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Invariância das equações de Maxwell por transformações de Lorentz: pontes conceituais via derivação como alternativa ao cálculo tensorial

Invariance of Maxwell’s equations to Lorentz transformations: conceptual bridges through derivation as an alternative to tensorial calculus

Resumos

Na tradição do campo disciplinar da Física, e nos respectivos manuais didáticos, a invariância das equações de Maxwell por transformações de Lorentz é usualmente apresentada via cálculo tensorial, do que decorre que seu ensino seja postergado até que (supostamente) os estudantes-alvo dominem esse formalismo. Isso pode acarretar, em disputas curriculares as mais disformes, que muitos sequer tenham acesso instrucional a esse tópico, com relevantes implicações para o conhecimento avançado da Física Moderna e Contemporânea. Desse diagnóstico, desenvolvemos uma alternativa de se proceder àquela apresentação usando-se apenas operações básicas da derivação, como a regra da cadeia. Na direção dos processos de ensino e aprendizagem associáveis, sustentamo-nos no aporte teórico das pontes conceituais, por nós desenvolvido a partir da epistemologia cognitiva de objeto homólogo de Gérard Vergnaud. Esse artifício de congruência referencial buscou estabelecer a transitabilidade das maneiras, sem hierarquização, mas com evidente implicação de que a alternativa demonstrada poderia facilmente ser introduzida em disciplinas iniciais de Eletromagnetismo, tipicamente realizadas no primeiro ciclo dos cursos de Física e Engenharia, contribuindo para a retomada progressiva do assunto em módulos avançados.

Palavras-chave:
Campos Conceituais; Cálculo tensorial; Derivação; Equações de Maxwell; Transformações de Lorentz


In the tradition of the disciplinary field of Physics, and in the underlying textbooks, the invariance of Maxwell’s equations by Lorentz transformations is usually presented via tensor calculus, which results in its teaching being postponed until (supposedly) the target students master this formalism. This can result, in the most deformed curriculum disputes, that many do not even have instructional access to this topic, with relevant implications for the advanced knowledge of Modern and Contemporary Physics. From this diagnosis, we developed an alternative to proceed with that presentation using only basic derivation operations, such as the chain rule. In the direction of associable teaching and learning processes, we rely on the theoretical contribution of conceptual bridges, developed by us from Gérard Vergnaud’s cognitive epistemology thought for a homologous object. This referential congruence artifice sought to establish the possibility of transition of the approaches, without hierarchy, but with the clear implication that the demonstrated alternative could easily be introduced in initial disciplines of Electromagnetism, typically taken in the first cycle of Physics and Engineering courses, contributing to the resumption of progression of the subject in advanced modules.

Keywords:
Conceptual bridges; Tensorial calculus; Derivation; Maxwell’s equations; Lorentz transformations


1. Introdução

As noções de campo são absolutamente caras à física e estabelecem conexões axiais com todas as suas áreas clássicas, modernas e contemporâneas. Os fenômenos naturais, nos modelos explicativos físicos [1[1] L.S.F. Olavo, M. Ferreira e R.G.G. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220109 (2022).], são rigorosamente interpretados por regiões interativas de influência a curta ou a longa distância, obedecendo a relações e propriedades matemáticas (aqui tomadas como expressão de uma linguagem) estabelecida em quaisquer pontos do espaço, potencialmente descritíveis por uma função vetorial φ(x, y, z, y, t) que pode ser parametrizada por coordenadas de posição e tempo. Essa função é contínua e possui infinitos graus de liberdade.

Os campos, entretanto, ademais de vetoriais, são tipificáveis em escalares (caracterizado pela magnitude, como é o caso do potencial elétrico) e tensoriais (constituídos pela generalização de vetorese escalares, numa geometria sofisticada, associada a operações de soma e produto, como fartamente visto na mecânica de deslocamentos e deformações em meios contínuos). Maxwell, em meados do século XIX, tendo por referência trabalhos de Ampère, Coulomb, Faraday, Fresnel, Henry, Oersted e Poisson, para citar alguns, desenvolveu bases explicativas e unificou as áreas de eletricidade, magnetismo e óptica, alcançando, pela descoberta das suas correntes de deslocamento, as relações que levam às equações cuja nomenclatura lhe prestram tributo e que, essencialmente, buscam descrever a produção de campos elétricos e magnéticos a partir das distribuições de cargas e correntes elétricas [2[2] N. Ida e J.P.A. Bastos, Eletromagnetism and Calculation of Fields (Springer-Verlag, New York, 1992).,3[3] M.N.O. Sadiku, Elements of Eletromagnetics (Saunders College, Philadelphia, 1994), 2 ed.,4[4] D.J. Griffiths, Introduction to electrodynamics (Pearson, New York, 2013), 4 ed.].

Nessa linha, os livros didáticos de Física voltados ao ensino superior [4[4] D.J. Griffiths, Introduction to electrodynamics (Pearson, New York, 2013), 4 ed., 5[5] E.M. Purcell e D.J. Morin, Electricity and Magnetism (Cambridge University Press, New York, 2013), 3 ed.], quando abordam a invariância das equações de Maxwell com relação às transformações de Lorentz, usualmente o fazem introduzindo o cálculo tensorial1 1 De forma grosseiramente sintética, mas visando alcançar leitores menos habituados com essas noções, registramos as transformações de Lorentz como o conjunto de operações matemáticas de resguardo relativístico, isto é, que buscam dimensionar que a cada sistema de referência correspondem medidas particulares de espaço e tempo quando considerados dois observadores quaisquer. Já o cálculo tensorial é, na Matemática, o ramo que opera com as transformações (genéricas) de coordenadas entre dois diferentes sistemas. Mesmo em aulas de física na Educação Básica, em que tais noções não integram temas usuais das matrizes curriculares e dos livros didáticos, uma aproximação sutil – e em termos adequados – a essas compreensões pode ser sobremaneira importante para produzir sentidos (ainda que ilustrativos, úteis) às relações integrativas das áreas da eletricidade, do magnetismo, da ótica e da relatividade. . Assim descritas, a invariância das equações fica imediatamente garantida.

