Acessibilidade / Reportar erro

Um estudo de modelos mecânicos em problemas de perseguição

A study of mechanical models in pursuit problems

Resumos

Neste trabalho utilizamos elementos de geometria diferencial, tais como vetores unitários, tangente e normal, e raio de curvatura, para estudar a compatibilidade de modelos mecânicos em dois problemas de perseguição. No primeiro estudo referente ao problema da curva tractriz, mostramos como a escolha de um modelo de duas partículas conectadas por uma haste rígida, em um primeiro momento, uma escolha aparentemente natural e intuitiva, é incompatível com os demais vínculos do problema. Logo em seguida ampliamos a discussão e consideramos o problema no qual as duas partículas obedecem à cinemática do problema de perseguição de Pierre Bouguer. Neste caso mostramos como a escolha de um modelo de haste hookeana extensível conectando ambas as partículas é compatível com os vínculos do referido problema de perseguição. O software gratuito Modellus é utilizado para simular o comportamento das forças necessárias para justificar a cinemática do sistema. Um interessante comportamento de mudança na orientação das forças atuantes ao longo do tempo é apresentado e discutido à luz dos vínculos a serem respeitados e através do conceito de velocidade relativa.

Palavras-chave:
Curvas de perseguição; vínculos; TICs


In this work, we use elements of differential geometry, such as unit vectors, tangent and normal, and radius of curvature, to study the compatibility of mechanical models in two pursuit problems. In the first study concerning the problem of the tractrix curve, we show how the choice of a model of two particles connected by a rigid stem, at first a natural and intuitive choice, is incompatible with the other constraints of the problem. Soon after, we expand the discussion and consider the situation in which the two particles obey the kinematics of Pierre Bouguer’s pursuit problem. In this case, we show how the choice of an extensible hookean stem model connecting both particles is compatible with the other constraints of the problem. The free software Modellus is used to simulate the behavior of the forces necessary to justify the system’s kinematics. An interesting behavior of changes in the orientation of the acting forces over time is presented and discussed in light of the constraints to be respected and through the concept of relative velocity.

Keywords:
Pursuit curves; constraints; ICT’s


1. Introdução

O estudo de problemas de perseguição, um tema de grande aplicação do estudo da cinemática, ainda é pouco discutido nos cursos de mecânica clássica, talvez em decorrência da sua complexidade devido aos vínculos impostos, tornando a solução analítica inviável em muitas das aplicações. Um exemplo desse tipo de problema foi formulado por Apolônio de Perga: a perseguição de um navio mercante por um navio pirata [1[1] R.L. Oliveira Jr., Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4502-1 (2015).]. Em 1732 o matemático francês Pierre Bouguer simplificou o problema, considerando o navio mercante (perseguido) movendo-se com velocidade constante em módulo, direção e sentido sendo interceptado por um navio pirata (perseguidor) que se move com velocidade de módulo constante, mas de direção variável, com o vínculo de que a mesma aponte sempre na direção do navio mercante (o navio pirata sempre se encontra “de olho” no navio mercante durante todo o movimento de ambos). Situações do cotidiano em que esse tipo de problema aparece, vai desde uma inocente brincadeira de criança, tal como o pega-pega, até situações bélicas, como a de um míssil teleguiado perseguindo um avião [2[2] A. Soldatelli, Scientia cum Industria 4, 232 (2017).]. Recentemente o problema de Pierre Bouguer foi estendido para a situação em que a velocidade do perseguidor não aponta para o perseguido, mas sim para a posição retardada da partícula perseguida [3[3] T. Azevedo e A. Pelluso, American Journal of Physics, 90, 730 (2022).].

Uma variação conhecida do problema de perseguição estudado por Pierre Bouguer, consiste em introduzir o vínculo adicional de que a distância entre perseguido e perseguidor se mantenha fixa, o que força a abdicar do vínculo de que o perseguido deva mover-se com velocidade constante em módulo, onde esta última será determinada a posteriori através do vínculo adicional imposto. Como consequência, o perseguidor irá descrever uma curva especial, ilustrada na Figura 1(a), conhecida pelo nome de tractriz (do latim trahere , puxar, arrastar). A curva tractriz foi estudada por cientistas renomados do séc. XVII, dentre eles: Huygens, Leibniz e Johann Bernoulli. Do ponto de vista físico, o vínculo de que a distância entre perseguido e perseguidor permaneça constante, pode ser exemplificado em situações como: uma pessoa guiando o seu cão por meio de uma coleira ou uma pessoa que puxa um barco, por uma corda, ao longo da margem do cais de um porto [5[5] D. Bavaresco, L.C. Veit e S.D. Stroschein, REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 6, 1 (2020).].

Figura 1:
Figura adaptada da referência [4[4] SEARA DA CIÊNCIA, Apostilas sobre as geometrias não-euclidianas, disponível em:https://https://seara.ufc.br/pt/apostilas-eletronicas-da-d-fifi/apostilas-sobre-as-geometrias-nao-euclidianas/, acessado em 23/11/2022.
https://https://seara.ufc.br/pt/apostila...
]. (a) Curva tractriz. (b) Superfície de revolução gerada a partir da rotação da curva tractriz.

Uma aplicação interessante da curva tractriz na música, é que a rotação desta gera uma superfície de revolução, ilustrada na Figura 1(b), presente em vários instrumentos de sopro. Acredita-se que esse formato para os instrumentos de sopro otimiza a geração de frentes de ondas aproximadamente esféricas, com o mínimo de distorção, garantindo uma melhor qualidade do som [6[6] https://www.youtube.com/watch?v=PsanqoKmOqA, acessado em 04/05/2022.
https://www.youtube.com/watch?v=PsanqoKm...
].

De maneira geral, a discussão das curvas de perseguição em livros e artigos é realizada por meio de argumentos puramente geométricos e cinemáticos, sem uma justificativa mecânica em termos de forças atuantes. Neste trabalho discutimos sobre a possibilidade de justificar os problemas de perseguição citados anteriormente através das forças que atuam no sistema, considerando um modelo de duas partículas que interagem entre si, por meio de hastes rígidas e extensíveis, e com o solo, através de forças de atrito. Iniciamos discutindo sobre a possibilidade de justificar o aparecimento da curva tractriz conectando ambas as partículas por meio de uma haste rígida. O que seria uma escolha natural, em um primeiro momento, se mostrou equivocada, como será discutido no decorrer do artigo. Neste caso mostramos que o problema da curva tractriz é incompatível com o modelo de haste rígida.

