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Análogos eletrônicos de dispositivos ópticos em grafeno: da junção p-n à lente de Veselago

Electronic analogs of optical devices in graphene: from p-n junction to Veselago lens

Resumos

O grafeno consiste em átomos de carbono com hibridização sp2 arranjados em uma estrutura cristalina favo de mel e conectados por meio de ligações covalentes. Foi isolado pela primeira vez em 2004 por Geim e Novoselov e tem sido considerado um candidato promissor para futuras aplicações nanoeletrônicas. No limite de baixas energias, os portadores de carga no grafeno comportam-se como férmions de Dirac sem massa, de modo que propriedades eletrônicas e de transporte não usuais são observadas, criando uma ponte entre a física da matéria condensada e a eletrodinâmica quântica, além de abrir novas perspectivas para a eletrônica à base de carbono. Artigos que investigam tanto as propriedades físicas quanto propostas de aplicações do grafeno são facilmente encontrados em língua inglesa, o que não é observado em língua portuguesa. Nesse sentido, esse trabalho objetiva estudar de forma sistemática e didática a analogia entre óptica e transporte eletrônico em nanoestruturas de grafeno, em especial, a focalização de um feixe de elétrons por junções p-n e p-n-p de grafeno usando o modelo de ligação forte, com o intuito de explanar conceitos como refração negativa e lente de Veselago.

Palavras-chave:
grafeno; lente de Veselago; junção p-n; modelo de ligação forte; densidade de corrente de probabilidade


Graphene consists of sp2 hybridized carbon atoms arranged in a honeycomb crystal structure and connected by covalent bonds. It was first isolated in 2004 by Geim and Novoselov and has been considered a promising candidate for future nanoelectronic applications. At the low-energy limit, the charge carriers in graphene behave like massless Dirac fermions, so unusual electronic and transport properties are observed, creating a bridge between condensed matter physics and quantum electrodynamics and opening up new perspectives for carbon-based electronics. Articles that investigate both the physical properties and proposed applications of graphene are easily found in English, which is not observed in Portuguese. In this sense, this work aims to study in a systematic and didactic way the analogy between optics and electronic transport in graphene nanostructures, in particular, the focusing of an electron beam by p-n and p-n-p junctions of graphene using the tight-binding model, in order to explain concepts such as negative refraction and Veselago lens.

Keywords:
graphene; Veselago lens; p-n junction; tight-binding model; probability current density


1. Introdução

Em 1831, Hamilton propôs uma interessante relação entre a óptica geométrica e a mecânica clássica, que ficou conhecida como analogia óptico-mecânica. Tal analogia compara a trajetória, de acordo com a óptica geométrica, de um raio luminoso em um meio inomogêneo com a trajetória, segundo as leis da mecânica clássica, de uma partícula em um campo de forças conservativas [1[1] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica: ótica, relatividade, física quântica (Blucher, São Paulo, 2014), v. 4.]. Em um meio inomogêneo, a trajetória de um raio luminoso é inteiramente determinada pela sua posição, r0, e pela sua direção, u^0, em um instante de tempo inicial, t0. Por outro lado, em um campo de forças conservativas, a trajetória de uma partícula fica especificada, além de r0 e u^0, pela sua velocidade inicial, v0=v0u^0. Contudo, em situações em que a energia da partícula é conservada, v0 pode ser inteiramente determinada a partir de r0. Uma implicação da analogia óptico-mecânica é a óptica de elétrons (ou óptica eletrônica), que decorre da dualidade onda-partícula proposta por de Broglie em 1924 e possibilitou o desenvolvimento de diversas tecnologias modernas, tais como o microscópio eletrônico de varredura [2[2] G.D. Danilatos, Advances in Electronics and Electron Physics 71, 109 (1988)., 3[3] M.R. Scheinfein, J. Unguris, M.H. Kelley, D.T. Pierce e R.J. Celotta, Review of Scientific Instruments 61, 2501 (1990).] e o microscópio eletrônico de transmissão [4[4] M. Winey, J.B. Meehl, E.T. O’Toole e T.H. Giddings Jr., Molecular Biology of the Cell 25, 319 (2014)., 5[5] M. Schorb, I. Haberbosch, W.J. Hagen, Y. Schwab e D.N. Mastronarde, Nature Methods 16, 471 (2019).].

Nos últimos anos, a ascensão dos materiais bidimensionais tem fornecido novas oportunidades para a pesquisa em óptica de elétrons, uma vez que nesses materiais a propagação dos portadores de carga pode ser balística, ou seja, com ausência de processos de espalhamento. No grafeno, em particular, os portadores de carga podem ser manipulados por meio de potenciais de porta que constituem uma junção p-n, de modo que os elétrons/buracos podem ser refletidos e/ou refratados na interface da junção p-n obedecendo a uma lei do tipo Snell-Descartes [6[6] P.E. Allain e J.N. Fuchs, The European Physical Journal B 83, 301 (2011).]. Os potenciais de porta nas diferentes regiões da junção p-n atuam de forma similar a índices de refração diferentes, permitindo a ocorrência de diversos efeitos interessantes, a saber, transmissão perfeita (nula) em uma barreira de potencial em monocamada (bicamada) de grafeno para incidência normal, efeito conhecido como tunelamento Klein [7[7] N. Stander, B. Huard e D.Goldhaber-Gordon, Physical Review Letters 102, 026807 (2009).] (anti-Klein [8[8] R. Du, M.H. Liu, J. Mohrmann, F. Wu, R. Krupke, H. von Löhneysen, K. Richter e R. Danneau, Physical Review Letters 121, 127706 (2018).]), refração negativa [9[9] G.H. Lee, G.H. Park e H.-J. Lee, Nature Physics 11, 925 (2015).] e outros. Tais efeitos podem ser usados para modelar dispositivos eletrônicos que atuam como moduladores [10[10] M. Liu, X. Yin, E. Ulin-Avila, B. Geng, T. Zentgraf, L. Ju, F. Wang e X. Zhang, Nature 474, 64 (2011)., 11[11] M. Liu, X. Yin e X. Zhang, Nano Letters 12, 1482 (2012)., 12[12] F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, A.C.S. Nascimento e J.M. Pereira Jr., Journal of Physics: Condensed Matter 32, 425501 (2020)., 13[13] H.M. Abdullah, D.R. da Costa, H. Bahlouli, A. Chaves, F.M. Peeters e B. Van Duppen, Physical Review B 100, 045137 (2019).], comutadores [14[14] M.S. Jimenez e C. Dartora, Physica E: Low-dimensional Systems and Nanostructures 59, 1 (2014)., 15[15] F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, F.N. Lima, A.C.S. Nascimento e J.M. Pereira Jr., Journal of Physics: Condensed Matter 33, 375501 (2021)., 16[16] M. Nagase, H. Hibino, H. Kageshima e H. Yamaguchi, Applied Physics Express 6, 055101 (2013)., 17[17] I.G. Karafyllidis, IEEE Transactions on Nanotechnology 13, 820 (2014).] e portas lógicas [18[18] L. Sul, W. Zhao, Y. Zhang, D. Querlioz, Y. Zhang, J. Klein, P. Dollfus e A. Bournel, Applied Physics Letters 106, 072407 (2015)., 19[19] X. Wu, J. Tian e R. Yang, Optics Communications 403, 185 (2017)., 20[20] Z. Li, X. Han, R. Xie, Z. Wang, S. Guo, W. Wei e X. Li, Superlattices and Microstructures 139, 106413(2020)., 21[21] D.J.P. Sousa, A. Chaves, J.M. Pereira Jr. e G.A. Farias, Journal of Applied Physics 121, 024302 (2017).].

A refração negativa, proposta originalmente em 1968 por Veselago [22[22] V.G. Veselago, Soviet Physics Uspekhi 10, 504 (1968).], é um efeito óptico peculiar que permite o desenvolvimento de lentes ópticas “perfeitas”. Em condições em que a permissividade elétrica ϵ e a permeabilidade magnética μ são negativas, Veselago mostrou que as velocidades de grupo e de fase possuem direções opostas, resultando em um índice de refração negativo. Interessantemente, sob certas condições, elétrons com baixas energias no grafeno trafegando através de regiões com potenciais diferentes apresentam comportamento análogo aos feixes ópticos em meios com índices de refração negativos [23[23] J.B. Pendry, Science 315, 1226 (2007).]. Materiais que comportam-se dessa maneira são chamados de metamateriais. Nesse sentido, em 2007, Cheianov et al. investigaram a refração negativa em uma junção p-n de grafeno [24[24] V.V. Cheianov, V. Fal’ko e B.L. Altshuler, Science 315, 1252 (2007).], experimentalmente realizada com o uso de placas metálicas, uma polarizando a amostra para uma voltagem positiva (tipo n) e a outra polarizando a amostra para uma voltagem negativa (tipo p) [23[23] J.B. Pendry, Science 315, 1226 (2007).].

Artigos que abordam as propriedades físicas do grafeno tanto do ponto de vista teórico quanto experimental são facilmente encontrados em língua inglesa, assim como artigos sobre aplicações que podem ser feitas a partir de tais propriedades. No entanto, há poucas referências disponíveis em língua portuguesa. Assim, nesse trabalho, vamos fazer uma abordagem teórica de maneira sistemática e didática sobre a focalização de um feixe de elétrons por uma junção p-n e por uma junção p-n-p de grafeno usando o modelo de ligação forte (do inglês, tight-binding [25[25] W.P. Lima, F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, S.H.R. Sena e J.M. Pereira Jr., Brazilian Journal of Physics 52, 1 (2022).]). A focalização é realizada pela sintonização de um potencial de porta que atua como um índice de refração. Como exemplo de aplicação, vamos analisar a lente de Veselago de elétrons, proposta por Cheianov et al. em 2007 [24[24] V.V. Cheianov, V. Fal’ko e B.L. Altshuler, Science 315, 1252 (2007).], bem como apresentar o conceito de antimatéria óptica, proposto por Pendry e Ramakrishna em 2003 [26[26] J.B. Pendry e S.A. Ramakrishna, Journal of Physics: Condensed Matter 15, 6345 (2003)., 27[27] V. Mocella, S. Cabrini, A.S.P. Chang, P. Dardano, L. Moretti, I. Rendina, D. Olynick, B. Harteneck e S. Dhuey, Physical Review Letters 102, 133902 (2009).].

