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Modelo padrão: uma análise dos Livros Didáticos do PNLD para identificar conceitos relacionados a Física de Partículas Elementares

Standard model: an analysis of PNLD textbooks to identify concepts related to Elementary Particle Physics

Resumos

Considerando que para o ensino de física no Ensino Médio adota-se, geralmente, nas escolas públicas o livro didático aprovado pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) e que esse pode ser o único referencial para professores e estudantes, ocorreu-nos a seguinte questão: o livro didático pode efetivamente assumir esse protagonismo quando se trata do ensino da Física de Partículas Elementares? Para respondê-la, analisamos as resenhas contidas no Guia dos Livros Didáticos do PNLD de 2018 e 2021 utilizando a técnica de análise de conteúdo. Complementar a isso, identificamos quais conceitos são apresentados nos livros que são objetos de conhecimento para a Física de Partículas Elementares (ou Modelo Padrão), porque a depender da experiência/interesse do professor e do livro didático esse tema poderá ser negligenciado em sala de aula. Os resultados da análise de conteúdo evidenciam características que permeiam um livro na condição de material instrucional didático, tais como: metodologia de ensino e conhecimento didático-pedagógico. Os objetos de conhecimento relacionados a Física de Partículas Elementares foram identificados nos livros a partir de um rol de perguntas de caráter dicotômico.

Palavras-chave:
Física de Partículas Elementares; Livro didático; Ensino de Física.


Considering that in Brazilian public high school the teaching physics adopt the textbook of the Nacional Program of the Textbook (NPT) and that can be the single teaching material is available to teacher and student we inquire: the textbook can assume the role when teaching and learning of the Elementary Particles Physics? Therefore, to solved that question examined general comments contained in the Textbooks Guide of the NPT the years 2018 and 2021 using content analysis technique. Furthermore, we identify which are concepts covered of the Elementary Particles Physics (or Standard Model), particularly since depending on the teacher’s experience/interest and the textbook this topic can be neglected. The results of content analysis indicated features that pervade a book in the condition didatic material, such as: teaching methodology and pedagogical aspects. The contents relating to Elementary Particles Physics were identify in the textbooks as of a list of dichotomous quetions.

Keywords:
Elementary Physicis Particle; Texbook; Physics Teaching


1. Introdução

De acordo com Almeida [1[1] D.P.G. Almeida, Física Moderna e Contemporânea no ensino médio: o livro didático e as representações sociais de docentes. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2019).], o Livro Didático (LD) é, muitas vezes, o único material instrucional que o professor e o aluno têm disponível para uso. Sendo assim, a ele é atribuída grande responsabilidade no processo de ensino e aprendizagem. Desse modo, no que tange ao conteúdo da Física Moderna e Contemporânea (FMC), o que podemos esperar do LD quando se trata do ensino do Modelo Padrão? O LD tem sido tema de debate sob vários aspectos: (1) um bom negócio para a indústria cultural [2[2] K. Munakata, Pro-posições 23, 51 (2012).], (2) agente formador [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012).], (3) quem escreve o livro [4[4] F.F. Crescêncio e S.C. Azevedo, Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros 1, 270 (2021).] e (4) o que pensam os estudantes sobre o LD [5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).].

Sob olhar de bom negócio, Munakata [2[2] K. Munakata, Pro-posições 23, 51 (2012).] lembra que o LD surge como gênero textual didático no século XIII, acompanhando a expansão das universidades em articulação ao aumento da demanda de leitores por obras especializadas. O livro para fins educativos passa a ter caráter didático-pedagógico e a indústria cultural vê esse fato como “o bom negócio é o didático” [2[2] K. Munakata, Pro-posições 23, 51 (2012)., p. 59]. Já no Brasil, o crescimento do mercado de materiais didáticos teve início na década de sessenta devido a expansão da escola pública [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012).]. A comercialização desse material no Brasil tem o Estado como seu fomentador, o qual a partir do Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) são adquiridos os livros aprovados por meio de processo de avaliação para distribuir a todos os estudantes das escolas públicas brasileiras. Por exemplo, para o ano de 2020, foram investidos R[dollar] 234.141.456,77 na reposição de LD para estudantes do Ensino Médio [6[6] FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, Dados estatísticos (Ministério da Educação, Brasília, 2020).], mas se consideramos todas as etapas do ensino o valor investido supera R[dollar] 1 bilhão [5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).].

Torna-se importante discutir acerca da qualidade dos conteúdos apresentados nos livros, pois, de acordo com Silva [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012)., p. 807], esse material pode ser visto como “o grande responsável pela informação e formação dos professores”. E para isso, o PNLD dedica atenção ao Manual do Professor que acompanha o livro, de modo que este não se configura como um solucionário de problemas/exercícios propostos. O LD deve atender as diretrizes metodológicas, didáticas e práticas pedagógicas da educação brasileira e aos critérios estabelecidos pelo PNLD cujo conteúdo é avaliado por equipe de pareceristas.

Crescêncio e Azevedo [4[4] F.F. Crescêncio e S.C. Azevedo, Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros 1, 270 (2021).] buscaram conhecer os autores que escrevem o LD e os agentes externos que influenciam as obras do PNLD de 2009 até 2021 (2009 foi o ano de inclusão da disciplina de Física no referido programa). Este estudo avaliou livros de Geografia utilizados por pelos professores e estudantes do Ensino Médio e foi constatado que a grande maioria dos autores não tem currículo Lattes1 1 Base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que integra informações de pesquisadores e grupos de pesquisa do Brasil. (e quando encontrado parecia estar desatualizado) ou mesmo um resumo mostrando a experiência profissional desse no site da editora. Os autores desse estudo consideraram ser capazes de dar informações sobre quem escreve o livro: “Apesar de diversas pessoas estarem envolvidas na elaboração do livro didático é o nome do autor que se destaca na obra e que muitas vezes define a escolha do livro pelos professores.” [4[4] F.F. Crescêncio e S.C. Azevedo, Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros 1, 270 (2021)., p. 275]. O conhecimento sobre a formação do autor e sua relação com o campo da educação poderia evidenciar experiência com o processo de ensino e aprendizagem e proximidade com a realidade enfrentada no dia a dia da docência. Com a implementação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), documento normativo que estabelece as aprendizagens essenciais esperadas para os alunos da educação básica, percebeu-se uma maior participação de autores numa determinada obra em comparação aos PNLD anteriores, o que pode indicar o efeito do caráter interdisciplinar promovido veementemente pelo referido documento. Contudo, ainda há que se discutir sobre essa perspectiva.

Existem ainda aqueles que criticam o excessivo uso desses livros em sala de aula [7[7] A.A.G. Pereira, O documentário de divulgação científica e a discussão de aspectos da Física Moderna e Contemporânea na Formação Inicial de professores de Física. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (2017).]. Entretanto, é sabido que, além da escassez de materiais, há questões como a deficiência nas formações dos profissionais [8[8] L.J.B. Santos, Ensino de Física e Cinema de Ficção Científica: possibilidades didático-pedagógicas de ensino e aprendizagens. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia (2019).], mas não pretendemos nos aprofundar nessa discussão.