Por sua vez, utilizamos uma haste extensível ligando as duas partículas, no caso em que a cinemática de ambas obedece às condições do problema de perseguição do navio pirata abordado por Pierre Bouguer, uma vez que nesse problema a distância entre os corpos varia no decorrer do tempo. Por meio dessa discussão obtemos o comportamento temporal de todas as forças atuantes para que o movimento do sistema formado por ambas as partículas se torne possível. Ao se estudar o movimento dos corpos, na maioria das vezes, as forças atuantes são todas conhecidas a priori , e a determinação da dinâmica do sistema é obtida posteriormente resolvendo as equações de movimento. Neste trabalho realizamos o processo inverso, em que o movimento das partes do sistema é conhecido e obtemos o comportamento das forças atuantes ao longo do tempo para justificar a cinemática do sistema. Para isso, utilizamos o software gratuito Modellus para simular e ilustrar o comportamento do sistema ao longo do tempo.

Na seção2 2. A Curva Tractriz e o Modelo de Haste Rígida Consideremos o clássico problema de perseguição ilustrado na Figura2 no qual duas partículas 1 (perseguido) e 2 (perseguidor) se movem com os vínculos de que a distância relativa entre ambas permaneça fixa de um valor |r→1−r→2|=d. Além disso, a partícula 2 se encontra livre para mover-se no plano x⁢y com uma velocidade de módulo constante v2 e a partícula 1 restrita a mover-se somente ao longo da direção horizontal x. Em um problema de perseguição o vetor velocidade do perseguidor υ→2 aponta a todo instante em direção ao perseguido, de tal modo que o referido vetor é paralelo ao vetor r→1,2=r→1−r→2 que posiciona a partícula 1 em relação à 2: (1) υ → 2 = υ 2 ( r → 1 − r → 2 | r → 1 − r → 2 | ) . Os vetores r→1=x1(t)x^ e r→2=x2(t)x^+y2(t)y^ representam, respectivamente, as posições das partículas 1 e 2 em relação à origem, escritos em termos de suas coordenadas cartesianas x e y. Escrevendo a velocidade do perseguidor em termos da derivada do seu vetor posição, podemos através da equação 1 obter o seguinte sistema de equações diferenciais acopladas envolvendo as suas coordenadas: (2) x . 2 = v 2 ⁢ d 2 - y 2 2 d e (3) y . 2 = - v 2 ⁢ y 2 d . Figura 2: Ilustração dos vínculos de uma problema de perseguição no qual a partícula 2 (perseguidora) move-se com o vetor velocidade sempre apontando na direção da partícula 1 (perseguida), limitada a mover-se ao longo do eixo x. As equações diferenciais 2 e 3 descrevem a evolução da curva de perseguição, descrita pela partícula 2, denominada de tractriz. Iniciamos com a configuração na qual a partícula 2 encontra-se posicionada em (0,-d) e a 1 na origem (0,0) quando t=0 (ambas inicialmente posicionadas ao longo da direção vertical y). Podemos intuir o movimento do sistema por meio das condições iniciais e dos vínculos impostos ao problema. A partícula 2 perseguidora possui vetor velocidade inicial apontando na direção positiva ao longo do eixo y, tendendo a aproximar-se da partícula 1 perseguida, onde esta última possuí vetor velocidade inicial apontando ao longo da direção positiva do eixo x. Como consequência, devido à ortogonalidade entre os movimentos instantâneos inicias de ambas as partículas e para que o vínculo de distanciamento fixo entre as partículas seja obedecido, a velocidade inicial da partícula 1 deve tender para o infinito. Logo em seguida a partícula 1 deve sofrer uma aceleração a1 variável negativa, contrária ao seu movimento, ao longo do eixo x. Esta aceleração perdura durante todo o seu movimento e é necessária para evitar que as partículas se afastem, devido à velocidade inicial infinita da partícula 1, e viole o vínculo de distanciamento fixo entre ambas as partículas. A partícula 2, por sua vez, como consequência, movimenta-se aproximando do eixo x descrevendo a curva tractriz, com vetor velocidade constante em módulo, apontando sempre para a posição instantânea na qual a partícula perseguida se encontra. Para tempos muito longos ambas as partículas movem-se em movimento retilíneo e uniforme paralelamente ao eixo x, mantendo a distância entre ambas fixa, como uma consequência da velocidade da partícula 1 reduzir até tender à velocidade constante da partícula perseguidorav2. Na Figura 3 ilustramos os movimentos das partículas 1 e 2 descritos anteriormente utilizando o software gratuito Modellus , por meio da integração numérica das equações 2 e 3 [7, 8, 9]. Figura 3: Simulação do movimento de perseguição no Modellus com a distância fixa entre as partículas em d=3⁢m e v2=1⁢m/s. Vetores azuis: acelerações das partículas. Vetores vermelhos: velocidades das partículas. Uma tentativa aparentemente natural de materializar o vínculo de distanciamento fixo entre as partículas seria conectarmos ambas por meio de uma haste rígida não massiva. Porém, tal tentativa acaba sendo inconsistente com o fato da partícula 2 mover-se com vetor velocidade constante em módulo v2 paralelo à haste, uma vez que existe uma componente da aceleração da partícula 1 projetada na direção da haste que acabaria sendo transmitida para a partícula 2. Tal fato pode ser demonstrado matematicamente da seguinte maneira, o vínculo de haste rígida é estabelecido pela seguinte relação: (x2-x1)2+(y2-y1)2=d. Derivando ambos os lados da mesma duas vezes, obtemos (4) υ 2 , 1 2 = − r → 2 , 1 ⋅ ( a → 2 − a → 1 ) , sendo v2,1 e r→2,1, respectivamente, o módulo da velocidade relativa e o vetor posição, ambos da partícula 2 em relação à 1. A equação anterior pode ser escrita em termos das componentes paralelas, à haste, das acelerações das partículas, dada por (5) a 2 , ∥ = - v 2 , 1 2 d + a 1 , ∥ . A equação 5 expressa a componente paralela da aceleração da partícula 2 em termos da aceleração da mesma no referencial da partícula 1 (puramente centrípeta) somada à aceleração de arrasto a1,∥ ao longo da mesma direção. O que é, de fato, inconsistente com o vínculo de aceleração tangencial nula para a referida partícula. Desta forma, o modelo de haste rígida é incompatível com os vínculos que definem o referido problema de perseguição. Na próxima seção ampliamos essa discussão considerando a situação em que as duas partículas movem-se com velocidades constantes em módulo, resultando na variação da distância entre elas. Nesse caso estudaremos as forças necessárias para justificar o movimento do sistema, por meio de forças de atrito e de tensão, em que materializaremos o distanciamento variável entre as partículas considerando uma haste extensível conectando as mesmas. discutimos a cinemática do problema de perseguição referente à obtenção da curva tractriz e demonstramos a inviabilidade de compatibilizar o modelo de haste rígida com o vínculo necessário para definir o referido problema de perseguição. Na seção3 3. O Problema de Pierre Bouguer e o Modelo de Haste Extensível Agora consideremos a situação em que ambas as partículas da seção anterior se movam com velocidades constantes em módulo v1 e v2, abrindo mão do vínculo de que a distância entre as partículas permaneça fixa. Essa condição nos remete ao problema abordado por Pierre Bouguer, em que um navio mercante é perseguido por um navio pirata, tendo sido discutido na referência [1] por meio de simulações utilizando o software Modellus. Neste caso a equação 1 nos fornece o seguinte sistema de equações diferenciais acopladas (6) x . 