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Uma proposta de inserção da teoria da relatividade restrita no Ensino Médio via estudo do GPS

A proposal for the insertion of relativity theory in high school by studying the GPS

Resumo

Neste artigo são discutidas as potencialidades da inserção da física moderna e contemporânea no ensino médio, dando especial ênfase ao ensino da teoria da relatividade restrita por meio do estudo e explicação do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Descreve-se um planejamento didático de treze aulas e suas atividades, que foram desenvolvidas como parte de uma pesquisa de mestrado. Essa pesquisa procurou desenvolver no ensino médio conteúdos que tradicionalmente não são trabalhados neste nível de ensino, buscando aproximar os alunos de situações do cotidiano e que estão relacionadas com exemplares tecnológicos. As atividades realizadas com os alunos participantes procuraram desenvolver as competências preconizadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, apresentam-se os elementos que nortearam a elaboração do planejamento didático, como, por exemplo, os resultados obtidos da análise de artigos referentes ao assunto relatividade, publicados em dez periódicos nacionais e internacionais, bem como, a reflexão sobre os aspectos de um planejamento didático. Dos resultados obtidos, destaca-se que 2,21% dos artigos publicados nas principais revistas de educação em ciências e ensino de física no período de 2005 a 2009 se relacionaram à teoria da relatividade, tendo sido esta uma dificuldade encontrada ao elaborar o planejamento didático. Em relação às respostas dos alunos, cabe salientar que eles consideraram relevante o estudo do GPS e da dilatação do tempo, e, além disso, consideraram produtiva a aproximação entre o GPS e a teoria da relatividade restrita.

física moderna e contemporânea; teoria da relatividade restrita; Ensino Médio; sistema de posicionamento global; ensino de física


PESQUISA EM ENSINO DE FíSICA

Uma proposta de inserção da teoria da relatividade restrita no Ensino Médio via estudo do GPS

A proposal for the insertion of relativity theory in high school by studying the GPS

Carla Moraes RodriguesI, 1 1 E-mail: fisicarla@yahoo.com.br. ; Inés Prieto Schmidt SauerweinII; Ricardo Andreas SauerweinII

IPrograma de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

IIDepartamento de Física, Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Neste artigo são discutidas as potencialidades da inserção da física moderna e contemporânea no ensino médio, dando especial ênfase ao ensino da teoria da relatividade restrita por meio do estudo e explicação do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Descreve-se um planejamento didático de treze aulas e suas atividades, que foram desenvolvidas como parte de uma pesquisa de mestrado. Essa pesquisa procurou desenvolver no ensino médio conteúdos que tradicionalmente não são trabalhados neste nível de ensino, buscando aproximar os alunos de situações do cotidiano e que estão relacionadas com exemplares tecnológicos. As atividades realizadas com os alunos participantes procuraram desenvolver as competências preconizadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, apresentam-se os elementos que nortearam a elaboração do planejamento didático, como, por exemplo, os resultados obtidos da análise de artigos referentes ao assunto relatividade, publicados em dez periódicos nacionais e internacionais, bem como, a reflexão sobre os aspectos de um planejamento didático. Dos resultados obtidos, destaca-se que 2,21% dos artigos publicados nas principais revistas de educação em ciências e ensino de física no período de 2005 a 2009 se relacionaram à teoria da relatividade, tendo sido esta uma dificuldade encontrada ao elaborar o planejamento didático. Em relação às respostas dos alunos, cabe salientar que eles consideraram relevante o estudo do GPS e da dilatação do tempo, e, além disso, consideraram produtiva a aproximação entre o GPS e a teoria da relatividade restrita.

Palavras-chave: física moderna e contemporânea, teoria da relatividade restrita, Ensino Médio, sistema de posicionamento global, ensino de física.

ABSTARCT

This paper discusses the potential of insertion of modern physics in high school, with an emphasis on teaching the special theory of relativity by means of the study and explanation of the Global Positioning System (GPS). The study describes a didactic planning of thirteen classes and respective activities, which were developed as part of a master research. This research tried to approach contents which are traditionally not approached at high school, trying to approximate students to daily situations which are related to some technological apparatus. The didactic activities carried out with the participant students sought to develop the skills proposed by the National Curriculum. In addition, the paper presents the elements that guided the development of the didactic planning, as for example the results obtained from the analysis of articles related to the topic relativity, published in ten national and international journals, as well as presenting a reflection on some aspects of a didactic planning. From the obtained results, it is noteworthy that 2.21% of the articles published in the main journals on science education and physics education from 2005 to 2009 were related to the theory of relativity, which was one of the difficulties found in developing the didactic planning. Regarding the students' responses, it should be noted that they considered the study of the GPS and time dilatation relevant, and, besides that, they considered productive to use the connection between the GPS and the special theory of relativity.

