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Simulação de sistemas com agentes autônomos – Modelo de Sznajd como exemplo ilustrativo

Autonomous agents’ system simulation – Sznajd Model as an illustrative example

Resumos

Além das abordagens analítica e experimental de sistemas naturais, simulações computacionais são uma ferramenta poderosa na descoberta, análise e descrição em pesquisas científicas. Simulações com agentes autônomos são especialmente úteis quando temos comportamentos micro e macroscópicos específicos. O Modelo de Sznajd é um bom começo para estudantes e pesquisadores interessados em utilizar tais abordagens.

Palavras-chave:
Modelo de Sznajd; Modelo de Ising; Sociofísica; Agentes autônomos


In addition to analytical and experimental techniques of natural systems, computer simulations are a powerful tool for discovery, analysis and description in scientific research. Simulations with autonomous agents are especially useful when we have microscopic and macroscopically specific ones. The Sznajd Model is a good start for students and researchers interested in using these approaches.

Keywords:
Sznajd Model; Ising Model; Sociophysics; Autonomous agentes


1. Introdução

A investigação de um sistema natural pode seguir diversos percursos. Em geral, o primeiro passo é a observação. Por observar o comportamento de um sistema, diversas informações podem ser obtidas. Porém, em algum momento é preciso ir além da observação. Descrever um sistema, seu comportamento e as variáveis que o afetam, pode ser uma tarefa árdua – a depender da complexidade do mesmo [1[1] W. Weaver, em: Facets of systems science, editado por A. Turing (Springer, New York, 1991).].

Um sistema formado por diversos elementos distintos, mesmo que facilmente identificados, pode não ser descrito com qualidade a partir do estudo de seus elementos constituintes. É o caso dos polímeros, macromoléculas com propriedades costumeiramente distintas de suas moléculas constituintes [2[2] L. Akcelrud, Fundamentos da ciência dos polímeros (Editora Manole Ltda, São Paulo, 2007).]. Outro exemplo são os materiais compósitos – materiais formados por outros materiais, com fases (regiões) bem distintas. As características de um material compósito variam em função dos materiais constituintes, da proporção volumétrica entre as fases, da geometria entre as fases e até mesmo da temperatura e da velocidade de fabricação (que influenciam na geometria, proporção e outras características do compósito) [3[3] F. Levy Neto e L.C. Pardini, Compósitos estruturais: ciência e tecnologia (Editora Blucher, São Paulo, 2016).].

Desta forma, percebe-se que as características de um sistema não dependem apenas das características dos elementos que o formam. A interação entre os seus constituintes também desempenha um papel fundamental na dinâmica de um sistema. Podemos acrescentar as condições de contorno que um sistema está sujeito, além da possibilidade, ou impossibilidade, de troca de energia ou outro recurso [4[4] M.K. Rodrigues, J.A. Souza, J. Vaz, I.C. Acunha Junior, L.A.O. Rocha, R.S. Brum, E.D. Santos e L.A. Isoldi, Scientia Plena 11, 081334–1 (2015)., 5[5] C. Julião e S.S. de Albuquerque, Revista Brasileira de Ensino de Física, 43, e20210107 (2021)., 6[6] J. Yu e L. Wang, International Journal of Systems Science 43, 334 (2012).].

Portanto, um sistema natural qualquer pode ser analisado e discutido a partir da observação de seus elementos constituintes e da interação desses elementos entre si e com o ambiente. Em outras palavras, cada elemento do sistema, ou agente desse sistema, tem suas características próprias. A interação de um agente com outros também possui suas características específicas. Essa dinâmica pode levar a subconjuntos que interagem com outros subconjuntos, cada um deles com suas próprias características. É o oposto de considerar uma construção que flui do nível mais alto para o mais baixo. Nesse caso, uma estrutura de mais alto nível impõe suas características, e cada nível constituído a partir dele forma novas interações já dependentes do nível anterior [7[7] F. Schweitzer e J.D. Farmer, Brownian agents and active particles: collective dynamics in the natural and social sciences (Springer, Berlim, 2003), v. 1.].

