Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de Síndromes Funcionais em Estudantes e Residentes de Medicina

Functional Syndromes in Medical Students

RESUMO

O curso universitário é gerador de estresse, e, de acordo com a literatura, há elevada prevalência de sintomas depressivos e transtornos emocionais em até metade dos universitários. Cerca de um terço das pessoas com síndromes funcionais ou síndromes somáticas funcionais (SSF) sofre de ansiedade ou depressão. Percebe-se, assim, a associação das SSF com fatores psicossociais e estresse.

Objetivo

Verificar a prevalência de síndrome funcional em estudantes e residentes de Medicina.

Métodos

Foram entrevistados 200 estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que cursavam o quinto, sexto, nono e décimo períodos, sendo 25 homens e 25 mulheres de cada período, bem como 27 residentes de várias especialidades do Hospital das Clínicas da UFMG (11 homens e 16 mulheres). Os voluntários responderam aos questionários Beck Depression Inventory (BDI) e Stait-Trait Anxiety Inventory (Stai), ambos validados no Brasil para avaliação da depressão e ansiedade, e a questionário para verificar a presença de síndromes funcionais.

Resultados

Oitenta e sete indivíduos (38,3%) tiveram o diagnóstico de síndrome somática e funcional (SSF), sendo prevalente nos residentes (48,1%) e nos alunos do quinto ano (43%) e menor nos alunos do terceiro ano (30%). Mulheres e seguidores da religião espírita foram os que apresentaram maior associação com SSF (p < 0,05), assim como os que possuíam maiores pontuações no questionário de avaliação de depressão e aqueles em período de formação mais avançado no curso médico. A SSF foi mais encontrada em estudantes com idade menor que 24 anos (39,4%), com renda inferior a dez salários mínimos (53,2%), casados (46,7%), com filhos (80%), entre os que possuíam parentesco médico (40,8), em tabagistas e alcoolistas (58,5%) e em estudantes com traços de ansiedade alta (45,6%).

Conclusão

As síndromes funcionais são frequentes entre os estudantes e residentes de Medicina. Elas ocorrem mais no sexo feminino e em deprimidos em períodos de maior tensão emocional.

Transtornos somatoformes; Ansiedade; Depressão; Educação Médica; Internato e Residência

ABSTRACT

University courses generate stress, to the detriment of students’ health and quality of life. A high prevalence of symptoms of depression and emotional disturbances can be identified in university students. Some patients with anxiety and depression fulfill the criteria for functional somatic syndromes (FSS). Thus, it can be observed that FSS is associated with psychosocial factors and stress.

Objective

To verify the prevalence of the FSS in medical students and residents.

Methods

This study involved interviews with 200 3rd and 5th-year medical students from the Universidade de Minas Gerais (UFMG) Medical School, of whom 25 were male and 25 were female in each semester group, as well as 27 residents from the UFMG Clinical Hospital (11 male and 16 female). The volunteers answered the Beck Depression Inventory (BDI) and Stait-Trait Anxiety Inventory (STAI) questionnaires and a questionnaire to verify the presence of FSS.

Results

Women, religious followers of spiritualism, volunteers with the highest scores on the depression questionnaire and those who were in the most advanced semester were found to show association with FSS (p < 0.05). The FSS could be identified in students aged over 24 years (39.4%), with an income of less than 10 minimum wages (53.2%), married (46.7%), with children (80%), among those who had family members who were doctors (40.8%), smokers and alcoholics (58.5%), and students with high anxiety traits (45.6%).

Conclusion

Functional syndromes are common among medical students and residents. These syndromes occurred more often in females and in patients with depression during periods of emotional stress.