A despeito de essa ser uma demonstração matemática efetiva e – permitam-nos! – de apreciável valor estético, há que se considerar dois elementos importantes relacionados ao seu ensino: (a) a abordagem depende de maturidade formal do estudante, no sentido de ser capaz de compreender todo o cálculo tensorial necessário para, assim, compreender a escrita das equações de Maxwell em tal formalismo; e (b) a abordagem excessivamente formal não deixa transparecer as sutilezas com que as oito equações de Maxwell (quando cada uma é escrita na forma escalar) se alteram no sentido de, com efeito, implicar sua invariância completa por transformações de Lorentz.

É importante notar que a condicionante (a) implica que o estudo da invariância das equações de Maxwell por transformações de Lorentz depende de o estudante dispor de maturidade matemática suficiente para ser introduzido no formalismo do cálculo tensorial. Por sua vez, de (b) decorre que, mesmo já dispondo da referida maturidade, elementos importantes dessas equações, no que concerne suas modificações quanto às aludidas transformações, permanecerão obnubiladas pelo formalismo.

A maturidade da pesquisa em ensino de ciências da natureza e matemática [6[6] M. Ferreira e O.L. Silva Filho, Plurais – Revista Multidisciplinar 6, 9 (2021).] vem continuadamente indicando que a dependência gradativa – ou o condicionamento – do domínio de métodos matemáticos avançados para a provisão de soluções que gozam exemplarmente de alternativas algébricas ou geométricas simplificadas2 2 Entendamos, claramente, que por “simplificadas” estamos admitindo a ideia de menor sofisticação e, maneira alguma, qualquer defesa leviana por simplismo ou de apropriação vulgar de noções que depreciam a formalidade matemática como linguagem – portanto, como estrutura de mediação do pensamento. pode ser deletéria à aprendizagem, sobretudo quando se atualiza o discurso acerca do papel da formação científica em suas heteropias, nas intensas tranformações curriculares e pelo processo de amplição do acesso e das legítimas preocuapações com a permanência e a qualidade socialmente referenciada por que passa o ensino superior público brasileiro neste frame histórico.

Isso assumido, e na articulação a que aqui nos propomos, compreendemos como condição de possibilidade a assunção (pedagógica, porque de concepção, e metodológica, porque de volição didática) da escolha por proceder à demonstração da invariância das equações de Maxwell frente às transformações de Lorentz sem o uso do cálculo tensorial, usando, como alternativa, apenas as definições usuais de derivação, notadamente a propriedade da regra da cadeia – desenvolvimentos que figuram nos primórdios dos cursos de cálculo integral e diferencial e que subsidiam a compreensão de físicas teóricas introdutórias (ou básicas), desde eletromagnetismo, óptica e teoria eletromagnética, disciplinas em que particularmente as equções de Maxwell são basilares à compreensão contemporânea de fenômenos físicos (no mundo natural e tecnológico). Além disso, quando a comparação entre as duas abordagens for possível, tambem o será apresentar importantes conclusões acerca do papel da formalização em Física, desdobramento não nuclear, mas sempre oportuno, em discussões dessa natureza.

Do ponto de vista da cognição e das suas relações com processos de ensino e aprendizagem (e aqui, particularmente em Física), tomaremos por elemento condutor – de maneira cuidadosa, mas breve – a perspectiva dos campos conceituais de [7[7] G. Vergnaud, Récherches en Didactique des Mathématiques 10, 133 (1990).]. Tal adoção terá por referência o construto de pontes conceituais, desenvolvido em Ferreira et al. [8[8] M. Ferreira, O.L. Silva Filho, I.M. Araújo, M.I.R. Meneses e H.C.S. Sacerdote, Revista do Professor de Física 3, 119 (2019).], cujo mote é a clarividência de que o conhecimento se engendra no interior de um arranjo heterogêneo de problemáticas, conceitos, estruturas e operações. A formação de conceitos é, portanto, o elemento articulador de linguagens, relações, representações e símbolos. Como campo, aciona tais elementos para, contextualmente, subsumir acepções.

Essa perspectiva é a que permite estabelecer, com clareza, a produtividade de associar, por paralelismo, campos conceituais contíguos, como este que interpela a invariância das equações de Maxwell frente às transformações de Lorentz com o uso do cálculo tensorial e a possibilidade alternativa de fazê-lo via regras básicas de derivação. A ponte conceitual, isto é, o elemento conector, é a propriedade matemática da regra da cadeia que promove o intercruzamento do horizonte de possibilidades compreensivas (cognitivamente) pela natureza e pelos efeitos que definem a transitabilidade de domínios que são, a um só tempo, isotrópicos e congruentes.