Além desses aspectos, há de se observar a perspectiva de outro usuário do LD, o estudante. Pensando nisso, Artuso e colaboradores [5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).] consultaram estudantes do Ensino Médio para saber como é usado o livro na aprendizagem, dentro e fora de sala de aula, e a opinião sobre características que eles consideram importantes que o livro deve apresentar. Os autores utilizaram livros de Física adotados, aparentemente (o estudo não deixa explícito qual o período do PNLD considerado), até o ano de 2014. As qualidades identificadas por 374 estudantes participantes da pesquisa foram classificadas em ordem de importância: fundamentais (preocupação com o saber científico e o modo como ele é apresentado, o saber ensinar2 2 Saber científico ou sábio é o conhecimento construído no contexto da comunidade da científica, pelos cientistas, que quando transposto para o livro didático é reestrutura com linguagem adequado ao nível de ensino [11]. ), comunicação escrita (linguagem capaz de despertar o interesse do estudante, mais próxima do público jovem, concisa e objetiva), comunicação visual (imagens, ilustrações, boxes que deem agilidade ao texto) e propostas de trabalho em equipe e/ou debates (interações sociais). Os estudantes também opinaram sobre as características físicas do livro, por exemplo, seu “peso” (mais leve fica fácil de transportar). Em síntese, a expectativa do estudante quanto ao LD evidencia alguns aspectos previstos no PNLD.

Entre as muitas possibilidades de investigação envolvendo o LD, viés didático-pedagógico, metodológico, sociocultural, político, entres outros como afirma [5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).], o objetivo deste trabalho é identificar quais características são atribuídos a um livro para que este alcance a condição de LD associado ao ensino da Física de Partículas Elementares para estudantes do Ensino Médio. No que tange a esse conhecimento da Física, não temos o propósito de discutir aspectos relacionados a questões epistemológicas, mas tão somente identificar (minimamente) conceitos que subsidiam a aprendizagem do Modelo Padrão.

Nas seções seguintes deste trabalho apresentamos os pressupostos do Modelo Padrão configurados na forma de tabela, análoga a Tabela Periódica dos Elementos, a Tabela da Física. A seguir discutimos a respeito do livro didático no contexto do Programa Nacional do Livro e Material didático. Na sequência, apresentamos a técnica chamada análise de conteúdo que é utilizada para na análise dos dados levantados e finalizamos com os resultados que possibilitam uma resposta para o problema investigado.

2. Pressupostos do Modelo Padrão

Os esforços empreendidos por cientistas de várias nacionalidades para responder à questão “quais são os constituintes da matéria no seu nível mais fundamental?” têm como resultado a construção do Modelo Padrão, que segundo Moreira [9[9] M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 1306 (2009)., p. 1], “não é propriamente um modelo, é uma teoria. E das melhores que temos”. Essa teoria, também denominada de Física de Partículas Elementares (FPE), prediz que a matéria é feita de férmions e as interações fundamentais da natureza têm como responsáveis os bósons. Bósons e férmions formam um conjunto de 17 (dezessete) partículas, devendo ainda considerar suas respectivas antipartículas. Os férmions são formados de quarks e léptons (partículas verdadeiramente elementares) e os bósons são compostos das partículas mediadoras (partículas consideradas virtuais e que explicam as interações fundamentais da natureza). Existem diversas referências bibliográficas sobre o estudo das partículas elementares, citamos da autora Endler [10[10] A.M.F. Endler, Introdução à Física de Partículas (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2010).] que está na língua portuguesa.

O processo de construção do conhecimento físico que subsidia o Modelo Padrão exigiu o desenvolvimento de novas tecnologias (a começar pelas câmeras de bolhas e de nuvens ao grande acelerador de partículas LHC – Large Hadron Collider – e seus detectores de partículas) e a utilização de uma física-matemática capaz de descrever o comportamento de partículas com velocidades próximas a velocidade da luz de dimensões quânticas e envolvendo altíssima energia. Schäffer, Schumacker e Orengo [11[11] D. Schäffer, F.K. Schumacker e G. Orengo, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20210083 (2020).] apresentam uma importante discussão sobre a Física envolvida nesse modelo com vistas ao seu ensino no contexto do Ensino Médio, no qual o leitor encontrará elementos qualitativos e quantitativos que subsidiam a FPE e as propriedades das partículas. O leitor pode proceder com a leitura desse trabalho para conhecer com mais detalhes a fundamentação teórica que sustenta o Modelo Padrão.

Por outro lado, e em linhas gerais, Moreira [12[12] M.A. Moreira, O Bóson de Higgs na mídia, na Física e no Ensino da Física (UFRGS, Porto Alegre, 2017).] apresenta por meio de um mapa conceitual (Figura 1) as relações entre os constituintes do modelo que o definem como uma teoria.

Figura 1
Mapa conceitual descrevendo as relações entre os constituintes do Modelo Padrão. Fonte: Ref. [12[12] M.A. Moreira, O Bóson de Higgs na mídia, na Física e no Ensino da Física (UFRGS, Porto Alegre, 2017)., p. 21].

Vê-se na Figura 1 que o grupo (ou família) dos léptons é formado de 6 (seis) partículas elementares (elétron, múon, tau, neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau). Pertencem ao grupo (ou família) dos hádrons partículas que, ao contrário dos léptons, apresentam estrutura interna. A estrutura interna dessas partículas é constituída de quarks. Os quarks são classificados como up, down, top, charm, strange e bottom e têm carga elétrica fracionada: ±(2/3)e e ±(1/3)e (e é o módulo da carga do elétron). Outra propriedade nada convencional atribuída aos quarks é a carga cor (pode ser vermelha, azul ou verde), que tem subsídio no princípio de exclusão de Pauli [13[13] D. Griffiths, Introduction to elementary particles (John Wiley & Sons, New York, 1987).]. Próton e nêutron são formados de quarks; a carga elétrica do próton é formada de dois quarks up (cada um com carga elétrica (2/3)e) e um quark down (carga elétrica -(1/3)e), resultando na carga +e; o nêutron é formado de dois quarks down e um up. O fato de a carga elétrica do quark ser fracionada não desconstrói o conceito da discretização da carga elétrica.

A questão norteadora apresentada no início desta seção já pode ser respondida: os constituintes da matéria na forma mais fundamental são os quarks up e down e o elétron (lépton), que formam a matéria ordinária. Já a matéria formada das outras partículas a são em condições que envolvem experimentos utilizando aceleradores de partículas e/ou devido a interação dos raios cómicos (composto de partículas de altíssima energia) com a atmosfera terrestre.

O grupo (ou família) dos bósons é constituído de 5 (cinco) partículas denominadas de mediadoras: fóton, glúon, que não têm massa e Z, W e o bóson de Higgs. Recebem esse nome porque a manifestação das forças fundamentais da natureza (a saber: eletromagnética, gravitacional, nuclear forte e nuclear fraca) se dá por meio da troca dessas entre as partículas de matéria:

[…] partículas eletricamente carregadas interagiriam trocando fótons, partículas com carga cor interagiriam trocando glúons, partículas com carga fraca trocariam partículas W e Z enquanto partículas com massa trocariam grávitons [9[9] M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 1306 (2009)., p. 2].

O bóson de Higgs, segundo Endler [10[10] A.M.F. Endler, Introdução à Física de Partículas (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2010).], é um mecanismo utilizado para explicar o surgimento da massa das partículas elementares, por exemplo, a massa do elétron. Na teoria quântica de campo, que descreve a matéria usando a teoria de campo quântico, toda partícula que interage com o campo associado ao bóson de Higgs ganha massa da interação. Na Figura 2 apresentamos a organização das partículas na forma de tabela, que configura-se como o Modelo Padrão, mostrando quais são as partículas fundamentais que existem no universo e algumas de suas propriedades: massa de repouso, carga elétrica e spin. Quarks e léptons possuem spin semi-inteiro, são divididas em três gerações e classificadas como férmions.

Figura 2
Organização das partículas que compõem o Modelo Padrão na forma de tabela. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_Padr%C3%A3o.

A primeira geração de partículas, coluna I da Figura 2, constitui a matéria estável, ou seja, os elementos químicos da Tabela Periódica são compostos de quarks up e down presentes nos prótons e nêutrons, além dos elétrons. A direita da Figura 2 temos duas colunas que contém as partículas mediadoras das forças fundamentais (eletromagnética, fraca e forte), suas respectivas massas de repouso e carga elétrica e possuem spin inteiro. O gráviton, partícula tomada como mediadora da força gravitacional, poderá fazer parte dessas colunas quando for observado experimentalmente, mesmo que, do ponto de vista conceitual, a gravidade não faça parte do modelo padrão [14[14] CERN, The Standard Model, disponível em: https://home.cern/science/physics/standard-model, acessado em: 30/09/2022.
https://home.cern/science/physics/standa...
].