Somatoform disorders; Anxiety; Depression; Medical Education; Internship and Residency

INTRODUÇÃO

Os cursos universitários e o início da atividade profissional são reconhecidamente geradores de estresse, podendo afetar a saúde e a qualidade de vida dos estudantes11. Baldassin S, Alves TCL, Andrade AG. The characteristics of depressive symptoms in medical students during medical education and training: a cross-sectional study. BMC Med Educ [online]. 2008. 8(60) [capturado em: 12 jul 2013]; 1-8. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6920/8/60.
http://www.biomedcentral.com/1472-6920/8...
,22. Telles-Correia D, Barbosa A. Anxiety and depression in medicine: models and measurement. Acta Med Port. 2009; 22:89-98.. Nessas fases, a competição, a carga horária, as atividades curriculares e extracurriculares, além das responsabilidades inerentes à profissão, interferem no equilíbrio emocional dos jovens33. Baldassin SP, Martins LC, Andrade, AG. Traços de ansiedade entre estudantes de medicina / Anxiety traits among medical students. Arq. méd. 2006; 31:27-31.,44. Mosley THJ, Perrin SG, Neral SM, Dubbert PM, Grothues CA, Pinto BM. Stress, coping, and well-being among thirdyear medical students. Acad Med 1994; 69:765-7..

Vários estudos têm procurado mostrar a relação entre depressão e ansiedade nos estudantes de Medicina. O primeiro foi realizado em 1987 por Braz et al. e visava pesquisar problema de sono entre estudantes de Medicina. Esses estudos ainda são poucos, a maioria transversal e não multicêntrica. Porém, nos estudos existentes, a maioria dos pesquisadores concorda em que estes sintomas são prevalentes durante a formação do médico e influenciam na maneira de lidar com a sua profissão55. Baldassin S. Ansiedade e depressão no estudante de Medicina: Revisão de estudos brasileiros. Cadernos ABEM. 2010; 6:10-26.. Um estudo conduzido em nove escolas de Medicina americanas concluiu que, durante a graduação, aproximadamente 90% dos estudantes procuraram atenção médica devido a estresse, fadiga, ansiedade, depressão e distúrbios alimentares, entre outros66. Roberts LW, Warner TD, Liketsos C, Frank E, Ganzini L, Carter D. Perceptions of academic vulnerability associated with personal illness: a study of 1,027 students at nine medical schools. Colllaborative Research Groups on Medical Student Health. Compr Psychiatry. 2001;42:1-15.. Em 31,7% dos estudantes de Medicina do primeiro ao décimo períodos da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, encontraram-se transtornos mentais77. Benvegnu LA, Deitos F, Copette FR. Problemas psiquiátricos menores em estudantes de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 1996;18:229-33..

As síndromes somáticas funcionais (SSF) referem-se a quadros clínicos cuja origem não pode ser determinada. As eventuais alterações orgânicas não são proporcionais à magnitude dos sintomas ou à preocupação do estudante88. Pilan LA, Benseñor IM. Síndromes funcionais somáticas. Rev Med (São Paulo). 2008; 87: 238-4..

Há três queixas principais nos portadores de SSF: fibromialgia (dores em diferentes localizações, como costas, cabeça, pescoço, articulações), distúrbios de função em diferentes sistemas orgânicos (circulatório – palpitações; digestório – diarreia; respiratório – estado asmático; etc.) e fadiga99. Wessely S, Nimnuan C, Sharpe M. Functional somatic syndromes. Lancet. 1999; 354: 936-9.. Segundo algumas publicações, encontraram-se portadores de SSF em profissionais de todas as especialidades médicas. Atualmente, acredita-se haver uma única síndrome funcional somática, que, dependendo do seu tipo de manifestação, recebe várias denominações99. Wessely S, Nimnuan C, Sharpe M. Functional somatic syndromes. Lancet. 1999; 354: 936-9.,1010. Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.,1111. American Gastroenterological Association. American Gastroenterological Association medical position statement: irritable bowel syndrome. Gastroenterology. 2002;123:2105-7..