2 = v 2 ⁢ ( x 1 - x 2 ) ( x 1 - x 2 ) 2 + y 2 2 e (7) y . 2 = - v 2 ⁢ y 2 ( x 1 - x 2 ) 2 + y 2 2 , em que agora a partícula 1 segue em movimento retilíneo e uniforme ao longo do eixo x através da função horária x1=x0+v1⁢t. Para justificar o movimento de ambas as partículas, obtendo o comportamento das forças que atuam no sistema, consideramos as mesmas conectadas por meio de uma haste extensível de comprimento d⁢(t)=(x2-x1)2+(y2-y1)2 dependente do tempo através da configuração do sistema. Independente da escolha de conectar as partículas por meio de uma haste extensível, vale ressaltar que as forças atuantes em cada uma delas, não importando o contexto, deverão sempre ser tais que: a resultante sobre a partícula 1 será nula a todo instante, para que a mesma siga em linha reta com velocidade constante v1 em módulo produzam uma resultante m2 dυ→2/dt sobre a partícula 2, sendo neste caso dυ→2/dt uma aceleração puramente centrípeta, uma vez que υ→2 tem módulo constante. Na Figura 4 ilustramos as duas partículas que interagem entre si por meio de uma haste extensível e sem massa, através das forças T→1 e T→2, e com o solo por meio das forças de atrito estático f→1 e f→2, com a partícula de massa m2 tendo seu movimento governado pelo sistema de equações6 e7. Figura 4: Duas partículas interagem por meio de uma haste extensível de comprimento d⁢(t) variável no tempo. A haste exerce forças T→1 e T→2 em cada uma das partículas, bem como o solo através das forças de atrito estático f→1 e f→2. Tendo isto em mente, aplicamos a segunda lei de Newton a cada uma das partículas: (8) T → 1 + f → 1 = m 1 a → 1 e (9) T → 2 + f → 2 = m 2 a → 2 em que T→1=−T→2, e consequentemente módulos iguais T1=T2=T, segundo a terceira lei de Newton, uma vez que estamos desprezando a massa da haste, sendo T o módulo da força tensora na haste. As equações8 e9 conectam grandezas cinemáticas e dinâmicas, de tal forma que iremos utilizá-las para obter o comportamento das forças atuantes ao longo do tempo, necessárias para justificar o movimento do sistema. Projetando a equação8 ao longo dos vetores unitários x^ e y^, respectivamente, nas direções x e y, obtemos: (10) f 1 ⁢ cos ⁡ β - T ⁢ cos ⁡ θ = 0 e (11) f 1 ⁢ sin ⁡ β = T ⁢ sin ⁡ θ , em que a equação 10 descreve o movimento retilíneo e uniforme da partícula 1 ao longo do eixo horizontal x, de tal modo que a1=0. E a equação 11, por sua vez, descreve a condição de equilíbrio ao longo da direção y, uma vez que a referida partícula não se movimenta ao longo desta direção. O ângulo θ presente nas equações10 e11 e ilustrado na Figura 4 é definido através da cinemática obedecida pelo par de partículas: (12) θ = - arctan ⁡ ( y 2 x 1 - x 2 ) . Para a partícula 2, decompomos o seu movimento ao longo dos vetores unitários t^ (tangencial) e n^ (normal) [10] que caminham juntos à partícula 2. Projetando a equação 9 ao longo dos referidos vetores unitários, obtemos o seguinte par de equações: (13) T = f 2 ⁢ cos ⁡ α e (14) f 2 ⁢ sin ⁡ α = m 2 ⁢ v 2 2 ρ , respectivamente, ao longo das direções tangencial e normal, sendo ρ o raio de curvatura instantâneo da curva de perseguição em um dado ponto no qual a partícula se encontra. A equação 13 representa a condição física necessária para que o módulo da velocidade da partícula 2 v2 permaneça constante, ou seja, para que a referida partícula não possua componente tangencial da aceleração. Por sua vez, a equação 14 justifica a trajetória curva em termos da aceleração centrípeta v22/ρ, como uma consequência da projeção da força de atrito f→2 ao longo da direção normal. Utilizamos o sistema de equações (10–14) para obter as forças de atrito (forças de vínculo) que atuam em cada uma das partículas em função da configuração do sistema. Para isto, utilizamos um modelo para a força tensora cujo módulo é dependente do comprimento da haste. Como uma primeira aproximação, assumimos uma haste hookeana cuja força tensora é proporcional à sua deformação, ou seja, T=k⁢(d-d0), sendo k a constante elástica da haste e d0 seu comprimento quando relaxada. Assumindo esta condição e resolvendo o referido sistema de equações simultaneamente obtemos (15) f 1 = T = k ⁢ ( d - d 0 ) , (16) f 2 = k 2 ⁢ ( d - d 0 ) 2 + m 2 2 ⁢ v 2 4 ρ 2 , (17) β ⁢ ( t ) = θ ⁢ ( t ) e (18) α = arccos ⁡ ( k ⁢ ( d - d 0 ) k 2 ⁢ ( d - d 0 ) 2 + m 2 2 ⁢ v 2 4 / ρ 2 ) . O sistema evolui com a força de atrito atuante na partícula 1 cancelando a força exercida pela haste, conforme expressam as equações15 e17, de tal modo a justificar o movimento retilíneo e uniforme da referida partícula ao longo da direção x. Por sua vez, a força de atrito atuante na partícula 2 depende, simultaneamente, do comprimento da haste e do raio de curvatura da trajetória seguida pela referida partícula, conforme expresso pela equação 16. O raio de curvatura da curva de perseguição seguida pela partícula 2 é definido em termos das derivadas temporais de suas coordenadas [10, 11]: (19) ρ = ( x . 2 2 + y . 2 2 ) 3 / 2 | x . 2 ⁢ y ¨ 2 - y . 2 ⁢ x ¨ 2 | . Na próxima seção apresentamos e discutimos simulações da evolução do sistema ao longo do tempo, através da atuação das forças tensora e de atrito, obtidas através do software Modellus. apresentamos o modelo em que as partículas estão ligadas por uma haste extensível para estudar as forças que atuam no sistema na situação em que os movimentos de ambas são governados pela cinemática do problema de perseguição abordado por Pierre Bouguer. Na seção4 4. Simulações Para realizar as simulações no Modellus é importante encontrar as forças T→2 e f→2 na base dos vetores unitários fixos x^ e y^, no referencial do laboratório. Cada uma dessas forças é inicialmente expressa na base dos vetores unitários tangencial t^ e normal n^ que acompanham o movimento da partícula 2, como ilustrado na Figura 4: T→2=Tt^ e f→2=−f2cosαt^+f2sinαn^, sendo (20) t ^ = x . 2 v 2 ⁢ x ^ + y . 