Em vários livros do Ensino Médio, tanto no contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais como na BNCC, são apresentados aos estudantes o alcance e a intensidade dessas forças como características importantes para a compreensão dos fenômenos físicos. Na Tabela 1 mostramos tais características.

Tabela 1:
Características das forças fundamentais da natureza. Fonte: Ref. [13[13] D. Griffiths, Introduction to elementary particles (John Wiley & Sons, New York, 1987).].

Os valores apresentados nessa Tabela 1 para as intensidades relativas das forças não devem, segundo [13[13] D. Griffiths, Introduction to elementary particles (John Wiley & Sons, New York, 1987).], ser tomados como absolutos. Nos livros do Ensino Médio pode-se encontrar valores diferentes desses, porque o “cálculo depende da natureza da fonte e quão distante está dela” [13[13] D. Griffiths, Introduction to elementary particles (John Wiley & Sons, New York, 1987)., p. 55]. O objetivo é mostrar, por exemplo, que a força gravitacional é de longe a mais fraca de todas, mas por outro lado tem alcance muitíssimo maior (assim como a força eletromagnética) que as forças forte e fraca. A força forte é responsável pela estabilidade do núcleo, evitando que repulsão mútua entre os prótons “quebre” o núcleo. Sem essa interação a matéria ordinária não existiria. A força fraca é responsável pelo decaimento radioativo, a saber, decaimento β, do píon, do múon e várias partículas consideradas “estranhas”. A força eletromagnética explica os fenômenos elétricos e magnéticos. A força gravitacional tem viés newtoniano como a teoria da gravitação universal, e sua generalização a partir da teoria da relatividade geral de Einstein.

Os pressupostos do Modelo Padrão são, portanto, constituídos de ideias inovadoras e complexas até para físicos mais experientes quanto mais para um estudante do Ensino Médio! Então, por que ensinar o Modelo Padrão no Ensino Médio?

Lindenau e Kobel [14[14] CERN, The Standard Model, disponível em: https://home.cern/science/physics/standard-model, acessado em: 30/09/2022.
https://home.cern/science/physics/standa...
] fazem essa reflexão no contexto do ensino de física para estudantes do Ensino Médio (Hight School) da Alemanha e apontam os seguintes motivos: (1) para capacitá-los a compreender o que é fato científico e o que é ficção científica, (2) para estabelecer relações com outras áreas da Física (interdisciplinaridade), (3) oportunizar educação científica, pois essa permeia o Modelo Padrão e pode possibilitar ao estudante pensamento crítico sobre a ciência e (4) conceitos como matéria escura, antimatéria podem despertar o interesse neles para avanços nos estudos, incentivando-os a buscar respostas de questões ainda em aberto.

No caso da educação brasileira, a BNCC preconiza a formação do estudante do Ensino Médio com vistas à cidadania: (1) oportunizando conhecimento sobre fatos do mundo, (2) desenvolvimento de um pensamento crítico para opinar e/ou discutir temas relevantes e (3) buscar soluções de problemas por meio de práticas e procedimentos científicos e tecnológicos [16[16] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Curricular Comum (Ministério da Educação, Brasília, 2018).]. A aprendizagem do Modelo Padrão por estudantes do Ensino Médio, vista no contexto da BNCC como unidade temática, pode assumir caráter de uma formação universal.

Apesar da BNCC não apresentar explicitamente direcionamento para a abordagem de conceitos do Modelo Padrão, estes podem ser contemplados dependendo do interesse do professor pelo tema ou por meio de uma proposta pedagógica que veja a importância desse tema na formação de cidadãos. Caberá exclusivamente ao professor/escola buscar um caminho para suprir esta deficiência nas diretrizes.

Com vista ao desenvolvimento da primeira competência específica das Ciências da Natureza e suas tecnologias, a saber,

Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interações e relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global. [16[16] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Curricular Comum (Ministério da Educação, Brasília, 2018)., p. 554],