Existem evidências da relação entre as SSF e distúrbios psíquicos decorrentes do estresse. Essa condição pode levar a efeitos danosos, como os que estão presentes na síndrome da fadiga crônica e na fibromialgia. Evidências indiretas de anormalidades na via serotoninérgica do sistema nervoso central foram descritas para diversas dessas manifestações99. Wessely S, Nimnuan C, Sharpe M. Functional somatic syndromes. Lancet. 1999; 354: 936-9.,1212. Laurence JK, Danielle G, Karl JL, Melissa DD. Explaining Medically Unexplained Symptoms. Can J Psychiatry. 2004; 49(10):663-672.. Um estudo recente comparou a prevalência de fadiga crônica no Brasil e no Reino Unido, mostrando que a média de idade era de 30 anos e que mais de 75% dos acometidos eram do sexo feminino1313. Hyong JC, Paulo RM, Matthew H, Dinesh B, Simon W. Comparative epidemiology of chronic fatigue syndrome in Brazilian and British primary care: prevalence and recognition. Br J Psychiatr. 2009; 194:117–122.. A frequência de SSF na atenção primária à saúde varia de 15% a 30%, correspondendo a 20% das consultas médicas1414. Kirmayer LJ, Robbins JM. Three forms of somatization in primary care:prevalence, co-occurrence and sociodemographic characteristics. J Nerv Ment Dis. 1991;179:647–55.

15. Peveler R, Kilkenny L, Kinmonth A-M. Medically unexplained physical symptoms in primary care: a comparison of self-report questionnaires and clinical opinion. J Psychosom Res 1997;42:253–60.

16. Fink P, Sorensen L, Engberg M, Holm M, Munk-Jorgensen P. Somatization in primary care: prevalence, health care utilization, and general practitioner recognition. Psychosomatics. 1999;40:330–8.
-1717. Simon GE, VonKorff M, Piccinelli M, Fullerton C, Ormel J. An international study of the relation between somatic symptoms and depression. N Engl J Med 1999;341:1329–36..

O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de síndrome funcional em estudantes e residentes de Medicina, relacionando-a com fatores predisponentes.

MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal com 200 estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais que cursavam o quinto, sexto, nono e décimo períodos, e também com 30 residentes de várias especialidades do Hospital das Clínicas da UFMG que cursavam o segundo ano de residência médica (15 mulheres e 15 homens). Os estudantes foram compostos por 25 homens e 25 mulheres de cada período. Foram convidados os primeiros 20 alunos de cada turma pelos pesquisadores.

O tamanho da amostra foi definido com intervalo de confiança superior a 95%, considerando a prevalência média de SSF encontrada na atenção primária14,15,16.

Este trabalho foi aprovado pelo ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, parecer n° Etic 0490.0.203.000-10. Todos os entrevistados foram informados sobre os objetivos da pesquisa e sigilo com relação ao questionário. O entrevistado podia desistir de sua participação na pesquisa a qualquer momento. Após concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, todos responderam ao questionário autoaplicável para avaliar a presença de depressão, ansiedade e síndrome funcional. Os participantes desta pesquisa foram avaliados quanto a cor, sexo, idade, estado civil, filhos, renda familiar média, parentesco com médicos, além de uso de medicamentos, álcool, cigarro e outras drogas.

Para avaliação da depressão, utilizou-se a versão brasileira validada do Beck Depression Inventory (BDI)1818. Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas de Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. 171p., instrumento de triagem utilizado para medir a intensidade dos episódios de depressão em indivíduos acima dos 13 anos de idade. Esse questionário é composto por 21 itens de múltipla escolha relacionados a sintomas de depressão, como irritabilidade, falta de esperança, sentimento de culpa, fracasso e punição, além das alterações físicas de fadiga, perda de peso e diminuição da libido. Os sintomas avaliados foram referentes aos sete dias precedentes e, de acordo com a resposta a cada item, atribuiu-se um valor de 0 a 3, resultando numa pontuação final que varia de 0 a 63. Os indivíduos com pontuação até 9 foram considerados assintomáticos ou com sintomas mínimos; os com pontuação entre 9 e 18 eram portadores de sintomas de pequenos a moderados; os com pontuação entre 18 e 29 eram portadores de sintomas de moderados a graves; e os com pontuação maior que 29 eram considerados portadores de depressão1818. Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas de Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. 171p..