O trabalho está organizado da seguinte forma: na Seç. 2 2. Modelo Teórico O grafeno, um material essencialmente bidimensional, é constituído de átomos de carbono [ver Fig. 1(a)] arranjados em uma estrutura cristalina conhecida como favo de mel (do inglês, honeycomb). Peierls [28], em 1935, e Landau [29], em 1937, argumentaram sobre a instabilidade termodinâmica de cristais estritamente bidimensionais. Porém, em 2004, Novoselov et al. [30] publicaram um artigo reportando a obtenção experimental do grafeno, assim como uma série de resultados sobre algumas de suas propriedades físicas. Adicionalmente, em 2010, Geim e Novoselov foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física devido às suas “experiências inovadoras sobre o material bidimensional grafeno” [31]. A técnica usada por Geim e Novoselov chama-se clivagem micromecânica e consiste em extrair por esfoliação folhas de grafeno a partir da grafite pirolítica altamente orientada (do inglês, Highly Oriented Pyrolytic Graphite – HOPG, que corresponde a uma forma altamente pura e ordenada de grafite). A grafite, por sua vez, é constituída de folhas de grafeno empilhadas conectadas por meio de forças de van der Waals. A clivagem micromecânica permite obter amostras de grafeno tão boas, no sentido de terem poucos defeitos e impurezas, que fenômenos como transporte balístico e efeito Hall quântico podem ser facilmente observados [32]. Para fins de aplicações, a técnica mais adequada para se obter amostras grandes de grafeno é a deposição de vapor químico (do inglês, Chemical Vapor Deposition – CVD, para revisão sobre o tema, ver Refs. [33] e [34]). Outras formas alotrópicas do carbono podem ser obtidas a partir do grafeno, a saber, fulerenos [35], nanotubos de carbono [36, 37] e outras [38, 39]. Figura 1 Ilustração esquemática da (a) estrutura cristalina e da (b) rede recíproca do grafeno. Os vetores de translação primitivos da rede cristalina podem ser definidos como a1 e a2 e os da rede recíproca podem ser definidos como b1 e b2. A estrutura cristalina contém dois átomos de carbono na base, um pertencente à sub-rede A e o outro pertencente à sub-rede B, como mostra o painel (a). A célula unitária da estrutura cristalina e a primeira zona de Brillouin estão destacadas em cinza nos painéis (a) e (b), respectivamente. A distância entre átomos de carbono adjacentes é a=0.142 nm [40]. 2.1. Estrutura cristalina e rede recíproca A estrutura cristalina do grafeno resulta da hibridização sp2 dos átomos de carbono ligados quimicamente através de ligações covalentes, onde um orbital atômico s hibridiza com outros dois orbitais atômicos p, px e py, para formar três orbitais atômicos planares com ângulos de 120∘ entre si. O orbital atômico pz, não hibridizado, é perpendicular a esse plano e é responsável pela mobilidade eletrônica no material, possuindo considerável relevância na descrição das propriedades de transporte eletrônico do grafeno. A Fig. 1(a) ilustra esquematicamente a estrutura cristalina do grafeno. Como pode ser visto, não é uma rede de Bravais, ou seja, não existem dois vetores de translação primitivos que, linearmente combinados, podem gerar qualquer outro sítio da estrutura cristalina. No entanto, pode ser representada por duas redes de Bravais triangulares interpenetradas, contendo, assim, dois átomos de carbono na base, rotuladas de sub-redes A e B. A distância entre átomos de carbono adjacentes é a=0.142 nm [40] e os vetores de translação primitivos da rede cristalina podem ser definidos como a1=(3⁢a/2,3⁢a/2) e a2=(3⁢a/2,-3⁢a/2). Pela Fig. 1(a), nota-se que os primeiros vizinhos de um determinado sítio da sub-rede A são três sítios da sub-rede B, e vice-versa. Já os segundos vizinhos de cada sub-rede são seis sítios da sub-rede equivalente. Por definição, a rede recíproca de uma rede cristalina é formada por vetores de onda k tais que exp⁡(i⁢k⋅R)=1, onde R é o vetor posição. Assim, os vetores de translação primitivos da rede recíproca, mostrada na Fig. 1(b), são b1=[2⁢π/(3⁢a)⁢,2⁢π⁢3/(3⁢a)] e b2=[2⁢π/(3⁢a),-2⁢π⁢3/(3⁢a)], obedecendo à seguinte propriedade [41, 42]: bi⋅aj=2⁢π⁢δi⁢j, onde δij corresponde ao delta de Kronecker, ou seja, δi⁢j=1 se i=j e δi⁢j=0 se i≠j. A célula unitária da estrutura cristalina e a primeira zona de Brillouin (célula de Wigner-Seitz do espaço recíproco) estão destacadas em cinza nas Figs. 1(a) e 1(b), respectivamente. Há dois pontos não-equivalentes de alta simetria na primeira zona de Brillouin que possuem importância particular, que são os pontos K e K′, chamados de pontos de Dirac [40], como serão discutidos mais adiante. 2.2. Propriedades eletrônicas elementares Determinar e interpretar a estrutura de bandas de um material é de suma importância para a compreensão de suas propriedades eletrônicas e de transporte. A partir dessa informação, além de conhecer as energias permitidas para os portadores de carga no material estudado, obtêm-se características tais como massa efetiva, velocidade de grupo e densidade de estados, entre outras. Um procedimento bastante usado para determinar a estrutura de bandas do grafeno é baseado no modelo de ligação forte, que fornece uma descrição categórica de suas propriedades eletrônicas elementares. A aplicação do modelo de ligação forte ao grafeno foi feita originalmente por Wallace em 1947 [43] e apresentada de forma bastante detalhada e didática por Dresselhaus et al. na Ref. [37]. Em geral, esse modelo é útil quando a sobreposição dos orbitais atômicos é predominante apenas entre átomos que são vizinhos próximos na rede cristalina. Assim, os orbitais atômicos podem ser usados como base para a representação do Hamiltoniano que descreve o comportamento dos portadores de carga no material. Na literatura acerca dos materiais de baixa dimensionalidade, geralmente o Hamiltoniano é apresentado usando o formalismo de segunda quantização, isso é, em termos de operadores de criação e aniquilação. Representando um operador que cria (aniquila) um elétron no autoestado s por cs† (cs) e definindo um autoestado desocupado por |0⟩, o princípio de exclusão de Pauli impõe que (1) c s † ⁢ c s † ⁢ | 0 ⟩ = 0 , ou, analogamente, que (2) c s † ⁢ | 1 ⟩ = 0 . É fácil mostrar que os operadores cs† e cs satisfazem às seguintes relações (3a) c s † ⁢ | 0 ⟩ = | 1 ⟩ , (3b) c s ⁢ | 1 ⟩ = | 0 ⟩ , (3c) c s ⁢ | 0 ⟩ = 0 . Adicionalmente, o operador cs†⁢cs fornece o número de ocupação do autoestado s, de modo que (4) c s † ⁢ c s ⁢ | n ⟩ = n ⁢ | n ⟩ , onde n=0,1. Os operadores cs† e c também satisfazem às seguintes relações (de anticomutação) (5) { c s , c s † } = c s ⁢ c s † + c s † ⁢ c s = 1 , lembrando que elétrons são férmions e seus operadores devem, portanto, obedecer à estatística de Fermi-Dirac, que descreve o comportamento de sistemas de partículas com spin semi-inteiro. Em geral, todas essas relações podem ser obtidas usando as seguintes expressões [44] (6) { c r , c s † } = δ r ⁢ s , { c r , c s } = 0 ⁢ e ⁢ { c r † , c s † } = 0 , onde δij é o delta de Kronecker. O Hamiltoniano H para um sistema quântico contento N partículas idênticas, no formalismo de primeira quantização, pode ser escrito como (7) H = ∑ k = 1 N T ⁢ ( x k ) + 1 2 ⁢ ∑ k ≠ l = 1 N V ⁢ ( x k , x l ) , onde T⁢(xk) é a energia cinética, V⁢(xk,xl) é a energia potencial devido à interação entre as partículas e xk(l) denota as coordenadas (espaciais e/ou qualquer outra variável discreta, como por exemplo coordenada de spin) [25, 44] da k(l)-ésima partícula. A respectiva função de onda do sistema de N partículas, por sua vez, é (8) Ψ = Ψ ⁢ ( x 1 , x 2 , … , x N , t ) , e obedece à equação de Schrödinger dependente do tempo (9) H ⁢ Ψ = i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ⁡ Ψ ∂ ⁡ t . Usando a álgebra dos operadores de criação e aniquilação, podemos reescrever o Hamiltoniano da Eq. (7) na linguagem de segunda quantização, resultando no seguinte Hamiltoniano ℋ no espaço de Fock (10) ℋ = ∑ i ⁢ j c i † ⁢ ⟨ i | T | j ⟩ ⁢ c j + 1 2 ⁢ ∑ i ⁢ j ⁢ k ⁢ l c i † ⁢ c j † ⁢ ⟨ i ⁢ j | V | k ⁢ l ⟩ ⁢ c l ⁢ c k , onde |i⟩ e |j⟩ são autoestados que constituem uma base completa do espaço de Hilbert. Comparando as Eqs. (7) e (10), nota-se que, no formalismo de primeira quantização, as energias potencial e cinética são dadas em função dos operadores posição e momento. Por outro lado, na linguagem de segunda quantização, observa-se a presença de operadores de criação e aniquilação. A transformação do Hamiltoniano, inicialmente escrito em termos dos operadores posição e momento, para a representação do número de ocupação é habitualmente chamada de procedimento de segunda quantização. Uma abordagem detalhada sobre os formalismos de primeira e segunda quantizações pode ser encontrada nas Refs. [44, 45] e a equivalência entre os dois formalismos é didaticamente apresentada na Ref. [25]. Usando o formalismo de segunda quantização, o Hamiltoniano dentro do modelo de ligação forte para o grafeno, considerando que os elétrons podem saltar apenas para os primeiros e segundos vizinhos de um átomo de carbono e tomando ℏ=1, tem a seguinte forma (11) ℋ = ∑ i , σ ( ε i + V i ) ⁢ ( a σ , i † ⁢ a σ , i + b σ , i † ⁢ b σ , i ) - t ⁢ ∑ ⟨ i , j ⟩ , σ ( a σ , i † ⁢ b σ , j + H.c. ) - t ′ ⁢ ∑ ⟨ ⟨ i , j ⟩ ⟩ , σ ( a σ , i † ⁢ a σ , j + b σ , i † ⁢ b σ , j + H.c. ) , onde εi e Vi correspondem à energia on-site e ao potencial on-site, respectivamente, no sítio Ri. Adicionalmente, t=2.8 eV (t′=0.1 eV) é o parâmetro de ligação/salto (do inglês, hopping) entre átomos de carbono que são primeiros (segundos) vizinhos [40]. aσ,i (aσ,i†) é um operador que aniquila (cria) um elétron com spin σ = ↑ ou ↓ no sítio Ri da sub-rede A, o equivalente sendo válido para bσ,j (bσ,j†). H.c. significa conjugação Hermitiana. Note que o segundo somatório da Eq. (11) corresponde à contribuição das interações entre sítios de sub-redes distintas e adjacentes (Ai-Bj), enquanto que o terceiro somatório está associado às interações entre segundos vizinhos de sítios de mesma sub-rede, isso é, Ai-Aj e Bi-Bj. O Hamiltoniano (11) pode ser diagonalizado pelo procedimento descrito nas Refs. [40] e [46]. As bandas de energia, por sua vez, têm a forma (12) E ± ⁢ ( k ) = s ⁢ t ⁢ 3 + f ⁢ ( k ) - t ′ ⁢ f ⁢ ( k ) , onde f⁢(k)=2⁢cos⁡(3⁢ky⁢a)+4⁢cos⁡(3⁢ky⁢a/2)⁢cos⁡(3⁢kx⁢a/2) é o fator de estrutura do grafeno e s=sgn⁢[E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)], sgn corresponde à função sinal, tal que s=-1 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)<0, s=0 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)=0 e s=+1 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)>0. Portanto, s=-1 é associado à banda de valência e s=+1 à banda de condução. As bandas de energia obtidas não são simétricas em relação ao plano de energia nula para t′ ≠0, implicando em uma quebra de simetria elétron-buraco. Por outro lado, como o parâmetro de ligação/salto entre primeiros vizinhos é aproximadamente uma ordem de grandeza maior que o parâmetro de ligação/salto entre segundos vizinhos, alguns autores desconsideram as interações entre átomos de carbono mais distantes, de modo que t′ é considerado nulo. Nessa aproximação, então, a simetria elétron-buraco é recuperada, como mostra as Figs. 2(a) e 2(b). Há seis pontos na rede recíproca, como mostra a Fig. 2(a), onde as bandas de energia coincidem, e desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, a saber, os pontos K e K′, ou pontos de Dirac. Figura 2 Bandas de energia do grafeno, Eq. (12), tomando t=2.8 eV, t′=0 e a=0.142 nm. Há seis pontos onde as bandas de valência e condução coincidem, como mostra o painel (a). Desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, K e K′. O aspecto cônico das bandas de energia no limite de baixas energias, ou seja, nas vizinhanças de qualquer um dos pontos de Dirac, é mostrado no painel (b). 2.3. Limite de baixas energias e modelo contínuo Nota-se pela Fig. 2(b) que, nas vizinhanças de cada um dos pontos de Dirac, a relação de dispersão é aproximadamente linear, ou seja, E±⁢(k) ∝ |k|. Assim, é conveniente expandir o fator de estrutura do grafeno em uma série de Taylor até a primeira ordem em torno do ponto K (ou K′) (13) f ⁢ ( k ) ≈ f ⁢ ( K ) + ∂ ⁡ f ⁢ ( K ) ∂ ⁡ k x ⁢ ( k x - K x ) + ∂ ⁡ f ⁢ ( K ) ∂ ⁡ k y ⁢ ( k y - K y ) , e, sendo q=k-K, com |q|≪|K|, obtêm-se (14) E ± ⁢ ( q ) = s ⁢ v F ⁢ | q | , onde vF=3⁢a⁢t/2 é a velocidade de Fermi dos portadores de carga na presente aproximação. Tomando a=0.142 nm e t=2.8 eV, chega-se em vF≈ c/300, onde c é a velocidade da luz no vácuo. Na ausência de campos externos, a banda de valência, denotada pelo cone de Dirac inferior, inclui os autoestados ocupados, da mesma forma, a banda de condução, denotada pelo cone de Dirac superior, inclui os autoestados desocupados. Relações de dispersão aproximadamente lineares, como a descrita pela Eq. (14), são observadas em partículas relativísticas com spin 1/2 e sem massa, que obedecem à equação de Dirac. Nesse sentido, é oportuno usar um modelo contínuo para descrever a física dos portadores de carga no limite de baixas energias, onde a relação de dispersão é aproximadamente linear. Com a expansão do fator de estrutura, obtêm-se as seguintes equações matriciais no entorno dos pontos de Dirac (15a) - i ⁢ v F ⁢ σ ⋅ ∇ ⁡ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( q ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , para K , (15b) - i ⁢ v F ⁢ σ * ⋅ ∇ ⁡ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( q ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , para K ′ , onde σ=(σx,σy) é o vetor de Pauli, que tem as matrizes de Pauli como componentes (16) σ x = ( 0 1 1 0 ) , σ y = ( 0 - i i 0 ) . Os autoestados dos Hamiltonianos (15a) e (15b), no espaço dos momentos, são (17a) Ψ ± , K ⁢ ( q ) = 1 2 ⁢ ( e - i ⁢ θ q / 2 ± e + i ⁢ θ q / 2 ) , (17b) Ψ ± , K ′ ⁢ ( q ) = 1 2 ⁢ ( e + i ⁢ θ q / 2 ± e - i ⁢ θ q / 2 ) , onde θq=arctan⁡(qy/qx) é o ângulo polar no espaço dos momentos. Note que os autoestados são pseudospinores de duas componentes, isso é, matrizes colunas Ψ=[ψA,ψB]T, onde ψA e ψB estão associadas às probabilidades de encontrar os portadores de carga nas sub-redes A e B, respectivamente. Verifica-se, assim, um mapeamento entre o modelo contínuo, que descreve os portadores de carga com baixas energias no grafeno, e a equação de Dirac, que descreve férmions relativísticos com spin 1/2 [47]. Adicionalmente, decorre desse mapeamento uma analogia entre o comportamento de neutrinos sem massa e o de portadores de carga com baixas energias no grafeno. Uma outra analogia, discutida na Ref. [48], compara a relação de dispersão de férmions relativísticos sem massa e com spin 1/2 descritos pela equação de Dirac com a relação de dispersão de bósons relativísticos com spin 0 descritos pela equação de Klein-Gordon, movendo-se em duas dimensões na presença de um potencial periódico unidimensional. 2.4. Tunelamento Klein Em 1929, Klein publicou um artigo reportanto um resultado inesperado no contexto da eletrodinâmica quântica, que ficou conhecido como tunelamento Klein [49]. Estudando a transmissão de um elétron através de uma barreira de potencial alta e longa utilizando a equação de Dirac, Klein encontrou que os autoestados referentes aos elétrons que eram transmitidos através da barreira de potencial poderiam não sofrer amortecimentos em situações específicas, o que não era observado para partículas em situações semelhantes descritas pela equação de Schrödinger. Como os portadores de carga com baixas energias no grafeno podem ser descritos pela equação de Dirac com o termo referente à massa sendo considerado nulo, é natural procurar evidências da ocorrência do tunelamento Klein nesse material. Assim, diversos trabalhos abordando esse tema foram realizados, tanto teoricamente [50, 51] quanto experimentalmente [7, 52]. O tunelamento Klein no grafeno pode ser teoricamente investigado por meio do esquema ilustrado na Fig. 3(a), onde há uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l definida como V⁢(x)=0 para x≤0 (Região I) ou x≥l (Região III), e V⁢(x)=V0 para 0<x<l (Região II). A Fig. 3(b) ilustra um elétron com energia menor que a altura da barreira de potencial incidindo na interface que separa as Regiões I e II com um ângulo de incidência θ=arctan⁡(qy/qx) e com um ângulo de refração φ=arctan⁡(κy/κx). Como o potencial é constante nas três regiões ao longo da direção y, as componentes y dos momentos nessas três regiões são conservadas, de modo que qyI=κy=qyI⁢I⁢I=qy. Isso é devido ao fato do sistema possuir simetria de translação ao longo do eixo y. Assim, tem-se que o qyI,I⁢I⁢I é um bom número quântico, podendo assumir qualquer valor. Além disso, como não há potencial nas Regiões I e III, as componentes x dos momentos nessas duas regiões são iguais, ou seja, qxI=qxI⁢I⁢I=qx. Figura 3 Ilustração esquemática da incidência de um elétron com energia E<V0 através de uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l [painel (a)] e representação dos ângulos de incidência θ e refração φ [painel (b)]. A região rachurada em azul no painel (a) preenchendo os cones de Dirac denota a posição do nível de Fermi. Em uma região com ausência de potencial, para o ponto K, o Hamiltoniano é dado pela Eq. (15a), os autovalores são dados pela Eq. (14) e os autoestados são dados pela Eq. (17c). Em contrapartida, em uma região com presença de potencial V0, o Hamiltoniano para o mesmo ponto K é dado por (18) ( - i ⁢ v F ⁢ σ ⋅ ∇ + V 0 ⁢ I ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( κ ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , onde I é a matriz identidade de ordem 2. Os respectivos autovalores são dados por (19) E ± ⁢ ( κ ) = s ′ ⁢ v F ⁢ | κ | + V 0 , onde s′=sgn⁢[E±⁢(κ)-V0], e os autoestados, no espaço das coordenadas, são dados por (20) Ψ ⁢ ( r ) = 1 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ φ ) ⁢ e i ⁢ κ ⋅ R . Portanto, os autoestados referentes às Regiões I, II e III podem ser escritos como (21a) Ψ I ⁢ ( r ) = 1 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ θ ) ⁢ e i ⁢ ( q x ⁢ x + q y ⁢ y ) + r 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ ( π - θ ) ) ⁢ e i ⁢ ( - q x ⁢ x + q y ⁢ y ) , (21b) Ψ I ⁢ I ⁢ ( r ) = a 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ φ ) ⁢ e i ⁢ ( κ x ⁢ x + q y ⁢ y ) + b 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ ( π - φ ) ) ⁢ e i ⁢ ( - κ x ⁢ x + q y ⁢ y ) , (21c) Ψ I ⁢ I ⁢ I ⁢ ( r ) = t 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ θ ) ⁢ e i ⁢ ( q x ⁢ x + q y ⁢ y ) , onde r e t correspondem aos coeficientes de reflexão e transmissão, respectivamente. Os coeficientes complexos a, b, r e t podem ser determinados pelas condições de contorno (continuidade da função de onda) nas interfaces que separam as Regiões I e II e as Regiões II e III, ou seja (22a) Ψ I ⁢ ( 0 , y ) = Ψ I ⁢ I ⁢ ( 0 , y ) , (22b) Ψ I ⁢ I ⁢ ( l , y ) = Ψ I ⁢ I ⁢ I ⁢ ( l , y ) . É interessante notar que tais condições de contorno resultarão em um sistema de quatro equações, tendo em vista que a função de onda em cada região é um pseudospinor de duas componentes, obtendo-se, assim, um sistema possível determinado. Para energias menores que a altura da barreira de potencial (0<E<V0), tem-se s=sgn⁢(E)=+1 e s′=sgn⁢(E-V0)=-1. Aplicando as condições de contorno em x=0 [Eq. (22a)] e x=l [Eq. (22b)], obtêm-se, para esse caso da junção n-p-n, o seguinte sistema (23) ( 0 - 1 1 1 0 e - i ⁢ θ - e i ⁢ φ e - i ⁢ φ - e i ⁢ q x ⁢ l 0 e i ⁢ k x ⁢ l e - i ⁢ k x ⁢ l - e - i ⁢ θ ⁢ e i ⁢ q x ⁢ l 0 - e i ⁢ φ ⁢ e i ⁢ k x ⁢ l e - i ⁢ φ ⁢ e - i ⁢ k x ⁢ l ) ⁢ ( t r a b ) = ( 1 e i ⁢ θ 0 0 ) . Para a equação de Schrödinger, teríamos que usar a continuidade da função de onda e também de sua derivada. Resolvendo o sistema acima, obtêm-se o seguinte coeficiente de reflexão (24) r = - 2 ⁢ e i ⁢ θ ⁢ sen ⁢ β ⁢ ( sen ⁢ φ + sen ⁢ θ ) e - i ⁢ β ⁢ cos ⁡ ( θ + φ ) + e i ⁢ β ⁢ cos ⁡ ( θ - φ ) + 2 ⁢ i ⁢ sen ⁢ β , onde β=κx⁢l. Com o coeficiente de reflexão obtido pela Eq. (24), podemos facilmente determinar a probabilidade de reflexão R=r*⁢r=|r|2 e, pela lei de conservação da probabilidade, encontrar a probabilidade de transmissão, tal como T=t*⁢t=|t|2=1-|r|2=1-R (25) T = ( cos ⁡ φ ⁢ cos ⁡ θ ) 2 ( cos ⁡ β ⁢ cos ⁡ θ ⁢ cos ⁡ φ ) 2 + [ sen ⁢ β ⁢ ( 1 - sen ⁢ θ ⁢ sen ⁢ φ ) ] 2 . Inspecionando a Eq. (25) e a Fig. 4 da probabilidade de transmissão para elétrons incidindo em uma barreira de potencial retangular, observa-se pelo menos duas particularidades: (i) se o ângulo de incidência for nulo (θ=0), a probabilidade de transmissão torna-se unitária, ou seja, a barreira de potencial torna-se transparente, independentemente dos valores de V0 e de l (observe transmissão unitária T=1 nas Figs. 4(a) e 4(b) para θ=0), e (ii) se β=n⁢π, sendo n um número inteiro, a barreira de potencial também torna-se transparente, isso é, obtêm-se para incidência oblíqua que T⁢(θ≠0)=1 (observe picos de ressonância na probabilidade de transmissão na Fig. 4(b) para θ ≠0 e E=V0/2). O primeiro efeito é uma característica única dos férmions de Dirac sem massa e está diretamente relacionado ao tunelamento Klein da eletrodinâmica quântica. O segundo comportamento é devido a efeitos de múltiplas interferências, visto que a barreira de potencial pode ser interpretada como uma interface dupla (em x=0 e x=l), que pode acomodar ondas oscilantes, de forma análoga ao que acontece em sistemas ópticos, como por exemplo no interferômetro de Fabry-Pérot. Esses picos de máxima probabilidade de transmissão para incidências oblíquas são conhecidos como tunelamento ressonante. Figura 4 Probabilidade de transmissão T de elétrons incidentes em uma barreira de potencial retangular, com altura V0=0.8 eV e comprimento l=10 nm. (a) T em função da energia E e do ângulo de incidência θ. (b) T em função de θ para valores fixos de E<V0: (curva vermelha) E=V0/4 e (curva azul) E=V0/2. Adicionalmente, no limite em que |E|≪|V0|, a probabilidade de transmissão assume a seguinte forma assintótica (26) T = cos 2 ⁡ θ 1 - ( cos ⁡ β ⁢ sen ⁢ θ ) 2 . É importante mencionar que, após o elétron tunelar pela barreira de potencial, seu autoestado pode adquirir uma fase, que depende basicamente da altura e do comprimento da barreira de potencial, dada por ϕ=V0⁢l/(ℏ⁢vF). Tal fase pode ser usada na modelagem de dispositivos eletrônicos baseados em fenômenos de interferência [53, 21]. 