidos, torna-se imperioso trabalhar com o estudante uma maior identidade crítica e problematizadora.

Os modelos curriculares que se distanciam da realidade social geram uma visão dicotômica do conjunto indivíduo/ saúde/sociedade, visto que nos ambientes universitários o processo patológico é analisado dentro de um modelo teórico laboratorial, com total desvinculação do cenário social onde seu portador transita. Deste modo, os agentes biológicos, especialmente após Pasteur e a Era Bacteriológica, são tidos como agentes causais únicos. Nesse sentido, Fritjof Capra nos aponta:

“A pesquisa biomédica terá que ser integrada num sistema mais amplo de assistência à saúde, em que as manifestações de todas as enfermidades humanas sejam vistas como resultantes da interação corpo, mente e meio ambiente, e sejam estudadas e tratadas nessa perspectiva abrangente.” 5 5. CAPRA, F. O Modelo Biomédico. In: O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 155.

Se a doença se manifesta no corpo individual, sua causa não está limitada a ele. A negação desta análise integrada do processo saúde/doença é um dos múltiplos fatores que, muitas vezes, conduz os atores sociais do meio acadêmico, e por conseguinte, as elites do País, ao paroxismo de "biologizarem" questões sociais.

Analisando-se as recomendações presentes no documen­to de posicionamento da América Latina frente à Conferência Mundial de Educação Médica de Edimburgo (1994), percebemos que a preocupação com a aproximação do ensino médico à prática social é, atualmente, de fundamental importância nas diretrizes educacionais das universidades de toda América Latina, e a integração com a comunidade, fora do ambiente hospitalar, é vista como uma forma mais efetiva de vencer as limitações do ensino médico: "Una parte integral de la misión de cada centro acadêmico de la saud debe ser su compromisso hacia uma comunidad definida, manifestando através de la invcstignción, promoción y cuidado de la salud que, en si mismo pueda generar un ambiente de aprendizaje adecuado.''66. ORGANlZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD Y LA FEDERACIÓN PANAMERICANA DE ASOCIACIONES DE FACULTADES (ESCUELAS) DE MEDICINA (FEPAFEM). Los cambies de la profesión médica y influencia sobre la Educación Médica. Documento de posición da América Latina ante la Conferencia Mundial de Educación Médica. Educación Médica y Salud., 1994, 28(1): 125-138, p. 136.

O contato com a população propicia uma modificação na relação com o paciente, bem como uma ampliação do conceito saúde/doença, abandonando-se a visão de que o paciente é um indivíduo que tem um processo patológico encerrado em si mesmo. Passa-se a perceber o paciente como uma pessoa integral, com uma história de vida, uma cultura, uma situação social, uma religião, uma família - enfim, o paciente deixa de ser uma figura abstraída de seu contexto social. Ele é concreto, sua realidade é concreta, e o estudante pode participar dela ou, pelo menos, vê-la mais de perto, o que possibilita um redirecionamento no objeto de estudo: surge a visão de que não apenas livros, aulas e aparelhos são "fontes" de aprendizado; sua relação com as pessoas e a sociedade também o é. O paciente, para o futuro profissional, perde sua posição de leigo obediente e aproxima-se mais do futuro médico, quando este percebe que aprende com a relação, e esta deixa de ser uma troca desfavorável, em que urna das partes é mais potente e a outra, fraca, que recebe "imposições" de um profissional que, muitas vezes, não dimensiona a adequação de suas indkações à realidade do paciente. Como exemplo, temos a fala do aluno de Pediatria: A34: "O contato com crianças fora do ambiente hospitalar mudou o conceito, para mim, do relacio0namento médico-paciente".