Keywords: modern and contemporary physics, special theory of relativity, high school, global positioning system, physics education.

1 Introdução

São muitos os trabalhos na área de educação em ciências que tratam da do papel que a ciência desempenha como formadora de opinião e como agente de transformação social. Brito e Sá [1], ao abordarem assuntos da atualidade no Ensino Médio (EM), apontam que incorporar aspectos sócio- científicos nas aulas de ciências tem como um de seus propósitos promover nos alunos o desenvolvimento de ações sociais responsáveis a partir de assuntos vinculados à realidade dos mesmos.

Ao mesmo tempo, Delizoicov e cols. [2] comentam que os trabalhos publicados na área evidenciam a necessidade de inserir nas aulas conhecimentos recentes em ciência e tecnologia, mas destacam que são poucas as efetivas inserções destes assuntos na sala de aula.

Tanto os autores citados anteriormente como também Terrazzan [3] defendem um ensino de ciências que contemple aspectos da vida dos alunos. Mais especificamente no caso da disciplina de física, muitos defendem a inserção no EM de conteúdos relacionados à física moderna e contemporânea como, por exemplo, Ostermann e Moreira [4] e Oliveira e Viana [5].

Umas das justificativas apontadas pelos pesquisadores em ensino de física para a inserção da física moderna no EM se baseia no potencial que esses conteúdos têm em fornecer a explicação científica para utensílios tecnológicos do cotidiano dos estudantes, como, por exemplo, aparelho de microondas, laser, refrigerador, raios X, GPS, entre outros.

Por meio das justificativas apresentadas por alguns dos autores que defendem a abordagem de assuntos que contemplem a física moderna e contemporânea no EM, observa-se que é praticamente consensual a necessidade do ensino da produção científica atual, tanto por suas aplicações tecnológicas como para a compreensão de assuntos comentados nos meios de comunicação.

Buscando identificar o conjunto dos saberes e práticas que caracterizam a atividade docente, a próxima seção trata de alguns aspectos que serviram como pressupostos para a elaboração das aulas do planejamento didático.

2 Elementos que nortearam o planejamento didático

O Planejamento didático teve sua elaboração baseada no estudo do tema nas publicações da área de pesquisa em educação em ciências/ensino de física e nos aspectos de um planejamento didático, descritos na sequência. O estudo foi realizado em dez (10) periódicos, entre os quais dois (2) são espanhóis e um (1) é norte-americano, no período de 2005 a 2009.

Para tal estudo, inicialmente foram selecionados os periódicos. Os periódicos de pesquisa de todas as áreas do conhecimento são avaliados de acordo com critérios estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Segundo este órgão, a classificação dos periódicos brasileiros é realizada pelas áreas de avaliação e passa por um processo anual de atualização. Esses periódicos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; e C - com baixa relevância de publicação.

Os periódicos analisados foram Revista Brasileira de Ensino de Física, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Investigações em Ensino de Ciências, Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Ciência & Educação, A Física na Escola, Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Enseñanza de las Ciencias e Journal of Research in Science Teaching.

Da análise dos periódicos, destaca-se como característica geral o escasso número de artigos relacionados à teoria da relatividade, pois, no período da revisão, foram publicados 1.581 artigos, no entanto, somente 35 abordavam assuntos referentes à teoria da relatividade, tanto a restrita como a geral.

Além da análise dos periódicos, o planejamento foi estruturado, procurando-se contemplar as questões propostas por Delizoicov e cols. [2, p. 33-35] quanto ao enfrentamento dos desafios para o ensino de ciências no que diz respeito à tarefa docente, a saber:

- O que ensinar?

- Por que e para que ensinar ciências?

- Para quem ensinar ciências?

Uma possível aproximação para a primeira das perguntas pode ser obtida tendo como base as pesquisas que sustentam que o ensino de física deve contemplar assuntos que despertem o interesse dos alunos e que fazem parte do seu dia-a-dia. Pode-se citar Pérez e Solbes [6] que, ao escreverem sobre o ensino da teoria da relatividade como motivador para a aprendizagem em física, apontam que uma possibilidade para superar o desinteresse dos alunos é fazer um ensino de ciências mais contextualizado com a sociedade e o entorno.