É essa potência que viabiliza a proposição contida neste trabalho em que propomos uma série de mobilizações demonstrativas, do domínio da matemática, mas que suscitam o acionamento dos referidos conjuntos heterogêneos de problemáticas, conceitos, estruturas e operações para a articulação consistente das equações de Maxwell, pertecentes ao domínio da Física Moderna e Contemporânea, na ambiência da Educação Superior brasileira. O professor, como mediador dessa trama, para que tenha condições de propor as situações e os esquemas que lhe deem sentidos, precisa ter contato honesto com seus fundamentos e com suas consequências, como aqui desejamos propiciar3 3 Dadas as limitações de escopo e de espaço da presente discussão, sugerimos aos interessados em aprofundar entendimentos acerca da noção de “pontes conceituais” que acabamos por induzir na articulação aqui proposta, que tomem contato com o artigo intitulado “Pontes conceituais: uma sequência didática para o Eletromagnetismo no Ensino Médio como proposta de introdução à Física Moderna”, de Ferreira et al. (2019), listado nas referências deste trabalho. . Neste trabalho, portanto, pretendemos fazer tal derivação, apresentando suas diferenças importantes para aquela já conhecida que utiliza o cálculo tensorial. Como consequência, indicar uma maneira de ensinar e aprender esse conteúdo.

2. A Invariância das Equações de Onda por Transformações de Lorentz

As transformações de Lorentz nos dizem como as novas coordenadas espaciais e o tempo devem se modificar, em termos das antigas, para manter a equação de onda (para a luz) invariante, o que é uma imposição do princípio de Relatividade de Einstein. A demonstração desse fato é relativamente trivial.

De fato, é fácil provar que a equação de onda

2Φx21c22Φt2=0
não é invariante por transformações de Galileu. Com elas,
x=xvt; t=t,
podemos calcular os operadores diferenciais como
x=xxx+txt=x
e
t=xtx+ttt=vx+t.
Assim, os operadores na equação de onda ficam
2x2=2x2e2t2=v22x22v2xt+2t2
de maneira que a equação de onda deve ser reescrita como
1v2c22Φx21c22Φt2+2vc22Φxt=0.
Comparando-se essa última equação com aquela inicial de onda, vê-se que, independentemente de qual seja a lei de transformação associada à função Φ, tal equação não mais se tipifica como de onda no referencial com linha.

Por decorrência, supondo a validade do princípio de relatividade de Galileu, poderíamos utilizar experiências com efeitos eletromagnéticos para analisar se estamos num referencial em repouso absoluto (isto é, em repouso com relação a um espaço absoluto) ou em um referencial que se move com velocidade constante (com relação a este mesmo espaço absoluto), visto que, nestes últimos, os efeitos eletromagnéticos estariam associados à última equação obtida e seriam claramente distinguíveis daqueles que satisfazem a equação de onda original. Tal condição violaria a Primeira Lei de Newton, que estipula que os referenciais inerciais sejam todos indistinguíveis entre si, de maneira que jamais possamos saber qual deles está em repouso com respeito ao espaço absoluto.

Uma possibilidade, então, seria a de que o eletromagnetismo esteja errado e as equações de onda não sejam uma representação correta de seus fenômenos; tal hipótese, entretanto, não se coaduna com os experimentos extremamente precisos que o eletromagnetismo suscita. Assim, torna-se necessário reformular o princípio de invariância, isto é, a lei de transformação propriamente dita – algo que só pode ser feito a partir de considerações acerca da natureza do espaço e do tempo. Foi assim que, primeiramente, surgiram as hipóteses do éter e, posteriormente, a teoria da relatividade com o axioma da constância da velocidade da luz no vácuo, independente do movimento com velocidade constante do sistema de coordenadas [9[9] A. Einstein e L. Infeld, A Evolução da Física (Zahar, Rio de Janeiro, 2008).].

O termo multiplicativo mais à esquerda na última equação que obtivemos é bastante sugestivo e nos sugere que as transformações de Lorentz possam fazer com que a equação de onda fique invariante. Com efeito, se adotarmos as transformações

(1)x=γ(xvt)y=yz=zt=γtvxc2,
que representam dois sistemas de coordenadas se movendo relativamente um ao outro na direção x, por simplicidade, os operadores diferenciais ficam dados por
x=γxγvc2t
e
t=γvxγt,
de modo que temos
2x2= γ22x2 2vc22xt+v2c42t2
e
2t2= γ2v22x2 2v2xt+2t2,
chegando em (Φ′ = Φ)
2Φx21c22Φt2=2Φx21c22Φt2,
como desejávamos.

A adoção das leis de transformação (1) implicam, como é óbvio, que uma reformulação na mecânica será necessária, visto que agora é a mecânica que deverá ser feita invariante pelas transformações de Lorentz.

3. A Invariância das Equações de Maxwell por Transformações de Lorentz

O que não sabemos ainda é como o campo elétrico e a indução magnética devem transformar-se (se for o caso) quando passamos de um sistema de referência a outro usando as regras das transformações de Lorentz. Resta evidente que uma tal alteração deve, em geral, ser esperada se nos lembrarmos de que, no caso particular em que uma carga q se encontra em repouso num determinado referencial, quando vista de outro em movimento relativo com velocidade constante v_x, tal carga estará, do ponto de vista deste referencial, em movimento com uma velocidade −vx e, assim, produzindo corrente à qual esperamos encontrar associada uma indução magnética (note que isso deve valer tanto para a transformação de Galileu, quanto para a transformação de Lorentz, dada a ausência de necessidade de explicitação de qual tipo de transformação estaríamos considerando).