Para avaliação da ansiedade, utilizou-se a versão brasileira, validada, doStait-Trait Anxiety Inventory (Stai). Verificou-se a presença de ansiedade pelo Inventário de Ansiedade Traço de Spielberger – Idate-T, por permitir a classificação da ansiedade tipo traço e não tipo estado, atendendo aos objetivos deste trabalho. A ansiedade tipo traço é definida como aquela que não se modifica de acordo com o momento biopsicossocial do indivíduo e envolve características estáveis e particulares de cada pessoa.

O teste consta de uma escala com 20 afirmativas descritivas de sentimentos pessoais, graduadas em relação à frequência com que ocorrem, numa escala que varia de 1 a 4 pontos, sendo 1 – quase nunca, 2 – às vezes, 3 – frequentemente, e 4 – quase sempre. A pontuação final variou de 20 a 80. Indivíduos com pontuação de 20 a 33 foram considerados com traços de ansiedade baixa; de 34 a 49, com ansiedade média; e de 50 a 80, com ansiedade alta1919. Biaggio AMB, Natalício L. Manual para o Inventário de Ansiedade Traço Estado (IDATE). Rio de Janeiro: CEPA; 1979..

As SSF pesquisadas por meio dos questionários foram síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional não ulcerosa, dor pélvica crônica, fibromialgia, dor torácica não cardíaca, síndrome da hiperventilação, síndrome da fadiga crônica, cefaleia do tipo tensional, dor facial atípica e alergias múltiplas. O estudo dessas manifestações teve por base sua ocorrência nas especialidades médicas atuais.

A análise estatística utilizou o programa Epi-Info, versão 3.5.1. Realizou-se uma análise descritiva da amostra, segundo as variáveis em estudo (presença de SSF, variáveis socioeconômicas, ansiedade e depressão). O teste utilizado foi o qui ao quadrado, exceto para frequências menores que cinco, em que foi utilizado o teste de Fisher. Determinaram-se as medidas de efeito pelo risco relativo. Para análises multivariadas, utilizou-se regressão logística. O nível de significância de p < 0,05 foi considerado em todas as análises.

RESULTADOS

Ao todo, foram realizadas 230 entrevistas, representadas por 100 (44%) alunos do terceiro ano do curso médico, 100 (44%) alunos do quinto ano do curso médico e 30 (12%) residentes do segundo ano de várias especialidades médicas. A idade média dos entrevistados foi de 24,1 ± 2,8 anos, e a distribuição do sexo foi igual, sendo 115 homens e 115 mulheres. Desses, 214 (96%) eram solteiros e apenas 16 (7%) casados. A maioria (98%) não possuía filhos, 15% eram da religião espírita e 85% de outras religiões. Cinquenta e nove por cento faziam uso de tabaco ou álcool, enquanto 3% faziam uso de drogas.

Dentre os entrevistados, foram encontrados 90 indivíduos (39,1%) com diagnóstico de síndrome somática e funcional (SSF). Sua maior prevalência foi encontrada entre residentes (50%) e alunos do quinto ano (45%). O SSF foi menor nos alunos do terceiro ano (29%).

A Figura 1 mostra as SSF encontradas neste estudo. Cefaleia tensional e “alergias” múltiplas foram as mais relatadas.

FIGURA 1
Prevalência das síndromes funcionais e somáticas

Houve maior prevalência de SSF entre mulheres, entre estudantes com mais de 24 anos, nos que possuíam renda inferior a dez salários mínimos, casados, que tinham filhos, que não tinham parentesco médico, seguidores da religião espírita, tabagistas e alcoolistas. Os estudantes com maiores pontuações no questionário de avaliação de depressão e os de período de formação mais avançado no curso médico também tiveram associação maior com SSF.

A Tabela 1 apresenta os dados socioeconômicos dos estudantes e residentes do curso médico.

TABELA 1
Dados sociodemográficos e associação com SSF entre estudantes de Medicina e residentes da UFMG.