2.5. Junção p-n, refração negativa e lentede Veselago Entende-se por junção o contato entre dois materiais distintos ou entre duas porções de um mesmo material com certa propriedade diferente. Pode ser constituída por dois semicondutores, por um semicondutor e um metal, ou ainda por dois metais. A junção p-n, por exemplo, possui uma interface que separa duas regiões de um mesmo material, uma submetida a uma polarização tipo p e a outra submetida a uma polarização tipo n [ver Fig. 5(a)]. Em geral, junções p-n são dispositivos eletrônicos básicos e, usualmente, são produzidas com heteroestruturas semicondutoras padrões. Uma descrição detalhada sobre junções em português pode ser encontrada na Ref. [54]. Devido à sua estrutura de bandas peculiar, na ausência de perturbações que causem qualquer tipo de quebra de simetria, o grafeno exibe bandas de energia cônicas que tocam-se no entorno do nível de Fermi, sendo considerado, portanto, um semicondutor de gap de banda nulo [40]. Assim, dopagem ou aplicação de potenciais de porta [23] em uma amostra de grafeno, como mostra a Fig. 5(a) superior, não causam abertura de gap de banda, mas levam a um deslocamento do nível de Fermi para a banda superior ou inferior, tornando a região considerada um condutor do tipo p (excesso de carga positiva – buracos) se o nível de Fermi for abaixado para a banda de valência, ou um condutor do tipo n (excesso de carga negativa – elétrons) se o nível de Fermi for elevado para a banda de condução, como mostra a Fig. 5(a) inferior. Figura 5 (a) Representação esquemática de uma junção p-n de grafeno. No painel superior (a), uma folha de grafeno é colocada sob dois potenciais de porta, a saber, Gate 1 e Gate 2, com o intuito de estabelecer, respectivamente, polarizações tipo n (lado esquerdo) e tipo p (lado direito). O painel inferior (a) ilustra o deslocamento do nível de Fermi devido à dopagem em relação ao ponto de neutralidade de carga, isso é, o ponto em que as bandas de valência e condução coincidem. (b) Ilustrações das trajetórias semiclássicas dos portadores de carga em junções p-n de grafeno. Painel superior [inferior] (b) ilustra a situação de refração positiva [negativa], em que um feixe de elétrons incide em uma interface que separa um meio com índice de refração positivo de um meio com índice de refração positivo [negativo]. Em óptica geométrica, define-se o índice de refração de um meio isotrópico i como ni=c/vi, onde vi é a velocidade de um feixe de luz no meio i. Quando um feixe de luz atinge uma interface que separa dois meios isotrópicos com índices de refração diferentes, n1 e n2, uma parte é refletida e a outra parte é refratada. Nessa situação, a lei de Snell-Descartes fornece a relação entre os ângulos de incidência, θ1, e refração, θ2, a saber, n1⁢sen⁢θ1=n2⁢sen⁢θ2. De forma análoga à situação que ocorre na óptica geométrica, no caso de junções baseadas em grafeno, tem-se, pela conservação da energia e da projeção do vetor de onda ao longo da direção paralela à interface da junção p-n, uma relação entre o ângulo de incidência, θ1, na Região I com potencial VI, e o ângulo de refração, θI I, na Região II com potencial VII. Assumindo que o elétron aproxima-se da junção pela Região I com vetor de onda kI e é transmitido para a Região II com vetor de onda kI⁢I e, em adição, como o sistema possui simetria translacional ao longo da direção y, a componente y (paralela à interface da junção p-n) do vetor de onda é conservada, o que resulta em (27) | k I | ⁢ sen ⁢ θ I = | k I ⁢ I | ⁢ sen ⁢ θ I ⁢ I . Conectando a Eq. (19) para as energias nas diferentes Regiões I e II com a Eq. (27), obtêm-se a seguinte lei de Snell-Descartes semelhante à óptica de raios (28) n 12 = sen ⁢ θ I sen ⁢ θ I ⁢ I = | k I ⁢ I | | k I | = E - V I ⁢ I E - V I , onde n12 é o índice de refração relativo. Note que, quando θI e θII possuem sinais opostos, obtêm-se um índice de refração relativo negativo, implicando que o sinal da componente do vetor de onda tangencial à interface muda, enquanto a componente normal permanecerá a mesma. Como exemplo, veja que, se VI=0 e VI⁢I>0, sempre que 0<E<VI⁢I, o ângulo de refração será negativo, assim como se VI⁢I=0 e VI>0, sempre que 0<E<VI. Uma ilustração esquemática das refrações negativa e positiva está mostrada na Fig. 5(b). Uma implicação imediata da refração negativa é a concepção de uma lente de Veselago [23, 24, 55, 56]. Para o caso de uma amostra composta por uma junção abrupta p-n de grafeno, trata-se de uma lente plana produzida a partir de uma barreira de potencial que pode focalizar um feixe de elétrons emitido por uma fonte pontual localizada em um dos lados da amostra. Portanto, pela Eq. (28), vemos que, dependendo da razão entre a energia de Fermi e os potenciais aplicados, pode-se obter configurações nas quais a interface da junção p-n atua como uma lente convexa [quando o índice de refração é negativo (n<0)] ou côncava [quando o índice de refração é positivo (n>0)], de modo que as trajetórias semiclássicas dos elétrons devem convergir (n<0) ou divergir (n>0) ao passar pela interface, respectivamente. Em adição, quando n=0 obtêm-se que o ângulo de transmissão é zero e os elétrons são perfeitamente colimados. 2.6. Cálculo numérico da densidade de corrente de probabilidade dentro do modelo deligação forte Uma forma análoga na comparação das trajetórias eletrônicas semiclássicas, descritas pelo uso da lei de Snell-Descartes [Eqs. (27) e (28)], para o caso quântico, se dá pela densidade de corrente de probabilidade J. Sua representação gráfica nos permite observar claramente (como será exposto mais adiante) efeitos de colimação, convergência e divergência dos feixes de elétrons incidentes numa determinada amostra que possua interface geométrica ou eletrostática. A densidade de corrente de probabilidade pode ser determinada a partir do procedimento descrito nas Refs. [57, 58, 59, 60], que é baseado na equação da continuidade e na definição da densidade de probabilidade do espaço contínuo com o uso do método de diferenças finitas – um procedimento de discretização da função de onda para cálculos numéricos. Para maiores detalhes sobre o método, consultar a Ref. [61] para aplicação em ondas mecânicas e eletromagnéticas e a Ref. [62] para a equação de Schrödinger. A definição de J surge da relação de continuidade (29) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t + ∇ ⋅ J = 0 , onde ρ=|Ψ|2 é a densidade de probabilidade, que pode ser escrita em termos do operador matriz densidade como ρ=⟨n|ρ^|n⟩, onde ρ^=|Ψ⟩⁢⟨Ψ|, com |Ψ⟩=∑nΨn⁢|n⟩, sendo {|n⟩} uma base de estados localizados. Assim, a densidade de corrente de probabilidade discretizada é (30) J n - J n + 1 = a ⁢ ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t , onde Δ⁢x=Δ⁢y=a é o passo da malha no contexto do método de diferenças finitas. A derivada parcial em relação ao tempo acima pode ser determinada pela equação de movimento para ρ^ (31) ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t = i ℏ ⁢ ⟨ n | [ ρ ^ , ℋ ] | n ⟩ = - 2 ℏ ⁢ Im ⁢ ∑ m Ψ n ⁢ Ψ m * ⁢ ℋ n , m . Considerando apenas as interações entre primeiros vizinhos, do somatório em m restará apenas o termo n-1, assim, das Eqs. (30) e (31), obtêm-se (32) J n = 2 ⁢ a ℏ ⁢ Im ⁢ ( Ψ n * ⁢ Ψ n - 1 ⁢ ℋ n , n - 1 ) . A Eq. (32) para o cálculo de J é válida para qualquer sistema discreto com interação de primeiros vizinhos, como, por exemplo, aqueles descritos por Hamiltonianos dentro do modelo de ligação forte, em que os índices da malha n corresponderão agora às posições dos sítios da rede. Dessa maneira, podemos definir as componentes Jx e Jy da densidade de corrente de probabilidade para o sistema bidimensional pelas linhas (i) e colunas (j) dos sítios. Para o caso da estrutura cristalina do grafeno, os índices i e j estão associados às posições (linha e coluna) das sub-redes A e B, o que resulta em (33a) J x ( i , j ) = ± a ℏ [ 2 Im ( Ψ i , j Ψ i , j ± 1 † t i , j ± 1 ) - Im ⁢ ( Ψ i , j ⁢ Ψ i - 1 , j † ⁢ t i - 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) ] , (33b) J y ( i , j ) = + 3 ⁢ a ℏ [ Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i - 1 , j † t i - 1 , j ) ] , onde o sinal (±) em Jx será positivo se o sítio (i,j) pertencer à sub-rede A e negativo se pertencer à sub-rede B. Ψi,j nas Eqs. (33a) e (33b) representa a amplitude da função de onda com índice de rede (i,j) dentro do esquema de diferenças finitas. Figura 6 Ilustração esquemática das junções (a) p-n e (b) p-n-p de grafeno investigadas nesse trabalho. As duas junções têm largura W=200 nm e são submetidas a um potencial na Região II dado por VI⁢I=V0, onde V0=0.8 eV. Foi tomado d=W/20=10 nm para a largura do lead 0 para simulação de uma fonte quase-pontual. A junção p-n tem comprimento 2L e a junção p-n-p tem comprimento 3L, onde L=50 nm. O lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos com o intuito de coletar os elétrons espalhados na interface e eliminar as reflexões nas bordas. 2.7. Junções p-n e p-n-p de grafeno Na próxima seção, investigaremos a focalização e a colimação de feixes de elétrons em duas junções de grafeno, p-n e p-n-p, mostradas, respectivamente, nas Figs. 6(a) e 6(b). Para tal, a fim de evitar reflexões laterais e efeitos de interferências, consideraremos amostras com grandes dimensões de largura. A junção p-n é formada por uma folha de grafeno com largura W=200 nm e comprimento 2L, onde L=50 nm, submetida a um potencial abrupto, descrito por uma função degrau. Nas quatro laterais da amostra são adicionados leads, como mostra as Figs. 6(a) e 6(b). Leads atuam como guias de onda que transportam ondas planas para dentro e para fora da região de espalhamento e correspondem aos contatos em um experimento de transporte quântico. Assim, o lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos na amostra para coletar os elétrons espalhados na interface e, assim, eliminar as reflexões nas bordas. Nas duas junções estudadas, a largura do lead 0 foi tomada como sendo d=W/20=10 nm, no intuito de criar uma fonte quase-pontual, de forma análoga às fontes pontuais de luz nos experimentos de óptica geométrica. Adotamos para o caso da junção p-n [Fig. 6(a)] que o potencial na Região I é nulo (VI=0) e que a Região II é submetida a um potencial não-nulo VI⁢I=V0, com V0=0.8 eV. Na Fig. 6(b), a junção p-n-p investigada está esquematicamente ilustrada. Note que ela é similar à junção p-n descrita anteriormente, mas com três porções, de modo que nas Regiões I e III não há presença de potencial, ou seja, VI=VI⁢I⁢I=0, e a Região II é submetida a um potencial VI⁢I=V0. Sua largura é W e seu comprimento é 3L. Nesse sentido, a junção p-n é análoga a um potencial degrau e a junção p-n-p é similar a uma barreira de potencial, sendo válida a lei do tipo Snell-Descartes, Eq. (28), nas interfaces que separam regiões submetidas a potenciais distintos. Serão consideradas diversas configurações de parâmetros para as junções p-n e p-n-p com o intuito de estudar sistematicamente e de forma didática a convergência, a divergência e a colimação de feixes de elétrons ao atravessarem tais junções. Para isso, será empregado o procedimento abordado na Subseç. 2.6 para calcular numericamente a densidade de corrente de probabilidade em cada configuração de parâmetros. Assim, conceitos como refração negativa e antimatéria óptica surgirão naturalmente. Todos os cálculos numéricos de densidade de corrente de probabilidade apresentados nesse trabalho foram realizados usando o Kwant [63], que é um pacote livre baseado na linguagem de programação Python e com foco em transporte quântico. Os códigos computacionais usados neste trabalho são apresentados, de forma comentada, como material suplementar, de modo a serem úteis na reprodução dos resultados aqui obtidos, bem como na implementação dos mesmos para definição de sistemas similares. , apresentamos os modelos matemáticos considerados para descrever o comportamento dos portadores de carga no grafeno. Na Subseç. 2.1 2.1. Estrutura cristalina e rede recíproca A estrutura cristalina do grafeno resulta da hibridização sp2 dos átomos de carbono ligados quimicamente através de ligações covalentes, onde um orbital atômico s hibridiza com outros dois orbitais atômicos p, px e py, para formar três orbitais atômicos planares com ângulos de 120∘ entre si. O orbital atômico pz, não hibridizado, é perpendicular a esse plano e é responsável pela mobilidade eletrônica no material, possuindo considerável relevância na descrição das propriedades de transporte eletrônico do grafeno. A Fig. 1(a) ilustra esquematicamente a estrutura cristalina do grafeno. Como pode ser visto, não é uma rede de Bravais, ou seja, não existem dois vetores de translação primitivos que, linearmente combinados, podem gerar qualquer outro sítio da estrutura cristalina. No entanto, pode ser representada por duas redes de Bravais triangulares interpenetradas, contendo, assim, dois átomos de carbono na base, rotuladas de sub-redes A e B. A distância entre átomos de carbono adjacentes é a=0.142 nm [40] e os vetores de translação primitivos da rede cristalina podem ser definidos como a1=(3⁢a/2,3⁢a/2) e a2=(3⁢a/2,-3⁢a/2). Pela Fig. 1(a), nota-se que os primeiros vizinhos de um determinado sítio da sub-rede A são três sítios da sub-rede B, e vice-versa. Já os segundos vizinhos de cada sub-rede são seis sítios da sub-rede equivalente. Por definição, a rede recíproca de uma rede cristalina é formada por vetores de onda k tais que exp⁡(i⁢k⋅R)=1, onde R é o vetor posição. Assim, os vetores de translação primitivos da rede recíproca, mostrada na Fig. 1(b), são b1=[2⁢π/(3⁢a)⁢,2⁢π⁢3/(3⁢a)] e b2=[2⁢π/(3⁢a),-2⁢π⁢3/(3⁢a)], obedecendo à seguinte propriedade [41, 42]: bi⋅aj=2⁢π⁢δi⁢j, onde δij corresponde ao delta de Kronecker, ou seja, δi⁢j=1 se i=j e δi⁢j=0 se i≠j. A célula unitária da estrutura cristalina e a primeira zona de Brillouin (célula de Wigner-Seitz do espaço recíproco) estão destacadas em cinza nas Figs. 1(a) e 1(b), respectivamente. Há dois pontos não-equivalentes de alta simetria na primeira zona de Brillouin que possuem importância particular, que são os pontos K e K′, chamados de pontos de Dirac [40], como serão discutidos mais adiante. , pontuamos brevemente as características cristalográficas do grafeno, tais como: vetores de translação primitivos das redes real e recíproca, posições dos sítios atômicos e pontos de alta simetria no espaço dos momentos na primeira zona de Brillouin. Na Subseç. 