A pergunta fundamental desta seção é, portanto, a seguinte: dadas as transformações de Lorentz para as coordenadas e o tempo, como o campo elétrico E e a indução magnética E devem se transformar para tornar invariante as equações de Maxwell

E=01ρB=0×E+Bt=0×B1c2Et=μ0J?
Isto é, para que, no sistema de coordenadas com linha, tenhamos:
(2)E=01ρB=0×E+Bt=0×B1c2Et=μ0J,
em que, voltamos a ressaltar, tanto os campos quanto os operadores devem ser escritos no novo sistema de coordenadas espaço-temporais.

Vamos responder a esta questão para o caso mais restrito de transformações de Lorentz nas quais os sistemas de coordenadas se movem com velocidade v em relação um ao outro sobre a linha que define suas coordenadas x e x′, como indicado em (1).

Os operadores gradiente e a derivada temporal, que são dados por

=ix+jy+kz; t,
ficam estabelecidos, relativamente ao novo sistema, usando essencialmente a regra da cadeia, por
x=xxx+yxy+zxz+txt=γxγvc2ty=xyx+yyy+zyz+tyt=yz=xzx+yzy+zzz+tzt=zt=xtx+yty+ztz+ttt=γtγvx
isto é, pela expressão vetorial (note que os vetores unitários não se alteram)
=iγxγvc2t+jy+kz; t=γtγvx.
O rotacional de uma grandeza vetorial D qualquer deve ser expresso, segundo esses operadores, como
×D=ijkγxγvc2tyzDxDyDz=DzyDyzi+DxzγDzx+γvc2Dztj+γDyxDxyγvc2Dytk.

Usando esses resultados, as equações de Maxwell que representam a lei de Gauss, e a que garantem a inexistência de dipolo magnético, ficam

E=γExx+Eyy+Ezzγvc2Ext=ρ0B=γBxx+Byy+Bzzγvc2Bxt=0 ,
enquanto que a lei de Faraday resta como
EzyEyzγvBxx+γBxt=0ExzγEzxγvByx+γvc2Ezt+γByt=0γEyxExyγvBzxγvc2Eyt+γBzt=0
e a lei de Ampère modificada torna-se
BzyByz+γvc2Exxγc2Ext=μ0JxBxzγBzx+γvc2Bztγc2Eyt+γvc2Eyx=μ0JyγByxBxyγvc2Bytγc2Ezt+γvc2Ezx=μ0Jz ,
Notamos, ademais, que as duas últimas equações de Maxwell se desdobram em seis, dado o seu caráter vetorial. Ficamos, pois, com oito equações escalares.

Note que ainda estamos escrevendo os campos no sistema de coordenadas sem linha. Precisamos, obviamente, escrevê-los no sistema com linha. Para analisar as propriedades de transformação desses campos, tomemos primeiramente as equações de Faraday. Na primeira destas (em termos das componentes), verificamos, por inspeção4 4 Tal inspeção não é, entretanto, cega. Sabemos que a relação dimensional entre o campo elétrico e o campo magnético é dada a partir da mediação de uma velocidade. Assim, uma breve análise dimensional sugere a forma apresentada (a menos do sinal, este sim compatibilizado para garantir a invariância desejada). , que, para retornarmos a uma equação de Faraday sem termos espúrios, devemos notar

(3)Ez=γEzvByEy=γEyvBzBx=Bx ,
pois, nesse caso, por substituição direta na equação, ficamos com:
(4)×E+Btx=vB,
em que
=ix+jy+kz,
e o índice x do termo entre colchêtes indica apenas que esta é a componente x da equação de Faraday. Dessa maneira, se mais adiante conseguirmos demonstrar que o divergente à direita é zero, teremos mostrado a invariância da primeira componente das equações associadas à lei de Faraday. As outras duas componentes ficarão
×E+Bty=0
e
×E+Btz=0
se, juntamente com as transformações (3) , colocarmos5 5 Ver nota anterior e notar a diferença do termo de velocidade. Novamente, uma análise dimensional sugere a referida transformação (a menos de sinais). O raciocínio, intuitivo, é que, como o termo à esquerda é um campo magnético, o termo transformado (com linha) deve conter o campo magnético novamente e um campo elétrico sobre uma velocidade. O fato de se ter usado, para o campo elétrico, termos do tipo vB sugere que o termo multiplicativo para E seja v/c 2.
By=γByvc2EzBz=γBz+vc2EyEx=Ex .
Não é de modo algum estranho que as componentes em y e z se anulem automaticamente, de maneira que devamos nos preocupar apenas com a componente em x; de fato, a transformação de Lorentz que estamos considerando se dá na direção x, o que faz com que as equações associadas a outras direções não sejam alteradas com a troca de sistemas de coordenadas. Assim, nosso conjunto completo de transformações para os campos resta:
(5)Ex=ExEy=γEy+vBzEz=γEzvByBx=BxBy=γByvc2EzBz=γBz+vc2Ey .

As equações (5) são as expressões completas da transformação, embora reste testar todas as outras equações de Maxwell (note que testamos apenas a lei de Faraday e, mesmo assim, só podemos garanti-la se conseguirmos mostrar que o divergente à direita de (4) se anula, o que corresponde à lei da indução magnética para B′). Vamos, então, mostrar que, com certas considerações, obtemos as novas equações para os campos transformados como em (2) .

Se nos voltarmos para a lei da indução magnética, e substituirmos os resultados anteriores, ficaremos com:

B=vc2×E+Btx.

