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Modelo clássico para resfriamento atômico: Uma forma pedagógica de entender o problema

Classical model for laser cooling: a pedagogical way of understanding the problem

Resumos

Neste trabalho desenvolvemos um modelo clássico para descrever o processo de resfriamento atômico devido à interação de um átomo com uma configuração de feixes de luz laser. Derivamos uma expressão para a força de radiação sobre o átomo com a descrição detalhada da origem de cada um dos termos envolvidos. Por fim construímos um paralelo entre o aspecto clássico e as particularidades da natureza quântica da interação radiação matéria.

átomos; laser; resfriamento; radiação; física clássica


In this work we develop a classical model to describe the laser cooling process due to the interaction between an atom and a configuration of laser beams. We derive an expression for the radiation force exerted on the atom, detailing the origin of each term involved. Lastly, we built a parallel between the classical model and the peculiarities of the quantum nature of the interaction radiation-matter.

atoms; laser; cooling; radiation; classical physics


ARTIGOS GERAIS

Modelo clássico para resfriamento atômico: Uma forma pedagógica de entender o problema

Classical model for laser cooling: a pedagogical way of understanding the problem

N.D. Gomes1 1 E-mail: naomyduarteg@gmail.com. ; M.A. Caracanhas; V.S. Bagnato

Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP Brasil

RESUMO

Neste trabalho desenvolvemos um modelo clássico para descrever o processo de resfriamento atômico devido à interação de um átomo com uma configuração de feixes de luz laser. Derivamos uma expressão para a força de radiação sobre o átomo com a descrição detalhada da origem de cada um dos termos envolvidos. Por fim construímos um paralelo entre o aspecto clássico e as particularidades da natureza quântica da interação radiação matéria.

Palavras-chave: átomos, laser, resfriamento, radiação, física clássica.

ABSTRACT

In this work we develop a classical model to describe the laser cooling process due to the interaction between an atom and a configuration of laser beams. We derive an expression for the radiation force exerted on the atom, detailing the origin of each term involved. Lastly, we built a parallel between the classical model and the peculiarities of the quantum nature of the interaction radiation-matter.

Keywords: atoms, laser, cooling, radiation, classical physics.

1 Introdução

O resfriamento de átomos utilizando luz é um tópico moderno que tem conseguido avançar em diversas direções, abrangendo campos diversos da física. É comum alunos dos cursos de graduação lerem artigos ou participarem de seminários sobre este tema. No entanto, o entendimento de aspectos básicos do tema exige conhecimento de mecânica quântica, ficando seu entendimento restrito àqueles alunos que já tem domínio nesta área. Neste trabalho, apresentamos de uma forma pedagógica o cálculo da pressão de radiação usando apenas a mecânica e o eletromagnetismo clássicos. Vamos também deduzir aspectos básicos do resfriamento de átomos com laser utilizando essas relações, além de obter expressões qualitativamente similares às expressões do tratamento quântico do fenômeno da interação radiação-matéria, realizando um paralelo entre esses dois resultados, a fim de introduzir alguns dos conceitos básicos de mecânica quântica.

2 Modelo clássico da força de radiação

Consideraremos o átomo clássico como uma esfera de massa M na qual as cargas positivas (prótons) estejam homogeneamente distribuídas e no interior da qual as cargas negativas podem mover-se (modelo de J.J. Thomson do átomo). Limitamos o nosso modelo à descrição do átomo com apenas um elétron (elétron de valência do átomo) de massa m (m<<M). O elétron está submetido ao campo das cargas positivas.

Seja R o raio da esfera atômica e r a posição do elétron em relação ao centro da esfera. Usando a lei de Gauss e considerando o átomo como uma esfera de várias camadas, observamos que as camadas que possuem um raio maior que o raio r do elétron não exercerão nenhuma força sobre este, enquanto que as camadas internas ao raio r geram uma força total equivalente àquela que seria gerada caso toda a carga positiva que se encontra nessas camadas se concentrasse no seu centro. Calculando a força resultante sobre o elétron obtemos

Podemos notar que é uma força restauradora do tipo F = -kr, o que significa que o elétron apresentará um movimento harmônico. Mas sabemos que uma carga acelerada emite radiação, o que fará com que a energia do elétron não seja constante como no movimento harmônico, mas apresente uma queda característica de um movimento harmônico amortecido. Se submetermos o elétron a um feixe de laser (campo eletromagnético), sua equação de movimento será da forma

onde o termo do lado esquerdo da equação representa a força exercida pelo campo eletromagnético, cuja frequência de oscilação é ω; ω0 representa a frequência própria de movimento do elétron e γ é o coeficiente de dissipação dado por [1]

A solução para a Eq. (2) será a parte real da solução complexa w(t)

Supondo uma solução cuja frequência seja a mesma da força, teremos

Substituindo a Eq. (5) e suas derivadas na Eq. (4) encontramos a solução para w

Podemos agora determinar a amplitude A e a fase usando as propriedades dos números complexos

Com isso chegamos à solução da equação do movimento, ou seja, x(t)=Re[w(t)]