2 v 2 ⁢ y ^ e (21) n ^ = x ¨ 2 a 2 ⁢ x ^ + y ¨ 2 a 2 ⁢ y ^ . Projetando as referidas forças na base dos vetores unitários fixos, obtemos (22) T → 2 = T ( x ˙ 2 v 2 ) x ^ + T ( y ˙ 2 v 2 ) y ^ e (23) f → 2 = [ f 2 sin α ( x ¨ 2 a 2 ) − f 2 cos α ( x ˙ 2 v 2 ) ] x ^ + [ f 2 sin α ( y ¨ 2 a 2 ) − f 2 cos α ( y ˙ 2 v 2 ) ] y ^ , sendo a2=v22/ρ o módulo da aceleração puramente centrípeta da partícula 2. As simulações foram executadas considerando a situação em que a partícula 1 se encontra inicialmente na origem (0,0) e a 2 em (0,-h) com massa m2=1⁢k⁢g. Consideramos uma haste de comprimento natural d0=3⁢m, inicialmente relaxada com h=d0, e constante elástica k=1⁢N/m. A evolução temporal do sistema é obtida resolvendo numericamente as equações6 e7, utilizando o software gratuito Modellus , para obter posteriormente coordenadas e componentes da aceleração da partícula 2 e demais grandezas. Utilizamos a velocidade relativa (24) v r e l . , ∥ = v 2 - v 1 ⁢ c ⁢ o ⁢ s ⁢ θ da partícula 2 em relação à 1 ao longo da haste para entender o comportamento das forças atuantes. Durante a evolução do sistema o ângulo θ e, consequentemente, vrel.,∥ variam no tempo. Tal fato influenciará na evolução das forças atuantes, uma vez que a velocidade relativa entre as partículas está intimamente ligada com a distância d⁢(t) entre ambas e que a força tensora na haste depende da referida distância. Inicialmente escolhemos a situação em que a partícula 2 possui a metade do módulo da velocidade da partícula 1, ou seja, v1=2⁢m/s e v2=1⁢m/s. Esta condição escolhida permite ilustrar um comportamento interessante na mudança de orientação das forças trocadas entre as partículas ao longo da haste e das mesmas com o solo. No instante inicial θ=90∘ e vrel.,∥ será sempre de aproximação, conforme equação 24, já que nesse instante não há projeção da velocidade da partícula 1 ao longo da referida haste. Para justificar tal comportamento cinemático, as partículas inicialmente comprimem a haste fazendo-a reduzir de comprimento, conforme ilustrado na Figura 5(a) pelas setas verdes representando as forças exercidas pela haste em cada uma das partículas. Por sua vez, vrel.,∥ passa a diminuir o seu módulo durante a evolução do sistema, devido ao aumento da projeção v1⁢c⁢o⁢s⁢θ da velocidade da partícula 1 paralela à haste no decorrer do tempo, concordando com o fato das partículas também reduzirem a intensidade com que comprimem a haste, até o momento em que vrel.,∥ se torna zero e logo em seguida troca de sinal. Neste instante a haste deixa de ser comprimida e passa a ser esticada, devido ao fato de vrel.,∥ agora ser uma velocidade relativa de afastamento. A mudança de orientação das setas verdes indicam a referida transição conforme ilustra a Figura 5. Para que os vínculos do problema de Pierre Bouguer sejam obedecidos, as setas roxas representando as forças de atrito em cada uma das partículas também precisam mudar de orientação durante a evolução do sistema. A Figura 5(b) ilustra o exato instante em que vrel.,∥ se torna zero, momento em que o módulo das forças que atuam em cada uma das partículas se anula, exceto a componente normal da força de atrito atuante na partícula 2. Nesse instante o ângulo crítico formado pela haste com a horizontal é dado por θc=arccos⁡(v2/v1)=arccos⁡(1/2)=60∘. As Figuras5(a), (b) e (c) mostram a evolução do sistema em três instantes de tempos sucessivos. As forças, tensora exercida pela haste (seta verde) e a de atrito (seta roxa), que atuam sobre a partícula 1, evoluem com as componentes verticais e horizontais se cancelando a todo instante, de tal modo que a partícula 1 sempre se move ao longo de uma linha reta horizontal com velocidade constante v1=2⁢m/s e direção da força de atrito f→1 representada pelo ângulo β⁢(t)=θ⁢(t) (conforme a equação 17). Figura 5: Movimento das partículas ligadas por uma haste extensível de comprimento d⁢(t) para a situação em que v1=2⁢m/s e v2=1⁢m/s. (a), (b) e (c): sequência de três instantes de tempos sucessivos. As setas verdes representam as forças trocadas entre as partículas através da haste e as roxas as forças de atrito que o solo exerce em cada uma delas. A Figura (b) retrata o exato instante em que a velocidade relativa entre as partículas ao longo da haste se anula. Por outro lado, a força de atrito que atua na partícula 2 possui sempre uma componente tangencial oposta à força tensora que a haste exerce na mesma, para justificar a aceleração tangencial nula, fazendo com que ela se mova com velocidade em módulo v2 constante. E uma componente normal para manter a trajetória curvilínea da referida partícula ao longo da curva de perseguição. Para tempos muito longos ambas as partículas tenderão a moverem-se ao longo de uma linha reta, com as forças exercidas pela haste e solo, em cada uma das partículas, se cancelando, com a partícula 1 afastando-se da partícula 2 com velocidade relativa de 1⁢m/s. Uma vez que o ângulo crítico de inversão das forças deve ser real e dado por θc=arccos⁡(v2/v1), na situação em que v2>v1 esta inversão deixa de existir e as partículas evoluem sempre comprimindo a haste com velocidade relativa de aproximação decrescente, até o instante em que a partícula 2 encontra a 1, podendo acontecer logo no início do movimento ou para tempos muito longos, dependendo do quão maior v2 é em relação à v1. Por sua vez, quando v1=v2=1⁢m/s as partículas comprimem a haste durante toda a evolução do sistema, com velocidade relativa de aproximação decrescente, conforme ilustra a Figura 6. Para tempos muito longos a velocidade relativa entre as partículas tende a zero, com a tensão na haste atingindo um valor assintótico, conforme ilustra a Figura 7, e as duas partículas movendo-se em linha reta ao longo do eixo x mantendo uma distância constante entre ambas, ou seja, com a haste tensionada em um comprimento fixo. Figura 6: Movimento das partículas ligadas por uma haste extensível de comprimento d⁢(t) para a situação em que v1=v2=1⁢m/s. (a), (b) e (c): sequência de três instantes de tempos sucessivos. As setas verdes representam as forças de compressão trocadas entre as partículas através da haste e as roxas as forças de atrito que o solo exerce em cada uma delas. Figura 7: Força tensora na haste em função do tempo para a situação em que v1=v2=1⁢m/s. Neste caso a haste é comprimida durante o movimento até atingir um valor assintótico depois de um longo intervalo de tempo. discutimos os resultados das simulações e finalizamos com as conclusões na seção5 5. Conclusões Neste artigo estudamos a compatibilidade dos modelos de duas partículas conectadas por meio de hastes rígida e extensível com os vínculos de dois problemas de perseguição. Mostramos que o modelo de haste rígida, aparentemente adequado para descrever o problema de perseguição gerador da curva tractriz, uma vez que a distância entre as partículas permanece constante, é incompatível com os demais vínculos do problema. Logo em seguida ampliamos a discussão e substituímos a haste rígida por uma haste hookeana extensível visando estudar as forças necessárias para justificar a cinemática do problema de perseguição de Pierre Bouguer, no qual a distância entre as partículas se torna dependente do tempo. Neste caso, a partir das simulações numéricas com o software Modellus encontramos uma dependência na orientação das forças que atuam em cada uma das partículas com a velocidade relativa ao longo da haste. Para o caso em que a partícula perseguidora possui uma velocidade menor do que a perseguida, em uma configuração na qual a mola está inicialmente relaxada em t=0, mostramos que a força tensora exibe um interessante comportamento de inversão, em que a haste é inicialmente comprimida durante um certo intervalo de tempo, e logo em seguida passa a ser esticada. Do ponto de vista educacional, esse trabalho propõe uma forma de inserir a discussão sobre curvas de perseguição em um curso de mecânica clássica utilizando simulações computacionais, permitindo, assim, a visualização de como aspectos cinemáticos e dinâmicos se conectam. .