Já a segunda pergunta pode ser respondida a partir da análise dos parâmetros e orientações publicadas a nível federal e estadual pelos governos. Destacam-se as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - Física [7], publicadas pelo Ministério da Educação, que trazem como perspectiva geral a construção de "[...] uma visão da física que esteja voltada para a formação de um cidadão contemporâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade". Assim, ratifica-se a ideia do ensino voltado para a compreensão do mundo.

Para a terceira pergunta - Para quem ensinar ciências? - não se pode de imediato dar uma resposta, pois cabe a cada professor conhecer os alunos a quem vai ensinar ciências. Ao se referir ao processo de conhecer os alunos, entende-se que se deve conhecer e compreender a faixa etária na qual esses se encontram, com as suas particularidades e inquietações. Também é possível destacar o posicionamento de Delizoicov e cols. [2, p.131] que, ao escreverem sobre o aluno como foco e sujeito da aprendizagem, apontam que o aluno não é uma folha de papel em banco onde são depositados conhecimentos. Dessa forma, ao se considerar para quem se está ensinando ciências mantém-se o foco no aluno, considerando que este se encontra inserido em uma sociedade, que traz consigo concepções sobre o mundo que o cerca, além de ter curiosidades e interesses que podem ser contemplados nas aulas de ciências.

3 Planejamento didático

Tomando-se como base os elementos apresentados e discutidos no capítulo anterior, foram elaboradas 13 aulas do planejamento didático que buscaram desenvolver, no Ensino Médio, conteúdos de física que tradicionalmente não são estudados nesse nível de ensino, procurando relacionar a física com a vivência do cotidiano e, do ponto de vista de competências e habilidades, desenvolver capacidades de trabalho em grupo, de elaboração de hipóteses e de explicações para as situações apresentadas, colocando o centro da aprendizagem no aluno, ou seja, que ele seja participante ativo no processo de ensino-aprendizagem. O planejamento didático desenvolvido é parte de uma pesquisa, em nível de mestrado. O mesmo foi implementado, pela autora da dissertação, em aulas da disciplina de física do 2° ano do EM de uma escola da cidade de Santa Maria-RS. Foi escolhido o 2° ano do EM por que os alunos já tinham estudado os conteúdos de mecânica.

As aulas com suas respectivas atividades e objetivos estão descritas na Tabela 1.

Na primeira aula do planejamento, os alunos foram convidados a formarem grupos, que deveriam permanecer os mesmos até a 13ª aula. Os alunos formaram duplas, trios ou grupos de quatro integrantes, totalizando nove grupos. Nesta aula, foram colados em um dos cantos da sala três fios de linha, de modo que fossem ortogonais entre si e que coincidissem na origem. Na sequência, foram nomeados, juntamente com a turma, os eixos (x, y e z) e foi solicitado que cada grupo localizasse o ponto (15, 20, 30). Posteriormente, foi solicitado aos grupos que já tinham realizado a atividade que tentassem representá-la em uma folha de papel. Esta aula procurou desenvolver a competência de Representação e Comunicação, segundo as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio (PCN+), esta competência busca desenvolver no aluno a compreensão de que gráficos e expressões matemáticas são diferentes formas de representar uma relação, além disso, desenvolve a capacidade de escolha em fazer o uso da linguagem mais apropriada em cada situação.

Na segunda aula, foi lida e discutida com a turma uma notícia que trata da obrigatoriedade do georreferenciamento de imóveis rurais. A notícia mostrou que, desde a Lei Federal 10.267/01, há a necessidade de promover a identificação dos imóveis rurais, tornando suas coordenadas conhecidas em um dado sistema de referência, também foi mostrado um exemplar de propriedade georreferenciada, com suas coordenadas e sua localização no mapa. A partir dos dados, foi dialogado com a turma como poderiam ser obtidas as coordenadas que localizam a propriedade. Esta notícia objetivou mostrar aos alunos a necessidade que o homem contemporâneo tem em se localizar. A notícia também se apresentou como problematizadora para a aula seguinte, que mostrou um aparelho capaz de fornecer a localização e as coordenadas em qualquer parte do globo terrestre. Esta aula procurou desenvolver a competência de Representação e Comunicação, relacionada com a análise e interpretação de textos e outras comunicações de ciência e tecnologia, conforme trazem os PCN+.