Lembrando que o elétron se move devido à força gerada pelo campo eletromagnético, a velocidade que ele adquire sendo acelerado pelo campo elétrico faz com que o campo magnético também passe a exercer uma força sobre ele. Segundo a força de Lorentz,

Pelas equações de Maxwell temos a relação entre os campos magnético e elétrico

Substituindo a derivada da Eq. (9) e o valor do campo magnético (Eq. (11)) na Eq. (10) teremos

Se tomarmos a média temporal ao longo de um período de oscilação da radiação, teremos que a força magnética média agindo sobre o elétron será

onde

Considerando que o elétron está fortemente acoplado ao núcleo, a força magnética média não nula agindo sobre ele será transmitida ao átomo, que adiquirirá uma velocidade na direção do vetor de onda k da radiação (direção z no nosso problema em particular). A velocidade adquirida pelo átomo acaba gerando um deslocamento Doppler na frequência do laser por ele percebida. Assim, esta frequência será alterada para um valor para um átomo que se move na direção de propagação da luz. Considerando essa nova frequência , o módulo da força média agindo sobre o átomo será

Substituindo o valor de em função de na Eq. (15), obtemos

Adotando a frequência do laser ressonante com o átomo, isto é, e considerando que , a Eq. (16) se reduz a

onde .

3 O melaço óptico

Considerando agora um átomo em uma configuração com dois feixes de laser contrapropagantes (Fig. 1), a força média total agindo no átomo será dada por F = F+ + F-, com


onde o sinal superior refere-se à força no sentido positivo do eixo z, e o sinal inferior, à força no sentido negativo do eixo z. Teremos então

Para velocidades atômicas pequenas, , podemos expandir os denominadores na Eq. (19), o que resultará na expressão

Por esta equação, podemos notar que a força depende linearmente da velocidade e que, para Δ < 0, ela é do tipo viscosa, ou seja, F = -αcv, onde

é coeficiente de amortecimento para o átomo clássico.

4 Breve descrição do modelo semiclássico

No tratamento semiclássico consideraremos um átomo quântico com dois níveis de energia possíveis para o seu elétron de valência, o fundamental e o excitado. A frequência de transição entre o estado fundamental e o excitado será dada pelo espaçamento entre os níveis de energia, segundo a relação. O tempo de vida do elétron no estado excitado será dado por Γ-1, onde Γ é a taxa com que a população do estado excitado do átomo decai para o estado fundamental.

Aplicamos sobre o átomo um laser, que será descrito por um campo eletromagnético clássico, cuja frequência ω apresenta uma dessintonia Δ (= ω - ω0)[Phillips] em relação à frequência de ressonância ω0 do átomo. Consideraremos também um parâmetro de saturação s , termo relacionado ao número de fótons absorvidos e emitidos pelo processo de emissão espontânea. O parâmetro de saturação limita a taxa com que a energia do laser pode ser absorvida, evitando que haja saturação dos estados excitados.

Levando em conta o efeito Doppler, um átomo se movendo na mesma direção de propagação da luz verá uma variação na frequência do laser dada por k.v, onde k e v são os valores absolutos do vetor de onda e da velocidade do átomo, respectivamente. Assim, podemos substituir Δ por Δ - k.v.

A força exercida no átomo é devida à absorção de fótons de momento p = ħk. Os fótons emitidos não contribuem para a média desta força, uma vez que a emissão espontânea tem uma distribuição isotrópica. Não trataremos aqui da força induzida, pois ela ocorre quando há saturação dos estados excitados do átomo.

Considerando uma onda plana para a radiação, a força agindo sobre o átomo será [3,4]

onde é a frequência de Rabi, que caracteriza o acoplamento do átomo com a radiação, isto é, a possibilidade ou não da excitação do elétron do átomo ou da absorção do fóton da radiação; k é o vetor de onda e v é a velocidade do átomo. Se introduzirmos agora mais um feixe de laser contrapropagante ao primeiro e considerarmos o regime de baixas velocidades iniciais do átomo, em termos do parâmetro de saturação s teremos a força resultante sobre o átomo

Podemos ver que, para Δ<0, a força é sempre contrária ao movimento do átomo e cresce linearmente com sua velocidade. Temos novamente uma força viscosa da forma F = -αqv, onde

é o coeficiente de amortecimento para o átomo quântico.

5 Estimativa numérica

Na seção 2 do presente trabalho apresentamos o modelo clássico do aprisionamento atômico, chegando a uma expressão de uma força do tipo viscosa agindo sobre o átomo, cujo fator de proporcionalidade com a velocidade ficou expresso pela Eq. (21).