pode-se trabalhar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos Noções de Física Quântica e Radioatividade, em que encontramos conceitos relacionados ao Modelo Padrão. Contudo, como podemos ver na seção 5.2 5.2. Sobre o Modelo Padrão Da análise realizada nos LD’s aprovados nos PNLD 2018 e 2021 quanto ao conteúdo alusivo ao Modelo Padrão, temos: 5.2.1. PNLD 2018 Dos LD’s apresentado no Quadro 2, três livros não apresentam evidências capazes de subsidiar respostas às perguntas do Quadro 4 cujos códigos são: 0101P18133, 0131P18133 e 0045P18133. Aqueles que apresentam conceitos que se relacionam com o Modelo Padrão dedicam de 1 (um) a 2 (dois) capítulos, geralmente alocados na última unidade de ensino do livro. Necessariamente, não intitulam tal capítulo com o tema Modelo Padrão, mas trazem seções em que abordam conceitos relacionados a ele. Por exemplo, Estrutura da Matéria, Física Nuclear, Cosmologia e Partículas Elementares. A partir do processo de leitura e releitura do conteúdo de cada LD, chega-se ao resultado mostrado na Figura 5. Figura 5 Percentual de inclusão de conteúdo relacionado ao Modelo Padrão PNLD 2018. Os códigos abaixo de cada infográfico referem-se as coleções apresentados no Quadro 2. Dos livros contidos no Quadro 2 pode-se evidenciar aqueles que contém maior número de conteúdos mensurados a partir das perguntas do Quadro 4. O livro do autor Alberto Gaspar (código 0025P18133) alcançou o maior percentual de respostas afirmativas (85,7%). O livro de autoria de Máximo, Alvarenga e Carla Guimarães (código 0045P18133) apresenta menor percentual de respostas afirmativas. A depender da experiência do professor, do seu interesse e envolvimento com o tema, pode acontecer que, adotado um determinado LD, o tema Modelo Padrão poderá ou não ser discutido em sala de aula. Por outro lado, buscamos também observar a presença de um determinado conceito no conjunto dos 12 (doze) livros relativos ao PNLD 2018 e aos do PNLD 2021, sendo esses resultados mostrados na Figura 6. Figura 6 Percentual de presença de conteúdo no PNLD 2018 e PNLD 2021 a partir das perguntas no Quadro 4. No eixo vertical da Figura 6 estão representadas as perguntas propostas por meio do seu número. Por exemplo, o número 20 (vinte) tem percentual igual a 46%. Por meio da pergunta 20 (vinte) “Apresenta o Modelo Padrão, o modo como estão classificadas as partículas subatômicas?” pode-se oportunizar ao professor e estudante a ideia de o Modelo Padrão assumir o papel de “tabela periódica” da Física. O percentual da pergunta 1 não é mostrado na Figura 6 porque a natureza da resposta, diferente das outras, é do tipo dicotômica nominal: Física Moderna ou Física Moderna e Contemporânea, e 58% dos livros evidenciam a Física Moderna como o contexto em que se estuda estes conceitos, enquanto que 16,7% declaram a Física Moderna e Contemporânea. O modo experimental utilizado para a detecção de partículas subatômicas, o conceito de antipartícula, os quarks e algumas de suas propriedades são conceitos subjacentes nas perguntas 5 (cinco), 8 (oito), 10 (dez) e 11 (onze), e têm maior representatividade na coleção. Isso pode aumentar a chance destes conceitos serem discutidos em sala de aula. Menos da metade dos livros (42%) apresentam evidências de abordagem do conceito de partícula elementar, o que pode manter o estudante com a concepção de que o próton e o nêutron são partículas sem estrutura interna. Os princípios da conservação do momento linear e da energia cinética são fundamentais no processo de descoberta de uma determinada subatômica e auxiliam na identificação de algumas de suas propriedades. Esses princípios estão subjacentes na pergunta 6 (seis) do Quadro 4, mas alcança o percentual de 25% de respostas afirmativas. No 1º ano do Ensino Médio, nos padrões do PNLD 2018, o estudante tem contato com tais princípios e estudar o Modelo Padrão torna-se mais uma oportunidade de aplicá-los e aprender que se tratam de conceitos fundamentais da Física. 5.2.2. PNLD 2021 Procedendo de igual modo na busca de evidências de conceitos subjacentes as perguntas do Quadro 4, temos na Figura 7 o percentual de respostas afirmativas de 6 (seis) coleções nos padrões da BNCC, lembrando que são 7 (sete) coleções que participam desse PNLD. Portanto, há uma coleção que não responde afirmativamente a nenhuma das perguntas. Figura 7 Percentual de inclusão de conteúdo relacionado ao Modelo Padrão PNLD 2021. Os códigos abaixo de cada infográfico referem-se as coleções apresentadas no Quadro 3. As coleções do PNLD 2021 não trabalham na perspectiva de apresentar o livro de um componente curricular, como no PNLD 2018. Essas apresentam os conteúdos da Física em unidades temáticas, num esforço de agir sob a perspectiva da contextualização, interdisciplinaridade e transversalidade, que corrobora com os resultados observados na Tabela 2, ilustrados na Figura 4. Diferente do caso anterior, há mais coleções que alcançaram percentual de respostas afirmativas acima de 80%. Isso pode favorecer o professor e o estudante a se envolverem em discussões que têm no Modelo Padrão a teoria para explicar e compreender fenômenos. Na Figura 6 mostramos o percentual de respostas afirmativas a respeito de um determinado conceito. Notamos que, de um modo geral, o percentual de respostas afirmativas evidencia valores menores dos encontrados para o caso do PNLD 2018. A mudança promovida pela BNCC talvez seja a causa desta redução ou, devido a ela, observou-se a necessidade de revisão de objetivos para a aprendizagem da Física do Modelo Padrão. Quanto a pergunta 1, não observamos declaração explicita do contexto em que se discute a Física no livro, diferente do PNLD 2018. Isso pode ser devido ao fato de não tratar os conteúdos da Física por componente curricular, mas em unidades temáticas. Como já comentado, há um respaldo no que diz respeito a inserção da temática a alunos do ensino médio e o fato de livros, como apresentado nas Figuras 5 e 7, possuírem uma baixa evidencia dos conteúdos que compõem o Modelo Padrão demonstra incoerências entre o material que os alunos e professores têm de apoio e o que se espera que os alunos aprendam ao fim do processo de ensino e aprendizagem. Almeida [1], ao discutir acerca da escolha dos livros didáticos por professores, aponta que eles não se sentem preparados para abordar conteúdo da Física Moderna, e que a escolha é pautada pela quantidade de questões que o livro tem. deste trabalho, nem todos os LD contemplam tais conceitos (veja as Figuras 6 e 7). Assim, de um lado temos a BNCC que não requer abordagem do tema e do outro o LD que não apresenta conceitos para a compreensão do tema. Tal realidade, poderia conduzir a uma resposta a questão de pesquisa deste trabalho previsível: o LD não possibilita servir-se de apoio para a aprendizagem de conceitos alusivos ao tema. Entretanto, caberia ainda que isso seja evidenciado.

3. O Livro Didático

O acesso ao conhecimento no ambiente escolar é tradicionalmente por meio dos livros, fato conhecido desde o período colonial: “Outro aspecto significativo para a carência de cultura científica moderna no Brasil foi a ausência de imprensa, assim como a restrita circulação de livros. […] o conhecimento científico era privilégio de uma restrita elite de clérigos, militares e membros do governo.” [17[17] U. Capozzoli, Scientific American Brasil (Dueto, São Paulo, 2009)., p. 31]. O Brasil tem investido em programa para a produção de livro didático desde 1937, quando é criado o Instituto Nacional do Livro, que ligado ao então Ministério de Educação e Cultura (hoje Ministério da Educação – MEC), era responsável pela organização, publicação, edição de obras e importação de livros para dar suporte as bibliotecas públicas brasileiras. Em 1966, surge a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático que, além dessas atribuições supramencionadas, trabalha-se a distribuição de livros didáticos para as escolas. Do ano de 1985 aos dias atuais, temos instituído o Plano Nacional do Livro Didático, que em 2017 passa ser chamado de Plano Nacional do Livro e Material Didático [18[18] N.R. Lima e M.I.F.L. Ciasca, Research, Society and Development 9, e90932509 (2020).]. O livro didático, portanto, vem assumindo papel relevante no processo de ensino e aprendizagem e como meio de acesso ao conhecimento para estudantes e professores.

Desse modo, entendemos ser importante neste trabalho construir um marco conceitual de livro didático (LD) e em seguida relacionar a questões que permeiam o ensino do Modelo Padrão. Assim, buscamos responder duas questões: “qual é a função do LD (seu propósito)?” e “quais características que uma obra destinada ao processo de ensino e aprendizagem deve demonstrar para que seja enquadrada como um LD?”. Silva [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012).] corrobora com nossa inquietação quando diz que há discussões sobre o LD que parecem ofuscar a compreensão do “papel que ele desempenha e o que deveria desempenhar no ensino, como é e como poderia ser utilizado ou, ainda, as reais condições de formação, trabalho e de ensino/aprendizagem” [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012)., p. 817]. Esse autor ainda afirma que o LD pode ser o principal (ou única) fonte de consulta utilizado pelo professor e “acaba sendo também o grande responsável pela informação e formação dos professores.” [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012)., p. 807].

De modo geral, a função atribuída ao LD é servir como referencial bibliográfico de apoio para o planejamento, ministração e acompanhamento das aulas e do aprendizado dos alunos [19[19] J. Megid Neto e H. Fracalanza, Ciência & Educação (Bauru) 9, 147 (2003).], de ser um recurso didático que auxilia o trabalho do professor em sala de aula [3[3] M.A. Silva, Educação & Realidade 37, 803 (2012)., 5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).]. Destarte, podemos compreender qual a função do LD, mas consideramos que este deve servir também como um instrumento que torne a experiência da aprendizagem significativa, capaz de dialogar com os conhecimentos preexistentes do estudante, de ser um aliado no enfrentamento de dificuldades no processo de aprendizagem e servir de janela para que se veja o mundo. Nos momentos de estudo, o LD para o estudante torna-se sua fonte de conhecimento e a linguagem utilizada para apresentar a ele novos conhecimentos precisa considerar aspectos relacionados a maturidade intelectual, mas fidedigno com o saber científico. Apesar dessa visão, questionamos quais seriam as características que permitem a um livro ser considerado como um LD (a segunda questão levantada).

Quando se aborda a temática do LD, torna-se inevitável falar do PNLD, que segundo Decreto no. 9.099 de 18 de julho de 2017 é “destinado a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa” [20[20] BRASIL. Decreto n° 9.099, de 18 de julho de 2017. Brasília, 2017., p. 7] com distribuição gratuita do LD para escolas públicas da educação básica.

O processo de avaliação e escolha do LD é realizado por uma equipe de professores e/ou pesquisadores das instituições brasileiras, mestres e doutores. No caso do PNLD 2018 (período em que as diretrizes da Educação Básica estavam estabelecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que organizava as áreas do conhecimento em componentes curriculares) para o componente curricular Física, essa equipe continha profissionais das áreas da Física e do Ensino de Física, como também professores da educação básica (com, no mínimo, título de mestre).