DISCUSSÃO

Neste estudo, 39,1% dos indivíduos possuíam diagnóstico de SSF, frequência maior que a encontrada na atenção primária à saúde (15% a 30 %)1414. Kirmayer LJ, Robbins JM. Three forms of somatization in primary care:prevalence, co-occurrence and sociodemographic characteristics. J Nerv Ment Dis. 1991;179:647–55.,1515. Peveler R, Kilkenny L, Kinmonth A-M. Medically unexplained physical symptoms in primary care: a comparison of self-report questionnaires and clinical opinion. J Psychosom Res 1997;42:253–60.,1616. Fink P, Sorensen L, Engberg M, Holm M, Munk-Jorgensen P. Somatization in primary care: prevalence, health care utilization, and general practitioner recognition. Psychosomatics. 1999;40:330–8.. Um fator importante para essa maior incidência nos estudantes de Medicina e médicos recém-formados pode ser sua natureza profissional. Tanto os estudantes quanto os médicos precisam se acostumar com o sofrimento alheio, a morte e sua responsabilidade nesses processos, sem parecer vulneráveis2020. Quintana AM, Rodrigues AT, Goi CMD, Bassi LA. Humanização e estresse na formação médica. Revista da Amrigs. 2004; 48(1):27-31. Há ainda a grande variedade de doenças, que geram insegurança em sua abordagem, principalmente por falta de experiência.

Dependendo da suscetibilidade de cada um, pode surgir o estresse e o sofrimento, muitas vezes relacionados à necessidade de conhecimento amplo para diagnóstico e tratamento corretos. Frente a situações que não conseguem resolver, há frustração, seguida de angústia e sensação de incompetência. Para não revelar fraqueza, há dificuldade em admitir necessidade de auxílio e em buscá-lo2121. Sotile WM, Sotile MO. The angry physician-part 1. The temper-tantruming physician. Physician Exec. 1996; 22(8):30-34.

Escolheu-se o terceiro ano do curso de Medicina porque nele ocorre o primeiro contato direto do estudante com o paciente. O quinto ano do curso de Medicina foi selecionado por ser um período próximo ao fim da graduação, mas ainda com menos influência dos fatores estressantes relacionados ao ingresso na residência, pós-graduação e mercado de trabalho. O segundo ano de residência foi escolhido para evitar fatores adicionais de estresse, relacionados ao início da carreira médica como residente.

Observou-se a maior incidência das SSF nos residentes e estudantes do quinto ano. Segundo Alves et al.2222. Alves JGB, Tenório M, Anjos AG, Figueroa JN. Qualidade de vida em estudantes de Medicina no início e final do curso: avaliação pelo Whoqol-bref. Rev bras educ med. 2010; 34(1)., a qualidade de vida dos estudantes de Medicina, quando avaliada pelo instrumento Whoqol-bref, sofre desgastes no domínio psicológico durante o curso médico. No caso dos residentes, uma das hipóteses para essa constatação é a de que o médico residente é submetido a carga de trabalho e privação do sono acima de sua expectativa, não constatada por meio de outros estudos. A insegurança profissional acarreta maior ansiedade e estresse, que podem ser seguidas de depressão2323. Alves HNP, Araújo MA. Ansiedade nos Médicos. In: Guimarães KB, org. Saúde mental do médico e do estudante de medicina. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p.189-199.,2424. Lourenção LG, Moscardini AC, Soler ZASG. Saúde e qualidade de vida de médicos residentes. Rev Assoc Med Brasil. 2010; 56(1):81-91.. Os estudantes do quinto ano estão submetidos à pressão psicológica do atendimento de pacientes, por vezes sem auxílio dos professores. Há ainda nessa época a angústia gerada pela necessidade de escolher a especialização profissional, além da tensão para o concurso de residência.