Comparando esta última expressão com (4), notamos que, ou υ2c2=1 (o que é falso), ou o divergente deve anular-se, de modo que devemos ter

(6)B=0,
e, portanto,
(7)×E+Bt=0.

Com este resultado, já conseguimos mostrar a invariância das equações homogêneas de Maxwell; restam ainda as equações inomogêneas. Elas, como veremos, irão impor condições acerca das propriedades de transformação da densidade de carga e da densidade de corrente.

Começando pela lei de Gauss para o campo elétrico, e substituindo os campos transformados, chegamos ao resultado

E=γEγv×B1c2Etx=ρ0
de maneira que, se colocarmos
ρ0=γρ0+μ0vJxρ=γρ+vc2Jx,
teremos, imediatamente,
(8)E=ρ0,
desde que seja verdade que
×B1c2Etx=μ0Jx,
o que ainda resta demonstrar.

Falta, portanto, apenas considerar as três componentes da lei de Ampère modificada. A primeira delas irá gerar a equação

γ×B1c2Etx=μ0Jxγvc2ρ0
que, se colocarmos
μ0Jx=γμ0Jx+vc2ρ0Jx=γJx+vρ,
obtemos
×B1c2Etx=μ0Jx.
Da mesma forma, se colocarmos
Jy=Jy;Jx=Jz,
teremos, para as duas outras componentes da lei de Ampère modificada,
×B1c2Ety=μ0Jy
e
×B1c2Etz=μ0Jz,
que implicam na sua invariância, na forma
(9)×B1c2Et=μ0J.

Coletando todos os resultados obtidos, temos:

  • os campos devem se transformar segundo

    (10)Ex=ExEy=γEy+vBzEz=γEzvByBx=BxBy=γByvc2EzBz=γBz+vc2Ey ;

  • a densidade de carga e a densidade de corrente devem se transformar como

    (11)ρ=γρ+vc2JxJx=γJx+vρJy=JyJz=Jz ;

e as equações de Maxwell ficam [(6) , (7) , (8) e (9)]

(12)B=0×E+Bt=0E=01ρ×B1c2Et=μ0J
que são escritas no referencial com linha e que possuem exatamente a mesma aparência que possuíam no referencial sem linha. Não deixa de ser instigante a constatação que, sob as transformações de Lorentz, as próprias equações “se misturam” e seu desacoplamento decorre, exatamente, da exigência de invariância, que é como as relações entre os campos (e também as densidades de carga e corrente) são introduzidas.

Note que as densidades de carga e de corrente se comportam, sob as transformações, exatamente como o tempo e a posição (perceba que nas expressões (11) temos os elementos escritos no referencial sem linha dados em termos dos elementos escritos no referencial com linha, ao contrário do que temos nas equações de transformação (3) e que, para inverter as expressões (11) para escrever os elementos com respeito ao referencial com linha em termos dos elementos escritos no referencial sem linha, basta inverter o sinal da velocidade).

Era, aliás, de se esperar que a corrente se transformasse da maneira apresentada em (11) , uma vez que, para o referencial em movimento em relação ao referencial no qual as cargas estão imóveis, elas passam a mover-se e produzem uma corrente que é vρ′ (a menos de termos de contração).

Podemos notar, também, que não faz sentido tentar entender o campo elétrico como uma entidade independente da indução magnética, visto que bastaria uma mudança de sistema de coordenadas para que um campo elétrico puro se transformasse numa mistura de campo elétrico e indução magnética. Vale observar, entretanto, que não podemos migrar de um campo elétrico puro para um campo magnético puro, qualquer que seja a transformação de Lorenz de coordenadas. Mais ainda, as expressões (10) mostram que os campos existentes na direção do movimento relativo não se alteram, enquanto que aqueles em direções ortogonais mudam da maneira indicada. Esse resultado, portanto, implica, por exemplo, na quebra de isotropia de um campo de partícula puntiforme ao se passar para um referencial em movimento relativo.

4. Quadrivetores e Invariância

Se recapitularmos alguns resultados já obtidos, perceberemos que um fenômeno interessante ocorreu. De fato, quando analisávamos a invariância das equações de Maxwell por transforações de Lorentz (na direção x) dadas por

(13)x=γxβcty=yz=zct=γctβx,
chegamos à conclusão que tal invariância só poderia ocorrer caso as densidades de carga e de corrente se transformassem, sob as mesmas transformações de coordenadas, como:
(14)Jx=γJxβcρJy=JyJz=Jzcρ=γcρβJx.

Uma rápida comparação entre as expressões (13) e (14) nos mostra que o vetor densidade de corrente se transforma como o vetor posição, enquanto que a densidade de carga se transforma como o tempo. Esta aparente “coincidência” tem implicações profundas que passamos agora a desenvolver.

Se optarmos por escrever as coordenadas espaço-temporais na forma xα = (ct, x), então as equações (15) sugerem que escrevamos jα = (, J), de modo que a ideia de se introduzir a noção de quadrivetores se torna natural. Quadrivetores são uma generalização da noção de vetores em três dimensões (com importantes qualificações que veremos a seguir). Assim, podemos pensar, imediatamente, na possibilidade de introduzir, também para os quadrivetores, uma noção de produto interno (ou escalar).