Para o currículo, a Extensão é a função universitária que melhor se aproxima dos ideais apontados pela referida conferência. Ocorre a descoberta de que, mesmo na academia, o estudante já é capaz de identificar os problemas e realizar alguma ação e, deste modo, descobre-se mais próximo da realidade social que enfrentará no futuro:

“...a oportunidade de estarem contanto com a prática da minha futura profissão, ainda estando no segundo ano, confere-me a chance de adquirir um grande amadurecimento tanto acadêmico quanto pessoal.” (A14)

“...pude ampliar meus conhecimentos teóricos e também pude melhorar meu ser como pessoa, revendo crenças e sentimentos sobre a população de menor poder econômico”. (A3)

Sobre a relação do trabalho de Extensão com a Pesquisa, uma parcela significativa dos alunos conseguiu identificá-la no trabalho apenas quando eram defrontados com questões práticas que dependiam de conhecimento que não possuíam, sendo, então remetidos aos livros para aquilo que chamaram de "pesquisa". Além disto, a Pesquisa foi frequentemente associada apenas ao diagnóstico situacional, limitando-se, então, sua abrangência e seu potencial de busca de soluções originais para os problemas que se apresentavam. Essas opiniões conscientizaram a equipe da necessidade de "pensar" estratégias mais efetivas no sentido do desenvolvimento e participação dos alunos em Pesquisa - com questões problematizadas a partir das experiências na Extensão - durante o período em que estivessem se dedicando ao Programa, visto que há alunos que aí permanecem apenas um ano.

COMUNICAÇÃO EM SAÚDE E COMUNICAÇÃO UNIVERSIDADE/SOCIEDADE

A questão do relacionamento/comunicação interpessoal dentro da equipe e a relação/comunicação desta com a comunidade foram explicitadas reiteradamente por todos os acadêmicos e por todo o resto da equipe. Mais especificamente, foi demonstrado como toda esta interação trouxe à tona discussões bastante relevantes dentro da relação maior da Universidade/Sociedade, como: questionamentos sobre o "papel" da Universidade Pública; suns estratégias de ensino e de inserção social; a valorização do acadêmico e os reflexos disto sobre a formação médica. A atividade em Extensão possibilita ao acadêmico modular de forma mais efetiva seu estudo, redimensionando a relevância de determinados conteúdos curriculares, e adquirir a gama de experiências práticas que os hospitais universitários não podem proporcionar.

Este último ponto deve ser confrontado com a "institucionalização oficiosa" a que se submeteram os estágios extracurriculares para os estudantes de Medicina - haja vista a pontuação que recebem nas provas de título de residência médica. Sérgio Rego nos indica: "Esta interface se dá sobretudo pela iniciativa dos estudantes, que buscam a rede de assistência não universitária como alterativa concreta nos limites impostos pelas faculdades a sua participação direta a atenção médica... "77. REGO, S. O processo de socialização na medicina. Machado, M.H. (org) In: Profissões de saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995, p.131.

Deve-se levar em consideração que muitas instituições, se não sua quase totalidade, não possuem aparato docente nem estrutura material ou temporal para que sirvam de modo adequado como elemento positivamente constitutivo na formação médica. Avançando sobre este ponto, questionamos se esta rede prestadora de serviços, que anualmente absorve um número elevado de estudantes de Medicina, não estaria "se aproveitando" destes para suprir sua falta de profissionais, aliada ao aumento da demanda por seus serviços. Tais estudantes são "submetidos" a uma rotina de plantões semanais que, inevitavelmente, aumentam o nível de estresse dos alunos, contribuindo pouco ou negativamente para a formação médica, em virtude da repetição de técnicas, muitas vezes sem a devida fundamentação teórica, ou mesmo de "vícios" técnicos e atitudes antiéticas frequentemente observados na prática médica. Segundo Sérgio Rego: "A rede prestadora de serviços de saúde é mera coadjuvante na formação, limitando-se a absorver aacriticamente estagiários que tanto podem ser vistos como estorvos ou como meros auxiliares no atendimento de sua demanda..."88. REGO, S. O processo de socialização na medicina. In: Machado, M.H. (org), Profissões de saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Fiocruz , 1995, p.l.

Acreditamos que este processo afasia o estudante do ambiente universitário, comprometendo a integralização do curso, bem como o estudo teórico-prático e a própria vida pessoal do estudante. Neste cenário, a Extensão universitária está plenamente capacitada a preencher esta lacuna no ensino médico, de forma crítica e construtiva, permitindo nos alunos ampliar suas experiências práticas, porém com a supervisão de um médico preceptor comprometido com um ensino de qualidade.