Na terceira aula da intervenção, os alunos foram ao pátio da escola e puderam manusear um receptor GPS. Depois de todos os alunos terem-no analisado, foram discutidos os elementos presentes na tela do receptor. A partir desses elementos, foi dialogado sobre qual a finalidade de utilização do mesmo e, então, foi solicitado que os grupos elaborassem hipóteses sobre como eram obtidas as informações fornecidas pelo receptor. Esta aula procurou desenvolver a competência de Contextualização Sociocultural, relacionada à Ciência e à Tecnologia na atualidade. Segundo os PCN+, essa competência busca fazer com que o aluno acompanhe o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, estabelecendo contato com novas tecnologias.

Na quarta aula, foi elaborado um quadro-síntese com as respostas dos grupos referentes as hipóteses apresentadas à obtenção dos dados fornecidos pelo receptor GPS. Assim, os alunos puderam tomar conhecimento das hipóteses elaboradas pelos colegas, e a turma pôde chegar a um consenso sobre a resposta mais completa e coerente. Na sequência, com o intuito de desenvolver a competência de Investigação e Compreensão, mais especificamente em relação a medidas, quantificações, grandezas e escalas, foi solicitado aos alunos que estimassem valores de algumas medidas. Essa atividade buscou desenvolver nos alunos a capacidade de fazer estimativas de ordem de grandeza.

Na quinta aula do planejamento didático, o método da Trilateração foi apresentado aos alunos. Como os alunos tinham respondido as atividades em que eram necessárias medidas indiretas, antes de iniciar a explicação da trilateração, houve uma explicação para diferenciar medidas diretas e medidas indiretas. A trilateração é um método utilizado para localizar/determinar indiretamente grandes distâncias. Esse é um método no qual se determinam as distâncias de um ponto de posição desconhecida a três outros pontos de posições conhecidas, então se determina a posição do ponto desconhecido. Para exemplificação deste método foi passado aos alunos uma apresentação na forma de slides, onde apenas se sabia a distância da cidade que queríamos localizar em relação a três outras cidades, então com o auxílio de mapas foi localizada a cidade de Julio de Castilhos - RS.

Como os alunos já haviam conhecido o receptor GPS e estudado o método da trilateração, na sexta aula, foram estudadas as características do GPS com o auxílio de uma apresentação na forma de slides. Na apresentação, foram estudadas características como origem do sistema, estruturas dos satélites e dos sinais, altura e velocidade dos satélites, receptor GPS, ondas, espectro eletromagnético e sistema de tempo GPS. Ao ser estudado o sistema de tempo GPS, foi enfatizado que, se não fossem considerados os efeitos relativísticos, os relógios dos satélites atrasariam. Nesse ponto, foi enfatizado que graças à teoria da relatividade de Einstein que o sistema está em funcionamento.

Como a teoria da relatividade trata de velocidades cujos módulos são altos, os alunos foram instigados a refletir sobre velocidades. Por este motivo, na sétima aula, foi proposto a estes que determinassem o módulo da velocidade de rotação da Terra e que dessem um exemplar de velocidade que consideravam ter módulo alto. Nessa aula, procurou-se desenvolver a competência de representação e comunicação sugerida pelos PCN+, pois foi solicitado aos alunos que descrevessem o método utilizado para responder o questionamento da atividade.

Na oitava aula do planejamento didático, os alunos foram questionados sobre de que lado da rua ficava sua casa. Após todos os grupos terem entregado a atividade, foi elaborado um quadro síntese com as respostas para que a turma concluísse que os conceitos de direita e esquerda têm significado somente após se ter definido a direção em relação a qual se dá a definição. A partir da situação foi recapitulado o conceito de referencial. Através de uma apresentação em slides, foi explicada aos alunos a diferença entre os tempos físico e psicológico, e foi salientado que a teoria da relatividade trata apenas do tempo físico, ou seja, daquele que é determinado pelo relógio.

Conforme os PCN+, a competência de contextualização sociocultural relacionada à ciência e tecnologia na história tem como objetivo fazer com que os alunos compreendam a construção do conhecimento físico como um processo histórico ligado à sociedade. Baseada nos PCN+, a nona aula do planejamento didático procurou mostrar aos alunos o contexto histórico de desenvolvimento da teoria da relatividade. Para tal explicação, foi elaborada uma apresentação em slides que procurou mostrar que a teoria da relatividade de Einstein foi desenvolvida para solucionar inconsistências da mecânica clássica, partindo de dois postulados que, ao serem aplicados têm consequências como a dilatação do tempo e a contração das distâncias.