Se a complexidade da dinâmica citada no parágrafo anterior for muito grande, o nível de dificuldade para estudar o sistema pode se tornar algo impeditivo. Mas o que seria essa complexidade? Como definir? O próprio termo ‘complexidade’ já é controverso. Na literatura, temos diversas definições e formas de pensamento sobre o que é complexidade e em qual ponto temos uma barreira grande o suficiente para nomear um sistema como sendo complexo [8[8] T.S. Kuhn, The structure of scientific revolutions (Chicago University of Chicago Press, 1970), v. 111., 9[9] C. Adami, C. Ofria e T.C. Collier, Academy of Sciences 97, 4463 (2000)., 10[10] S. Thurner, 43 Visions for complexity (World Scientific, Cingapura, 2016), v3., 11[11] G. Parisi, Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 263, 557 (1999)., 12[12] P. Walley, Statistical reasoning with imprecise probabilities (Chapman & Hall, Londres, 1991).]. Neste artigo, a pretensão não inclui dissertar sobre o que é complexidade. Ilustramos e descrevemos uma forma de lidar com sistemas com uma quantidade muito grande de partículas constituintes. Uma quantidade tão grande que torna o estudo do sistema quase impraticável com a utilização de ferramentas analíticas.

1.1. Simulações computacionais versus expressões analíticas

Em sistemas complexos como descritos acima, as características individuais das partes de um sistema produzem a emersão de características globais do sistema. Reforçamos que não apenas as características das partes, mas a interação entre elas é determinante. Assim, como descrever e discutir o surgimento dessas características globais, macroscópicas, a partir de características e interações particulares, microscópicas?

Uma abordagem inicial, comum nas ciências da natureza, é descrever o sistema com suas características e interações por equações que governam seu comportamento. Dessa forma, podemos ter um conjunto de equações que buscamos resolver. Em cada caso, a solução pode ser analítica ou numérica. Para sistemas com uma quantidade muito grande de partículas, ainda é possível buscar soluções nesse sentido [13[13] C.J.S. Julião, I. Gleria, S. Cavalcanti e G.M. Viswanathan, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 30, 2303, 2008.]. Porém, nestes casos, talvez até mesmo uma solução numérica pode estar além de uma razoável consecução. Mas as últimas décadas nos forneceram um poder computacional elevado. O progresso no design de computadores cada vez mais velozes, e relativamente acessíveis para o público, permitiu mais uma abordagem para estudar sistemas como descritos aqui: as simulações computacionais.

As simulações computacionais nos fornecem, de fato, uma nova abordagem para pesquisa científica. Uma simulação não é uma adaptação das técnicas que conhecemos há séculos. Em uma simulação computacional, não tomamos um conjunto de equações diferenciais e buscamos encontrar sua solução. A abordagem de uma simulação, como utilizada neste artigo, envolve descrever as características individuais de cada parte de um sistema e a dinâmica na interação entre essas partes. Uma simulação, portanto, busca realizar o que o próprio termo sugere: simular um sistema em seu desenvolvimento real, e a partir daí ter acesso a informações sobre o sistema para poder analisar, discutir e descrever seu comportamento global [14[14] C. Paiva, A relevância do fator humano na simulação computacional. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Itajubá, Itajubá (2010).].

Em geral, temos alguma informação sobre um sistema que pretendemos analisar e discutir. Na elaboração de uma simulação computacional podemos utilizar o conhecimento já adquirido em experimentos ou em modelos analíticos, tendo assim uma base para a elaboração de nossas simulações. Por exemplo, a dinâmica entre as unidades de um sistema pode ser bem conhecida. Por sua vez, algumas variáveis do ponto de vista macroscópico do sistema podem ser melhor compreendidas a partir da simulação e decorrente observação do desenvolvimento das interações [15[15] K. Vollmayr-Lee, American Journal of Physics 88, 401 (2020).].

Muitos sistemas possuem uma complexidade bem maior do que os mais sofisticados algoritmos. No entanto, não precisamos incluir todos os detalhes de um sistema para construir uma simulação computacional. Esse é um fator de grande impacto, em geral reduzindo o esforço e os recursos necessários. Ao projetar uma simulação, considera-se apenas o detalhamento necessário para alcançar determinado comportamento do sistema, desconsiderando variáveis que não influenciam no fenômeno estudado. Sem uma visão correta de tal abordagem, pode parecer que deixamos informações importantes de lado. Porém, o surgimento de comportamentos macroscópicos de um sistema pode ser fruto de poucas características microscópicas. Ou seja, uma simulação computacional não necessita simular toda a complexidade de um sistema. Pode muito bem se concentrar em determinado aspecto e fornecer caminhos para uma investigação mais profunda em momentos futuros de uma pesquisa [16[16] T.V. Martins e R. Toral, Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 23, 239 (2012).].

2. Agentes Autônomos

Há diversos tipos de simulações computacionais para investigar sistemas como descritos na seção anterior. Uma delas é por meio de agentes autônomos. O termo agente autônomo pode ter diversos significados, dependendo da área de pesquisa. No entanto, em geral um agente autônomo é uma parte do sistema que possui suas próprias características, capaz de interagir com outras partes do sistema [17[17] A.L.C. Bazzan, em: Brazilian Symposium on Artificial Intelligence (Springer, 1996).]. Por exemplo, um gás pode ser modelado computacionalmente. Dessa forma, cada partícula componente do gás em um determinado volume pode ser modelada para interagir com as demais partículas e com o contorno que restringe o volume onde o gás está contido.