2. A Curva Tractriz e o Modelo de Haste Rígida

Consideremos o clássico problema de perseguição ilustrado na Figura2 no qual duas partículas 1 (perseguido) e 2 (perseguidor) se movem com os vínculos de que a distância relativa entre ambas permaneça fixa de um valor |r1r2|=d. Além disso, a partícula 2 se encontra livre para mover-se no plano xy com uma velocidade de módulo constante v2 e a partícula 1 restrita a mover-se somente ao longo da direção horizontal x.

Em um problema de perseguição o vetor velocidade do perseguidor υ2 aponta a todo instante em direção ao perseguido, de tal modo que o referido vetor é paralelo ao vetor r1,2=r1r2 que posiciona a partícula 1 em relação à 2:

(1) υ 2 = υ 2 ( r 1 r 2 | r 1 r 2 | ) .

Os vetores r1=x1(t)x^ e r2=x2(t)x^+y2(t)y^ representam, respectivamente, as posições das partículas 1 e 2 em relação à origem, escritos em termos de suas coordenadas cartesianas x e y. Escrevendo a velocidade do perseguidor em termos da derivada do seu vetor posição, podemos através da equação 1 obter o seguinte sistema de equações diferenciais acopladas envolvendo as suas coordenadas:

(2) x . 2 = v 2 d 2 - y 2 2 d

e

(3) y . 2 = - v 2 y 2 d .

Figura 2:
Ilustração dos vínculos de uma problema de perseguição no qual a partícula 2 (perseguidora) move-se com o vetor velocidade sempre apontando na direção da partícula 1 (perseguida), limitada a mover-se ao longo do eixo x.

As equações diferenciais 2 e 3 descrevem a evolução da curva de perseguição, descrita pela partícula 2, denominada de tractriz. Iniciamos com a configuração na qual a partícula 2 encontra-se posicionada em (0,-d) e a 1 na origem (0,0) quando t=0 (ambas inicialmente posicionadas ao longo da direção vertical y). Podemos intuir o movimento do sistema por meio das condições iniciais e dos vínculos impostos ao problema. A partícula 2 perseguidora possui vetor velocidade inicial apontando na direção positiva ao longo do eixo y, tendendo a aproximar-se da partícula 1 perseguida, onde esta última possuí vetor velocidade inicial apontando ao longo da direção positiva do eixo x. Como consequência, devido à ortogonalidade entre os movimentos instantâneos inicias de ambas as partículas e para que o vínculo de distanciamento fixo entre as partículas seja obedecido, a velocidade inicial da partícula 1 deve tender para o infinito. Logo em seguida a partícula 1 deve sofrer uma aceleração a1 variável negativa, contrária ao seu movimento, ao longo do eixo x. Esta aceleração perdura durante todo o seu movimento e é necessária para evitar que as partículas se afastem, devido à velocidade inicial infinita da partícula 1, e viole o vínculo de distanciamento fixo entre ambas as partículas. A partícula 2, por sua vez, como consequência, movimenta-se aproximando do eixo x descrevendo a curva tractriz, com vetor velocidade constante em módulo, apontando sempre para a posição instantânea na qual a partícula perseguida se encontra. Para tempos muito longos ambas as partículas movem-se em movimento retilíneo e uniforme paralelamente ao eixo x, mantendo a distância entre ambas fixa, como uma consequência da velocidade da partícula 1 reduzir até tender à velocidade constante da partícula perseguidorav2. Na Figura 3 ilustramos os movimentos das partículas 1 e 2 descritos anteriormente utilizando o software gratuito Modellus , por meio da integração numérica das equações 2 e 3 [7[7] M.E. Andrade, Simulação e modelagem computacional com o software Modellus: aplicações práticas para o ensino de física (Livraria da Física, São Paulo, 2016)., 8[8] https://www.youtube.com/watch?v=zTbbD-lr8oU, acessado em 28/03/2022.
https://www.youtube.com/watch?v=zTbbD-lr...
, 9[9] R.F.F. Cunha e A.C. Tort, Revista do Professor de Física 1, 13 (2017).].