2.2 2.2. Propriedades eletrônicas elementares Determinar e interpretar a estrutura de bandas de um material é de suma importância para a compreensão de suas propriedades eletrônicas e de transporte. A partir dessa informação, além de conhecer as energias permitidas para os portadores de carga no material estudado, obtêm-se características tais como massa efetiva, velocidade de grupo e densidade de estados, entre outras. Um procedimento bastante usado para determinar a estrutura de bandas do grafeno é baseado no modelo de ligação forte, que fornece uma descrição categórica de suas propriedades eletrônicas elementares. A aplicação do modelo de ligação forte ao grafeno foi feita originalmente por Wallace em 1947 [43] e apresentada de forma bastante detalhada e didática por Dresselhaus et al. na Ref. [37]. Em geral, esse modelo é útil quando a sobreposição dos orbitais atômicos é predominante apenas entre átomos que são vizinhos próximos na rede cristalina. Assim, os orbitais atômicos podem ser usados como base para a representação do Hamiltoniano que descreve o comportamento dos portadores de carga no material. Na literatura acerca dos materiais de baixa dimensionalidade, geralmente o Hamiltoniano é apresentado usando o formalismo de segunda quantização, isso é, em termos de operadores de criação e aniquilação. Representando um operador que cria (aniquila) um elétron no autoestado s por cs† (cs) e definindo um autoestado desocupado por |0⟩, o princípio de exclusão de Pauli impõe que (1) c s † ⁢ c s † ⁢ | 0 ⟩ = 0 , ou, analogamente, que (2) c s † ⁢ | 1 ⟩ = 0 . É fácil mostrar que os operadores cs† e cs satisfazem às seguintes relações (3a) c s † ⁢ | 0 ⟩ = | 1 ⟩ , (3b) c s ⁢ | 1 ⟩ = | 0 ⟩ , (3c) c s ⁢ | 0 ⟩ = 0 . Adicionalmente, o operador cs†⁢cs fornece o número de ocupação do autoestado s, de modo que (4) c s † ⁢ c s ⁢ | n ⟩ = n ⁢ | n ⟩ , onde n=0,1. Os operadores cs† e c também satisfazem às seguintes relações (de anticomutação) (5) { c s , c s † } = c s ⁢ c s † + c s † ⁢ c s = 1 , lembrando que elétrons são férmions e seus operadores devem, portanto, obedecer à estatística de Fermi-Dirac, que descreve o comportamento de sistemas de partículas com spin semi-inteiro. Em geral, todas essas relações podem ser obtidas usando as seguintes expressões [44] (6) { c r , c s † } = δ r ⁢ s , { c r , c s } = 0 ⁢ e ⁢ { c r † , c s † } = 0 , onde δij é o delta de Kronecker. O Hamiltoniano H para um sistema quântico contento N partículas idênticas, no formalismo de primeira quantização, pode ser escrito como (7) H = ∑ k = 1 N T ⁢ ( x k ) + 1 2 ⁢ ∑ k ≠ l = 1 N V ⁢ ( x k , x l ) , onde T⁢(xk) é a energia cinética, V⁢(xk,xl) é a energia potencial devido à interação entre as partículas e xk(l) denota as coordenadas (espaciais e/ou qualquer outra variável discreta, como por exemplo coordenada de spin) [25, 44] da k(l)-ésima partícula. A respectiva função de onda do sistema de N partículas, por sua vez, é (8) Ψ = Ψ ⁢ ( x 1 , x 2 , … , x N , t ) , e obedece à equação de Schrödinger dependente do tempo (9) H ⁢ Ψ = i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ⁡ Ψ ∂ ⁡ t . Usando a álgebra dos operadores de criação e aniquilação, podemos reescrever o Hamiltoniano da Eq. (7) na linguagem de segunda quantização, resultando no seguinte Hamiltoniano ℋ no espaço de Fock (10) ℋ = ∑ i ⁢ j c i † ⁢ ⟨ i | T | j ⟩ ⁢ c j + 1 2 ⁢ ∑ i ⁢ j ⁢ k ⁢ l c i † ⁢ c j † ⁢ ⟨ i ⁢ j | V | k ⁢ l ⟩ ⁢ c l ⁢ c k , onde |i⟩ e |j⟩ são autoestados que constituem uma base completa do espaço de Hilbert. Comparando as Eqs. (7) e (10), nota-se que, no formalismo de primeira quantização, as energias potencial e cinética são dadas em função dos operadores posição e momento. Por outro lado, na linguagem de segunda quantização, observa-se a presença de operadores de criação e aniquilação. A transformação do Hamiltoniano, inicialmente escrito em termos dos operadores posição e momento, para a representação do número de ocupação é habitualmente chamada de procedimento de segunda quantização. Uma abordagem detalhada sobre os formalismos de primeira e segunda quantizações pode ser encontrada nas Refs. [44, 45] e a equivalência entre os dois formalismos é didaticamente apresentada na Ref. [25]. Usando o formalismo de segunda quantização, o Hamiltoniano dentro do modelo de ligação forte para o grafeno, considerando que os elétrons podem saltar apenas para os primeiros e segundos vizinhos de um átomo de carbono e tomando ℏ=1, tem a seguinte forma (11) ℋ = ∑ i , σ ( ε i + V i ) ⁢ ( a σ , i † ⁢ a σ , i + b σ , i † ⁢ b σ , i ) - t ⁢ ∑ ⟨ i , j ⟩ , σ ( a σ , i † ⁢ b σ , j + H.c. ) - t ′ ⁢ ∑ ⟨ ⟨ i , j ⟩ ⟩ , σ ( a σ , i † ⁢ a σ , j + b σ , i † ⁢ b σ , j + H.c. ) , onde εi e Vi correspondem à energia on-site e ao potencial on-site, respectivamente, no sítio Ri. Adicionalmente, t=2.8 eV (t′=0.1 eV) é o parâmetro de ligação/salto (do inglês, hopping) entre átomos de carbono que são primeiros (segundos) vizinhos [40]. aσ,i (aσ,i†) é um operador que aniquila (cria) um elétron com spin σ = ↑ ou ↓ no sítio Ri da sub-rede A, o equivalente sendo válido para bσ,j (bσ,j†). H.c. significa conjugação Hermitiana. Note que o segundo somatório da Eq. (11) corresponde à contribuição das interações entre sítios de sub-redes distintas e adjacentes (Ai-Bj), enquanto que o terceiro somatório está associado às interações entre segundos vizinhos de sítios de mesma sub-rede, isso é, Ai-Aj e Bi-Bj. O Hamiltoniano (11) pode ser diagonalizado pelo procedimento descrito nas Refs. [40] e [46]. As bandas de energia, por sua vez, têm a forma (12) E ± ⁢ ( k ) = s ⁢ t ⁢ 3 + f ⁢ ( k ) - t ′ ⁢ f ⁢ ( k ) , onde f⁢(k)=2⁢cos⁡(3⁢ky⁢a)+4⁢cos⁡(3⁢ky⁢a/2)⁢cos⁡(3⁢kx⁢a/2) é o fator de estrutura do grafeno e s=sgn⁢[E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)], sgn corresponde à função sinal, tal que s=-1 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)<0, s=0 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)=0 e s=+1 para E±⁢(k)+t′⁢f⁢(k)>0. Portanto, s=-1 é associado à banda de valência e s=+1 à banda de condução. As bandas de energia obtidas não são simétricas em relação ao plano de energia nula para t′ ≠0, implicando em uma quebra de simetria elétron-buraco. Por outro lado, como o parâmetro de ligação/salto entre primeiros vizinhos é aproximadamente uma ordem de grandeza maior que o parâmetro de ligação/salto entre segundos vizinhos, alguns autores desconsideram as interações entre átomos de carbono mais distantes, de modo que t′ é considerado nulo. Nessa aproximação, então, a simetria elétron-buraco é recuperada, como mostra as Figs. 2(a) e 2(b). Há seis pontos na rede recíproca, como mostra a Fig. 2(a), onde as bandas de energia coincidem, e desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, a saber, os pontos K e K′, ou pontos de Dirac. Figura 2 Bandas de energia do grafeno, Eq. (12), tomando t=2.8 eV, t′=0 e a=0.142 nm. Há seis pontos onde as bandas de valência e condução coincidem, como mostra o painel (a). Desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, K e K′. O aspecto cônico das bandas de energia no limite de baixas energias, ou seja, nas vizinhanças de qualquer um dos pontos de Dirac, é mostrado no painel (b). , apresentamos os Hamiltonianos dentro do modelo de ligação forte tanto em primeira quanto em segunda quantização, assim como o espectro de energias dos portadores de carga no grafeno. Na Subseç. 2.3 2.3. Limite de baixas energias e modelo contínuo Nota-se pela Fig. 2(b) que, nas vizinhanças de cada um dos pontos de Dirac, a relação de dispersão é aproximadamente linear, ou seja, E±⁢(k) ∝ |k|. Assim, é conveniente expandir o fator de estrutura do grafeno em uma série de Taylor até a primeira ordem em torno do ponto K (ou K′) (13) f ⁢ ( k ) ≈ f ⁢ ( K ) + ∂ ⁡ f ⁢ ( K ) ∂ ⁡ k x ⁢ ( k x - K x ) + ∂ ⁡ f ⁢ ( K ) ∂ ⁡ k y ⁢ ( k y - K y ) , e, sendo q=k-K, com |q|≪|K|, obtêm-se (14) E ± ⁢ ( q ) = s ⁢ v F ⁢ | q | , onde vF=3⁢a⁢t/2 é a velocidade de Fermi dos portadores de carga na presente aproximação. Tomando a=0.142 nm e t=2.8 eV, chega-se em vF≈ c/300, onde c é a velocidade da luz no vácuo. Na ausência de campos externos, a banda de valência, denotada pelo cone de Dirac inferior, inclui os autoestados ocupados, da mesma forma, a banda de condução, denotada pelo cone de Dirac superior, inclui os autoestados desocupados. Relações de dispersão aproximadamente lineares, como a descrita pela Eq. (14), são observadas em partículas relativísticas com spin 1/2 e sem massa, que obedecem à equação de Dirac. Nesse sentido, é oportuno usar um modelo contínuo para descrever a física dos portadores de carga no limite de baixas energias, onde a relação de dispersão é aproximadamente linear. Com a expansão do fator de estrutura, obtêm-se as seguintes equações matriciais no entorno dos pontos de Dirac (15a) - i ⁢ v F ⁢ σ ⋅ ∇ ⁡ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( q ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , para K , (15b) - i ⁢ v F ⁢ σ * ⋅ ∇ ⁡ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( q ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , para K ′ , onde σ=(σx,σy) é o vetor de Pauli, que tem as matrizes de Pauli como componentes (16) σ x = ( 0 1 1 0 ) , σ y = ( 0 - i i 0 ) . Os autoestados dos Hamiltonianos (15a) e (15b), no espaço dos momentos, são (17a) Ψ ± , K ⁢ ( q ) = 1 2 ⁢ ( e - i ⁢ θ q / 2 ± e + i ⁢ θ q / 2 ) , (17b) Ψ ± , K ′ ⁢ ( q ) = 1 2 ⁢ ( e + i ⁢ θ q / 2 ± e - i ⁢ θ q / 2 ) , onde θq=arctan⁡(qy/qx) é o ângulo polar no espaço dos momentos. Note que os autoestados são pseudospinores de duas componentes, isso é, matrizes colunas Ψ=[ψA,ψB]T, onde ψA e ψB estão associadas às probabilidades de encontrar os portadores de carga nas sub-redes A e B, respectivamente. Verifica-se, assim, um mapeamento entre o modelo contínuo, que descreve os portadores de carga com baixas energias no grafeno, e a equação de Dirac, que descreve férmions relativísticos com spin 1/2 [47]. Adicionalmente, decorre desse mapeamento uma analogia entre o comportamento de neutrinos sem massa e o de portadores de carga com baixas energias no grafeno. Uma outra analogia, discutida na Ref. [48], compara a relação de dispersão de férmions relativísticos sem massa e com spin 1/2 descritos pela equação de Dirac com a relação de dispersão de bósons relativísticos com spin 0 descritos pela equação de Klein-Gordon, movendo-se em duas dimensões na presença de um potencial periódico unidimensional. , derivamos o modelo contínuo a partir do modelo de ligação forte, realizando uma expansão em série de Taylor do fator de estrutura, e a expressão analítica para o espectro de baixas energias. Na Subseç. 2.4 2.4. Tunelamento Klein Em 1929, Klein publicou um artigo reportanto um resultado inesperado no contexto da eletrodinâmica quântica, que ficou conhecido como tunelamento Klein [49]. Estudando a transmissão de um elétron através de uma barreira de potencial alta e longa utilizando a equação de Dirac, Klein encontrou que os autoestados referentes aos elétrons que eram transmitidos através da barreira de potencial poderiam não sofrer amortecimentos em situações específicas, o que não era observado para partículas em situações semelhantes descritas pela equação de Schrödinger. Como os portadores de carga com baixas energias no grafeno podem ser descritos pela equação de Dirac com o termo referente à massa sendo considerado nulo, é natural procurar evidências da ocorrência do tunelamento Klein nesse material. Assim, diversos trabalhos abordando esse tema foram realizados, tanto teoricamente [50, 51] quanto experimentalmente [7, 52]. O tunelamento Klein no grafeno pode ser teoricamente investigado por meio do esquema ilustrado na Fig. 3(a), onde há uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l definida como V⁢(x)=0 para x≤0 (Região I) ou x≥l (Região III), e V⁢(x)=V0 para 0<x<l (Região II). A Fig. 3(b) ilustra um elétron com energia menor que a altura da barreira de potencial incidindo na interface que separa as Regiões I e II com um ângulo de incidência θ=arctan⁡(qy/qx) e com um ângulo de refração φ=arctan⁡(κy/κx). Como o potencial é constante nas três regiões ao longo da direção y, as componentes y dos momentos nessas três regiões são conservadas, de modo que qyI=κy=qyI⁢I⁢I=qy. Isso é devido ao fato do sistema possuir simetria de translação ao longo do eixo y. Assim, tem-se que o qyI,I⁢I⁢I é um bom número quântico, podendo assumir qualquer valor. Além disso, como não há potencial nas Regiões I e III, as componentes x dos momentos nessas duas regiões são iguais, ou seja, qxI=qxI⁢I⁢I=qx. Figura 3 Ilustração esquemática da incidência de um elétron com energia E<V0 através de uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l [painel (a)] e representação dos ângulos de incidência θ e refração φ [painel (b)]. A região rachurada em azul no painel (a) preenchendo os cones de Dirac denota a posição do nível de Fermi. Em uma região com ausência de potencial, para o ponto K, o Hamiltoniano é dado pela Eq. (15a), os autovalores são dados pela Eq. (14) e os autoestados são dados pela Eq. (17c). Em contrapartida, em uma região com presença de potencial V0, o Hamiltoniano para o mesmo ponto K é dado por (18) ( - i ⁢ v F ⁢ σ ⋅ ∇ + V 0 ⁢ I ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) = E ± ⁢ ( κ ) ⁢ Ψ ⁢ ( r ) , onde I é a matriz identidade de ordem 2. Os respectivos autovalores são dados por (19) E ± ⁢ ( κ ) = s ′ ⁢ v F ⁢ | κ | + V 0 , onde s′=sgn⁢[E±⁢(κ)-V0], e os autoestados, no espaço das coordenadas, são dados por (20) Ψ ⁢ ( r ) = 1 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ φ ) ⁢ e i ⁢ κ ⋅ R . Portanto, os autoestados referentes às Regiões I, II e III podem ser escritos como (21a) Ψ I ⁢ ( r ) = 1 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ θ ) ⁢ e i ⁢ ( q x ⁢ x + q y ⁢ y ) + r 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ ( π - θ ) ) ⁢ e i ⁢ ( - q x ⁢ x + q y ⁢ y ) , (21b) Ψ I ⁢ I ⁢ ( r ) = a 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ φ ) ⁢ e i ⁢ ( κ x ⁢ x + q y ⁢ y ) + b 2 ⁢ ( 1 s ′ ⁢ e i ⁢ ( π - φ ) ) ⁢ e i ⁢ ( - κ x ⁢ x + q y ⁢ y ) , (21c) Ψ I ⁢ I ⁢ I ⁢ ( r ) = t 2 ⁢ ( 1 s ⁢ e i ⁢ θ ) ⁢ e i ⁢ ( q x ⁢ x + q y ⁢ y ) , onde r e t correspondem aos coeficientes de reflexão e transmissão, respectivamente. Os coeficientes complexos a, b, r e t podem ser determinados pelas condições de contorno (continuidade da função de onda) nas interfaces que separam as Regiões I e II e as Regiões II e III, ou seja (22a) Ψ I ⁢ ( 0 , y ) = Ψ I ⁢ I ⁢ ( 0 , y ) , (22b) Ψ I ⁢ I ⁢ ( l , y ) = Ψ I ⁢ I ⁢ I ⁢ ( l , y ) . É interessante notar que tais condições de contorno resultarão em um sistema de quatro equações, tendo em vista que a função de onda em cada região é um pseudospinor de duas componentes, obtendo-se, assim, um sistema possível determinado. Para energias menores que a altura da barreira de potencial (0<E<V0), tem-se s=sgn⁢(E)=+1 e s′=sgn⁢(E-V0)=-1. Aplicando as condições de contorno em x=0 [Eq. (22a)] e x=l [Eq. (22b)], obtêm-se, para esse caso da junção n-p-n, o seguinte sistema (23) ( 0 - 1 1 1 0 e - i ⁢ θ - e i ⁢ φ e - i ⁢ φ - e i ⁢ q x ⁢ l 0 e i ⁢ k x ⁢ l e - i ⁢ k x ⁢ l - e - i ⁢ θ ⁢ e i ⁢ q x ⁢ l 0 - e i ⁢ φ ⁢ e i ⁢ k x ⁢ l e - i ⁢ φ ⁢ e - i ⁢ k x ⁢ l ) ⁢ ( t r a b ) = ( 1 e i ⁢ θ 0 0 ) . Para a equação de Schrödinger, teríamos que usar a continuidade da função de onda e também de sua derivada. Resolvendo o sistema acima, obtêm-se o seguinte coeficiente de reflexão (24) r = - 2 ⁢ e i ⁢ θ ⁢ sen ⁢ β ⁢ ( sen ⁢ φ + sen ⁢ θ ) e - i ⁢ β ⁢ cos ⁡ ( θ + φ ) + e i ⁢ β ⁢ cos ⁡ ( θ - φ ) + 2 ⁢ i ⁢ sen ⁢ β , onde β=κx⁢l. Com o coeficiente de reflexão obtido pela Eq. (24), podemos facilmente determinar a probabilidade de reflexão R=r*⁢r=|r|2 e, pela lei de conservação da probabilidade, encontrar a probabilidade de transmissão, tal como T=t*⁢t=|t|2=1-|r|2=1-R (25) T = ( cos ⁡ φ ⁢ cos ⁡ θ ) 2 ( cos ⁡ β ⁢ cos ⁡ θ ⁢ cos ⁡ φ ) 2 + [ sen ⁢ β ⁢ ( 1 - sen ⁢ θ ⁢ sen ⁢ φ ) ] 2 . Inspecionando a Eq. (25) e a Fig. 4 da probabilidade de transmissão para elétrons incidindo em uma barreira de potencial retangular, observa-se pelo menos duas particularidades: (i) se o ângulo de incidência for nulo (θ=0), a probabilidade de transmissão torna-se unitária, ou seja, a barreira de potencial torna-se transparente, independentemente dos valores de V0 e de l (observe transmissão unitária T=1 nas Figs. 4(a) e 4(b) para θ=0), e (ii) se β=n⁢π, sendo n um número inteiro, a barreira de potencial também torna-se transparente, isso é, obtêm-se para incidência oblíqua que T⁢(θ≠0)=1 (observe picos de ressonância na probabilidade de transmissão na Fig. 4(b) para θ ≠0 e E=V0/2). O primeiro efeito é uma característica única dos férmions de Dirac sem massa e está diretamente relacionado ao tunelamento Klein da eletrodinâmica quântica. O segundo comportamento é devido a efeitos de múltiplas interferências, visto que a barreira de potencial pode ser interpretada como uma interface dupla (em x=0 e x=l), que pode acomodar ondas oscilantes, de forma análoga ao que acontece em sistemas ópticos, como por exemplo no interferômetro de Fabry-Pérot. Esses picos de máxima probabilidade de transmissão para incidências oblíquas são conhecidos como tunelamento ressonante. Figura 4 Probabilidade de transmissão T de elétrons incidentes em uma barreira de potencial retangular, com altura V0=0.8 eV e comprimento l=10 nm. (a) T em função da energia E e do ângulo de incidência θ. (b) T em função de θ para valores fixos de E<V0: (curva vermelha) E=V0/4 e (curva azul) E=V0/2. Adicionalmente, no limite em que |E|≪|V0|, a probabilidade de transmissão assume a seguinte forma assintótica (26) T = cos 2 ⁡ θ 1 - ( cos ⁡ β ⁢ sen ⁢ θ ) 2 . É importante mencionar que, após o elétron tunelar pela barreira de potencial, seu autoestado pode adquirir uma fase, que depende basicamente da altura e do comprimento da barreira de potencial, dada por ϕ=V0⁢l/(ℏ⁢vF). Tal fase pode ser usada na modelagem de dispositivos eletrônicos baseados em fenômenos de interferência [53, 21]. , investigamos analiticamente a transmissão de um portador de carga através de uma barreira de potencial no grafeno usando o modelo contínuo. Dentro da mesma abordagem de baixas energias, na Subseç. 2.5 2.5. Junção p-n, refração negativa e lentede Veselago Entende-se por junção o contato entre dois materiais distintos ou entre duas porções de um mesmo material com certa propriedade diferente. Pode ser constituída por dois semicondutores, por um semicondutor e um metal, ou ainda por dois metais. A junção p-n, por exemplo, possui uma interface que separa duas regiões de um mesmo material, uma submetida a uma polarização tipo p e a outra submetida a uma polarização tipo n [ver Fig. 5(a)]. Em geral, junções p-n são dispositivos eletrônicos básicos e, usualmente, são produzidas com heteroestruturas semicondutoras padrões. Uma descrição detalhada sobre junções em português pode ser encontrada na Ref. [54]. Devido à sua estrutura de bandas peculiar, na ausência de perturbações que causem qualquer tipo de quebra de simetria, o grafeno exibe bandas de energia cônicas que tocam-se no entorno do nível de Fermi, sendo considerado, portanto, um semicondutor de gap de banda nulo [40]. Assim, dopagem ou aplicação de potenciais de porta [23] em uma amostra de grafeno, como mostra a Fig. 5(a) superior, não causam abertura de gap de banda, mas levam a um deslocamento do nível de Fermi para a banda superior ou inferior, tornando a região considerada um condutor do tipo p (excesso de carga positiva – buracos) se o nível de Fermi for abaixado para a banda de valência, ou um condutor do tipo n (excesso de carga negativa – elétrons) se o nível de Fermi for elevado para a banda de condução, como mostra a Fig. 5(a) inferior. Figura 5 (a) Representação esquemática de uma junção p-n de grafeno. No painel superior (a), uma folha de grafeno é colocada sob dois potenciais de porta, a saber, Gate 1 e Gate 2, com o intuito de estabelecer, respectivamente, polarizações tipo n (lado esquerdo) e tipo p (lado direito). O painel inferior (a) ilustra o deslocamento do nível de Fermi devido à dopagem em relação ao ponto de neutralidade de carga, isso é, o ponto em que as bandas de valência e condução coincidem. (b) Ilustrações das trajetórias semiclássicas dos portadores de carga em junções p-n de grafeno. Painel superior [inferior] (b) ilustra a situação de refração positiva [negativa], em que um feixe de elétrons incide em uma interface que separa um meio com índice de refração positivo de um meio com índice de refração positivo [negativo]. Em óptica geométrica, define-se o índice de refração de um meio isotrópico i como ni=c/vi, onde vi é a velocidade de um feixe de luz no meio i. Quando um feixe de luz atinge uma interface que separa dois meios isotrópicos com índices de refração diferentes, n1 e n2, uma parte é refletida e a outra parte é refratada. Nessa situação, a lei de Snell-Descartes fornece a relação entre os ângulos de incidência, θ1, e refração, θ2, a saber, n1⁢sen⁢θ1=n2⁢sen⁢θ2. De forma análoga à situação que ocorre na óptica geométrica, no caso de junções baseadas em grafeno, tem-se, pela conservação da energia e da projeção do vetor de onda ao longo da direção paralela à interface da junção p-n, uma relação entre o ângulo de incidência, θ1, na Região I com potencial VI, e o ângulo de refração, θI I, na Região II com potencial VII. Assumindo que o elétron aproxima-se da junção pela Região I com vetor de onda kI e é transmitido para a Região II com vetor de onda kI⁢I e, em adição, como o sistema possui simetria translacional ao longo da direção y, a componente y (paralela à interface da junção p-n) do vetor de onda é conservada, o que resulta em (27) | k I | ⁢ sen ⁢ θ I = | k I ⁢ I | ⁢ sen ⁢ θ I ⁢ I . Conectando a Eq. (19) para as energias nas diferentes Regiões I e II com a Eq. (27), obtêm-se a seguinte lei de Snell-Descartes semelhante à óptica de raios (28) n 12 = sen ⁢ θ I sen ⁢ θ I ⁢ I = | k I ⁢ I | | k I | = E - V I ⁢ I E - V I , onde n12 é o índice de refração relativo. Note que, quando θI e θII possuem sinais opostos, obtêm-se um índice de refração relativo negativo, implicando que o sinal da componente do vetor de onda tangencial à interface muda, enquanto a componente normal permanecerá a mesma. Como exemplo, veja que, se VI=0 e VI⁢I>0, sempre que 0<E<VI⁢I, o ângulo de refração será negativo, assim como se VI⁢I=0 e VI>0, sempre que 0<E<VI. Uma ilustração esquemática das refrações negativa e positiva está mostrada na Fig. 5(b). Uma implicação imediata da refração negativa é a concepção de uma lente de Veselago [23, 24, 55, 56]. Para o caso de uma amostra composta por uma junção abrupta p-n de grafeno, trata-se de uma lente plana produzida a partir de uma barreira de potencial que pode focalizar um feixe de elétrons emitido por uma fonte pontual localizada em um dos lados da amostra. Portanto, pela Eq. (28), vemos que, dependendo da razão entre a energia de Fermi e os potenciais aplicados, pode-se obter configurações nas quais a interface da junção p-n atua como uma lente convexa [quando o índice de refração é negativo (n<0)] ou côncava [quando o índice de refração é positivo (n>0)], de modo que as trajetórias semiclássicas dos elétrons devem convergir (n<0) ou divergir (n>0) ao passar pela interface, respectivamente. Em adição, quando n=0 obtêm-se que o ângulo de transmissão é zero e os elétrons são perfeitamente colimados. , discutimos o paralelo entre junção p-n e lente de Veselago no grafeno. Nas Subseçs. 