Vejamos os depoimentos:

“Além de colocar em prática conceitos teóricos, tive a oportunidade de desenvolver a anamnese das crianças de forma mais ampla...e, é claro, a gratificante oportunidade de trocar ideias com profissionais de outras áreas.”(A4)

“...a oportunidade de estar em contato com a prática da minha futura profissão, ainda estando no segundo ano, confere-me a chance de adquirir um grande amadurecimento tanto acadêmico quanto pessoal.” (19)

O comprometimento com a saúde de comunidades, bem como a criação de convênios com instituições diversificadas (emergências, empresas, escolas, associações de bairros, hospitais psiquiátricos, postos de saúde, etc.), se realizados via Extensão universitária - sem perder de vista seu conceito fundamental de função articuladora entre Ensino e Pesquisa e promovendo a interface com a comunidade - promoverão um grande passo na melhoria do ensino médico.

O Plano Nacional de Extensão Universitária (1998) aponta:

"O estágio curricular é alçado como um dos instrumentos que viabiliza a Extensão enquanto momento da prática profissional, da consciência social e do compromisso político, devendo ser obrigatório, desde o primeiro semestre se possível, e estar integrado a projetos decorrentes de departamento e à temática curricular ..."99. PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Raízes e Rumos. Rio de Janeiro, 1998, Ano 5, nº 9: 36.

Na análise em questão, os estudantes demonstraram um forte interesse em "ajudar" a comunidade, revelando que adquiriram a confiança sobre o potencial para modificar aquela realidade e se conscientizaram do compromisso da Universidade pública com a sociedade:

“Quero continuar no projeto porque acho que reverter para a comunidade o conhecimento gerado com seus próprios impostos deveria ser preocupação premente em qualquer universidade pública, ainda mais quando se trata de comunidades carentes, cujos membros, contribuintes, dificilmente terão acesso ao ensino de terceiro grau, especialmente numa universidade pública.” (A39)

O universitário que se envolve na Extensão encontra uma valorização pessoal e profissional que dificilmente seria alcançada dentro dos modelos tradicionais de ensino, nos quais o pouco poder de participação do acadêmico reduz, em consequência, o seu valor. Como nos diz um aluno:

“Muitas vezes, lemos e ouvimos sobre os problemas de saúde (saneamento, atendimento) que a maior parte da população passa, o que nos dá uma sensação de impotência, mas através da Extensão, vi que podemos realizar muita coisa. Nós, que não sofremos o problema diretamente, precisamos vivenciá-lo para termos realmente consciência da realidade.” (A10)

Além disto, a entrada no mercado de trabalho não fica postergada para o fim do curso, e toda esta vivência universitária integrada concorre para a sedimentação da identidade profissional e para o conhecimento prévio do trabalho, minimamente multidisciplinar, ao qual o médico estará sujeito ao ingressar no mercado profissional.

INTERDISCIPLINARIDADE

No instrumento de avaliação, perguntou-se sobre elementos facilitadores e limitadores do trabalho interdisciplinar. As respostas desvelaram uma série de antagonismos e problemas referentes a diversas categorias específicas de análise, como: preconceitos entre classes profissionais, falta de tempo para reuniões mais frequentes da equipe, metodologias de trabalho conflitantes e hierarquização de poderes dentro da área de saúde, entre outras. Todas elas concorrem tanto para o impedimento do fluxo do trabalho interdisciplinar, quanto para a indicação das transformações requeridas. Em contraponto, os elementos facilitadores indicados incluíram a colaboração entre colegas, o interesse comum e a troca de experiências.

Quanto a este eixo de análise, Frigotto indica:

“A necessidade de interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, uma e diversa e na natureza intersubjetiva da sua apreensão... Delimitar um objeto para investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo arbitrariamente... E, neste sentido, mesmo delimitado, um fato teima em não perder o tecido da tonalidade de que faz parte indissociável.” 10 10. FRIGOTTO, G. A Interdisciplinaridade como Necessidade e como Problema nas Ciências Sociais. In: Jantsch A. P. & Bianchetti L. Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 27.