Figura 3:
Simulação do movimento de perseguição no Modellus com a distância fixa entre as partículas em d=3m e v2=1m/s. Vetores azuis: acelerações das partículas. Vetores vermelhos: velocidades das partículas.

Uma tentativa aparentemente natural de materializar o vínculo de distanciamento fixo entre as partículas seria conectarmos ambas por meio de uma haste rígida não massiva. Porém, tal tentativa acaba sendo inconsistente com o fato da partícula 2 mover-se com vetor velocidade constante em módulo v2 paralelo à haste, uma vez que existe uma componente da aceleração da partícula 1 projetada na direção da haste que acabaria sendo transmitida para a partícula 2. Tal fato pode ser demonstrado matematicamente da seguinte maneira, o vínculo de haste rígida é estabelecido pela seguinte relação: (x2-x1)2+(y2-y1)2=d. Derivando ambos os lados da mesma duas vezes, obtemos

(4) υ 2 , 1 2 = r 2 , 1 ( a 2 a 1 ) ,

sendo v2,1 e r2,1, respectivamente, o módulo da velocidade relativa e o vetor posição, ambos da partícula 2 em relação à 1. A equação anterior pode ser escrita em termos das componentes paralelas, à haste, das acelerações das partículas, dada por

(5) a 2 , = - v 2 , 1 2 d + a 1 , .

A equação 5 expressa a componente paralela da aceleração da partícula 2 em termos da aceleração da mesma no referencial da partícula 1 (puramente centrípeta) somada à aceleração de arrasto a1, ao longo da mesma direção. O que é, de fato, inconsistente com o vínculo de aceleração tangencial nula para a referida partícula. Desta forma, o modelo de haste rígida é incompatível com os vínculos que definem o referido problema de perseguição.

Na próxima seção ampliamos essa discussão considerando a situação em que as duas partículas movem-se com velocidades constantes em módulo, resultando na variação da distância entre elas. Nesse caso estudaremos as forças necessárias para justificar o movimento do sistema, por meio de forças de atrito e de tensão, em que materializaremos o distanciamento variável entre as partículas considerando uma haste extensível conectando as mesmas.

3. O Problema de Pierre Bouguer e o Modelo de Haste Extensível

Agora consideremos a situação em que ambas as partículas da seção anterior se movam com velocidades constantes em módulo v1 e v2, abrindo mão do vínculo de que a distância entre as partículas permaneça fixa. Essa condição nos remete ao problema abordado por Pierre Bouguer, em que um navio mercante é perseguido por um navio pirata, tendo sido discutido na referência [1[1] R.L. Oliveira Jr., Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4502-1 (2015).] por meio de simulações utilizando o software Modellus. Neste caso a equação 1 nos fornece o seguinte sistema de equações diferenciais acopladas

(6) x . 2 = v 2 ( x 1 - x 2 ) ( x 1 - x 2 ) 2 + y 2 2

e

(7) y . 2 = - v 2 y 2 ( x 1 - x 2 ) 2 + y 2 2 ,

em que agora a partícula 1 segue em movimento retilíneo e uniforme ao longo do eixo x através da função horária x1=x0+v1t. Para justificar o movimento de ambas as partículas, obtendo o comportamento das forças que atuam no sistema, consideramos as mesmas conectadas por meio de uma haste extensível de comprimento d(t)=(x2-x1)2+(y2-y1)2 dependente do tempo através da configuração do sistema. Independente da escolha de conectar as partículas por meio de uma haste extensível, vale ressaltar que as forças atuantes em cada uma delas, não importando o contexto, deverão sempre ser tais que:

  • a resultante sobre a partícula 1 será nula a todo instante, para que a mesma siga em linha reta com velocidade constante v1 em módulo

  • produzam uma resultante m2 dυ2/dt sobre a partícula 2, sendo neste caso dυ2/dt uma aceleração puramente centrípeta, uma vez que υ2 tem módulo constante.

Na Figura 4 ilustramos as duas partículas que interagem entre si por meio de uma haste extensível e sem massa, através das forças T1 e T2, e com o solo por meio das forças de atrito estático f1 e f2, com a partícula de massa m2 tendo seu movimento governado pelo sistema de equações6 e7.

Figura 4:
Duas partículas interagem por meio de uma haste extensível de comprimento d(t) variável no tempo. A haste exerce forças T1 e T2 em cada uma das partículas, bem como o solo através das forças de atrito estático f1 e f2.

Tendo isto em mente, aplicamos a segunda lei de Newton a cada uma das partículas:

(8) T 1 + f 1 = m 1 a 1

e

(9) T 2 + f 2 = m 2 a 2

em que T1=T2, e consequentemente módulos iguais T1=T2=T, segundo a terceira lei de Newton, uma vez que estamos desprezando a massa da haste, sendo T o módulo da força tensora na haste. As equações8 e9 conectam grandezas cinemáticas e dinâmicas, de tal forma que iremos utilizá-las para obter o comportamento das forças atuantes ao longo do tempo, necessárias para justificar o movimento do sistema. Projetando a equação8 ao longo dos vetores unitários x^ e y^, respectivamente, nas direções x e y, obtemos:

(10) f 1 cos β - T cos θ = 0

e

(11) f 1 sin β = T sin θ ,

em que a equação 10 descreve o movimento retilíneo e uniforme da partícula 1 ao longo do eixo horizontal x, de tal modo que a1=0. E a equação 11, por sua vez, descreve a condição de equilíbrio ao longo da direção y, uma vez que a referida partícula não se movimenta ao longo desta direção. O ângulo θ presente nas equações10 e11 e ilustrado na Figura 4 é definido através da cinemática obedecida pelo par de partículas:

(12) θ = - arctan ( y 2 x 1 - x 2 ) .