2.6 2.6. Cálculo numérico da densidade de corrente de probabilidade dentro do modelo deligação forte Uma forma análoga na comparação das trajetórias eletrônicas semiclássicas, descritas pelo uso da lei de Snell-Descartes [Eqs. (27) e (28)], para o caso quântico, se dá pela densidade de corrente de probabilidade J. Sua representação gráfica nos permite observar claramente (como será exposto mais adiante) efeitos de colimação, convergência e divergência dos feixes de elétrons incidentes numa determinada amostra que possua interface geométrica ou eletrostática. A densidade de corrente de probabilidade pode ser determinada a partir do procedimento descrito nas Refs. [57, 58, 59, 60], que é baseado na equação da continuidade e na definição da densidade de probabilidade do espaço contínuo com o uso do método de diferenças finitas – um procedimento de discretização da função de onda para cálculos numéricos. Para maiores detalhes sobre o método, consultar a Ref. [61] para aplicação em ondas mecânicas e eletromagnéticas e a Ref. [62] para a equação de Schrödinger. A definição de J surge da relação de continuidade (29) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t + ∇ ⋅ J = 0 , onde ρ=|Ψ|2 é a densidade de probabilidade, que pode ser escrita em termos do operador matriz densidade como ρ=⟨n|ρ^|n⟩, onde ρ^=|Ψ⟩⁢⟨Ψ|, com |Ψ⟩=∑nΨn⁢|n⟩, sendo {|n⟩} uma base de estados localizados. Assim, a densidade de corrente de probabilidade discretizada é (30) J n - J n + 1 = a ⁢ ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t , onde Δ⁢x=Δ⁢y=a é o passo da malha no contexto do método de diferenças finitas. A derivada parcial em relação ao tempo acima pode ser determinada pela equação de movimento para ρ^ (31) ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t = i ℏ ⁢ ⟨ n | [ ρ ^ , ℋ ] | n ⟩ = - 2 ℏ ⁢ Im ⁢ ∑ m Ψ n ⁢ Ψ m * ⁢ ℋ n , m . Considerando apenas as interações entre primeiros vizinhos, do somatório em m restará apenas o termo n-1, assim, das Eqs. (30) e (31), obtêm-se (32) J n = 2 ⁢ a ℏ ⁢ Im ⁢ ( Ψ n * ⁢ Ψ n - 1 ⁢ ℋ n , n - 1 ) . A Eq. (32) para o cálculo de J é válida para qualquer sistema discreto com interação de primeiros vizinhos, como, por exemplo, aqueles descritos por Hamiltonianos dentro do modelo de ligação forte, em que os índices da malha n corresponderão agora às posições dos sítios da rede. Dessa maneira, podemos definir as componentes Jx e Jy da densidade de corrente de probabilidade para o sistema bidimensional pelas linhas (i) e colunas (j) dos sítios. Para o caso da estrutura cristalina do grafeno, os índices i e j estão associados às posições (linha e coluna) das sub-redes A e B, o que resulta em (33a) J x ( i , j ) = ± a ℏ [ 2 Im ( Ψ i , j Ψ i , j ± 1 † t i , j ± 1 ) - Im ⁢ ( Ψ i , j ⁢ Ψ i - 1 , j † ⁢ t i - 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) ] , (33b) J y ( i , j ) = + 3 ⁢ a ℏ [ Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i - 1 , j † t i - 1 , j ) ] , onde o sinal (±) em Jx será positivo se o sítio (i,j) pertencer à sub-rede A e negativo se pertencer à sub-rede B. Ψi,j nas Eqs. (33a) e (33b) representa a amplitude da função de onda com índice de rede (i,j) dentro do esquema de diferenças finitas. Figura 6 Ilustração esquemática das junções (a) p-n e (b) p-n-p de grafeno investigadas nesse trabalho. As duas junções têm largura W=200 nm e são submetidas a um potencial na Região II dado por VI⁢I=V0, onde V0=0.8 eV. Foi tomado d=W/20=10 nm para a largura do lead 0 para simulação de uma fonte quase-pontual. A junção p-n tem comprimento 2L e a junção p-n-p tem comprimento 3L, onde L=50 nm. O lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos com o intuito de coletar os elétrons espalhados na interface e eliminar as reflexões nas bordas. e 2.7 2.7. Junções p-n e p-n-p de grafeno Na próxima seção, investigaremos a focalização e a colimação de feixes de elétrons em duas junções de grafeno, p-n e p-n-p, mostradas, respectivamente, nas Figs. 6(a) e 6(b). Para tal, a fim de evitar reflexões laterais e efeitos de interferências, consideraremos amostras com grandes dimensões de largura. A junção p-n é formada por uma folha de grafeno com largura W=200 nm e comprimento 2L, onde L=50 nm, submetida a um potencial abrupto, descrito por uma função degrau. Nas quatro laterais da amostra são adicionados leads, como mostra as Figs. 6(a) e 6(b). Leads atuam como guias de onda que transportam ondas planas para dentro e para fora da região de espalhamento e correspondem aos contatos em um experimento de transporte quântico. Assim, o lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos na amostra para coletar os elétrons espalhados na interface e, assim, eliminar as reflexões nas bordas. Nas duas junções estudadas, a largura do lead 0 foi tomada como sendo d=W/20=10 nm, no intuito de criar uma fonte quase-pontual, de forma análoga às fontes pontuais de luz nos experimentos de óptica geométrica. Adotamos para o caso da junção p-n [Fig. 6(a)] que o potencial na Região I é nulo (VI=0) e que a Região II é submetida a um potencial não-nulo VI⁢I=V0, com V0=0.8 eV. Na Fig. 6(b), a junção p-n-p investigada está esquematicamente ilustrada. Note que ela é similar à junção p-n descrita anteriormente, mas com três porções, de modo que nas Regiões I e III não há presença de potencial, ou seja, VI=VI⁢I⁢I=0, e a Região II é submetida a um potencial VI⁢I=V0. Sua largura é W e seu comprimento é 3L. Nesse sentido, a junção p-n é análoga a um potencial degrau e a junção p-n-p é similar a uma barreira de potencial, sendo válida a lei do tipo Snell-Descartes, Eq. (28), nas interfaces que separam regiões submetidas a potenciais distintos. Serão consideradas diversas configurações de parâmetros para as junções p-n e p-n-p com o intuito de estudar sistematicamente e de forma didática a convergência, a divergência e a colimação de feixes de elétrons ao atravessarem tais junções. Para isso, será empregado o procedimento abordado na Subseç. 2.6 para calcular numericamente a densidade de corrente de probabilidade em cada configuração de parâmetros. Assim, conceitos como refração negativa e antimatéria óptica surgirão naturalmente. Todos os cálculos numéricos de densidade de corrente de probabilidade apresentados nesse trabalho foram realizados usando o Kwant [63], que é um pacote livre baseado na linguagem de programação Python e com foco em transporte quântico. Os códigos computacionais usados neste trabalho são apresentados, de forma comentada, como material suplementar, de modo a serem úteis na reprodução dos resultados aqui obtidos, bem como na implementação dos mesmos para definição de sistemas similares. , descrevemos o método numérico usado no cálculo da densidade de corrente de probabilidade e as configurações das junções de grafeno investigadas, respectivamente. Os resultados numéricos são apresentados e discutidos na Seç. 3 3. Resultados Inicialmente, vamos investigar as densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n de grafeno mostrada na Fig. 6(a), considerando cinco configurações de parâmetros, a saber, diferentes valores de energia dos feixes eletrônicos incidentes, que levam a diferentes valores de índice de refração relativo: E=1.6 eV, E=0.8 eV, E=0.6 eV, E=0.4 eV e E=0.2 eV, como mostram, respectivamente, as Figs. 7(a)–7(e). Figura 7 Densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n de grafeno mostrada na Fig. 6(a) para (a) E=1.6 eV, (b) E=0.8 eV, (c) E=0.6 eV, (d) E=0.4 eV e (e) E=0.2 eV, tomando V0=0.8 eV. O índice de refração relativo é dado por n12=1-V0/E. Assim, para os painéis de (a) a (e), tem-se, respectivamente, (a) n12=0.5, (b) n12=0, (c) n12=-0.3, (d) n12=-1 e (e) n12=-3. Nas duas junções da Fig. 6, os elétrons são injetados na região de espalhamento pelo lead 0, que tem largura d≪W, onde W é a largura da região de espalhamento. Por esse motivo, o lead 0 pode ser tratado como sendo uma fonte aproximadamente puntiforme de elétrons, o que permite uma analogia direta com feixes de luz pontuais em sistemas ópticos. Os elétrons injetados na junção p-n podem ser: (i) coletados diretamente pelos leads 2 e 3, (ii) refletidos pela interface que separa as Regiões I e II e, em seguida, coletados também pelos leads 2 e 3, ou (iii) transmitidos através do potencial degrau. Na situação (iii), a transmissão vai depender da relação entre os potenciais nas Regiões I e II, uma vez que, de acordo com a Eq. (28), pode-se ter n12<0, n12=0 ou n12>0. Em cada um desses três cenários, o feixe de elétrons terá um aspecto diferente ao atravessar o potencial degrau, como pode ser visto pelos gráficos das densidades de corrente de probabilidade nas Figs. 7(a)–7(e). De forma análoga ao que acontece na óptica geométrica, para 0<n12<1, observa-se um afastamento do feixe de elétrons com respeito à normal, como pode ser visto pela Fig. 7(a), onde foi tomado E=1.6 eV, implicando em n12=0.5<1, uma vez que n12=1-V0/E e V0=0.8 eV. Nessa situação, a interface da junção p-n atua como uma lente côncava, de modo que os feixes de elétrons divergem ao passar pela interface. Nessa descrição, energias negativas dariam origem a índices de refração >1, no entanto, apenas energias positivas estão sendo consideradas, resultando em -∞<n12<1. Nesse sentido, o caso onde n12>1 (situação em que haveria uma aproximação entre o feixe de elétrons e a normal) foi negligenciado. Para n12<1, adicionalmente, há um ângulo de incidência crítico θc, ou simplesmente ângulo crítico, tal que θI⁢I=π/2. Seu valor é dado por (34) θ c = sen - 1 ⁢ n 12 = sen - 1 ⁢ ( 1 - V 0 E ) . Figura 8 Densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n-p de grafeno mostrada na Fig. 6(b) para (a) E=1.6 eV, (b) E=0.8 eV, (c) E=0.6 eV, (d) E=0.4 eV e (e) E=0.2 eV, tomando V0=0.8 eV. Para os painéis de (a) a (e), tem-se, respectivamente, (a) n12=0.5, (b) n12=0, (c) n12=-0.3, (d) n12=-1 e (e) n12=-3. Para E=0.8 eV, usando a Eq. (28), chega-se a n12=0, de modo que o número de elétrons provenientes do lead 0 que são coletados pelo lead 1 é o mínimo possível, como mostra a Fig. 7(b). Nessa situação, o feixe de elétrons é, em sua maioria, coletado pelos leads 2 e 3, representando uma interrupção na corrente entre os leads 0 e 1. Por outro lado, no caso onde a energia é 0.6 eV, obtêm-se n12=-0.3<0 [Fig. 7(c)]. Assim, como o índice de refração relativo é negativo, nota-se uma convergência dos feixes de elétrons em uma região (não pontual) anterior ao lado direito da amostra, em que o entrecruzamento do feixe de elétrons acontece ao longo de uma curva característica, chamada cáustica [64]. Para E=0.4 eV, tem-se uma situação bastante interessante em que n12=-1 [Fig. 7(d)]. Nessa configuração de parâmetros, a lei do tipo Snell-Descartes, Eq. (28), fornece θI=-θI⁢I. Usando argumentos simples de geometria, pode-se calcular a posição do ponto focal f, o que resulta em (35) f = L ⁢ | tan ⁡ θ I tan ⁡ θ I ⁢ I | . Assim, devido à simetria da junção p-n considerada, a posição do ponto focal é diametralmente oposta, coincidindo com a mesma posição vertical incidente, mas agora no lado direito da amostra, quando n12=-1, de modo que os feixes de elétrons injetados pelo lead 0 convergem simetricamente no lado direito da amostra e é coletado, em sua maioria, pelo lead 1. Nota-se, portanto, que, para n12<0, a interface da junção p-n atua como uma lente convexa, de modo que as trajetórias dos elétrons convergem ao passar pela interface da junção. Por fim, tomando E=0.2 eV, o que resulta em n12=-3, a Fig. 7(e) mostra, assim como nos painéis 7(c) e 7(d) em que n12<0, uma convergência dos feixes de elétrons na Região II. Nesse caso, porém, os feixes de elétrons convergem em uma região (não pontual) posterior ao lado direito da amostra. Tal que para E=0.2 eV [Fig. 7(e)], na Região II observa-se uma “quase-perfeita colimação” com os feixes de elétrons quase-paralelos entre si, isso é, apresentando um pequeno ângulo de transmissão com relação à normal. A seguir, vamos investigar as densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n-p de grafeno mostrada na Fig. 6(b), considerando as mesmas cinco configurações de parâmetros anteriores, como mostram as Figs. 8(a)–8(e). Assim como no caso da junção p-n, para a junção p-n-p há três cenários possíveis para os elétrons injetados na região de espalhamento, ou seja, podem ser: (i) coletados diretamente pelos leads 2 e 3, (ii) refletidos pelas interfaces que separam as Regiões I e II e as Regiões II e III e, em seguida, coletados também pelos leads 2 e 3, ou (iii) transmitidos através da barreira de potencial. Na Fig. 8(a), para E=1.6 eV, observa-se um afastamento do feixe de elétrons com respeito à normal na transmissão da Região I para a Região II, analogamente ao que acontece para a junção p-n na Fig. 7(a) com uma configuração de parâmetros semelhante. Em contrapartida, quando o feixe de elétrons é transmitido da Região II para a Região III, temos uma interface formada por uma junção n-p. De acordo com a Eq. (28), obtêm-se que n21=E/(E-V0). Assim, ao contrário do que ocorre na junção p-n descrita anteriormente, pode-se ter para a interface n-p n21>1 para E>0 sempre que 0<V0<E. Sendo n12 o índice de refração relativo às Regiões I e II e n21 o índice de refração relativo às Regiões II e III, para E=1.6 eV, tem-se n12=0.5 e n21=1/n12=2. Portanto, na transmissão da Região II para a Região III, há uma aproximação entre o feixe de elétrons e a normal, como mostra a Fig. 8(a). Para E=0.8 eV [Fig. 8(b)], o índice de refração relativo às Regiões I e II é, como no caso da junção p-n, nulo, resultando em uma grande interrupção na corrente entre os leads 0 e 1. Assim, os poucos feixes de elétrons transmitidos da Região II para a Região III nessa situação possuem suas trajetórias colimadas, isso é, os feixes de elétrons são paralelos entre si no lado direito da Fig. 8(b). Para E=0.6 eV [Fig. 8(c)], obtêm-se n12=-0.3 e n21=-3 para as interfaces p-n e n-p, respectivamente. Dessa forma, na Região II, os feixes de elétrons convergem em uma região não pontual anterior à interface que separa as Regiões II e III, dando origem a uma cáustica, como acontece na Fig. 7(c). Em seguida, na Região III, também há uma convergência dos feixes de elétrons. O caso interessante em que n12=n21=-1 é mostrado na Fig. 8(d), onde foi tomado E=0.4 eV. Assim como na junção p-n onde θI=-θI⁢I, obtêm-se para a interface n-p que θI⁢I=-θI⁢I⁢I. Dessa forma, devido à simetria da junção p-n-p considerada, verifica-se que a interface entre as Regiões II e III atua como uma lente côncava, fazendo os feixes de elétrons divergirem, “eliminando” o papel da interface entre as Regiões I e II que focalizou os feixes de elétrons. É nesse sentido que, em 2003, Pendry e Ramakrishna [26, 27] atribuíram o conceito de antimatéria óptica a sistemas físicos que apresentam essa característica. Finalmente, tomando E=0.2 eV, resultando em n12=-3<0 para a interface p-n e n21=-0.3<0 para a interface n-p, a Fig. 8(e) mostra que da Região I para a Região II há uma convergência dos feixes de elétrons similar ao que ocorre na Fig. 7(e), e da Região II para a Região III há uma divergência do feixe de elétrons, de forma semelhante às Figs. 8(c) e 8(d), mas agora com ângulos de transmissão menores. Dessa maneira, apresentamos de forma sistemática resultados que demonstram que essas interfaces com diferentes polarizações (p-n, n-p, p-n-p e n-p-n) em sistemas baseados em grafeno podem ser úteis para modular a corrente por efeitos análogos àqueles em dispositivos ópticos compostos por combinações de lentes convexas e côncavas, sendo esses facilmente controláveis por aplicações de potenciais externos e dopagens. . Por fim, a Seç. 4 4. Conclusão Nesse trabalho, apresentamos um estudo sistemático e didático sobre a anologia óptica de dispositivos eletrônicos baseados em junções p-n e p-n-p de grafeno, induzidas por potenciais de porta (gates), e as condições físicas para a focalização e a colimação de feixes de elétrons de Dirac nessas amostras. A junção p-n pode ser comparada a um potencial degrau, enquanto a junção p-n-p pode ser associada a uma barreira de potencial, sistemas físicos normalmente abordados em cursos introdutórios de mecânica quântica e física moderna. Antes de discutirmos essas estruturas que compõem dispositivos semicondutores básicos, primeiramente apresentamos conceitos físicos relevantes no entorno da física do grafeno, em especial, relativos à descrição matemática das ferramentas básicas para a obtenção de suas propriedades eletrônicas e de transporte. Como aplicação, usamos o modelo de ligação forte (do inglês, tight-binding), considerando apenas as interações entre átomos de carbono que são primeiros vizinhos, para determinar a densidade de corrente de probabilidade, que pode ser analogamente comparada com as trajetórias semiclássicas obtidas de uma equação do tipo lei de Snell-Descartes para o grafeno. Todos os cálculos numéricos foram realizados usando o Kwant, que é um pacote livre voltado para o transporte quântico em sistemas mesoscópicos e baseado na linguagem de programação Python. Nossos resultados mostraram que, no limite de baixas energias, a sintonização adequada dos potenciais para ambas junções p-n e p-n-p, pode convergir, divergir ou colimar feixes de elétrons que atravessam tais junções, de forma análoga ao que ocorre na óptica geométrica com feixes de luz que incidem em uma interface que separa dois meios isotrópicos com índices de refração diferentes. Desse modo, a partir da conservação do momento na direção de simetria de translação do sistema e das equações das energias para cada região da junção, uma lei do tipo Snell-Descartes é encontrada relacionando o índice de refração relativo com a razão entre os momentos nos meios (ou, equivalentemente, as diferenças de energias e potenciais aplicados). Vale ressaltar que as junções estudadas nesse trabalho podem ser consideradas blocos fundamentais no contexto da nanotecnologia e, assim, abrir portas para o desenvolvimento de novos dispositivos nanoeletrônicos baseados em grafeno. contém um sumário dos principais resultados e as conclusões.