A associação de SSF com o sexo feminino pode ser devida à maior frequência de sintomas depressivos em mulheres, tanto no meio acadêmico como na população geral2525. Menezes PR, Nascimento AF. Epidemiologia da depressão nas diversas fases da vida. In: Lafer B, Almeida OP, Fráguas Júnior R, Miguel EC. Depressão no ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed;2000. p.29-36.. Há maior prevalência de sintomas nos participantes com idade maior, nos casados e naqueles com filhos, provavelmente em decorrência da sobrecarga emocional a que são submetidos, não só profissional, mas também familiar. Como a profissão médica demanda muito tempo, essa exigência acaba sendo um gerador de ansiedade, depressão e estresse, principalmente nas mulheres que se sobrecarregam com o cuidado do lar. Além disso, o fato de os homens relatarem menos sintomas depressivos que as mulheres colabora com a menor frequência de depressão. Millan et al. observaram que a procura espontânea de assistência psicológica é menor entre os estudantes de Medicina do sexo masculino2626. Rezendel CHA, Abrão CB, Coelho EP, Passos LBS. Prevalência de Sintomas Depressivos entre Estudantes de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Rev Bras Educ Méd. 2008; 32(3):315–323.. A explicação apresentada foi o fato de as mulheres serem menos resistentes na procura de ajuda psicológica e apresentarem maior disponibilidade para o autoconhecimento.

Observou-se maior incidência de síndromes funcionais em estudantes de religião espírita. Esse fato pode ser explicado pela associação dessa religião com maiores problemas na saúde mental2727. Dalgalarrondo P, Marin-León L, Botega NJ, Barros MBA, Bosco-de-Oliveira H. Religious affiliation and psychiatric morbidity in Brazil: higher rates among Evangelicals and Spiritists. Int J Soc Psychiatry; submmited..

Não se observou relação significativa entre o estado civil e a frequência de síndromes funcionais, ansiedade e depressão. Apesar desse achado, sabe-se que o casamento agrava a situação devido ao aumento de responsabilidades, porém o apoio do cônjuge frente a situações de dificuldades durante a universidade pode explicar esse resultado.

A renda familiar mais baixa não influenciou a presença de SSF, tendo em vista que tanto os estudantes quanto os residentes complementaram seus recursos financeiros por meio de atividades remuneradas. Dessa maneira, a renda familiar não foi fator de tensão. À ausência de parentes médicos foram associados sintomas somáticos provavelmente pela falta de apoio por parte de quem conhece essa fase na vida.

Alguns estudantes universitários recorrem a drogas, como álcool, tabaco e até psicotrópicos, em busca de alívio do estresse e da ansiedade. Como o estresse é um dos fatores predisponentes para o aparecimento da SSF, esses estudantes estão mais propensos ao vício.