Para a partícula 2, decompomos o seu movimento ao longo dos vetores unitários t^ (tangencial) e n^ (normal) [10[10] R.S. Dutra, L.C. Ribeiro e C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180185 (2019).] que caminham juntos à partícula 2. Projetando a equação 9 ao longo dos referidos vetores unitários, obtemos o seguinte par de equações:

(13) T = f 2 cos α

e

(14) f 2 sin α = m 2 v 2 2 ρ ,

respectivamente, ao longo das direções tangencial e normal, sendo ρ o raio de curvatura instantâneo da curva de perseguição em um dado ponto no qual a partícula se encontra. A equação 13 representa a condição física necessária para que o módulo da velocidade da partícula 2 v2 permaneça constante, ou seja, para que a referida partícula não possua componente tangencial da aceleração. Por sua vez, a equação 14 justifica a trajetória curva em termos da aceleração centrípeta v22/ρ, como uma consequência da projeção da força de atrito f2 ao longo da direção normal. Utilizamos o sistema de equações (1014) para obter as forças de atrito (forças de vínculo) que atuam em cada uma das partículas em função da configuração do sistema. Para isto, utilizamos um modelo para a força tensora cujo módulo é dependente do comprimento da haste. Como uma primeira aproximação, assumimos uma haste hookeana cuja força tensora é proporcional à sua deformação, ou seja, T=k(d-d0), sendo k a constante elástica da haste e d0 seu comprimento quando relaxada. Assumindo esta condição e resolvendo o referido sistema de equações simultaneamente obtemos

(15) f 1 = T = k ( d - d 0 ) ,
(16) f 2 = k 2 ( d - d 0 ) 2 + m 2 2 v 2 4 ρ 2 ,
(17) β ( t ) = θ ( t )

e

(18) α = arccos ( k ( d - d 0 ) k 2 ( d - d 0 ) 2 + m 2 2 v 2 4 / ρ 2 ) .

O sistema evolui com a força de atrito atuante na partícula 1 cancelando a força exercida pela haste, conforme expressam as equações15 e17, de tal modo a justificar o movimento retilíneo e uniforme da referida partícula ao longo da direção x. Por sua vez, a força de atrito atuante na partícula 2 depende, simultaneamente, do comprimento da haste e do raio de curvatura da trajetória seguida pela referida partícula, conforme expresso pela equação 16. O raio de curvatura da curva de perseguição seguida pela partícula 2 é definido em termos das derivadas temporais de suas coordenadas [10[10] R.S. Dutra, L.C. Ribeiro e C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180185 (2019)., 11[11] A.D. Pereira Jr. e N.A. Lemos, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 2306 (2011).]:

(19) ρ = ( x . 2 2 + y . 2 2 ) 3 / 2 | x . 2 y ¨ 2 - y . 2 x ¨ 2 | .

Na próxima seção apresentamos e discutimos simulações da evolução do sistema ao longo do tempo, através da atuação das forças tensora e de atrito, obtidas através do software Modellus.

4. Simulações

Para realizar as simulações no Modellus é importante encontrar as forças T2 e f2 na base dos vetores unitários fixos x^ e y^, no referencial do laboratório. Cada uma dessas forças é inicialmente expressa na base dos vetores unitários tangencial t^ e normal n^ que acompanham o movimento da partícula 2, como ilustrado na Figura 4: T2=Tt^ e f2=f2cosαt^+f2sinαn^, sendo

(20) t ^ = x . 2 v 2 x ^ + y . 2 v 2 y ^

e

(21) n ^ = x ¨ 2 a 2 x ^ + y ¨ 2 a 2 y ^ .

Projetando as referidas forças na base dos vetores unitários fixos, obtemos

(22) T 2 = T ( x ˙ 2 v 2 ) x ^ + T ( y ˙ 2 v 2 ) y ^

e

(23) f 2 = [ f 2 sin α ( x ¨ 2 a 2 ) f 2 cos α ( x ˙ 2 v 2 ) ] x ^ + [ f 2 sin α ( y ¨ 2 a 2 ) f 2 cos α ( y ˙ 2 v 2 ) ] y ^ ,

sendo a2=v22/ρ o módulo da aceleração puramente centrípeta da partícula 2.

As simulações foram executadas considerando a situação em que a partícula 1 se encontra inicialmente na origem (0,0) e a 2 em (0,-h) com massa m2=1kg. Consideramos uma haste de comprimento natural d0=3m, inicialmente relaxada com h=d0, e constante elástica k=1N/m. A evolução temporal do sistema é obtida resolvendo numericamente as equações6 e7, utilizando o software gratuito Modellus , para obter posteriormente coordenadas e componentes da aceleração da partícula 2 e demais grandezas. Utilizamos a velocidade relativa

(24) v r e l . , = v 2 - v 1 c o s θ

da partícula 2 em relação à 1 ao longo da haste para entender o comportamento das forças atuantes. Durante a evolução do sistema o ângulo θ e, consequentemente, vrel., variam no tempo. Tal fato influenciará na evolução das forças atuantes, uma vez que a velocidade relativa entre as partículas está intimamente ligada com a distância d(t) entre ambas e que a força tensora na haste depende da referida distância. Inicialmente escolhemos a situação em que a partícula 2 possui a metade do módulo da velocidade da partícula 1, ou seja, v1=2m/s e v2=1m/s. Esta condição escolhida permite ilustrar um comportamento interessante na mudança de orientação das forças trocadas entre as partículas ao longo da haste e das mesmas com o solo. No instante inicial θ=90 e vrel., será sempre de aproximação, conforme equação 24, já que nesse instante não há projeção da velocidade da partícula 1 ao longo da referida haste. Para justificar tal comportamento cinemático, as partículas inicialmente comprimem a haste fazendo-a reduzir de comprimento, conforme ilustrado na Figura 5(a) pelas setas verdes representando as forças exercidas pela haste em cada uma das partículas. Por sua vez, vrel., passa a diminuir o seu módulo durante a evolução do sistema, devido ao aumento da projeção v1cosθ da velocidade da partícula 1 paralela à haste no decorrer do tempo, concordando com o fato das partículas também reduzirem a intensidade com que comprimem a haste, até o momento em que vrel., se torna zero e logo em seguida troca de sinal. Neste instante a haste deixa de ser comprimida e passa a ser esticada, devido ao fato de vrel., agora ser uma velocidade relativa de afastamento. A mudança de orientação das setas verdes indicam a referida transição conforme ilustra a Figura 5. Para que os vínculos do problema de Pierre Bouguer sejam obedecidos, as setas roxas representando as forças de atrito em cada uma das partículas também precisam mudar de orientação durante a evolução do sistema. A Figura 5(b) ilustra o exato instante em que vrel., se torna zero, momento em que o módulo das forças que atuam em cada uma das partículas se anula, exceto a componente normal da força de atrito atuante na partícula 2. Nesse instante o ângulo crítico formado pela haste com a horizontal é dado por θc=arccos(v2/v1)=arccos(1/2)=60. As Figuras5(a), (b) e (c) mostram a evolução do sistema em três instantes de tempos sucessivos. As forças, tensora exercida pela haste (seta verde) e a de atrito (seta roxa), que atuam sobre a partícula 1, evoluem com as componentes verticais e horizontais se cancelando a todo instante, de tal modo que a partícula 1 sempre se move ao longo de uma linha reta horizontal com velocidade constante v1=2m/s e direção da força de atrito f1 representada pelo ângulo β(t)=θ(t) (conforme a equação 17).