2. Modelo Teórico

O grafeno, um material essencialmente bidimensional, é constituído de átomos de carbono [ver Fig. 1(a)] arranjados em uma estrutura cristalina conhecida como favo de mel (do inglês, honeycomb). Peierls [28[28] R. Peierls, Annales de l’institut Henri Poincaré 5, 177 (1935).], em 1935, e Landau [29[29] L. Landau, Zh. Eksp. Teor. Fiz 7, 19 (1937).], em 1937, argumentaram sobre a instabilidade termodinâmica de cristais estritamente bidimensionais. Porém, em 2004, Novoselov et al. [30[30] K.S. Novoselov, A.K. Geim, S.V. Morozov, D. Jiang, Y. Zhang, S.V. Dubonos, I.V. Grigorieva e A.A. Firsov, Science 306, 666 (2004).] publicaram um artigo reportando a obtenção experimental do grafeno, assim como uma série de resultados sobre algumas de suas propriedades físicas. Adicionalmente, em 2010, Geim e Novoselov foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física devido às suas “experiências inovadoras sobre o material bidimensional grafeno” [31[31] E. Gerstner, Nature Physics 6, 836 (2010).]. A técnica usada por Geim e Novoselov chama-se clivagem micromecânica e consiste em extrair por esfoliação folhas de grafeno a partir da grafite pirolítica altamente orientada (do inglês, Highly Oriented Pyrolytic Graphite – HOPG, que corresponde a uma forma altamente pura e ordenada de grafite). A grafite, por sua vez, é constituída de folhas de grafeno empilhadas conectadas por meio de forças de van der Waals. A clivagem micromecânica permite obter amostras de grafeno tão boas, no sentido de terem poucos defeitos e impurezas, que fenômenos como transporte balístico e efeito Hall quântico podem ser facilmente observados [32[32] M.I. Katsnelson, Materials Today 10, 20 (2007).]. Para fins de aplicações, a técnica mais adequada para se obter amostras grandes de grafeno é a deposição de vapor químico (do inglês, Chemical Vapor Deposition – CVD, para revisão sobre o tema, ver Refs. [33[33] R. Munoz e C. Gómez-Aleixandre, Chemical Vapor Deposition 19, 297 (2013).] e [34[34] Y. Zhang, L. Zhang e C. Zhou, Accounts of Chemical Research 46, 2329 (2013).]). Outras formas alotrópicas do carbono podem ser obtidas a partir do grafeno, a saber, fulerenos [35[35] H.W. Kroto, J.R. Heath, S.C. O’Brien, R.F. Curl e R.E. Smalley, Nature 318, 162 (1985).], nanotubos de carbono [36[36] S. Iijima, Nature 354, 56 (1991)., 37[37] G. Dresselhaus, M.S. Dresselhaus e R. Saito, Physical properties of carbon nanotubes (Imperial College Press, London, 1998).] e outras [38[38] S. Zhang, J. Zhou, Q. Wang, X. Chen, Y. Kawazoe e P. Jena, Proceedings of the National Academy of Sciences 112, 2372 (2015)., 39[39] H. Lu e S.D. Lia, Journal of Materials Chemistry C 1, 3677 (2013).].

Figura 1
Ilustração esquemática da (a) estrutura cristalina e da (b) rede recíproca do grafeno. Os vetores de translação primitivos da rede cristalina podem ser definidos como a1 e a2 e os da rede recíproca podem ser definidos como b1 e b2. A estrutura cristalina contém dois átomos de carbono na base, um pertencente à sub-rede A e o outro pertencente à sub-rede B, como mostra o painel (a). A célula unitária da estrutura cristalina e a primeira zona de Brillouin estão destacadas em cinza nos painéis (a) e (b), respectivamente. A distância entre átomos de carbono adjacentes é a=0.142 nm [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).].

2.1. Estrutura cristalina e rede recíproca

A estrutura cristalina do grafeno resulta da hibridização sp2 dos átomos de carbono ligados quimicamente através de ligações covalentes, onde um orbital atômico s hibridiza com outros dois orbitais atômicos p, px e py, para formar três orbitais atômicos planares com ângulos de 120 entre si. O orbital atômico pz, não hibridizado, é perpendicular a esse plano e é responsável pela mobilidade eletrônica no material, possuindo considerável relevância na descrição das propriedades de transporte eletrônico do grafeno. A Fig. 1(a) ilustra esquematicamente a estrutura cristalina do grafeno. Como pode ser visto, não é uma rede de Bravais, ou seja, não existem dois vetores de translação primitivos que, linearmente combinados, podem gerar qualquer outro sítio da estrutura cristalina. No entanto, pode ser representada por duas redes de Bravais triangulares interpenetradas, contendo, assim, dois átomos de carbono na base, rotuladas de sub-redes A e B. A distância entre átomos de carbono adjacentes é a=0.142 nm [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).] e os vetores de translação primitivos da rede cristalina podem ser definidos como a1=(3a/2,3a/2) e a2=(3a/2,-3a/2). Pela Fig. 1(a), nota-se que os primeiros vizinhos de um determinado sítio da sub-rede A são três sítios da sub-rede B, e vice-versa. Já os segundos vizinhos de cada sub-rede são seis sítios da sub-rede equivalente. Por definição, a rede recíproca de uma rede cristalina é formada por vetores de onda k tais que exp(ikR)=1, onde R é o vetor posição. Assim, os vetores de translação primitivos da rede recíproca, mostrada na Fig. 1(b), são b1=[2π/(3a),2π3/(3a)] e b2=[2π/(3a),-2π3/(3a)], obedecendo à seguinte propriedade [41[41] N.W. Ashcroft e N.D. Mermin, Solid state physics (Saunders College, New York, 1976)., 42[42] C. Kittel, Introduction to solid state physics (John Wiley & Sons, New York, 2005), 8 ed.]: biaj=2πδij, onde δij corresponde ao delta de Kronecker, ou seja, δij=1 se i=j e δij=0 se ij. A célula unitária da estrutura cristalina e a primeira zona de Brillouin (célula de Wigner-Seitz do espaço recíproco) estão destacadas em cinza nas Figs. 1(a) e 1(b), respectivamente. Há dois pontos não-equivalentes de alta simetria na primeira zona de Brillouin que possuem importância particular, que são os pontos K e K, chamados de pontos de Dirac [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).], como serão discutidos mais adiante.

2.2. Propriedades eletrônicas elementares

Determinar e interpretar a estrutura de bandas de um material é de suma importância para a compreensão de suas propriedades eletrônicas e de transporte. A partir dessa informação, além de conhecer as energias permitidas para os portadores de carga no material estudado, obtêm-se características tais como massa efetiva, velocidade de grupo e densidade de estados, entre outras. Um procedimento bastante usado para determinar a estrutura de bandas do grafeno é baseado no modelo de ligação forte, que fornece uma descrição categórica de suas propriedades eletrônicas elementares. A aplicação do modelo de ligação forte ao grafeno foi feita originalmente por Wallace em 1947 [43[43] P.R. Wallace, Physical Review 71, 622 (1947).] e apresentada de forma bastante detalhada e didática por Dresselhaus et al. na Ref. [37[37] G. Dresselhaus, M.S. Dresselhaus e R. Saito, Physical properties of carbon nanotubes (Imperial College Press, London, 1998).]. Em geral, esse modelo é útil quando a sobreposição dos orbitais atômicos é predominante apenas entre átomos que são vizinhos próximos na rede cristalina. Assim, os orbitais atômicos podem ser usados como base para a representação do Hamiltoniano que descreve o comportamento dos portadores de carga no material.

Na literatura acerca dos materiais de baixa dimensionalidade, geralmente o Hamiltoniano é apresentado usando o formalismo de segunda quantização, isso é, em termos de operadores de criação e aniquilação. Representando um operador que cria (aniquila) um elétron no autoestado s por cs (cs) e definindo um autoestado desocupado por |0, o princípio de exclusão de Pauli impõe que

(1) c s c s | 0 = 0 ,

ou, analogamente, que

(2) c s | 1 = 0 .

É fácil mostrar que os operadores cs e cs satisfazem às seguintes relações

(3a) c s | 0 = | 1 ,
(3b) c s | 1 = | 0 ,
(3c) c s | 0 = 0 .

Adicionalmente, o operador cscs fornece o número de ocupação do autoestado s, de modo que

(4) c s c s | n = n | n ,

onde n=0,1. Os operadores cs e c também satisfazem às seguintes relações (de anticomutação)

(5) { c s , c s } = c s c s + c s c s = 1 ,

lembrando que elétrons são férmions e seus operadores devem, portanto, obedecer à estatística de Fermi-Dirac, que descreve o comportamento de sistemas de partículas com spin semi-inteiro. Em geral, todas essas relações podem ser obtidas usando as seguintes expressões [44[44] A.L. Fetter e J.D. Walecka, Quantum theory of many-particle systems (McGraw Hill, New York, 2012).]

(6) { c r , c s } = δ r s , { c r , c s } = 0 e { c r , c s } = 0 ,

onde δij é o delta de Kronecker.

O Hamiltoniano H para um sistema quântico contento N partículas idênticas, no formalismo de primeira quantização, pode ser escrito como

(7) H = k = 1 N T ( x k ) + 1 2 k l = 1 N V ( x k , x l ) ,

onde T(xk) é a energia cinética, V(xk,xl) é a energia potencial devido à interação entre as partículas e xk(l) denota as coordenadas (espaciais e/ou qualquer outra variável discreta, como por exemplo coordenada de spin) [25[25] W.P. Lima, F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, S.H.R. Sena e J.M. Pereira Jr., Brazilian Journal of Physics 52, 1 (2022)., 44[44] A.L. Fetter e J.D. Walecka, Quantum theory of many-particle systems (McGraw Hill, New York, 2012).] da k(l)-ésima partícula. A respectiva função de onda do sistema de N partículas, por sua vez, é

(8) Ψ = Ψ ( x 1 , x 2 , , x N , t ) ,

e obedece à equação de Schrödinger dependente do tempo

(9) H Ψ = i Ψ t .

Usando a álgebra dos operadores de criação e aniquilação, podemos reescrever o Hamiltoniano da Eq. (7) na linguagem de segunda quantização, resultando no seguinte Hamiltoniano no espaço de Fock

(10) = i j c i i | T | j c j + 1 2 i j k l c i c j i j | V | k l c l c k ,

onde |i e |j são autoestados que constituem uma base completa do espaço de Hilbert. Comparando as Eqs. (7) e (10), nota-se que, no formalismo de primeira quantização, as energias potencial e cinética são dadas em função dos operadores posição e momento. Por outro lado, na linguagem de segunda quantização, observa-se a presença de operadores de criação e aniquilação. A transformação do Hamiltoniano, inicialmente escrito em termos dos operadores posição e momento, para a representação do número de ocupação é habitualmente chamada de procedimento de segunda quantização. Uma abordagem detalhada sobre os formalismos de primeira e segunda quantizações pode ser encontrada nas Refs. [44[44] A.L. Fetter e J.D. Walecka, Quantum theory of many-particle systems (McGraw Hill, New York, 2012)., 45[45] I.S. Oliveira, Introdução à física do estado sólido (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2005).] e a equivalência entre os dois formalismos é didaticamente apresentada na Ref. [25[25] W.P. Lima, F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, S.H.R. Sena e J.M. Pereira Jr., Brazilian Journal of Physics 52, 1 (2022).].

Usando o formalismo de segunda quantização, o Hamiltoniano dentro do modelo de ligação forte para o grafeno, considerando que os elétrons podem saltar apenas para os primeiros e segundos vizinhos de um átomo de carbono e tomando =1, tem a seguinte forma

(11) = i , σ ( ε i + V i ) ( a σ , i a σ , i + b σ , i b σ , i ) - t i , j , σ ( a σ , i b σ , j + H.c. ) - t i , j , σ ( a σ , i a σ , j + b σ , i b σ , j + H.c. ) ,

onde εi e Vi correspondem à energia on-site e ao potencial on-site, respectivamente, no sítio Ri. Adicionalmente, t=2.8 eV (t=0.1 eV) é o parâmetro de ligação/salto (do inglês, hopping) entre átomos de carbono que são primeiros (segundos) vizinhos [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).]. aσ,i (aσ,i) é um operador que aniquila (cria) um elétron com spin σ = ou no sítio Ri da sub-rede A, o equivalente sendo válido para bσ,j (bσ,j). H.c. significa conjugação Hermitiana. Note que o segundo somatório da Eq. (11) corresponde à contribuição das interações entre sítios de sub-redes distintas e adjacentes (Ai-Bj), enquanto que o terceiro somatório está associado às interações entre segundos vizinhos de sítios de mesma sub-rede, isso é, Ai-Aj e Bi-Bj.

O Hamiltoniano (11) pode ser diagonalizado pelo procedimento descrito nas Refs. [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).] e [46[46] C.A. Dartora, M.J.S. Jimenez e F. Zanella, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 3301 (2015).]. As bandas de energia, por sua vez, têm a forma

(12) E ± ( k ) = s t 3 + f ( k ) - t f ( k ) ,

onde f(k)=2cos(3kya)+4cos(3kya/2)cos(3kxa/2) é o fator de estrutura do grafeno e s=sgn[E±(k)+tf(k)], sgn corresponde à função sinal, tal que s=-1 para E±(k)+tf(k)<0, s=0 para E±(k)+tf(k)=0 e s=+1 para E±(k)+tf(k)>0. Portanto, s=-1 é associado à banda de valência e s=+1 à banda de condução. As bandas de energia obtidas não são simétricas em relação ao plano de energia nula para t 0, implicando em uma quebra de simetria elétron-buraco. Por outro lado, como o parâmetro de ligação/salto entre primeiros vizinhos é aproximadamente uma ordem de grandeza maior que o parâmetro de ligação/salto entre segundos vizinhos, alguns autores desconsideram as interações entre átomos de carbono mais distantes, de modo que t é considerado nulo. Nessa aproximação, então, a simetria elétron-buraco é recuperada, como mostra as Figs. 2(a) e 2(b). Há seis pontos na rede recíproca, como mostra a Fig. 2(a), onde as bandas de energia coincidem, e desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, a saber, os pontos K e K, ou pontos de Dirac.

Figura 2
Bandas de energia do grafeno, Eq. (12), tomando t=2.8 eV, t=0 e a=0.142 nm. Há seis pontos onde as bandas de valência e condução coincidem, como mostra o painel (a). Desses seis pontos apenas dois não são equivalentes, K e K. O aspecto cônico das bandas de energia no limite de baixas energias, ou seja, nas vizinhanças de qualquer um dos pontos de Dirac, é mostrado no painel (b).

2.3. Limite de baixas energias e modelo contínuo

Nota-se pela Fig. 2(b) que, nas vizinhanças de cada um dos pontos de Dirac, a relação de dispersão é aproximadamente linear, ou seja, E±(k) |k|. Assim, é conveniente expandir o fator de estrutura do grafeno em uma série de Taylor até a primeira ordem em torno do ponto K (ou K)

(13) f ( k ) f ( K ) + f ( K ) k x ( k x - K x ) + f ( K ) k y ( k y - K y ) ,

e, sendo q=k-K, com |q||K|, obtêm-se

(14) E ± ( q ) = s v F | q | ,

onde vF=3at/2 é a velocidade de Fermi dos portadores de carga na presente aproximação. Tomando a=0.142 nm e t=2.8 eV, chega-se em vF c/300, onde c é a velocidade da luz no vácuo. Na ausência de campos externos, a banda de valência, denotada pelo cone de Dirac inferior, inclui os autoestados ocupados, da mesma forma, a banda de condução, denotada pelo cone de Dirac superior, inclui os autoestados desocupados. Relações de dispersão aproximadamente lineares, como a descrita pela Eq. (14), são observadas em partículas relativísticas com spin 1/2 e sem massa, que obedecem à equação de Dirac. Nesse sentido, é oportuno usar um modelo contínuo para descrever a física dos portadores de carga no limite de baixas energias, onde a relação de dispersão é aproximadamente linear. Com a expansão do fator de estrutura, obtêm-se as seguintes equações matriciais no entorno dos pontos de Dirac

(15a) - i v F σ Ψ ( r ) = E ± ( q ) Ψ ( r ) , para K ,
(15b) - i v F σ * Ψ ( r ) = E ± ( q ) Ψ ( r ) , para K ,

onde σ=(σx,σy) é o vetor de Pauli, que tem as matrizes de Pauli como componentes

(16) σ x = ( 0 1 1 0 ) , σ y = ( 0 - i i 0 ) .

Os autoestados dos Hamiltonianos (15a) e (15b), no espaço dos momentos, são

(17a) Ψ ± , K ( q ) = 1 2 ( e - i θ q / 2 ± e + i θ q / 2 ) ,
(17b) Ψ ± , K ( q ) = 1 2 ( e + i θ q / 2 ± e - i θ q / 2 ) ,

onde θq=arctan(qy/qx) é o ângulo polar no espaço dos momentos. Note que os autoestados são pseudospinores de duas componentes, isso é, matrizes colunas Ψ=[ψA,ψB]T, onde ψA e ψB estão associadas às probabilidades de encontrar os portadores de carga nas sub-redes A e B, respectivamente. Verifica-se, assim, um mapeamento entre o modelo contínuo, que descreve os portadores de carga com baixas energias no grafeno, e a equação de Dirac, que descreve férmions relativísticos com spin 1/2 [47[47] W. Greiner, Relativistic quantum mechanics (Springer, Berlin, 2000), v. 2.]. Adicionalmente, decorre desse mapeamento uma analogia entre o comportamento de neutrinos sem massa e o de portadores de carga com baixas energias no grafeno. Uma outra analogia, discutida na Ref. [48[48] M. Barbier, F.M. Peeters, P. Vasilopoulos e J.M. Pereira Jr., Physical Review B 77, 115446 (2008).], compara a relação de dispersão de férmions relativísticos sem massa e com spin 1/2 descritos pela equação de Dirac com a relação de dispersão de bósons relativísticos com spin 0 descritos pela equação de Klein-Gordon, movendo-se em duas dimensões na presença de um potencial periódico unidimensional.

