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Currículo de medicina - implicações preliminares de suas mudanças

Motivo de estudos e análises nos últimos anos, tanto em nosso país como no estrangeiro, os currículos das escolas de medicina têm sofrido constantes alterações, na tentativa de atender às demandas impostas pelas mudanças sociais e pelo rápido avanço da ciência. A partir da crescente aceitação da idéia de que a escola deve estar a serviço da sociedade e do homem, num contínuo processo de interação, desdobram-se tentativas de se elaborar um currículo que possua flexibilidade bastante para acompanhar as mudanças que se operam no campo social e, mais ainda, contribuir efetivamente para que tais mudanças possam ocorrer.

Em nosso país atual, talvez como reflexo de inúmeras experiências de alterações no processo educacional, com pretensos e propalados resultados a serem alcançados a curto e médio prazos, observa-se uma crescente preocupação com a maneira como o ensino vem sendo oferecido. Exemplo disto é o permanente questionamento sobre sua qualidade, pertinência e atendimento às necessidades da população. Essa desconfiança abrange o ensino de 1o, 2o e 3o graus.

Todo currículo traduz uma posição educacional. E esse posicionamento que, embora nem sempre claramente explícito, norteia a adoção de medidas relacionadas com o trabalho escolar. Como sus­ tentam alguns educadores, o humanismo, a ciência e a tecnologia são elementos que permeiam ideologias, para promover transformações sociais. O entendimento do que seja currículo - e, a partir dai, sua conseqüente elaboração - é, em última análise, decorrência de concepções ideológicas.

Há várias conceituações de currículos. A mais restrita descreve o currículo como uma listagem de disciplinas com as respectivas cargas horárias; a mais abrangente considera o currículo como “a soma total de todas as experiências planificadas de aprendizagem, do impacto de todos os recursos da comunidade, naturais ou feitos pelo homem, de toda a educação supervisionada, recreação e trabalho em grupo na comunidade”. (Robert G. Koopman).

A terceira Conferência Pan-Americana de Educação Médica, 1970, apresentou a seguinte formulação.

“O currículo engloba tudo que diz respeito aos aspectos gerais e particulares do ensino e da aprendizagem, suas relações intimas com a investigação, conteúdo dos programas e planos de estudo, utilização das cargas horárias, adaptação do pessoal docente, adequação às disponibilidades materiais e perspectivas do desenvolvimento do corpo social.”

Como já referido, a formação do profissional está intimamente relacionada com a concepção que se tenha de educação e a partir dela, de currículo.

Em relação ao ensino médico, questiona-se intensamente o tipo de profissional que está sendo formado, não apenas no que diz respeito ao tipo de aprendizagem a que o mesmo se submete, mas também à sua importância frente às necessidades médico-sanitárias do país. Essa preocupação acha-se nitidamente refletida no consenso das escolas de medicina, em promover reformas em seus currículos.

Tomando como base currículo de medicina vigentes no Brasil nos anos de 1968 e 1979 e após tentativa de conciliar dados de escolas em regime seriado com os de escolas que adotaram o sistema de créditos (implementado pela Lei 5.540/68), foi possível localizar pontos de interesse no delineamento do atual perfil das escolas de medicina brasileiras. Alguns desses tópicos se revelam da maior importância, merecendo ser destacados:

  • a concepção de currículo, de modo geral, parece ser a de listagem de disciplinas. currículo consiste em um elenco de disciplinas com as respectivas cargas horárias;

  • apesar de os currículos apresentarem elenco de disciplinas predominante da área médica, oferecem, também, disciplinas de outras áreas, algumas em caráter obrigatório;

  • há, ainda, pouca diversificação no elenco das disciplinas oferecidas pelas escolas: pode-se dizer que são as mesmas em todas as instituições, variando, apenas, a série ou o período em que são cursadas;

  • o aumento do número de disciplinas em 1979, apresenta-se como resultado de desdobramento de disciplinas já existentes em 1968;

  • não há diferença significativa no que se refere à carga horária de cada disciplina, dentre as apresentadas nos currículos de 1968 e 1979;

  • muitas das escolas oferecem o curso em regime seriado, utilizando-se, entretanto, da nomenclatura introduzida pela Reforma Universitária;

  • em que pese o interesse frequentemente demonstrado pelas escolas de medicina em formar o médico geral, os currículos de 1979 acham-se, mais que os de l968, volta dos para a formação de especialistas.

As observações acima descritas parecem revelar que, no período compreendido entre 1968 e 1979, ocorreram alterações curriculares mais de cunho organizacional que estrutural. Parece ter havido, também, mais uma tentativa de adaptação dos métodos e técnicas de ensino a orientações governamentais de ordem política.

É evidente que, do ponto de vista histórico, os dez anos decorridos representam uma parcela de tempo praticamente irrisória. Contudo, o processo, ao contrário de preconizações oficiais, parece ter-se iniciado sem grandes inovações e sem preocupar-se muito com resultados futuros. Em outras palavras, a situação atual dos currículos de escolas médicas indica uma fragmentação de disciplinas e de objetivos, transformando-se em mais um instrumento de controle e, por efeito, de desagregação de atividades quando, necessariamente, deveriam compor um todo harmônico.

Ademais, o fato de se tornar real a dificuldade para inferir os objetivos das instituições consideradas e a aparente ausência de preocupação com as doenças prevalentes na região em que se situa a escola, pode conduzir à constatação de não existência de atendimento às exigências peculiares da parcela da sociedade onde a escola se situa.

Este último fato torna-se preocupante se considerarmos as diretrizes governamentais no tocante à utilização do contingente formado nas escolas médicas. Nesse sentido, é nítido o conflito de ações, posto que, ao mesmo tempo em que o ensino se acha voltado para a especialização, as necessidades populacionais requerem o médico dotado de competências profissionais, determinadas pelas reais carências da sociedade.

Como comentários, julgam os autores importante e oportuno o desenvolvimento de estudos mais aprofundados sobre a problemática em questão, tendo em vista os indícios de que o currículo das escolas de medicina brasileiras não vem atendendo às aspirações quer da escola, quer da comunidade.

Consideram, ainda, que há necessidade de serem encontradas diretrizes regionais comuns, para a manutenção da saúde e o combate às doenças aí prevalentes. Isso posto, poderia a escola médica formar profissionais capazes de, mais conscientes e mais integrados, melhor atender às demandas sociais.

Referências Bibliográficas

  • CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 16., Londrina, 22. 4 de nov. 1978. Anais. Rio de Janeiro. ABEM, 1979. 1 v.
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  • SARUBBI, Maria Irma R. de Curriculum, Objetivos, Contenidos, Unidades, Buenos Aires: Stella, s/d.
  • TABA, Hilda. Elaboracion del Curriculo. Teoria y Practica Trad. de Rosa Albert, Buenos Aires: Troquel, 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1980
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