Podemos perceber que o desenvolvimento progressivo da área de saúde e a maior demanda social relativa à qualidade de seus serviços, associados à realidade do trabalho multiprofissional, têm mostrado não somente a competitividade emergente entre seus profissionais, bem como a luta por maior reconhecimento profissional e a amplitude da ação profissional por parte das outras carreiras da área de saúde. Este contexto vem modificando o histórico papel hegemônico da Medicina sobre as demais profissões da área de saúde, culminando com a necessidade de o Conselho Federal de Medicina definir o ato médico em 1998.

Assim sendo, os estudantes, de certo modo, reproduziram "modelos de comportamento" durante o processo de trabalho, deixando-se entrever uma série de pontos passíveis de análise crítica, a saber: os alunos de Enfermagem ficaram restritos ao trabalho burocrático de preencher fichas, o que os desagradava e desmotivava; havia uma "desvalorização", "distanciamento" ou discriminação por parte dos estudantes de Medicina do nono período em diante - estagiários da Pediatria - em relação àqueles do segmento pré-profissional, mesmo sendo estes responsáveis pela clínica parasitológica e pelos respectivos exames coproparasitológicos; o trabalho dos estudantes da área de artes era, muitas vezes, classificado como se estes estudantes estivessem ali apenas para "brincar" com as crianças, negando-se seu conteúdo didático­pedagógico e artístico.

Vejamos um exemplo:

"[como ponto limitador para o trabalho interdisciplinar] ...constatação de que há uma hierarquia de poderes dentro da área biomédica." (A21)

Um dado importante é que, na observação de campo, estes estudantes de Medicina eram "rigorosos" na avaliação do trabalho desenvolvido pelos outros estudantes da área de saúde. Entretanto, o referido instrumento de avaliação foi respondido por apenas três dos dez estudantes de Medicina envolvidos no Programa. Numa reunião de avaliação e treinamento do Programa, quando dados preliminares deste trabalho foram divulgados para a equipe, causaram espanto aos estudantes de Medicina as afirmações de que eles mantinham atitudes discriminatórias em relação aos outros colegas, fato negado veementemente. Porém, todos os outros estudantes e professores de outras carreiras concordaram nesse ponto, inclusive aqueles do Instituto Biomédico.

Ainda que se considere a carga horária cumprida em sala de aula e o possível envolvimento com as preocupações relativas à proximidade da formatura, com os estágios fora da Universidade e com os estudos para as provas de residência, é de notar que os estudantes do grupo da Pediatria só ocasionalmente compareciam às reuniões de estudos, planejamento ou avaliação. Além disso, esses acadêmicos não faziam, rotineiramente, as anotações do diário de campo e demais relatórios, como era exigido, em contraste com os outros grupos, que sempre o faziam com presteza. Por isso gerou-se o seguinte aforismo na equipe: "A Medicina faz muito, mas planeja pouco". Este comportamento não é muito diferente do de seus professores em situações semelhantes. Essa discussão já nos indica algumas das características da formação médica e do perfil do futuro profissional.

Outro aspecto é que a não-participação da integralidade dos bolsistas às reuniões dificultou a conscientização dos pontos geradores de angústia. Novamente, Frigotto nos esclarece:

“...a condição prévia para o trabalho interdisciplinar, tanto no nível da pesquisa como no trabalho pedagógico é de que as concepções de realidade, conhecimento e pressupostos e categorias de análise sejam explicitamente explicitados...” 11 11. FRIGOTTO, G. A Interdisciplinaridade como Necessidade e como Problema nas Ciências Sociais. In: Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. Interdisciplinaridade: para além tia filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes , 1995, p. 45.