Para estimar o valor numérico de αc, escolhemos os parâmetros que maximizam a força dissipativa. Dessa forma relacionamos a dessintonia com o coeficiente de dissipação γ, que é calculado utilizando-se a Eq. (3), de modo que o valor de Δ maximize a força dissipativa, ou seja, maximize o próprio αc , o que ocorre para Δ = -γ/2. Mas γ por sua vez depende da frequência própria ω0 do movimento do elétron. De acordo com a força restauradora dada pela Eq. (1), sendo a relação entre ω0 e a nossa constante elástica k dada por , obtemos a frequência característica

Agora vamos estimar o valor numérico de ω30 levando em conta o tamanho efetivo da nuvem eletrônica do elétron de valência de um átomo de sódio, isto é, o volume correspondente ao seu orbital s. Para esse caso em particular, devemos considerar também a blindagem da carga nuclear devido à presença do demais elétrons preenchendo as camadas internas ao orbital de valência. Encontramos então o seguinte valor: αc = -2.505663772×10-27 kg/s, considerando no nosso cálculo o raio do núcleo do sódio dado por Rnucleo = 3.554833725×10-5 m.

Já na seção 4 do presente trabalho apresentamos o modelo semiclássico do aprisionamento atômico, chegando a uma expressão para a força que age sobre o átomo dada pela Eq. (23). Conforme sugerido por esta expressão, definimos um fator αq dado pela Eq. (24), analogamente ao fator αc do nosso caso clássico. Realizamos o cálculo numérico de αq para o caso do átomo de sódio (λ = 589 nm), utilizando os seguintes valores de máxima força de amortecimento[5]: parâmetro de saturação s = 1; ;. Com tais valores, chegamos em αq = -5.333627714×10-21 kg/s, que está de acordo com os valores previstos na literatura[5].

6 Analogias com o modelo quântico

Apesar da expressão funcional da força da radiação ser bastante similar nos dois casos tratados (Eqs. (20) e (23)), clássico e semiclássico, a física empregada na sua derivação foi bastante distinta. A seguir detalharemos alguns dos pontos essenciais da derivação da força em cada um dos tratamentos, contrastando melhor as particularidades de cada modelo, isto é, a física clássica e a quântica.

No caso clássico consideramos o átomo com apenas uma carga elétrica livre acelerada por um campo eletromagnético, obtendo um modelo massa-mola para o elétron. Este elétron acelerado emite radiação e introduz na expressão da força um fator de dissipação análogo à taxa de decaimento devido à emissão espontânea no caso semiclássico, onde consideramos o átomo como um sistema quântico de dois níveis. Ainda no caso clássico, a força que atua sobre o átomo advém da componente magnética da força de Lorentz. Por outro lado, no tratamento semiclássico, tínhamos essa mesma força resultante na direção de propagação do feixe, mas devida à transferência de momento que ocorre entre o átomo e os fótons por ele absorvidos. Tais fótons possuem uma frequência ressonante com a separação dos níveis de energia do átomo, que os absorve adquirindo um momento p = ħk. A energia correspondente permite que o átomo passe a um estado excitado e posteriormente decaia emitindo fótons em direções aleatórias, resultando assim em um movimento na direção e sentido do vetor de onda da radiação.

Considerando o átomo submetido a dois feixes de laser contrapropagantes, em ambos os modelos chegamos a uma força viscosa, cujos coeficientes foram α21c e αq, respectivamente para os tratamentos clássico e quântico. Comparando as expressões dos coeficientes, vemos que a diferença entre eles está no parâmetro de saturação que aparece em αq e que tem natureza totalmente quântica, pois depende da frequência de Rabi, a qual caracteriza o acoplamento entre o sistema radiação-matéria, além da taxa de decaimento Γ, associada ao tempo de vida do estado quântico excitado.

7 Conclusão

Nesse trabalho construímos um modelo clássico para descrição do processo de resfriamento atômico. A introdução da expressão quântica da força de radiação, seguida da descrição detalhada dos termos que aparecem na expressão da força nos dois modelos, clássico e quântico, nos permitiu fazer uma abordagem didática das particularidades da física quântica comparando-a com a clássica.

Apesar do acordo qualitativo entre os resultados dos dois modelos (clássico e quântico), dado pela mesma forma funcional para a força da radiação sobre o átomo, não esperamos ser capazes de obter também uma concordância quantitativa entre eles, e isso pode ser visto pela diferença, principalmente no que se refere ao valor numérico, entre os parâmetros αc e αq.

Recebido em 16/4/2013

Aceito em 27/5/2013

Publicado em 6/2/2014

  • [1] Roberto da Silva e Humberto M. França, Revista Brasileira do Ensino de Física 24, 23 (2002).
  • [2] P.D. Lett, W.D. Phillips, S.L. Rolston, C.E. Tanner, R.N. Watts and C.I. Westbrook, J. Opt. Soc. Am. B 6, 2084 (1989).
  • [3] R.J. Cook, Phys. Rev. A 20, 224 (1979).
  • [4] J. Weiner, V.S. Bagnato, S. Zilio and Paul S. Julienne, Rev. Mod. Phys. 71, 1 (1999).
  • [5] P.D. Lett, W.D. Phillips, S.L. Rolston, C.E. Tanner, R.N. Watts and C.I. Westbrook, J. Opt. Soc. Am. B 6, 2085 (1989).
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Aceito
      27 Maio 2013
    • Recebido
      16 Abr 2013
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