Parte-se da premissa que ao conhecermos a avaliação de uma obra destinada ao PNLD, torna-se possível identificarmos as características que molduram um LD. Assim, decidimos recensear os documentos de 2018 e o de 2021 (sob as orientações da BNCC, estruturada em competências e habilidades gerais e específicas para determinadas áreas do conhecimento).

3.1. PNLD 2018

A avaliação de uma obra/coleção inscrita no PNLD 2018 para o componente curricular Física está dividida em 5 (cinco) blocos apresentados no Quadro 1 [21[21] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Guia de Livros Didáticos PNLD 2018: Física – Ensino Médio (Ministério da Educação, Brasília, 2017).], que compreendem as diretrizes para a avaliação das obras comuns a todos os componentes curriculares (considerados como critérios comuns a todas as áreas). Além destes critérios, são estabelecidos critérios específicos para cada área do conhecimento. Para o componente curricular Física, há 17 (dezessete) critérios específicos (sem contar com o Manual do Professor). Da consonância entre os critérios comuns e os específicos, foram criados, em média, 15 indicadores para cada bloco. Por exemplo, um dos critérios específicos observa se a obra “Trata, sempre de forma articulada, tópicos conceituais que são claramente inter-relacionados na estrutura conceitual da Ciência Física e introduz/apresenta cada tópico ou assunto mediante a necessária problematização;” em consonância com o indicador “Evita tratar de forma desarticulada os elementos conceituais que são claramente inter-relacionados na estrutura conceitual da ciência Física” [21[21] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Guia de Livros Didáticos PNLD 2018: Física – Ensino Médio (Ministério da Educação, Brasília, 2017)., p. 20] pertencente ao bloco 3 (três). Pode-se perceber que o indicador é expresso por meio de uma afirmação, cabendo ao avaliador responder “sim”, atendendo como pleno, parcial ou superficial, ou “não” quando descumprido.

Quadro 1:
Aspectos comuns a todas as áreas de conhecimento observados na avaliação de uma obra no PNLD 2018 e PNLD 2021.

Finalizado o processo de avaliação, produziu-se resenhas dos pareceres dos avaliadores das obras que foram publicizadas no Guia dos Livros Didáticos – Ensino Médio [21]. Por meio desse guia, os professores das escolas escolhem o livro com o qual irão trabalhar com seus alunos. No PNLD 2018 são apresentadas 12 coleções de livros (aprovados) para o Ensino de Física (veja Quadro 2).

Quadro 2:
Coleção de livros pertencentes ao PNLD dos anos de 2018 a 2020.

Para cada coleção avaliada há uma resenha composta de visão geral da obra, descrição da obra, análise da obra e em sala de aula. Cabe ressaltar que cada coleção contém o Manual do Professor e esse também é avaliado.

3.2. PNLD 2021

O PNLD 2021 tem diretrizes comuns a todas as áreas do conhecimento, apresentadas no Quadro 1. Pode-se observar algumas mudanças na concepção dos critérios, se comparados aos do documento de 2018, ainda que não seja objetivo deste trabalho discuti-las. Os LD aprovados no PNLD 2021 passaram por uma reorganização dos objetos de conhecimento, não existindo uma ordem de conteúdos e disciplinas como havia na época dos Parâmetros Curriculares Nacionais, como consequência deixa de existir o livro de Física. No edital do PNLD 2021 são apresentadas as seguintes condições acerca do número de volumes e páginas para as obras didáticas destinadas ao Ensino Médio da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias (CNT): 6 volumes (em média dois para cada ano) divididos em unidades temáticas contendo cada um o máximo 160 páginas. É sabido que esse limite de páginas é resultado de uma tentativa de baratear o preço pago pelo governo por cada LD [5[5] A.R. Artuso, L.H. Martino, H.V. Costa e L. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180292 (2019).] e não devido a questões de cunho didático-pedagógicos. Concentrar as áreas de conhecimento num único volume pode, caso não haja uma organização didático-pedagógica capaz de dar suporte a ideia de unidade temática, causar um “embaralhamento” de conteúdos a fim de atender a quantidade de objetos de conhecimentos trazidos pela BNCC, os quais somam as ciências da natureza (Física + Química + Ciências Biológicas) nos 6 volumes, os quais anteriormente, no PNLD 2018, eram divididos por ano e coleção com limite máximo de 288 páginas, resultando em 864 páginas nos três anos do ensino médio por cada disciplina, ou seja, 2.592 páginas das CNT. A redução do número de páginas, com a chegada dos novos critérios impostos no PNLD 2021 foram de quase 55%.

O modo de avaliação do PNLD 2021 foca na observância das competências gerais, competências e habilidades específicas preconizadas pela BNCC, sendo 10 (dez) competências gerais e 3 (três) competências específicas no caso da área das CNT. As habilidades a serem desenvolvidas estão distribuídas nas três séries do Ensino Médio, sendo 7 (sete) habilidades no primeiro ano, 9 (nove) no segundo ano e 10 (dez) no terceiro ano. Segundo a BNCC:

[…] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho [16[16] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Curricular Comum (Ministério da Educação, Brasília, 2018)., p. 8].

Assim como no PNLD 2018, são apresentadas aos avaliadores questões cujas respostas são de caráter dicotômico. O avaliador, então, busca identificar na obra como a competência geral e específica são desenvolvidas em consonância com a(s) habilidade(s) esperadas. Por exemplo, a habilidade identificada pelo código alfanumérico EM13CNT307 (Figura 3) é observada por meio da seguinte pergunta: “A Obra Atende a Seguinte Habilidade? – Analisar as propriedades dos materiais para avaliar a adequação de seu uso em diferentes aplicações (industriais, cotidianas, arquitetônicas ou tecnológicas) e/ou propor soluções seguras e sustentáveis considerando seu contexto local e cotidiano.” [22[22] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Guia Digital PNLD 2021: obras didáticas por área de conhecimento e específicas (Ministério da Educação, Brasília, 2021).], cabendo ao avaliador, após análise, responder “sim” e, em caso contrário, “não”.

Figura 3
Decifrando o código alfanumérico. Fonte: adaptado de Ref. [16[16] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Curricular Comum (Ministério da Educação, Brasília, 2018).].

As obras aprovadas no Plano Nacional de 2021 são apresentadas no Quadro 3. No Guia desse documento de 2021 [22[22] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Guia Digital PNLD 2021: obras didáticas por área de conhecimento e específicas (Ministério da Educação, Brasília, 2021).] estão as resenhas com a visão geral da obra, descrição da obra, análise e aspectos alusivos ou que pode acontecer em sala de aula, e também a avaliação do Manual do Professor.

Quadro 3:
Obras aprovadas no PNLD 2021.

Portanto, para responder “quais características uma obra destinada ao processo de ensino e aprendizagem deve demonstrar para que seja enquadrada como um LD?” analisamos as resenhas produzidas nos PNLD 2018 (que formam o corpus 1) e 2021 (corpus 2), independentemente.

4. Pressupostos para Análise

4.1. Características que subsidiam a classificação de um livro como LD

O processo de análise do corpus 1 e 2 seguiu os pressupostos da análise de conteúdo [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021).], que define esse processo como

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivo de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021)., p. 44].

Desse conjunto de técnicas adotamos a técnica de análise por categorias, que funciona decompondo um texto em unidades e reagrupando as unidades em categorias (redução do número de unidades a elementos latentes na base de estudo, aqui corpus 1 e 2). Assim, busca-se alcançar um nível de compreensão a partir de uma realidade visível (ou invisível, algo implícito) capaz de responder a questão levantada sobre o LD neste estudo.

A operacionalização dessa técnica desdobra-se em três momentos: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021).]. O tratamento dos resultados é seguindo de interpretação.