Estas considerações permitiram uma breve exposição de algumas das exigências e dificuldades para o trabalho interdisciplinar. Contudo, não podemos deixar de entender a interdisciplinaridade, em (última análise, como uma busca - um ponto de partida, sem uma linha de chegada demarcada - , visto o caráter dialético e extremamente dinâmico dos muitos fatores que influenciam as relações acadêmicas, interprofissionais e sociais. Vale ressaltar a visão de Jantsch & Biallchetti:

“O trabalhador parcial, superespecializado, está perdendo espaço para aquele capaz de projetar, executar e avaliar... O que é pesquisado assume determinada natureza e esta põe possibilidades/limites para a interdisciplinaridade. Por consequência, há objetos/problemas e/ou projetos que só são esgotados com uma busca interdisciplinar...”1212. JANTSCH, A. P. & BIANCHETTI, L. Universidade e Interdisciplinaridade. In: Jantsch, A. P. e Bianchetti, L. Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito . Petrópolis: Vozes , 1995, p. 196.

Aqui se encaixam a práxis de Extensão e, consequentemente, seus programas e projetos, sendo a interdisciplinaridade, dentro desta perspectiva, lima imposição da materialidade histórica.

CONCLUSÃO

Certamente, a cada ano, avançamos com o Programa "Escola Cidadã" - que em 1999 estará em seu quinto ano de atividades - no sentido de práxis do conceito de Extensão. Neste sentido, a Extensão como função articuladora entre Ensino e Pesquisa de forma indissociável viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a sociedade. Os profissionais e universitários envolvidos com ela encontram-se envolvidos e compromissados com sua concretização, pois tiveram a experiência de integração por meio de seu potencial articulador, que, sem dúvida, com o aprimoramento de sua prática, vem contribuindo - e poderá fozê-lo mais ainda - para o desenvolvimento de um profissional crítico, consciente e partícipe de sua cidadania.

É com essa concepção que os professores e alunos envolvidos em Extensão universitária se encontram com o compromisso de contribuir para a proposta da Reforma Curricular do Curso de Medicina da UNI-RIO que está sendo estudada no momento, buscando a consolidação de sua prática dentro das instituições de ensino de acordo com as diretrizes do Plano Nacional de Extensão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 2
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  • 3
    TUTIMAN, M. T.; MASCARENHAS, M. F. C.; GUIMARÃES, R. G. M.; MALHEIROS, R. "Escola Cidadã: um processo em construção": uma experiência de extensão na UNI-RIO. Rio de Janeiro, 1998, Ano 5, nº 9: 32.
  • 4
    FRETRE, P. Extensão ou Comunicação? 10a ed., São Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 77.
  • 5
    CAPRA, F. O Modelo Biomédico. In: O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 155.
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  • 8
    REGO, S. O processo de socialização na medicina. In: Machado, M.H. (org), Profissões de saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Fiocruz , 1995, p.l.
  • 9
    PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Raízes e Rumos. Rio de Janeiro, 1998, Ano 5, nº 9: 36.
  • 10
    FRIGOTTO, G. A Interdisciplinaridade como Necessidade e como Problema nas Ciências Sociais. In: Jantsch A. P. & Bianchetti L. Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 27.
  • 11
    FRIGOTTO, G. A Interdisciplinaridade como Necessidade e como Problema nas Ciências Sociais. In: Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. Interdisciplinaridade: para além tia filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes , 1995, p. 45.
  • 12
    JANTSCH, A. P. & BIANCHETTI, L. Universidade e Interdisciplinaridade. In: Jantsch, A. P. e Bianchetti, L. Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito . Petrópolis: Vozes , 1995, p. 196.
  • 1
    A pesquisadora de que trata este artigo é parte de outra mais ampla, em que participa Maria Fernanda Correia Mascarenhas, Assistente Social, Consultora do Programa “Escola Cidadã” na UNI-RIO, Mestranda em “Educação em Saúde - Tecnologia Educacional”, do Nutes/UFRJ.
  • 2
    - Em agosto/96, chega o fomento do Programa de Extensão (Proext/95), SESu/MEC/FNDE, possibilitando bolsas aos alunos da UNI-RIO e material de apoio às ações do Programa “Escola Cidadã” em sua totalidade. A verba do Propext/96 é autorizada, mas não chega: foi cortada pelo MEC, dificultando o desenvolvimento dos programas regionais já iniciados. Curiosamente, em 1995 surge a Universidade Solidária.
  • Trabalho apresentado na categoria “Educação Médica” no Encontro Científico dos Estudantes de Medicina em Niterói, 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1998
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