Concluindo, as síndromes funcionais são frequentes entre os estudantes do curso de Medicina. Elas ocorrem mais no sexo feminino, em deprimidos e no período de maior tensão emocional.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o auxílio da Fapemig e do CNPq por meio de bolsa de iniciação científica para a realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Baldassin S, Alves TCL, Andrade AG. The characteristics of depressive symptoms in medical students during medical education and training: a cross-sectional study. BMC Med Educ [online]. 2008. 8(60) [capturado em: 12 jul 2013]; 1-8. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6920/8/60.
    » http://www.biomedcentral.com/1472-6920/8/60
  • 2
    Telles-Correia D, Barbosa A. Anxiety and depression in medicine: models and measurement. Acta Med Port. 2009; 22:89-98.
  • 3
    Baldassin SP, Martins LC, Andrade, AG. Traços de ansiedade entre estudantes de medicina / Anxiety traits among medical students. Arq. méd. 2006; 31:27-31.
  • 4
    Mosley THJ, Perrin SG, Neral SM, Dubbert PM, Grothues CA, Pinto BM. Stress, coping, and well-being among thirdyear medical students. Acad Med 1994; 69:765-7.
  • 5
    Baldassin S. Ansiedade e depressão no estudante de Medicina: Revisão de estudos brasileiros. Cadernos ABEM. 2010; 6:10-26.
  • 6
    Roberts LW, Warner TD, Liketsos C, Frank E, Ganzini L, Carter D. Perceptions of academic vulnerability associated with personal illness: a study of 1,027 students at nine medical schools. Colllaborative Research Groups on Medical Student Health. Compr Psychiatry. 2001;42:1-15.
  • 7
    Benvegnu LA, Deitos F, Copette FR. Problemas psiquiátricos menores em estudantes de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 1996;18:229-33.
  • 8
    Pilan LA, Benseñor IM. Síndromes funcionais somáticas. Rev Med (São Paulo). 2008; 87: 238-4.
  • 9
    Wessely S, Nimnuan C, Sharpe M. Functional somatic syndromes. Lancet. 1999; 354: 936-9.
  • 10
    Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.
  • 11
    American Gastroenterological Association. American Gastroenterological Association medical position statement: irritable bowel syndrome. Gastroenterology. 2002;123:2105-7.
  • 12
    Laurence JK, Danielle G, Karl JL, Melissa DD. Explaining Medically Unexplained Symptoms. Can J Psychiatry. 2004; 49(10):663-672.
  • 13
    Hyong JC, Paulo RM, Matthew H, Dinesh B, Simon W. Comparative epidemiology of chronic fatigue syndrome in Brazilian and British primary care: prevalence and recognition. Br J Psychiatr. 2009; 194:117–122.
  • 14
    Kirmayer LJ, Robbins JM. Three forms of somatization in primary care:prevalence, co-occurrence and sociodemographic characteristics. J Nerv Ment Dis. 1991;179:647–55.
  • 15
    Peveler R, Kilkenny L, Kinmonth A-M. Medically unexplained physical symptoms in primary care: a comparison of self-report questionnaires and clinical opinion. J Psychosom Res 1997;42:253–60.
  • 16
    Fink P, Sorensen L, Engberg M, Holm M, Munk-Jorgensen P. Somatization in primary care: prevalence, health care utilization, and general practitioner recognition. Psychosomatics. 1999;40:330–8.
  • 17
    Simon GE, VonKorff M, Piccinelli M, Fullerton C, Ormel J. An international study of the relation between somatic symptoms and depression. N Engl J Med 1999;341:1329–36.
  • 18
    Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas de Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. 171p.
  • 19
    Biaggio AMB, Natalício L. Manual para o Inventário de Ansiedade Traço Estado (IDATE). Rio de Janeiro: CEPA; 1979.
  • 20
    Quintana AM, Rodrigues AT, Goi CMD, Bassi LA. Humanização e estresse na formação médica. Revista da Amrigs. 2004; 48(1):27-31
  • 21
    Sotile WM, Sotile MO. The angry physician-part 1. The temper-tantruming physician. Physician Exec. 1996; 22(8):30-34
  • 22
    Alves JGB, Tenório M, Anjos AG, Figueroa JN. Qualidade de vida em estudantes de Medicina no início e final do curso: avaliação pelo Whoqol-bref. Rev bras educ med. 2010; 34(1).
  • 23
    Alves HNP, Araújo MA. Ansiedade nos Médicos. In: Guimarães KB, org. Saúde mental do médico e do estudante de medicina. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p.189-199.
  • 24
    Lourenção LG, Moscardini AC, Soler ZASG. Saúde e qualidade de vida de médicos residentes. Rev Assoc Med Brasil. 2010; 56(1):81-91.
  • 25
    Menezes PR, Nascimento AF. Epidemiologia da depressão nas diversas fases da vida. In: Lafer B, Almeida OP, Fráguas Júnior R, Miguel EC. Depressão no ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed;2000. p.29-36.
  • 26
    Rezendel CHA, Abrão CB, Coelho EP, Passos LBS. Prevalência de Sintomas Depressivos entre Estudantes de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Rev Bras Educ Méd. 2008; 32(3):315–323.
  • 27
    Dalgalarrondo P, Marin-León L, Botega NJ, Barros MBA, Bosco-de-Oliveira H. Religious affiliation and psychiatric morbidity in Brazil: higher rates among Evangelicals and Spiritists. Int J Soc Psychiatry; submmited.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2014
  • Revisado
    28 Dez 2014
  • Aceito
    18 Abr 2015
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com