Figura 5:
Movimento das partículas ligadas por uma haste extensível de comprimento d(t) para a situação em que v1=2m/s e v2=1m/s. (a), (b) e (c): sequência de três instantes de tempos sucessivos. As setas verdes representam as forças trocadas entre as partículas através da haste e as roxas as forças de atrito que o solo exerce em cada uma delas. A Figura (b) retrata o exato instante em que a velocidade relativa entre as partículas ao longo da haste se anula.

Por outro lado, a força de atrito que atua na partícula 2 possui sempre uma componente tangencial oposta à força tensora que a haste exerce na mesma, para justificar a aceleração tangencial nula, fazendo com que ela se mova com velocidade em módulo v2 constante. E uma componente normal para manter a trajetória curvilínea da referida partícula ao longo da curva de perseguição. Para tempos muito longos ambas as partículas tenderão a moverem-se ao longo de uma linha reta, com as forças exercidas pela haste e solo, em cada uma das partículas, se cancelando, com a partícula 1 afastando-se da partícula 2 com velocidade relativa de 1m/s.

Uma vez que o ângulo crítico de inversão das forças deve ser real e dado por θc=arccos(v2/v1), na situação em que v2>v1 esta inversão deixa de existir e as partículas evoluem sempre comprimindo a haste com velocidade relativa de aproximação decrescente, até o instante em que a partícula 2 encontra a 1, podendo acontecer logo no início do movimento ou para tempos muito longos, dependendo do quão maior v2 é em relação à v1.

Por sua vez, quando v1=v2=1m/s as partículas comprimem a haste durante toda a evolução do sistema, com velocidade relativa de aproximação decrescente, conforme ilustra a Figura 6. Para tempos muito longos a velocidade relativa entre as partículas tende a zero, com a tensão na haste atingindo um valor assintótico, conforme ilustra a Figura 7, e as duas partículas movendo-se em linha reta ao longo do eixo x mantendo uma distância constante entre ambas, ou seja, com a haste tensionada em um comprimento fixo.

Figura 6:
Movimento das partículas ligadas por uma haste extensível de comprimento d(t) para a situação em que v1=v2=1m/s. (a), (b) e (c): sequência de três instantes de tempos sucessivos. As setas verdes representam as forças de compressão trocadas entre as partículas através da haste e as roxas as forças de atrito que o solo exerce em cada uma delas.
Figura 7:
Força tensora na haste em função do tempo para a situação em que v1=v2=1m/s. Neste caso a haste é comprimida durante o movimento até atingir um valor assintótico depois de um longo intervalo de tempo.

5. Conclusões

Neste artigo estudamos a compatibilidade dos modelos de duas partículas conectadas por meio de hastes rígida e extensível com os vínculos de dois problemas de perseguição. Mostramos que o modelo de haste rígida, aparentemente adequado para descrever o problema de perseguição gerador da curva tractriz, uma vez que a distância entre as partículas permanece constante, é incompatível com os demais vínculos do problema. Logo em seguida ampliamos a discussão e substituímos a haste rígida por uma haste hookeana extensível visando estudar as forças necessárias para justificar a cinemática do problema de perseguição de Pierre Bouguer, no qual a distância entre as partículas se torna dependente do tempo. Neste caso, a partir das simulações numéricas com o software Modellus encontramos uma dependência na orientação das forças que atuam em cada uma das partículas com a velocidade relativa ao longo da haste. Para o caso em que a partícula perseguidora possui uma velocidade menor do que a perseguida, em uma configuração na qual a mola está inicialmente relaxada em t=0, mostramos que a força tensora exibe um interessante comportamento de inversão, em que a haste é inicialmente comprimida durante um certo intervalo de tempo, e logo em seguida passa a ser esticada. Do ponto de vista educacional, esse trabalho propõe uma forma de inserir a discussão sobre curvas de perseguição em um curso de mecânica clássica utilizando simulações computacionais, permitindo, assim, a visualização de como aspectos cinemáticos e dinâmicos se conectam.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer aos árbitros pela avaliação criteriosa do trabalho, especialmente ao segundo árbitro, pelas valiosas críticas, sugestões e questionamentos que ajudaram no enriquecimento e entendimento da discussão.

Referências

  • [1]
    R.L. Oliveira Jr., Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4502-1 (2015).
  • [2]
    A. Soldatelli, Scientia cum Industria 4, 232 (2017).
  • [3]
    T. Azevedo e A. Pelluso, American Journal of Physics, 90, 730 (2022).
  • [4]
    SEARA DA CIÊNCIA, Apostilas sobre as geometrias não-euclidianas, disponível em:https://https://seara.ufc.br/pt/apostilas-eletronicas-da-d-fifi/apostilas-sobre-as-geometrias-nao-euclidianas/, acessado em 23/11/2022.
    » https://https://seara.ufc.br/pt/apostilas-eletronicas-da-d-fifi/apostilas-sobre-as-geometrias-nao-euclidianas/
  • [5]
    D. Bavaresco, L.C. Veit e S.D. Stroschein, REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 6, 1 (2020).
  • [6]
    https://www.youtube.com/watch?v=PsanqoKmOqA, acessado em 04/05/2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=PsanqoKmOqA
  • [7]
    M.E. Andrade, Simulação e modelagem computacional com o software Modellus: aplicações práticas para o ensino de física (Livraria da Física, São Paulo, 2016).
  • [8]
    https://www.youtube.com/watch?v=zTbbD-lr8oU, acessado em 28/03/2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=zTbbD-lr8oU
  • [9]
    R.F.F. Cunha e A.C. Tort, Revista do Professor de Física 1, 13 (2017).
  • [10]
    R.S. Dutra, L.C. Ribeiro e C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180185 (2019).
  • [11]
    A.D. Pereira Jr. e N.A. Lemos, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 2306 (2011).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2023
  • Revisado
    28 Maio 2023
  • Aceito
    29 Maio 2023
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br