A décima aula está relacionada com a competência de Investigação e Compreensão, no que diz respeito aos modelos explicativos e representativos. De acordo com os PCN+, essa competência busca que o aluno interprete e faça uso de modelos explicativos reconhecendo suas condições de aplicação. Nessa aula, foram aplicados os postulados de Einstein da teoria da relatividade restrita para o caso em que um trem se deslocava com velocidade próxima à velocidade da luz, em relação a um referencial fixo em uma estação. Como o trem é equipado de uma lâmpada, no piso, e um espelho, no teto, foi determinado o intervalo de tempo no qual a luz era emitida pela lâmpada, chegava ao espelho e era refletida pelo mesmo até retornar novamente a sua fonte emissora, para uma pessoa que estava no trem e para uma pessoa que estava na estação, para o caso em que o trem aproximava-se da mesma. A partir dessa situação, foram deduzidas as equações da dilatação do tempo, e os alunos foram questionados se os efeitos estudados na aula são observados no cotidiano, pois, assim, seriam instigados a refletir sobre as condições de aplicação do modelo em questão.

Na décima primeira aula, partindo-se da mesma situação da aula anterior, foram deduzidas as equações que demonstram a relatividade do comprimento, para os casos em que são consideradas altas velocidades.

A décima segunda aula do planejamento buscou aproximar as equações deduzidas para a dilatação do tempo e contração das distâncias a situações reais. Para tal aproximação, foram estudados dois exemplos em que os alunos podiam elaborar as hipóteses para a solução dos mesmos. Um dos exemplos abordou a detecção de múons na superfície terrestre. Segundo Fauth et al [8], somente se forem considerados os efeitos relativísticos pode ser explicada a detecção dos múons ao nível do mar. Dessa forma, os conceitos e definições estudados puderam auxiliar na interpretação de fenômenos da natureza.

A décima terceira aula procurou restabelecer as relações entre o sistema de posicionamento global e a teoria da relatividade restrita. Como os alunos tiveram a oportunidade de conhecer o receptor e compreender o funcionamento do sistema, a última aula objetivou exemplificar os conceitos e definições referentes à teoria da relatividade restrita para estimar o erro nos relógios dos satélites, para o caso em que não fossem considerados os efeitos relativísticos. Além disso, foi discutido com os alunos que a maior diferença nos relógios é explicada pela teoria da relatividade geral.

Depois do detalhamento das aulas é apresentada, a seguir, a Fig. 1, que sintetiza os conteúdos trabalhados em cada aula com as respectivas atividades desenvolvidas.


4 Considerações finais

O presente artigo buscou descrever as aulas e atividades do planejamento didático, mas não se pode deixar de mencionar alguns pontos relevantes da aplicação do planejamento didático, como por exemplo, a utilização de recursos de tecnologia da informação e comunicação, como, apresentações na forma de slides e na sala digital da escola. Estes recursos interessaram os alunos por sair da rotina da sala de aula e por contribuírem para momentos de debate por meio de questionamentos problematizadores. Os questionamentos possibilitaram que os alunos conhecessem as respostas dos colegas para, assim construir uma resposta coletiva que levasse em consideração a opinião de todos. Isso demonstra que aulas diferenciadas, que utilizam recursos de informática, chamam a atenção do aluno, por permitir a utilização de imagens que ilustram e facilitam o entendimento dos conteúdos, tendo em vista que muitos dos alunos do ensino médio, provavelmente, se encontram na fase concreta do desenvolvimento cognitivo e têm dificuldades com situações que necessitam de abstração para serem compreendidas, como é o caso da teoria da relatividade.

A teoria da relatividade restrita trata de um modelo em que os efeitos relativísticos somente são observados, quando são considerados módulos de velocidades, em relação a determinado sistema de referência, comparáveis ao módulo da velocidade da luz. Como não observamos nem experimentamos módulos de velocidades dessa ordem de grandeza em nosso cotidiano, podem ser justificadas as dificuldades de alguns alunos em abstrair e imaginar as situações estudadas. Assim, ratifica-se a importância do uso de imagens e de discussões que se aproximam da realidade para um melhor entendimento por parte dos alunos.

As atividades desenvolvidas durante a aplicação do planejamento didático proporcionaram aos alunos momentos de reflexão sobre determinadas situações, conforme o explicitado por um aluno: as atividades exigiram o pensar sobre as situações apresentadas. De fato, essas atividades buscaram fazer com que os alunos pensassem e, assim, assumissem o papel principal na sua construção do conhecimento, sendo o professor o mediador desta construção, cujo papel se relaciona ao de um orientador do processo de aprendizagem do aluno.