5. Preliminares: a Equação de Onda e o Cálculo Tensorial

A partir dos indícios colhidos na seção anterior, podemos desenvolver a noção de produto interno nesse espaço de quadrivetores. Para tanto, podemos tomar a noção de comprimento nesse espaço (que é uma maneira de introduzir a noção de produto interno), escrevendo seu elemento diferencial como (usando a notação de soma de Einstein)

ds2=dsds=c2dt2dx2dy2dz2=dx02dx12dx22dx32=ηα,βdxαdxβ,
em que o elemento ηα,β, chamado métrica (justamente por especificar a maneira de medir comprimentos no espaço considerado), fica dada por (assinatura igual a −2):
η00=1, η11=η22=η33=1, ηαβ=0seαβ.

Nesse ponto, é interessante introduzir a diferenciação entre vetores contravariantes e covariantes (em particular pelo fato de a métrica ter as características de assinatura apresentadas anteriormente). O quadrivetor contravariante (com índices superiores) tem as componentes A0, A1, A2 e A3, que escrevemos, concisamente e seguindo as intuições da seção anterior, como:

Aα=(A0,A);
usando a métrica para abaixar índices, definimos o quadrivetor covariante como
Aα=ηαβAβ=(A0,A).
O produto escalar fica, então, sem a explicitação da métrica, dado por
AαBα=A0B0BA.
Introduzir a noção de produto escalar é importante porque garante a invariância pela transformação em questão, uma vez que um escalar não irá variar por tais transformações.

Note que o caráter covariante de

(15)α=c1t,
é particularmente importante, porque desejamos que a equação
αJα=J0x0+J=cρct+J=0
seja um invariante de Lorentz (a conservação da carga deve valer em todos os referenciais inerciais).

Usando o operador definido na Eq. (16) e seu correlato contravariante, é imediato mostrar que a equação de onda para uma função f qualquer pode ser escrita como

fααf=f(x0)22f=1c2ft22f,
o que estabelece imediatamente sua invariância por transformações de Lorentz, visto que ∂αα é um produto escalar e f, um campo escalar.

6. A Formulação Tensorial das Equações de Maxwell

Com esses resultados preliminares, podemos agora mostrar que as equações de Maxwell são invariantes por transformações de Lorentz usando, para tanto, exclusivamente o cálculo tensorial.

Primeiramente, podemos mostrar que a equação de conservação da carga é um invariante. Com efeito, pelas leis de transformação das densidades de carga e de corrente encontradas (ou pela exigência de termos um quadrivetor corrente), devemos colocar

Jα=cρ, J
(lembremo-nos que estamos usando x0 = ct, o que ocasiona o aparecimento de na expressão acima). Assim, o escalar de Lorentz
αJα=0
representa certamente um invariante, mostrando que a conservação da carga vale em qualquer referencial inercial que se transforme segundo as transformações de Lorentz.

O calibre de Lorentz pode ser escrito como

1c2ϕt+A=0;
em termos de quadrivetores, se colocarmos
(16)Aα=ϕc,A,
teremos
αAα=0,
que, novamente, garante sua invariância por transformações de Lorentz.

As equações de onda para os potenciais, escritas no calibre de Lorentz, são

A=μ0Jϕ=ρ0,
que podem ser escritas, em termos de quadrivetores, como
Aα=μ0Jα.

Já colocamos praticamente todo o formalismo do eletromagnetismo sob o formato tensorial, implicando assim na sua invariância. Falta ainda escrever as equações de Maxwell nesse mesmo formato tensorial e, assim, garantir sua invariância sem a necessidade de realizar qualquer cálculo posterior.

Para escrevermos as equações de Maxwell na forma tensorial, notamos primeiramente que o campo elétrico foi por nós obtido como sendo

E=ϕAtEc=ϕcAx0,
o que, em termos das componentes do quadrivetor potencial dado em (17), pode ser escrito como
(17)Exc=E1c=1A00A1=0A11A0,
em que o leitor deve atentar para o fato de estarmos utilizando o ”gradiente” contravariante, o que implica que devemos inverter o sinal das derivadas espaciais.

É fácil mostrar que as outras componentes para o campo são

(18)E2c=0A22A0E3c=0A33A0.
Da mesma maneira, para a indução magnética, temos
B= × A,
implicando que
(19)Bx=B1=AzyAyz=2A33A2,
quando, novamente, insistimos para que o leitor se recorde de que estamos usando a versão contravariante do operador diferencial, implicando numa troca de sinais para as derivadas espaciais.

As outras componentes para a indução magnética são facilmente obtidas como

(20)B2=3A11A3B3=1A22A1.

A partir das expressões (18), (19), (20) e (21), podemos construir um tensor Fαβ dado por

Fαβ=αAββAα
que, matricialmente, pode ser escrito como
Fαβ=0E1cE2cE3cE1c0B3B2E2cB30B1E3cB2B10.
Vale notar que a indução magnética aparece como os componentes de uma matriz antissimétrica 3 × 3, o que equivale a dizer que B é um pseudo-vetor.