A pré-análise consiste na formulação da questão e na escolha dos documentos. Os documentos foram inicialmente selecionados por meio de leitura “flutuante”, que serviu para situar-nos acerca do que é tratado nos Guias de 2018 e 2021 no que tange as percepções dos avaliadores da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias sobre o LD. Esse momento também serviu para organizar do material a ser explorado, que resultou na constituição de dois corpora: corpus 1 formado de um conjunto de 12 (doze) textos extraídos do Guia dos Livros Didáticos – PNLD 2018 e o corpus 2 formado de 7 (sete) textos extraídos do Guia Digital – PNLD 2021, que correspondem aos momentos nas resenhas quando tratam da análise da obra.

A exploração do material é o momento em que busca-se encontrar unidades (expressões ou palavras significativas) capazes de nortear a interpretação dos resultados. Aqui, por meio de leitura e releitura do corpus, identifica-se as unidades (também denominado de unidade de registro) de acordo com seu significado e o contexto desta pesquisa. Por exemplo, a palavra “contextualização” está presente nos corpora (conjunto composto pelos corpus 1 e 2) cujo conceito, segundo a BNCC, é “a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade” [17[17] U. Capozzoli, Scientific American Brasil (Dueto, São Paulo, 2009)., p. 11]. De modo prático, contextualizar configura-se num tratamento metodológico que busca vincular o saber científico à realidade sociocultural diversa e plural em que vivemos. Portanto, a presença dessa palavra no corpus pode ser um fator que, em conjunto com outros, pode evidenciar uma determinada característica do LD.

A decomposição do corpus é realizada por meio da busca de palavras-chave (representa a unidade de registro neste trabalho), observando seu significado, e medindo sua frequência de repetição. A repetição de uma palavra-chave pode evidenciá-la como constitutiva de uma característica do LD. Deste modo, produz-se um rol de palavras-chave, que segundo Bardin [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021).] podem ser reagrupadas em categorias e essas servem de “unidade de compreensão para codificar a unidade de registro” [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021)., p. 133].

Para reunir as palavras-chave numa determinada categoria observamos os seguintes critérios: exclusão mútua, homogeneidade, pertinência e objetividade e fidelidade. A exclusão mútua estabelece que uma palavra não pode pertencer a duas ou mais categorias. A homogeneidade é para garantir que haja um único princípio para a classificação das palavras nas categorias. A pertinência de uma categoria é alcançada por meio de um quadro teórico que reflete a intencionalidade da investigação. A objetividade e a fidelidade foram estabelecidas também a partir de um quadro teórico (veja Quadro 4 na seção Resultados), em que diferentes partes do corpus que continham as mesmas palavras, ou um segmento de texto no corpus, foram categorizadas com o mesmo critério, isto é, o seu significado.

Quadro 4:
Perguntas destinadas a observância de conceitos alusivos ao Modelo Padrão.

Portanto, estabelecidos esses procedimentos e implementando-se exaustivo processo de leitura do corpus 1 e corpus 2, selecionamos as palavras-chave e definimos as categorias. As categorias foram definidas numa ação progressiva com a leitura dos corpora, tratando e sistematizando as palavras-chave diante do procedimento analítico, seu significado no contexto do estudo e a frequência de repetição de uma determinada palavra-chave porque “a importância de uma unidade de registro aumenta com a frequência de aparição.” [23[23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2021)., p. 134]. O significado de uma palavra-chave pode revelar realidades aparentes e subjacentes sobre as percepções dos avaliadores. Todo esse processo é chamado de classificação.

4.2. Da observância de conceitos alusivosao Modelo Padrão

Há uma multiplicidade de encaminhamentos que podem ser dados no processo de ensino e aprendizagem da Física, que vão desde questões epistemológicas, passando por teoria educacional à aspectos teórico-metodológicos, e estes têm sido tratados nas pesquisas cujo objeto de estudo é o ensino de Física. Mas, dentro desse objeto, também encontramos multiplicidade de encaminhamentos que estão, geralmente, relacionados à aspectos didático-pedagógicos. Todo esse arcabouço orbita em torno da ação de transformar o saber científico em saber ensinado, processo em que o LD tem papel fundamental. Ele precisa conter o saber científico em uma linguagem adequada, mas sem perder a generalidade.

Portanto, no que tange ao tema Modelo Padrão no LD (Ensino Médio) buscamos identificar, a partir de perguntas de caráter dicotômico, quais conceitos são apresentados e que estão relacionados ao tema. Estes conceitos, quando apresentados, contribuem no favorecimento da aprendizagem do tema porque o LD tem características evidenciadas na seção anterior deste trabalho e é o principal (ou única) fonte de consulta de estudantes (no estudo) e professores (na preparação de aulas). Não é nosso propósito discutir aspectos relacionados a questões epistemológicas, mas tão somente identificar (minimamente) conceitos que subsidiam a aprendizagem do Modelo Padrão. No Quadro 4 apresentamos as perguntas que norteiam a análise do requisito observância de conceitos alusivos ao Modelo Padrão.

As respostas dessas perguntas são do tipo dicotômicas, expressas por uma afirmação (“sim”) ou negação (“não”). A coleta dos dados foi realizada por dois (dos três) autores deste trabalho, de modo independente. Após a coleta, os resultados foram discutidos e chegou-se a um consenso.

5. Resultados

5.1. As características atribuídas ao LD

O corpora analisado contém 11627 palavras, 8397 no corpus 1 e 3230 no corpus 2.3 3 Utilizamos o software Atlas.ti (versão 9) para análise qualitativa de dados como recurso auxiliar no desenvolvimento deste trabalho [24]. Dessas foram selecionadas, por meio do processo de decomposição, 527 palavras-chave do corpus 1 e 460 palavras-chave do corpus 2. Nota-se a economia de palavras nos textos dos avaliadores quando comparamos os dados do PNLD 2018 com o 2021, e isso pode ter relação com limitações preestabelecidas para o tamanho do texto.

O processo de definição das categorias centrou-se na medida da frequência de repetição da palavra-chave, seu significado no contexto do estudo e um quadro teórico de referência. Por exemplo, o elemento particular “contextualização” está presente nos corpora, e como já mencionamos, configura-se numa ação metodológico para vincular o saber científico à realidade sociocultural diversa e plural em que vivemos. No corpus 1, PNLD 2018, “contextualização” é mencionada 44 vezes (equivale a 8,35% do total de palavras-chave da Tabela 2) e no corpus 2, PNLD 2021, 11 vezes (equivalendo a 4,95% do total de palavras-chave). Já o elemento “interdisciplinaridade” é citado 31 vezes (5,88%) no corpus 1, 26 vezes (11,71%) no corpus 2.

Tabela 2:
Distribuição das palavras-chave nas categorias.

Nessa Tabela 2, apresentamos as palavras-chave (entre parênteses) com maior frequência de repetição nos corpora e as categorias. O valor da frequência mostrada nas colunas dos PNLD 2018 e 2021 corresponde a soma das frequências de todas as palavras-chave da categoria.

As categorias foram definidas a partir de um quadro teórico que adapte-se ao contento do estudo (critério da pertinência) para auxiliar na interpretação a respeito da percepção dos avaliadores. No Quadro 5 apresentamos os conceitos que nortearam a pertinência das palavras-chave nas categorias.

Quadro 5:
Quadro teórico que subsidiou o princípio da pertinência da palavra-chave numa categoria.

Os dados apresentados na Tabela 2 mostram evidências que apontam percepções diferentes do LD no PNLD 2018 se comparado ao PNLD 2021. Na Figura 4 reapresentamos esses dados por meio de um mapa, e pode-se observar que as evidências apontam como principal característica do LD, a luz dos critérios estabelecidos para o PNLD 2018, servir de referencial para aos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem indicando possíveis caminhos para o alcance dos objetivos definidos para a área do conhecimento, no caso a Física.