Os alunos demonstraram que utilizar a tecnologia como recurso para estudar conteúdos que não estão diretamente ligados ao seu cotidiano é viável, pois alguns consideraram relevante o estudo do GPS e da dilatação do tempo, e, além disso, consideraram produtiva a aproximação entre o GPS e a teoria da relatividade restrita. Essa aproximação pode fazer com que os alunos deixem de lado a sensação de estarem estudando algo que não tem nenhuma aplicabilidade e que não poderão utilizar para explicar situações, fenômenos ou utensílios de seu cotidiano.

Outro ponto a ser destacado foram as dificuldades demonstradas pelos alunos com a matemática que, do nosso ponto de vista, é uma ferramenta básica da física que deve ser dominada em todos os níveis de ensino. No entanto, conforme demonstrado por alguns alunos, as deduções foram consideradas complicadas e exaustivas, o que para um aluno do EM pode ser aceitável, pois os mesmos não estão acostumados com deduções longas e que exijam atenção. Tal crítica pode ser considerada para uma possível reestruturação do planejamento, para o qual poderão ser apresentadas somente as equações, sem a dedução, e a partir dessas realizar uma discussão que contemple aspectos fenomenológicos com situações reais, como, a detecção de múons ao nível do mar. Além disso, não se pode deixar de mencionar que a abordagem fenomenológica não é apenas uma mera simplificação das deduções, mas sim, tal abordagem irá priorizar a aplicação da teoria da relatividade em uma situação experimental e que fornece a explicação para um fenômeno da natureza.

Outro ponto a ser destacado diz respeito à dificuldade em elaborar o planejamento didático, pois, conforme comentado anteriormente, apenas 2,21% dos artigos publicados nas principais revistas de educação em ciências e ensino de física no período de 2005 a 2009, se relacionaram à teoria da relatividade. Essa constatação permite inferir que tal dificuldade também deve ser encontrada pelos professores do EM que desejam inserir conteúdos de física moderna em suas aulas. Sendo assim, não basta buscarmos uma renovação nos currículos de física, se não forem disponibilizados materiais confiáveis e de fácil compreensão aos professores.

Além disso, aos professores em exercício, caberia o estabelecimento de grupos de formação continuada por parte das instituições de ensino, afim de que fosse permitida a atualização destes. Pode-se destacar como um dos caminhos possíveis estabelecido por este trabalho a estruturação de um curso de formação continuada, no qual, após reformulações necessárias, o planejamento poderia ser trabalhado com professores que desejam estudar e ensinar a teoria da relatividade restrita. Destaca-se ainda que o baixo número de publicações com dados de pesquisas em sala de aula pode apontar uma direção na formação continuada dos professores em exercício, pois os mesmos com sua experiência diária poderiam contribuir com os colegas além de investir na atualização, publicando e estudando abordagens diferenciadas para a sala de aula.

Tendo como base as orientações apontadas pelos PCN+, este planejamento busca levar a tecnologia - e o entendimento da mesma - a alunos de diferentes níveis sociais, bem como demonstrar que a física está muito além das páginas do caderno ou do livro didático. Mesmo com o escasso número de referências sobre o assunto, o que se mostrou como uma grande dificuldade na elaboração do planejamento, os resultados em sala de aula são compensadores por fazerem com que o aluno sinta-se plenamente participante no processo de ensino/aprendizagem.

Recebido em 5/10/2012

Aceito em 19/7/2013

Publicado em 6/2/2014

  • [1] J.Q.A. Brito y L.P. Sá, Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias 9, 505 (2010).
  • [2] D. Delizoicov, J.A. Angotti e M.M. Pernambuco, Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos (Cortez, São Paulo, 2007).
  • [3] E.A. Terrazzan, Caderno Catarinense de Ensino de Física 9, 209 (1992).
  • [4] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5 (2000).
  • [5] F.F. Oliveira e D.M. Vianna, in Anais do IX Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Física, Jaboticatubas, MG (2004).
  • [6] H. Pérez, J.Solbes, Enseñanza de las ciencias 24, 2 (2006).
  • [7] Brasil, Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (MEC-SEMTEC, Brasília, 2002).
  • [8] A.C. Fauth, J.C. Penereiro, E. Kemp, W.C. Grizolli, D.M. Consalter e L.F.G. Gonzale, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 4 (2007).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      05 Out 2012
    • Aceito
      19 Jul 2013
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