Com o tensor Fαβ fica bastante fácil obter as equações de Maxwell na forma invariante

(21)αFαβ=μ0Jβ.
(22)αFβγ+βFγα+γFαβ=0,
Em que temos quatro equações em cada caso devido ao fato de termos três índices que podem variar no conjunto {0, 1, 2, 3}, isto é, temos uma combinação de quatro, tomados três a três (que, sem dependência da ordem combinatória, é quatro): as quatro equações inomogêneas associam-se a (21), enquanto que as quatro equações homogêneas associam-se a (22).
x1x1=γx1x0=γβx1x2=x1x3=0x2x1=x2x3=x2x0=0x2x2=1x3x1=x3x2=x3x0=0x3x3=1x0x1=γβx0x0=γx0x2=x0x3=0,
6 6 Note que só foi necessário impor a forma particular da transformação de Lorentz neste ponto, mostrando que nossos resultados são completamente gerais. as componentes dos tensores podem ser calculadas, uma a uma, da forma
E1c=F01=x0xγx1xσFγσ=x0x0x1x0F00+x0x0x1x1F01++x0x3x1x3F33=x0x0x1x1F01+x0x1x1x0F10=γ2E1c+γ2β2E1c=γ2(1β2)E1c,
implicando que E1=E1. Para a componente F02′ temos
E2c=F02=x0x0x2x2F02+x0x1x2x2F12=γE2c+βB3,
implicando que E2=γ(E2vB3), como anteriormente.

Existe uma maneira mais direta de obter as regras de transformação para os campos usando a representação matricial das transformações de Lorentz. Assim, podemos escrever

Fαβ=ΛλαFλσΛσβ,

Assim, uma vez colocadas sob o formato (22) e (23) , as equações de Maxwell são mostradas invariantes por transformações de Lorentz, sem a necessidade de quaisquer outros cálculos.

Desta feita, se desejarmos reobter as regras de transformação explícitas para os campos, basta lembrarmos que, dado que Fαβ é tensor, devemos ter:

(23)Fαβ=xα xβxγ xσFγσ,
e assim, usando o caso particular das transformações na direção x:

em que Λλα representa o boost relativístico e

Λλα=xαxλ=γγβ00γβγ0000100001
e
Fαβ=0E1/cE2/cE3/cE1/c0B3B2E2/cB30B1E3/cB2B10,
com uma matriz similar para F′αβ (com linha nos campos). Fazendo o produto acima, é simples provar que
0E1/cE2/cE3/cE1/c0B3B2E2/cB30B1E3/cB2B10=0E1cγE2cβB3cγE3cβB2cE1c0γcB3βE2cγcB2βE3cγE2cβB3cγcB3βE2c0B1γE3cβB2cγcB2βE3cB10,
gerando as transformações desejadas. Com efeito, comparando o elemento matricial 0, 2 dos dois lados da expressão anterior, por exemplo, temos E2=γ(E2vB3), como antes.

7. Invariância das Equações de Maxwell às Transformações de Lorentz: Pontes Conceituais via Derivação como Alternativa ao Cálculo Tensorial

Na tradição do campo disciplinar da Fisica, e nos respectivos manuais didáticos, a invariância das equações de Maxwell por transformações de Lorentz é, como ressaltamos na construção do argumento teórico deste artigo, usualmente apresentada via cálculo tensorial, do que decorre que seu ensino seja postergado até que (supostamente) os estudantes-alvo dominem esse formalismo. Tal condicionalidade pode acarretar, em disputas curriculares as mais disformes como as que caracterizam o modelo educacional brasileiro, que muitos sequer tenham acesso institucional a esse tópico com relevantes implicações para o conhecimento avançado da Física Moderna e Contemporânea.

Desse diagnóstico, desenvolvemos uma alternativa de se proceder àquela demonstração de invariância das equações de Maxwell frente às transformações de Lorentz usando-se tão-somente operações básicas da derivação, nomeadamente a regra da cadeia, tanto mais simples quanto usuais em fases introdutórias da formação em ciências exatas. Na direção dos processos de ensino e aprendizagem em Física, sustentamo-nos no aporte teórico das pontes conceituais, por nós desenvolvido neste e em outros trabalhos [8[8] M. Ferreira, O.L. Silva Filho, I.M. Araújo, M.I.R. Meneses e H.C.S. Sacerdote, Revista do Professor de Física 3, 119 (2019).] a partir da epistemologia cognitiva de objeto homólogo de Gérard Vergnaud [9[9] A. Einstein e L. Infeld, A Evolução da Física (Zahar, Rio de Janeiro, 2008).].

Essa correlação apreende um contributo preciso – e, sustentamos, cirúrgico – para a manipulação didática da nossa proposição, visto que se constitui como dispositivo de conexão entre campos cognitivos cujas fundamentações, regras axiomáticas, de operação e consequenciais e as formulações resultantes, ainda que heterogêneas, confluem-se num domínio (campo) de isomorfismo. A essa propriedade de transição denominamos pontes conceituais.

O artifício de congruência referencial buscou, assim, justamente, estabelecer a transitabilidade das maneiras de demonstração da invariância das transformações das equações de Maxwell, via derivação como alternativa ao cálculo tensorial, sem hierarquização, mas com evidente implicação de que a maneira demonstrada poderia facilmente ser introduzida em disciplinas iniciais de Eletromagnetismo, tipicamente realizadas no primeiro ciclo dos cursos de Física e Engenharia, contribuindo para a retomada progressiva do assunto em módulos avançados.

8. Considerações Finais

Resultados formais de uma teoria física, não raro, podem ser obtidos por diferentes perspectivas ou abordagens, movimentando insumos distintos de seus formalismos subjacentes. Assim, no caso específico da invariância das equações de Maxwell por transformações de Lorentz, é possível usar-se tanto um modelo matemático tensorial, como outro que utiliza apenas a noção de derivadas e a regra da cadeia.