Figura 4
Mapa mostrando evidências das características de um LD. (a) PNLD 2018, (b) PNLD 2021.

Outra característica evidenciada no PNLD 2018 diz respeito aos elementos constituintes desse caminho: contextualização, interdisciplinaridade, problematização e transversalidade. Assim, o LD apresenta formas que podem promover o ensino e aprendizagem. Nesse processo, o LD traz aos envolvidos questões que envolvem o exercício da cidadania, em que auxilia com temáticas que proporciona o diálogo dessa com a Física. Mas, também procura apresentar aos seus leitores (alunos e professores) que o conhecimento advém de um processo de construção humana, não é alcançado sem sofrer influência do contexto em que é construído e das experiências dos seus construtores.

O projeto editorial do LD também apresenta-se com uma das possíveis características do LD. A forma como os conteúdos devem estar organizados, obedecendo uma logicidade, contendo textos claros, linguagem adequada, apresentar imagens/ilustrações para facilitar na compreensão de fenômenos, isto é, aspectos da qualidade do material e gráficos podem influenciar no ensino e aprendizagem. Observa-se também o estabelecimento da relação entre o conhecimento científico ensinado com aplicações tecnológicas ou tecnologias e a Física de um modo geral, especialmente a Física Moderna e Contemporânea, oferecendo vários momentos que oportunizam a construção dessa relação.

No caso do PNLD 2021, as evidências apontam para uma mudança de concepção do LD. Nesse programa as diretrizes nacionais para o Ensino Médio (também o Ensino Fundamental) sofreram mudanças com o advento da BNCC. Não é objetivo deste trabalho discutir tais mudanças, mas identifica-las no contexto do LD. Entende-se que tais mudanças são devido a novas características atribuídas a ele. Vemos na Figura 4(b) que há evidências do LD servir de referencial para os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, mas diferentemente do anterior, não é uma característica predominante. A categoria de maior evidência é “Conhecimento didático-pedagógico”, que pode refletir as prerrogativas da BNCC, visto que nessa categoria estão os pressupostos do processo de ensino e aprendizagem: problematização, contextualização, interdisciplinaridade, transversalidade. A importância dessas prerrogativas legais também é observada por meio da categoria “Pressupostos da BNCC”.

O LD do PNLD 2021 apresenta uma nova categoria, a categoria “Método Científico”. Isso evidencia uma atenção maior e com mais detalhes a respeito do processo de construção do conhecimento a luz da metodologia científica: modus operandi da ciência. Percebe-se uma diminuição na ênfase sobre a história da ciência (perspectiva do conhecimento como um processo de construção humana, para além de biografias e fatos históricos), se comparado com o PNLD 2018, mas que talvez possa ser contrabalançado quando se discutir o método científico no contexto do desenvolvimento da ciência na perspectiva do letramento científico.

Portanto, as categorias apresentadas na Tabela 2 constituem, neste estudo, a resposta a questão posta: “quais características uma obra destinada ao processo de ensino e aprendizagem deve demonstrar para que seja considerada como um LD?”. Cabe ressaltar que o LD está sujeito aos documentos que definem as diretrizes da educação no País. No PNLD 2018 tínhamos os PCN como diretriz e o ensino de Física era organizado num componente curricular comumente chamada de Física. Assim, havia nas coleções submetidas a esse um livro exclusivo do componente Física, sendo um para cada ano (1º, 2º e 3º ano) do Ensino Médio. Atualmente, não temos um LD exclusivo para a Física, mas temas que são discutidos no contexto das Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Física, Biologia, Química e Matemática) que se utilizam de conhecimentos construídos no âmbito da Física para a compreensão de fatos e fenômenos que possam auxiliar na resolução de problemas e desenvolvimento das competências esperadas para os alunos.

5.2. Sobre o Modelo Padrão

Da análise realizada nos LD’s aprovados nos PNLD 2018 e 2021 quanto ao conteúdo alusivo ao Modelo Padrão, temos:

5.2.1. PNLD 2018

Dos LD’s apresentado no Quadro 2, três livros não apresentam evidências capazes de subsidiar respostas às perguntas do Quadro 4 cujos códigos são: 0101P18133, 0131P18133 e 0045P18133. Aqueles que apresentam conceitos que se relacionam com o Modelo Padrão dedicam de 1 (um) a 2 (dois) capítulos, geralmente alocados na última unidade de ensino do livro. Necessariamente, não intitulam tal capítulo com o tema Modelo Padrão, mas trazem seções em que abordam conceitos relacionados a ele. Por exemplo, Estrutura da Matéria, Física Nuclear, Cosmologia e Partículas Elementares.

A partir do processo de leitura e releitura do conteúdo de cada LD, chega-se ao resultado mostrado na Figura 5.

Figura 5
Percentual de inclusão de conteúdo relacionado ao Modelo Padrão PNLD 2018. Os códigos abaixo de cada infográfico referem-se as coleções apresentados no Quadro 2.

Dos livros contidos no Quadro 2 pode-se evidenciar aqueles que contém maior número de conteúdos mensurados a partir das perguntas do Quadro 4. O livro do autor Alberto Gaspar (código 0025P18133) alcançou o maior percentual de respostas afirmativas (85,7%). O livro de autoria de Máximo, Alvarenga e Carla Guimarães (código 0045P18133) apresenta menor percentual de respostas afirmativas. A depender da experiência do professor, do seu interesse e envolvimento com o tema, pode acontecer que, adotado um determinado LD, o tema Modelo Padrão poderá ou não ser discutido em sala de aula. Por outro lado, buscamos também observar a presença de um determinado conceito no conjunto dos 12 (doze) livros relativos ao PNLD 2018 e aos do PNLD 2021, sendo esses resultados mostrados na Figura 6.

Figura 6
Percentual de presença de conteúdo no PNLD 2018 e PNLD 2021 a partir das perguntas no Quadro 4.

No eixo vertical da Figura 6 estão representadas as perguntas propostas por meio do seu número. Por exemplo, o número 20 (vinte) tem percentual igual a 46%. Por meio da pergunta 20 (vinte) “Apresenta o Modelo Padrão, o modo como estão classificadas as partículas subatômicas?” pode-se oportunizar ao professor e estudante a ideia de o Modelo Padrão assumir o papel de “tabela periódica” da Física. O percentual da pergunta 1 não é mostrado na Figura 6 porque a natureza da resposta, diferente das outras, é do tipo dicotômica nominal: Física Moderna ou Física Moderna e Contemporânea, e 58% dos livros evidenciam a Física Moderna como o contexto em que se estuda estes conceitos, enquanto que 16,7% declaram a Física Moderna e Contemporânea.

O modo experimental utilizado para a detecção de partículas subatômicas, o conceito de antipartícula, os quarks e algumas de suas propriedades são conceitos subjacentes nas perguntas 5 (cinco), 8 (oito), 10 (dez) e 11 (onze), e têm maior representatividade na coleção. Isso pode aumentar a chance destes conceitos serem discutidos em sala de aula. Menos da metade dos livros (42%) apresentam evidências de abordagem do conceito de partícula elementar, o que pode manter o estudante com a concepção de que o próton e o nêutron são partículas sem estrutura interna.

Os princípios da conservação do momento linear e da energia cinética são fundamentais no processo de descoberta de uma determinada subatômica e auxiliam na identificação de algumas de suas propriedades. Esses princípios estão subjacentes na pergunta 6 (seis) do Quadro 4, mas alcança o percentual de 25% de respostas afirmativas. No 1º ano do Ensino Médio, nos padrões do PNLD 2018, o estudante tem contato com tais princípios e estudar o Modelo Padrão torna-se mais uma oportunidade de aplicá-los e aprender que se tratam de conceitos fundamentais da Física.