2.4. Tunelamento Klein

Em 1929, Klein publicou um artigo reportanto um resultado inesperado no contexto da eletrodinâmica quântica, que ficou conhecido como tunelamento Klein [49[49] O. Klein, Zeitschrift für Physik 53, 157 (1929).]. Estudando a transmissão de um elétron através de uma barreira de potencial alta e longa utilizando a equação de Dirac, Klein encontrou que os autoestados referentes aos elétrons que eram transmitidos através da barreira de potencial poderiam não sofrer amortecimentos em situações específicas, o que não era observado para partículas em situações semelhantes descritas pela equação de Schrödinger. Como os portadores de carga com baixas energias no grafeno podem ser descritos pela equação de Dirac com o termo referente à massa sendo considerado nulo, é natural procurar evidências da ocorrência do tunelamento Klein nesse material. Assim, diversos trabalhos abordando esse tema foram realizados, tanto teoricamente [50[50] M.I. Katsnelson, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Nature Physics 2, 620 (2006)., 51[51] J.M. Pereira Jr., F.M. Peeters, A. Chaves e G.A. Farias, Semiconductor Science and Technology 25, 033002 (2010).] quanto experimentalmente [7[7] N. Stander, B. Huard e D.Goldhaber-Gordon, Physical Review Letters 102, 026807 (2009)., 52[52] A.F. Young e P. Kim, Nature Physics 5, 222 (2009).].

O tunelamento Klein no grafeno pode ser teoricamente investigado por meio do esquema ilustrado na Fig. 3(a), onde há uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l definida como V(x)=0 para x0 (Região I) ou xl (Região III), e V(x)=V0 para 0<x<l (Região II). A Fig. 3(b) ilustra um elétron com energia menor que a altura da barreira de potencial incidindo na interface que separa as Regiões I e II com um ângulo de incidência θ=arctan(qy/qx) e com um ângulo de refração φ=arctan(κy/κx). Como o potencial é constante nas três regiões ao longo da direção y, as componentes y dos momentos nessas três regiões são conservadas, de modo que qyI=κy=qyIII=qy. Isso é devido ao fato do sistema possuir simetria de translação ao longo do eixo y. Assim, tem-se que o qyI,III é um bom número quântico, podendo assumir qualquer valor. Além disso, como não há potencial nas Regiões I e III, as componentes x dos momentos nessas duas regiões são iguais, ou seja, qxI=qxIII=qx.

Figura 3
Ilustração esquemática da incidência de um elétron com energia E<V0 através de uma barreira de potencial com altura V0 e comprimento l [painel (a)] e representação dos ângulos de incidência θ e refração φ [painel (b)]. A região rachurada em azul no painel (a) preenchendo os cones de Dirac denota a posição do nível de Fermi.

Em uma região com ausência de potencial, para o ponto K, o Hamiltoniano é dado pela Eq. (15a), os autovalores são dados pela Eq. (14) e os autoestados são dados pela Eq. (17c). Em contrapartida, em uma região com presença de potencial V0, o Hamiltoniano para o mesmo ponto K é dado por

(18) ( - i v F σ + V 0 I ) Ψ ( r ) = E ± ( κ ) Ψ ( r ) ,

onde I é a matriz identidade de ordem 2. Os respectivos autovalores são dados por

(19) E ± ( κ ) = s v F | κ | + V 0 ,

onde s=sgn[E±(κ)-V0], e os autoestados, no espaço das coordenadas, são dados por

(20) Ψ ( r ) = 1 2 ( 1 s e i φ ) e i κ R .

Portanto, os autoestados referentes às Regiões I, II e III podem ser escritos como

(21a) Ψ I ( r ) = 1 2 ( 1 s e i θ ) e i ( q x x + q y y ) + r 2 ( 1 s e i ( π - θ ) ) e i ( - q x x + q y y ) ,
(21b) Ψ I I ( r ) = a 2 ( 1 s e i φ ) e i ( κ x x + q y y ) + b 2 ( 1 s e i ( π - φ ) ) e i ( - κ x x + q y y ) ,
(21c) Ψ I I I ( r ) = t 2 ( 1 s e i θ ) e i ( q x x + q y y ) ,

onde r e t correspondem aos coeficientes de reflexão e transmissão, respectivamente. Os coeficientes complexos a, b, r e t podem ser determinados pelas condições de contorno (continuidade da função de onda) nas interfaces que separam as Regiões I e II e as Regiões II e III, ou seja

(22a) Ψ I ( 0 , y ) = Ψ I I ( 0 , y ) ,
(22b) Ψ I I ( l , y ) = Ψ I I I ( l , y ) .

É interessante notar que tais condições de contorno resultarão em um sistema de quatro equações, tendo em vista que a função de onda em cada região é um pseudospinor de duas componentes, obtendo-se, assim, um sistema possível determinado. Para energias menores que a altura da barreira de potencial (0<E<V0), tem-se s=sgn(E)=+1 e s=sgn(E-V0)=-1. Aplicando as condições de contorno em x=0 [Eq. (22a)] e x=l [Eq. (22b)], obtêm-se, para esse caso da junção n-p-n, o seguinte sistema

(23) ( 0 - 1 1 1 0 e - i θ - e i φ e - i φ - e i q x l 0 e i k x l e - i k x l - e - i θ e i q x l 0 - e i φ e i k x l e - i φ e - i k x l ) ( t r a b ) = ( 1 e i θ 0 0 ) .

Para a equação de Schrödinger, teríamos que usar a continuidade da função de onda e também de sua derivada. Resolvendo o sistema acima, obtêm-se o seguinte coeficiente de reflexão

(24) r = - 2 e i θ sen β ( sen φ + sen θ ) e - i β cos ( θ + φ ) + e i β cos ( θ - φ ) + 2 i sen β ,

onde β=κxl. Com o coeficiente de reflexão obtido pela Eq. (24), podemos facilmente determinar a probabilidade de reflexão R=r*r=|r|2 e, pela lei de conservação da probabilidade, encontrar a probabilidade de transmissão, tal como T=t*t=|t|2=1-|r|2=1-R

(25) T = ( cos φ cos θ ) 2 ( cos β cos θ cos φ ) 2 + [ sen β ( 1 - sen θ sen φ ) ] 2 .

Inspecionando a Eq. (25) e a Fig. 4 da probabilidade de transmissão para elétrons incidindo em uma barreira de potencial retangular, observa-se pelo menos duas particularidades: (i) se o ângulo de incidência for nulo (θ=0), a probabilidade de transmissão torna-se unitária, ou seja, a barreira de potencial torna-se transparente, independentemente dos valores de V0 e de l (observe transmissão unitária T=1 nas Figs. 4(a) e 4(b) para θ=0), e (ii) se β=nπ, sendo n um número inteiro, a barreira de potencial também torna-se transparente, isso é, obtêm-se para incidência oblíqua que T(θ0)=1 (observe picos de ressonância na probabilidade de transmissão na Fig. 4(b) para θ 0 e E=V0/2). O primeiro efeito é uma característica única dos férmions de Dirac sem massa e está diretamente relacionado ao tunelamento Klein da eletrodinâmica quântica. O segundo comportamento é devido a efeitos de múltiplas interferências, visto que a barreira de potencial pode ser interpretada como uma interface dupla (em x=0 e x=l), que pode acomodar ondas oscilantes, de forma análoga ao que acontece em sistemas ópticos, como por exemplo no interferômetro de Fabry-Pérot. Esses picos de máxima probabilidade de transmissão para incidências oblíquas são conhecidos como tunelamento ressonante.

Figura 4
Probabilidade de transmissão T de elétrons incidentes em uma barreira de potencial retangular, com altura V0=0.8 eV e comprimento l=10 nm. (a) T em função da energia E e do ângulo de incidência θ. (b) T em função de θ para valores fixos de E<V0: (curva vermelha) E=V0/4 e (curva azul) E=V0/2.

Adicionalmente, no limite em que |E||V0|, a probabilidade de transmissão assume a seguinte forma assintótica

(26) T = cos 2 θ 1 - ( cos β sen θ ) 2 .

É importante mencionar que, após o elétron tunelar pela barreira de potencial, seu autoestado pode adquirir uma fase, que depende basicamente da altura e do comprimento da barreira de potencial, dada por ϕ=V0l/(vF). Tal fase pode ser usada na modelagem de dispositivos eletrônicos baseados em fenômenos de interferência [53[53] F.R.V. Araújo, D.R. da Costa, A.J.C. Chaves, F.E.B. Sousa e J.M. Pereira Jr., Journal of Physics: Condensed Matter 34, 125503 (2022)., 21[21] D.J.P. Sousa, A. Chaves, J.M. Pereira Jr. e G.A. Farias, Journal of Applied Physics 121, 024302 (2017).].

2.5. Junção p-n, refração negativa e lentede Veselago

Entende-se por junção o contato entre dois materiais distintos ou entre duas porções de um mesmo material com certa propriedade diferente. Pode ser constituída por dois semicondutores, por um semicondutor e um metal, ou ainda por dois metais. A junção p-n, por exemplo, possui uma interface que separa duas regiões de um mesmo material, uma submetida a uma polarização tipo p e a outra submetida a uma polarização tipo n [ver Fig. 5(a)]. Em geral, junções p-n são dispositivos eletrônicos básicos e, usualmente, são produzidas com heteroestruturas semicondutoras padrões. Uma descrição detalhada sobre junções em português pode ser encontrada na Ref. [54[54] S.M. Rezende, Materiais e dispositivos eletrônicos (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2015).].

Devido à sua estrutura de bandas peculiar, na ausência de perturbações que causem qualquer tipo de quebra de simetria, o grafeno exibe bandas de energia cônicas que tocam-se no entorno do nível de Fermi, sendo considerado, portanto, um semicondutor de gap de banda nulo [40[40] A.H. Castro Neto, F. Guinea, N.M.R. Peres, K.S. Novoselov e A.K. Geim, Reviews of Modern Physics 81, 109 (2009).]. Assim, dopagem ou aplicação de potenciais de porta [23[23] J.B. Pendry, Science 315, 1226 (2007).] em uma amostra de grafeno, como mostra a Fig. 5(a) superior, não causam abertura de gap de banda, mas levam a um deslocamento do nível de Fermi para a banda superior ou inferior, tornando a região considerada um condutor do tipo p (excesso de carga positiva – buracos) se o nível de Fermi for abaixado para a banda de valência, ou um condutor do tipo n (excesso de carga negativa – elétrons) se o nível de Fermi for elevado para a banda de condução, como mostra a Fig. 5(a) inferior.

Figura 5
(a) Representação esquemática de uma junção p-n de grafeno. No painel superior (a), uma folha de grafeno é colocada sob dois potenciais de porta, a saber, Gate 1 e Gate 2, com o intuito de estabelecer, respectivamente, polarizações tipo n (lado esquerdo) e tipo p (lado direito). O painel inferior (a) ilustra o deslocamento do nível de Fermi devido à dopagem em relação ao ponto de neutralidade de carga, isso é, o ponto em que as bandas de valência e condução coincidem. (b) Ilustrações das trajetórias semiclássicas dos portadores de carga em junções p-n de grafeno. Painel superior [inferior] (b) ilustra a situação de refração positiva [negativa], em que um feixe de elétrons incide em uma interface que separa um meio com índice de refração positivo de um meio com índice de refração positivo [negativo].

Em óptica geométrica, define-se o índice de refração de um meio isotrópico i como ni=c/vi, onde vi é a velocidade de um feixe de luz no meio i. Quando um feixe de luz atinge uma interface que separa dois meios isotrópicos com índices de refração diferentes, n1 e n2, uma parte é refletida e a outra parte é refratada. Nessa situação, a lei de Snell-Descartes fornece a relação entre os ângulos de incidência, θ1, e refração, θ2, a saber, n1senθ1=n2senθ2. De forma análoga à situação que ocorre na óptica geométrica, no caso de junções baseadas em grafeno, tem-se, pela conservação da energia e da projeção do vetor de onda ao longo da direção paralela à interface da junção p-n, uma relação entre o ângulo de incidência, θ1, na Região I com potencial VI, e o ângulo de refração, θI I, na Região II com potencial VII. Assumindo que o elétron aproxima-se da junção pela Região I com vetor de onda kI e é transmitido para a Região II com vetor de onda kII e, em adição, como o sistema possui simetria translacional ao longo da direção y, a componente y (paralela à interface da junção p-n) do vetor de onda é conservada, o que resulta em

(27) | k I | sen θ I = | k I I | sen θ I I .

Conectando a Eq. (19) para as energias nas diferentes Regiões I e II com a Eq. (27), obtêm-se a seguinte lei de Snell-Descartes semelhante à óptica de raios

(28) n 12 = sen θ I sen θ I I = | k I I | | k I | = E - V I I E - V I ,

onde n12 é o índice de refração relativo. Note que, quando θI e θII possuem sinais opostos, obtêm-se um índice de refração relativo negativo, implicando que o sinal da componente do vetor de onda tangencial à interface muda, enquanto a componente normal permanecerá a mesma. Como exemplo, veja que, se VI=0 e VII>0, sempre que 0<E<VII, o ângulo de refração será negativo, assim como se VII=0 e VI>0, sempre que 0<E<VI. Uma ilustração esquemática das refrações negativa e positiva está mostrada na Fig. 5(b). Uma implicação imediata da refração negativa é a concepção de uma lente de Veselago [23[23] J.B. Pendry, Science 315, 1226 (2007)., 24[24] V.V. Cheianov, V. Fal’ko e B.L. Altshuler, Science 315, 1252 (2007)., 55[55] Z. Huang e E.E. Narimanov, Applied Physics Letters 105, 031101 (2014)., 56[56] V.T. Phong e J.F. Kong, arXiv:1610.00201 (2016).]. Para o caso de uma amostra composta por uma junção abrupta p-n de grafeno, trata-se de uma lente plana produzida a partir de uma barreira de potencial que pode focalizar um feixe de elétrons emitido por uma fonte pontual localizada em um dos lados da amostra. Portanto, pela Eq. (28), vemos que, dependendo da razão entre a energia de Fermi e os potenciais aplicados, pode-se obter configurações nas quais a interface da junção p-n atua como uma lente convexa [quando o índice de refração é negativo (n<0)] ou côncava [quando o índice de refração é positivo (n>0)], de modo que as trajetórias semiclássicas dos elétrons devem convergir (n<0) ou divergir (n>0) ao passar pela interface, respectivamente. Em adição, quando n=0 obtêm-se que o ângulo de transmissão é zero e os elétrons são perfeitamente colimados.

2.6. Cálculo numérico da densidade de corrente de probabilidade dentro do modelo deligação forte

Uma forma análoga na comparação das trajetórias eletrônicas semiclássicas, descritas pelo uso da lei de Snell-Descartes [Eqs. (27) e (28)], para o caso quântico, se dá pela densidade de corrente de probabilidade J. Sua representação gráfica nos permite observar claramente (como será exposto mais adiante) efeitos de colimação, convergência e divergência dos feixes de elétrons incidentes numa determinada amostra que possua interface geométrica ou eletrostática. A densidade de corrente de probabilidade pode ser determinada a partir do procedimento descrito nas Refs. [57[57] E.A.A. Silva, American Journal of Physics 60, 753 (1992)., 58[58] D.R. da Costa, A. Chaves, M. Zarenia, J.M. Pereira Jr., G.A. Farias e F.M. Peeters, Physical Review B 89, 075418 (2014)., 59[59] D.R. da Costa, A. Chaves, G.A. Farias, L. Covaci e F.M. Peeters, Physical Review B 86, 115434 (2012)., 60[60] I.R. Lavor, D.R. da Costa, A. Chaves, G.A. Farias, R. Macêdo e F.M. Peeters, Journal of Physics: Condensed Matter 32, 155501 (2020).], que é baseado na equação da continuidade e na definição da densidade de probabilidade do espaço contínuo com o uso do método de diferenças finitas – um procedimento de discretização da função de onda para cálculos numéricos. Para maiores detalhes sobre o método, consultar a Ref. [61[61] A.C. Silva e J.A. Helayël, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20190064 (2019).] para aplicação em ondas mecânicas e eletromagnéticas e a Ref. [62[62] R.M. Costa e M. Mendoza, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200217 (2020).] para a equação de Schrödinger.

A definição de J surge da relação de continuidade

(29) ρ t + J = 0 ,

onde ρ=|Ψ|2 é a densidade de probabilidade, que pode ser escrita em termos do operador matriz densidade como ρ=n|ρ^|n, onde ρ^=|ΨΨ|, com |Ψ=nΨn|n, sendo {|n} uma base de estados localizados. Assim, a densidade de corrente de probabilidade discretizada é

(30) J n - J n + 1 = a ρ n , n t ,

onde Δx=Δy=a é o passo da malha no contexto do método de diferenças finitas. A derivada parcial em relação ao tempo acima pode ser determinada pela equação de movimento para ρ^

(31) ρ n , n t = i n | [ ρ ^ , ] | n = - 2 Im m Ψ n Ψ m * n , m .

Considerando apenas as interações entre primeiros vizinhos, do somatório em m restará apenas o termo n-1, assim, das Eqs. (30) e (31), obtêm-se

(32) J n = 2 a Im ( Ψ n * Ψ n - 1 n , n - 1 ) .

A Eq. (32) para o cálculo de J é válida para qualquer sistema discreto com interação de primeiros vizinhos, como, por exemplo, aqueles descritos por Hamiltonianos dentro do modelo de ligação forte, em que os índices da malha n corresponderão agora às posições dos sítios da rede. Dessa maneira, podemos definir as componentes Jx e Jy da densidade de corrente de probabilidade para o sistema bidimensional pelas linhas (i) e colunas (j) dos sítios. Para o caso da estrutura cristalina do grafeno, os índices i e j estão associados às posições (linha e coluna) das sub-redes A e B, o que resulta em

(33a) J x ( i , j ) = ± a [ 2 Im ( Ψ i , j Ψ i , j ± 1 t i , j ± 1 ) - Im ( Ψ i , j Ψ i - 1 , j t i - 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j t i + 1 , j ) ] ,
(33b) J y ( i , j ) = + 3 a [ Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j t i + 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i - 1 , j t i - 1 , j ) ] ,

onde o sinal (±) em Jx será positivo se o sítio (i,j) pertencer à sub-rede A e negativo se pertencer à sub-rede B. Ψi,j nas Eqs. (33a) e (33b) representa a amplitude da função de onda com índice de rede (i,j) dentro do esquema de diferenças finitas.

Figura 6
Ilustração esquemática das junções (a) p-n e (b) p-n-p de grafeno investigadas nesse trabalho. As duas junções têm largura W=200 nm e são submetidas a um potencial na Região II dado por VII=V0, onde V0=0.8 eV. Foi tomado d=W/20=10 nm para a largura do lead 0 para simulação de uma fonte quase-pontual. A junção p-n tem comprimento 2L e a junção p-n-p tem comprimento 3L, onde L=50 nm. O lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos com o intuito de coletar os elétrons espalhados na interface e eliminar as reflexões nas bordas.

2.7. Junções p-n e p-n-p de grafeno

Na próxima seção, investigaremos a focalização e a colimação de feixes de elétrons em duas junções de grafeno, p-n e p-n-p, mostradas, respectivamente, nas Figs. 6(a) e 6(b). Para tal, a fim de evitar reflexões laterais e efeitos de interferências, consideraremos amostras com grandes dimensões de largura. A junção p-n é formada por uma folha de grafeno com largura W=200 nm e comprimento 2L, onde L=50 nm, submetida a um potencial abrupto, descrito por uma função degrau. Nas quatro laterais da amostra são adicionados leads, como mostra as Figs. 6(a) e 6(b). Leads atuam como guias de onda que transportam ondas planas para dentro e para fora da região de espalhamento e correspondem aos contatos em um experimento de transporte quântico. Assim, o lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos na amostra para coletar os elétrons espalhados na interface e, assim, eliminar as reflexões nas bordas. Nas duas junções estudadas, a largura do lead 0 foi tomada como sendo d=W/20=10 nm, no intuito de criar uma fonte quase-pontual, de forma análoga às fontes pontuais de luz nos experimentos de óptica geométrica.