A escolha de um formalismo tem consequências para o aprendizado que se intenciona, correlacionado com o momento de desenvolvimento cognitivo em que os estudantes se encontram. O uso de um formalismo mais abstrato, de modo geral, garante uma abordagem mais elegante e direta. Entretanto, há que se considerar o custo particular do aprendizado desse formalismo, que pode envolver elementos que, para o estudante em questão, não estão ao alcance. Isso, muitas vezes, significa que a demonstração da propriedade em questão só será apresentada em disciplinas mais avançadas do curso, não excepcionalmente apenas em cursos de pós-graduação, o que implica que sequer serão vistas por aqueles que não seguirem esse percurso formativo.

Por outro lado, o uso de um formalismo menos abstrato, como o que aqui apresentamos, permite a apresentação do resultado em disciplinas iniciais de cursos de ciências exatas e engenharias (no terceiro semestre, por padrão, já é possível abordar esse tipo de demonstração), bem como para evidenciar a importância das regras de derivação em uma aplicação de relevo no Eletromagnetismo. O uso desse formalismo pode, ademais, servir de ratio para a introdução dos elementos formais relacionados a uma abordagem abstrata, dando a ela uma motivação física, como buscamos fazer neste trabalho com referência ao contributo teórico das pontes e dos campos conceituais como desenvolvido em [8[8] M. Ferreira, O.L. Silva Filho, I.M. Araújo, M.I.R. Meneses e H.C.S. Sacerdote, Revista do Professor de Física 3, 119 (2019).] e [9[9] A. Einstein e L. Infeld, A Evolução da Física (Zahar, Rio de Janeiro, 2008).].

Isso não implica superioridade de uma abordagem em detrimento da outra. Significa apenas que cada qual corresponde a diferentes intenções de ensino e aprendizagem desse objeto de conhecimento e, portanto, a ativação de distintos campos conceituais, mesmo se tratando de demonstrações formais.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Referências

  • [1]
    L.S.F. Olavo, M. Ferreira e R.G.G. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220109 (2022).
  • [2]
    N. Ida e J.P.A. Bastos, Eletromagnetism and Calculation of Fields (Springer-Verlag, New York, 1992).
  • [3]
    M.N.O. Sadiku, Elements of Eletromagnetics (Saunders College, Philadelphia, 1994), 2 ed.
  • [4]
    D.J. Griffiths, Introduction to electrodynamics (Pearson, New York, 2013), 4 ed.
  • [5]
    E.M. Purcell e D.J. Morin, Electricity and Magnetism (Cambridge University Press, New York, 2013), 3 ed.
  • [6]
    M. Ferreira e O.L. Silva Filho, Plurais – Revista Multidisciplinar 6, 9 (2021).
  • [7]
    G. Vergnaud, Récherches en Didactique des Mathématiques 10, 133 (1990).
  • [8]
    M. Ferreira, O.L. Silva Filho, I.M. Araújo, M.I.R. Meneses e H.C.S. Sacerdote, Revista do Professor de Física 3, 119 (2019).
  • [9]
    A. Einstein e L. Infeld, A Evolução da Física (Zahar, Rio de Janeiro, 2008).
  • 1
    De forma grosseiramente sintética, mas visando alcançar leitores menos habituados com essas noções, registramos as transformações de Lorentz como o conjunto de operações matemáticas de resguardo relativístico, isto é, que buscam dimensionar que a cada sistema de referência correspondem medidas particulares de espaço e tempo quando considerados dois observadores quaisquer. Já o cálculo tensorial é, na Matemática, o ramo que opera com as transformações (genéricas) de coordenadas entre dois diferentes sistemas. Mesmo em aulas de física na Educação Básica, em que tais noções não integram temas usuais das matrizes curriculares e dos livros didáticos, uma aproximação sutil – e em termos adequados – a essas compreensões pode ser sobremaneira importante para produzir sentidos (ainda que ilustrativos, úteis) às relações integrativas das áreas da eletricidade, do magnetismo, da ótica e da relatividade.
  • 2
    Entendamos, claramente, que por “simplificadas” estamos admitindo a ideia de menor sofisticação e, maneira alguma, qualquer defesa leviana por simplismo ou de apropriação vulgar de noções que depreciam a formalidade matemática como linguagem – portanto, como estrutura de mediação do pensamento.
  • 3
    Dadas as limitações de escopo e de espaço da presente discussão, sugerimos aos interessados em aprofundar entendimentos acerca da noção de “pontes conceituais” que acabamos por induzir na articulação aqui proposta, que tomem contato com o artigo intitulado “Pontes conceituais: uma sequência didática para o Eletromagnetismo no Ensino Médio como proposta de introdução à Física Moderna”, de Ferreira et al. (2019), listado nas referências deste trabalho.
  • 4
    Tal inspeção não é, entretanto, cega. Sabemos que a relação dimensional entre o campo elétrico e o campo magnético é dada a partir da mediação de uma velocidade. Assim, uma breve análise dimensional sugere a forma apresentada (a menos do sinal, este sim compatibilizado para garantir a invariância desejada).
  • 5
    Ver nota anterior e notar a diferença do termo de velocidade. Novamente, uma análise dimensional sugere a referida transformação (a menos de sinais). O raciocínio, intuitivo, é que, como o termo à esquerda é um campo magnético, o termo transformado (com linha) deve conter o campo magnético novamente e um campo elétrico sobre uma velocidade. O fato de se ter usado, para o campo elétrico, termos do tipo vB sugere que o termo multiplicativo para E seja v/c 2.
  • 6
    Note que só foi necessário impor a forma particular da transformação de Lorentz neste ponto, mostrando que nossos resultados são completamente gerais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2023
  • Aceito
    09 Set 2023
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