5.2.2. PNLD 2021

Procedendo de igual modo na busca de evidências de conceitos subjacentes as perguntas do Quadro 4, temos na Figura 7 o percentual de respostas afirmativas de 6 (seis) coleções nos padrões da BNCC, lembrando que são 7 (sete) coleções que participam desse PNLD. Portanto, há uma coleção que não responde afirmativamente a nenhuma das perguntas.

Figura 7
Percentual de inclusão de conteúdo relacionado ao Modelo Padrão PNLD 2021. Os códigos abaixo de cada infográfico referem-se as coleções apresentadas no Quadro 3.

As coleções do PNLD 2021 não trabalham na perspectiva de apresentar o livro de um componente curricular, como no PNLD 2018. Essas apresentam os conteúdos da Física em unidades temáticas, num esforço de agir sob a perspectiva da contextualização, interdisciplinaridade e transversalidade, que corrobora com os resultados observados na Tabela 2, ilustrados na Figura 4.

Diferente do caso anterior, há mais coleções que alcançaram percentual de respostas afirmativas acima de 80%. Isso pode favorecer o professor e o estudante a se envolverem em discussões que têm no Modelo Padrão a teoria para explicar e compreender fenômenos. Na Figura 6 mostramos o percentual de respostas afirmativas a respeito de um determinado conceito.

Notamos que, de um modo geral, o percentual de respostas afirmativas evidencia valores menores dos encontrados para o caso do PNLD 2018. A mudança promovida pela BNCC talvez seja a causa desta redução ou, devido a ela, observou-se a necessidade de revisão de objetivos para a aprendizagem da Física do Modelo Padrão. Quanto a pergunta 1, não observamos declaração explicita do contexto em que se discute a Física no livro, diferente do PNLD 2018. Isso pode ser devido ao fato de não tratar os conteúdos da Física por componente curricular, mas em unidades temáticas.

Como já comentado, há um respaldo no que diz respeito a inserção da temática a alunos do ensino médio e o fato de livros, como apresentado nas Figuras 5 e 7, possuírem uma baixa evidencia dos conteúdos que compõem o Modelo Padrão demonstra incoerências entre o material que os alunos e professores têm de apoio e o que se espera que os alunos aprendam ao fim do processo de ensino e aprendizagem. Almeida [1[1] D.P.G. Almeida, Física Moderna e Contemporânea no ensino médio: o livro didático e as representações sociais de docentes. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2019).], ao discutir acerca da escolha dos livros didáticos por professores, aponta que eles não se sentem preparados para abordar conteúdo da Física Moderna, e que a escolha é pautada pela quantidade de questões que o livro tem.

6. Considerações Finais

Neste trabalho buscamos responder se o livro didático pode efetivamente assumir o protagonismo como referencial para professores e estudantes sob alguns aspectos: as características que permitem-no ser caracterizado como livro didático e o conteúdo que apresentam envolvendo a Física de Partículas Elementares ou Modelo Padrão. Assim, vimos evidências nas resenhas apresentadas nos Guias Didáticos que caracterizam o livro didático em acordo com as diretrizes para a Educação Brasileira.

No PNLD de 2018, em que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) direcionavam as ações para o ensino, os livros didáticos evidenciam maior preocupação com a metodologia do ensino (categoria). Os livros davam ênfase a um conjunto de atividades de ensino para promover a aprendizagem de objetos de conhecimento no contexto do componente curricular, neste caso a Física. A resolução de exercícios, trabalho em equipe, experimentos, entre outros vistos na Tabela 2, são as atividades evidenciadas nessa categoria. Aliado a isso, o LD trata os objetos de conhecimento, quanto a questão didático-pedagógica, contextualizando e buscando estabelecer relações com outras áreas e objetos de conhecimento. Contudo, e em termos de categoria, essa surge com menor frequência que a anterior. Também é possível observar a intenção de contribuir para a formação cidadã estabelecendo conexão entre a Física, Ciência e Cidadania. Apresentar ao estudante o processo de construção do conhecimento, mesmo que de modo breve, configura-se como outra categoria evidencia neste estudo; o conhecimento sobre a Física é uma construção humana. Na Figura 8 temos a hierarquia dessas categorias na forma de nuvens de palavras para o PNLD 2018 e 2021.

Figura 8
Nuvem de palavras mostrando a ênfase dada aos livros do PNLD 2018 (a) e 2021 (b).

Os livros que participaram do PNLD de 2021, sob a orientação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) evidenciam um maior equilíbrio entre as categorias “metodologia de ensino” e “conhecimento didático-pedagógico”, como podemos ver na Figura 8. Porém, neste caso há duas novas categorias: método científico e BNCC. Essa última, pode ser devido ao fato da implementação das novas diretrizes para a Educação Brasileira e dar-se atenção para questões que orientam de que modo pode-se promover com a utilização do LD o desenvolvimento de competências e habilidades preconizadas na BNCC. Quanto ao método científico, que não observamos nas resenhas do PNLD 2018 (não explicitamente), evidenciam o LD como um recurso auxiliar na compreensão de conceitos científicos e como pensar sob a perspectiva científica na solução de problemas.

Quando buscamos identificar os conteúdos da FPE ou Modelo Padrão nos livros a partir de um rol que perguntas de respostas dicotômicas, observamos que há livros e/ou coleções que apresentam número maior de conteúdo. E considerando que o livro pode ser o único referencial do professor, aqueles que têm menor quantidade de conhecimento a respeito dessa Física exigirá do professor maior desprendimento para consultar outras referenciais, havendo ainda a possibilidade de certos conteúdos/objetos de conhecimento não sejam tratados com os estudantes. Em ambas as coleções, 2018 e 2021, há livros que dão mais destaque a objetos de conhecimento da FPE.

Portanto, o LD pode efetivamente assumir o protagonismo de ser o único material instrucional de professores e estudantes da FPE ou Modelo Padrão? Per si, não. Depende, pelo que pode-se observar neste trabalho, da escolha do LD pela Escola/Professor, porque há livros que não abordam (pelo menos explicitamente) conceitos da FPE, e da experiência ou interesse do professor pelo tema. Quanto a ser um material instrucional para o ensino, as resenhas evidenciam a preocupação dos autores em atender as diretrizes da Educação Brasileira no que tange as questões metodológica e didático-pedagógicas.

Com relação a proposta metodológica deste trabalho, em que busca-se observar as características do LD e identifica-se conteúdos alusivos ao Modelo Padrão, faz-se análise de material produzido por pareceristas em diferentes momentos do PNLD, 2018 e 2021, com diferentes olhares, em que foram efetuadas mudanças nos critérios, em contextos político-educacional-científico diferentes. Esse cenário pode suscitar questionamento sobre a eficácia da nossa análise.

Sobre isso, consideramos que tais observações evidenciam a fragilidade do sistema em que o PNLD está inserido, assim como, o atual contexto da educação brasileira, que experimenta mais uma mudança em suas diretrizes de modo quase descontínuo. Apesar disso, o tema em que se desenvolve este estudo, Modelo Padrão, é invariante em relação as mudanças políticas-educacional porque trata-se de um objeto de conhecimento de fundamental importância na formação de cidadãos conscientes seu papel na sociedade à luz do conhecimento científico-tecnológico.

Agradecimentos

Agradecemos a FAPEAM pelo apoio dado por meio do Programa Institucional de Apoio à Pós-Graduação Stricto Sensu. A profa. Dra. Cinara Calvi Anic Cabral pela edificante discussão sobre o trabalho.

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    Utilizamos o software Atlas.ti (versão 9) para análise qualitativa de dados como recurso auxiliar no desenvolvimento deste trabalho [24[24] https://atlasti.com/pt-pt/
    https://atlasti.com/pt-pt/...
    ].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2022
  • Revisado
    27 Ago 2022
  • Aceito
    25 Set 2022
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