Adotamos para o caso da junção p-n [Fig. 6(a)] que o potencial na Região I é nulo (VI=0) e que a Região II é submetida a um potencial não-nulo VII=V0, com V0=0.8 eV. Na Fig. 6(b), a junção p-n-p investigada está esquematicamente ilustrada. Note que ela é similar à junção p-n descrita anteriormente, mas com três porções, de modo que nas Regiões I e III não há presença de potencial, ou seja, VI=VIII=0, e a Região II é submetida a um potencial VII=V0. Sua largura é W e seu comprimento é 3L. Nesse sentido, a junção p-n é análoga a um potencial degrau e a junção p-n-p é similar a uma barreira de potencial, sendo válida a lei do tipo Snell-Descartes, Eq. (28), nas interfaces que separam regiões submetidas a potenciais distintos. Serão consideradas diversas configurações de parâmetros para as junções p-n e p-n-p com o intuito de estudar sistematicamente e de forma didática a convergência, a divergência e a colimação de feixes de elétrons ao atravessarem tais junções. Para isso, será empregado o procedimento abordado na Subseç. 2.6 2.6. Cálculo numérico da densidade de corrente de probabilidade dentro do modelo deligação forte Uma forma análoga na comparação das trajetórias eletrônicas semiclássicas, descritas pelo uso da lei de Snell-Descartes [Eqs. (27) e (28)], para o caso quântico, se dá pela densidade de corrente de probabilidade J. Sua representação gráfica nos permite observar claramente (como será exposto mais adiante) efeitos de colimação, convergência e divergência dos feixes de elétrons incidentes numa determinada amostra que possua interface geométrica ou eletrostática. A densidade de corrente de probabilidade pode ser determinada a partir do procedimento descrito nas Refs. [57, 58, 59, 60], que é baseado na equação da continuidade e na definição da densidade de probabilidade do espaço contínuo com o uso do método de diferenças finitas – um procedimento de discretização da função de onda para cálculos numéricos. Para maiores detalhes sobre o método, consultar a Ref. [61] para aplicação em ondas mecânicas e eletromagnéticas e a Ref. [62] para a equação de Schrödinger. A definição de J surge da relação de continuidade (29) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t + ∇ ⋅ J = 0 , onde ρ=|Ψ|2 é a densidade de probabilidade, que pode ser escrita em termos do operador matriz densidade como ρ=⟨n|ρ^|n⟩, onde ρ^=|Ψ⟩⁢⟨Ψ|, com |Ψ⟩=∑nΨn⁢|n⟩, sendo {|n⟩} uma base de estados localizados. Assim, a densidade de corrente de probabilidade discretizada é (30) J n - J n + 1 = a ⁢ ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t , onde Δ⁢x=Δ⁢y=a é o passo da malha no contexto do método de diferenças finitas. A derivada parcial em relação ao tempo acima pode ser determinada pela equação de movimento para ρ^ (31) ∂ ⁡ ρ n , n ∂ ⁡ t = i ℏ ⁢ ⟨ n | [ ρ ^ , ℋ ] | n ⟩ = - 2 ℏ ⁢ Im ⁢ ∑ m Ψ n ⁢ Ψ m * ⁢ ℋ n , m . Considerando apenas as interações entre primeiros vizinhos, do somatório em m restará apenas o termo n-1, assim, das Eqs. (30) e (31), obtêm-se (32) J n = 2 ⁢ a ℏ ⁢ Im ⁢ ( Ψ n * ⁢ Ψ n - 1 ⁢ ℋ n , n - 1 ) . A Eq. (32) para o cálculo de J é válida para qualquer sistema discreto com interação de primeiros vizinhos, como, por exemplo, aqueles descritos por Hamiltonianos dentro do modelo de ligação forte, em que os índices da malha n corresponderão agora às posições dos sítios da rede. Dessa maneira, podemos definir as componentes Jx e Jy da densidade de corrente de probabilidade para o sistema bidimensional pelas linhas (i) e colunas (j) dos sítios. Para o caso da estrutura cristalina do grafeno, os índices i e j estão associados às posições (linha e coluna) das sub-redes A e B, o que resulta em (33a) J x ( i , j ) = ± a ℏ [ 2 Im ( Ψ i , j Ψ i , j ± 1 † t i , j ± 1 ) - Im ⁢ ( Ψ i , j ⁢ Ψ i - 1 , j † ⁢ t i - 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) ] , (33b) J y ( i , j ) = + 3 ⁢ a ℏ [ Im ( Ψ i , j Ψ i + 1 , j † t i + 1 , j ) - Im ( Ψ i , j Ψ i - 1 , j † t i - 1 , j ) ] , onde o sinal (±) em Jx será positivo se o sítio (i,j) pertencer à sub-rede A e negativo se pertencer à sub-rede B. Ψi,j nas Eqs. (33a) e (33b) representa a amplitude da função de onda com índice de rede (i,j) dentro do esquema de diferenças finitas. Figura 6 Ilustração esquemática das junções (a) p-n e (b) p-n-p de grafeno investigadas nesse trabalho. As duas junções têm largura W=200 nm e são submetidas a um potencial na Região II dado por VI⁢I=V0, onde V0=0.8 eV. Foi tomado d=W/20=10 nm para a largura do lead 0 para simulação de uma fonte quase-pontual. A junção p-n tem comprimento 2L e a junção p-n-p tem comprimento 3L, onde L=50 nm. O lead 0 injeta elétrons na região de espalhamento e os leads 1, 2 e 3 funcionam como coletores desses elétrons. Os leads 2 e 3 são inseridos com o intuito de coletar os elétrons espalhados na interface e eliminar as reflexões nas bordas. para calcular numericamente a densidade de corrente de probabilidade em cada configuração de parâmetros. Assim, conceitos como refração negativa e antimatéria óptica surgirão naturalmente. Todos os cálculos numéricos de densidade de corrente de probabilidade apresentados nesse trabalho foram realizados usando o Kwant [63[63] C.W. Groth, M. Wimmer, A.R. Akhmerov e X. Waintal, New Journal of Physics 16, 063065 (2014).], que é um pacote livre baseado na linguagem de programação Python e com foco em transporte quântico. Os códigos computacionais usados neste trabalho são apresentados, de forma comentada, como material suplementar, de modo a serem úteis na reprodução dos resultados aqui obtidos, bem como na implementação dos mesmos para definição de sistemas similares.

3. Resultados

Inicialmente, vamos investigar as densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n de grafeno mostrada na Fig. 6(a), considerando cinco configurações de parâmetros, a saber, diferentes valores de energia dos feixes eletrônicos incidentes, que levam a diferentes valores de índice de refração relativo: E=1.6 eV, E=0.8 eV, E=0.6 eV, E=0.4 eV e E=0.2 eV, como mostram, respectivamente, as Figs. 7(a)–7(e).

Figura 7
Densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n de grafeno mostrada na Fig. 6(a) para (a) E=1.6 eV, (b) E=0.8 eV, (c) E=0.6 eV, (d) E=0.4 eV e (e) E=0.2 eV, tomando V0=0.8 eV. O índice de refração relativo é dado por n12=1-V0/E. Assim, para os painéis de (a) a (e), tem-se, respectivamente, (a) n12=0.5, (b) n12=0, (c) n12=-0.3, (d) n12=-1 e (e) n12=-3.

Nas duas junções da Fig. 6, os elétrons são injetados na região de espalhamento pelo lead 0, que tem largura dW, onde W é a largura da região de espalhamento. Por esse motivo, o lead 0 pode ser tratado como sendo uma fonte aproximadamente puntiforme de elétrons, o que permite uma analogia direta com feixes de luz pontuais em sistemas ópticos. Os elétrons injetados na junção p-n podem ser: (i) coletados diretamente pelos leads 2 e 3, (ii) refletidos pela interface que separa as Regiões I e II e, em seguida, coletados também pelos leads 2 e 3, ou (iii) transmitidos através do potencial degrau. Na situação (iii), a transmissão vai depender da relação entre os potenciais nas Regiões I e II, uma vez que, de acordo com a Eq. (28), pode-se ter n12<0, n12=0 ou n12>0. Em cada um desses três cenários, o feixe de elétrons terá um aspecto diferente ao atravessar o potencial degrau, como pode ser visto pelos gráficos das densidades de corrente de probabilidade nas Figs. 7(a)–7(e). De forma análoga ao que acontece na óptica geométrica, para 0<n12<1, observa-se um afastamento do feixe de elétrons com respeito à normal, como pode ser visto pela Fig. 7(a), onde foi tomado E=1.6 eV, implicando em n12=0.5<1, uma vez que n12=1-V0/E e V0=0.8 eV. Nessa situação, a interface da junção p-n atua como uma lente côncava, de modo que os feixes de elétrons divergem ao passar pela interface. Nessa descrição, energias negativas dariam origem a índices de refração >1, no entanto, apenas energias positivas estão sendo consideradas, resultando em -<n12<1. Nesse sentido, o caso onde n12>1 (situação em que haveria uma aproximação entre o feixe de elétrons e a normal) foi negligenciado. Para n12<1, adicionalmente, há um ângulo de incidência crítico θc, ou simplesmente ângulo crítico, tal que θII=π/2. Seu valor é dado por

(34) θ c = sen - 1 n 12 = sen - 1 ( 1 - V 0 E ) .

Figura 8
Densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n-p de grafeno mostrada na Fig. 6(b) para (a) E=1.6 eV, (b) E=0.8 eV, (c) E=0.6 eV, (d) E=0.4 eV e (e) E=0.2 eV, tomando V0=0.8 eV. Para os painéis de (a) a (e), tem-se, respectivamente, (a) n12=0.5, (b) n12=0, (c) n12=-0.3, (d) n12=-1 e (e) n12=-3.

Para E=0.8 eV, usando a Eq. (28), chega-se a n12=0, de modo que o número de elétrons provenientes do lead 0 que são coletados pelo lead 1 é o mínimo possível, como mostra a Fig. 7(b). Nessa situação, o feixe de elétrons é, em sua maioria, coletado pelos leads 2 e 3, representando uma interrupção na corrente entre os leads 0 e 1. Por outro lado, no caso onde a energia é 0.6 eV, obtêm-se n12=-0.3<0 [Fig. 7(c)]. Assim, como o índice de refração relativo é negativo, nota-se uma convergência dos feixes de elétrons em uma região (não pontual) anterior ao lado direito da amostra, em que o entrecruzamento do feixe de elétrons acontece ao longo de uma curva característica, chamada cáustica [64[64] K.J.A. Reijnders e M.I. Katsnelson, Physical Review B 95, 115310 (2017).]. Para E=0.4 eV, tem-se uma situação bastante interessante em que n12=-1 [Fig. 7(d)]. Nessa configuração de parâmetros, a lei do tipo Snell-Descartes, Eq. (28), fornece θI=-θII. Usando argumentos simples de geometria, pode-se calcular a posição do ponto focal f, o que resulta em

(35) f = L | tan θ I tan θ I I | .

Assim, devido à simetria da junção p-n considerada, a posição do ponto focal é diametralmente oposta, coincidindo com a mesma posição vertical incidente, mas agora no lado direito da amostra, quando n12=-1, de modo que os feixes de elétrons injetados pelo lead 0 convergem simetricamente no lado direito da amostra e é coletado, em sua maioria, pelo lead 1. Nota-se, portanto, que, para n12<0, a interface da junção p-n atua como uma lente convexa, de modo que as trajetórias dos elétrons convergem ao passar pela interface da junção. Por fim, tomando E=0.2 eV, o que resulta em n12=-3, a Fig. 7(e) mostra, assim como nos painéis 7(c) e 7(d) em que n12<0, uma convergência dos feixes de elétrons na Região II. Nesse caso, porém, os feixes de elétrons convergem em uma região (não pontual) posterior ao lado direito da amostra. Tal que para E=0.2 eV [Fig. 7(e)], na Região II observa-se uma “quase-perfeita colimação” com os feixes de elétrons quase-paralelos entre si, isso é, apresentando um pequeno ângulo de transmissão com relação à normal.

A seguir, vamos investigar as densidades de corrente de probabilidade para a junção p-n-p de grafeno mostrada na Fig. 6(b), considerando as mesmas cinco configurações de parâmetros anteriores, como mostram as Figs. 8(a)–8(e). Assim como no caso da junção p-n, para a junção p-n-p há três cenários possíveis para os elétrons injetados na região de espalhamento, ou seja, podem ser: (i) coletados diretamente pelos leads 2 e 3, (ii) refletidos pelas interfaces que separam as Regiões I e II e as Regiões II e III e, em seguida, coletados também pelos leads 2 e 3, ou (iii) transmitidos através da barreira de potencial. Na Fig. 8(a), para E=1.6 eV, observa-se um afastamento do feixe de elétrons com respeito à normal na transmissão da Região I para a Região II, analogamente ao que acontece para a junção p-n na Fig. 7(a) com uma configuração de parâmetros semelhante. Em contrapartida, quando o feixe de elétrons é transmitido da Região II para a Região III, temos uma interface formada por uma junção n-p. De acordo com a Eq. (28), obtêm-se que n21=E/(E-V0). Assim, ao contrário do que ocorre na junção p-n descrita anteriormente, pode-se ter para a interface n-p n21>1 para E>0 sempre que 0<V0<E. Sendo n12 o índice de refração relativo às Regiões I e II e n21 o índice de refração relativo às Regiões II e III, para E=1.6 eV, tem-se n12=0.5 e n21=1/n12=2. Portanto, na transmissão da Região II para a Região III, há uma aproximação entre o feixe de elétrons e a normal, como mostra a Fig. 8(a). Para E=0.8 eV [Fig. 8(b)], o índice de refração relativo às Regiões I e II é, como no caso da junção p-n, nulo, resultando em uma grande interrupção na corrente entre os leads 0 e 1. Assim, os poucos feixes de elétrons transmitidos da Região II para a Região III nessa situação possuem suas trajetórias colimadas, isso é, os feixes de elétrons são paralelos entre si no lado direito da Fig. 8(b). Para E=0.6 eV [Fig. 8(c)], obtêm-se n12=-0.3 e n21=-3 para as interfaces p-n e n-p, respectivamente. Dessa forma, na Região II, os feixes de elétrons convergem em uma região não pontual anterior à interface que separa as Regiões II e III, dando origem a uma cáustica, como acontece na Fig. 7(c). Em seguida, na Região III, também há uma convergência dos feixes de elétrons. O caso interessante em que n12=n21=-1 é mostrado na Fig. 8(d), onde foi tomado E=0.4 eV. Assim como na junção p-n onde θI=-θII, obtêm-se para a interface n-p que θII=-θIII. Dessa forma, devido à simetria da junção p-n-p considerada, verifica-se que a interface entre as Regiões II e III atua como uma lente côncava, fazendo os feixes de elétrons divergirem, “eliminando” o papel da interface entre as Regiões I e II que focalizou os feixes de elétrons. É nesse sentido que, em 2003, Pendry e Ramakrishna [26[26] J.B. Pendry e S.A. Ramakrishna, Journal of Physics: Condensed Matter 15, 6345 (2003)., 27[27] V. Mocella, S. Cabrini, A.S.P. Chang, P. Dardano, L. Moretti, I. Rendina, D. Olynick, B. Harteneck e S. Dhuey, Physical Review Letters 102, 133902 (2009).] atribuíram o conceito de antimatéria óptica a sistemas físicos que apresentam essa característica. Finalmente, tomando E=0.2 eV, resultando em n12=-3<0 para a interface p-n e n21=-0.3<0 para a interface n-p, a Fig. 8(e) mostra que da Região I para a Região II há uma convergência dos feixes de elétrons similar ao que ocorre na Fig. 7(e), e da Região II para a Região III há uma divergência do feixe de elétrons, de forma semelhante às Figs. 8(c) e 8(d), mas agora com ângulos de transmissão menores. Dessa maneira, apresentamos de forma sistemática resultados que demonstram que essas interfaces com diferentes polarizações (p-n, n-p, p-n-p e n-p-n) em sistemas baseados em grafeno podem ser úteis para modular a corrente por efeitos análogos àqueles em dispositivos ópticos compostos por combinações de lentes convexas e côncavas, sendo esses facilmente controláveis por aplicações de potenciais externos e dopagens.

4. Conclusão

Nesse trabalho, apresentamos um estudo sistemático e didático sobre a anologia óptica de dispositivos eletrônicos baseados em junções p-n e p-n-p de grafeno, induzidas por potenciais de porta (gates), e as condições físicas para a focalização e a colimação de feixes de elétrons de Dirac nessas amostras. A junção p-n pode ser comparada a um potencial degrau, enquanto a junção p-n-p pode ser associada a uma barreira de potencial, sistemas físicos normalmente abordados em cursos introdutórios de mecânica quântica e física moderna. Antes de discutirmos essas estruturas que compõem dispositivos semicondutores básicos, primeiramente apresentamos conceitos físicos relevantes no entorno da física do grafeno, em especial, relativos à descrição matemática das ferramentas básicas para a obtenção de suas propriedades eletrônicas e de transporte. Como aplicação, usamos o modelo de ligação forte (do inglês, tight-binding), considerando apenas as interações entre átomos de carbono que são primeiros vizinhos, para determinar a densidade de corrente de probabilidade, que pode ser analogamente comparada com as trajetórias semiclássicas obtidas de uma equação do tipo lei de Snell-Descartes para o grafeno. Todos os cálculos numéricos foram realizados usando o Kwant, que é um pacote livre voltado para o transporte quântico em sistemas mesoscópicos e baseado na linguagem de programação Python. Nossos resultados mostraram que, no limite de baixas energias, a sintonização adequada dos potenciais para ambas junções p-n e p-n-p, pode convergir, divergir ou colimar feixes de elétrons que atravessam tais junções, de forma análoga ao que ocorre na óptica geométrica com feixes de luz que incidem em uma interface que separa dois meios isotrópicos com índices de refração diferentes. Desse modo, a partir da conservação do momento na direção de simetria de translação do sistema e das equações das energias para cada região da junção, uma lei do tipo Snell-Descartes é encontrada relacionando o índice de refração relativo com a razão entre os momentos nos meios (ou, equivalentemente, as diferenças de energias e potenciais aplicados). Vale ressaltar que as junções estudadas nesse trabalho podem ser consideradas blocos fundamentais no contexto da nanotecnologia e, assim, abrir portas para o desenvolvimento de novos dispositivos nanoeletrônicos baseados em grafeno.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos professores J.M. Pereira Jr. e W.P. Lima pelas discussões realizadas acerca do tema desse trabalho. RNSM, ACSN e FRVA agradecem ao Programa Institucional de Seleção de Projetos Voluntários de Pesquisa Científica e/ou Inovação Tecnológica junto ao Instituto Federal do Piauí. DRC é apoiado pela bolsa PQ/CNPq e pelo projeto Universal/CNPq, com números 310019/2018-4 e 437067/2018-1, respectivamente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2022
  • Revisado
    22 Maio 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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