Em virtude de podermos incluir características próprias para os agentes, não apenas partículas como um gás podem ser modeladas. Podemos incluir as mais diversas características. Isto nos permite criar simulações computacionais que vão desde um gás, como já citado, até sistemas sociais [18[18] M.O. Silva, Physicae Organum 5, 1 (2019).].

Entre as diversas escolhas na modelagem de uma simulação computacional com agentes autônomos, podemos incluir as escalas temporal e espacial da interação entre os agentes. Por exemplo, os agentes interagem apenas com outros agentes ‘próximos’ a eles, ou podem interagir com agentes ‘distantes’? Ou até mesmo com todos os demais agentes do sistema modelado? Perceba que destacamos os termos ‘próximos’ e ‘distantes’ por que o conceito de proximidade, posição relativa entre os agentes, também é uma escolha a ser feita durante o processo de modelagem [19[19] P. Maes, Artificial life 1, 135 (1993)., 20[20] F. Slanina e H. Lavicka, The European Physical Journal B-Condensed Matter and Complex Systems 35, 279 (2003)., 21[21] S. Boccaletti, G. Bianconi, R. Criado, C.I. Del Genio, J. Gómez-Gardenes, M. Romance, I. Sendina-Nadal, Z. Wang e M. Zanin. Physics reports 544, 1 (2014).].

2.1. Tipos/exemplos de modelos com agentes autônomos

Neste ponto, é necessário se ater a uma escolha: quão minimalista será o design de um agente em determinada simulação? Podemos pensar em uma classificação com apenas dois níveis. Primeiro, um agente pode ser apenas reativo, mostrando comportamentos em consequência de sua interação com as demais partes de um sistema. Por outro lado, um agente pode ser modelado como proativo. Nesse caso, um agente tem características que expressam um tipo de vontade, objetivo ou causa final [22[22] A.P.S. Braga, Um agente autônomo baseado em aprendizagem por reforço direcionado à meta. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo (1998)., 23[23] A.P.S. Braga, Agente topológico de aprendizado por reforço. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2017).].

No último caso, a complexidade na modelagem da simulação claramente será maior. A escolha entre os tipos dependerá de muitos fatores, mas todos sempre vinculados aos objetivos da simulação, vinculados ao objeto de estudo em questão. Além disso, podemos ter todo um gradiente de comportamentos entre os dois extremos, reativo e proativo [7[7] F. Schweitzer e J.D. Farmer, Brownian agents and active particles: collective dynamics in the natural and social sciences (Springer, Berlim, 2003), v. 1.].

Em uma simulação que visa aprofundar o conhecimento em dinâmicas sociais, é preciso ter cuidado com o grau de reducionismo que utilizamos. Por exemplo, humanos possuem características mentais e emocionais que podem influenciar em cada passo, cada decisão. A própria compreensão de uma realidade pode ser vista de um ponto de vista individual.

Ainda assim, simulações envolvendo sistemas sociais tem conseguido avanços em nos ajudar a compreender alguns aspectos de sua dinâmica [24[24] K. Sznajd-Weron, J. Sznajd e T. Weron. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 565, 125537 (2021)., 25[25] S. Liu, L. Ying e S. Shakkottai, em: 2010 48th Annual Allerton Conference on Communication, Control, and Computing (Illinois, 2010).]. Isso ocorre em função do comportamento médio dos indivíduos em um sistema social. Embora cada pessoa possua uma grande complexidade em seu comportamento, diante de decisões específicas há um comportamento médio. Por exemplo, diante da decisão de comprar ou não determinado produto, tal escolha depende de uma quantidade limitada de informação. Na média, muitos indivíduos se comportam de forma similar [26[26] S.F.A. Garcia, S. Gonzalez e T. Mauad, Revista Brasileira de Marketing 9, 17 (2010).]. Tal comportamento médio facilita o desenvolvimento de simulações computacionais, tal como é utilizado nos campos da sociofísica e econofísica.

Portanto, as características incluídas na modelagem de um agente para simulações computacionais dependem de diversos fatores. Esses estão relacionados não apenas ao sistema a ser explorado, mas também do grau de detalhamento necessário para o objetivo da simulação.

3. Modelo de Sznajd

Passamos a ilustrar a construção de uma simulação computacional com agentes autônomos utilizando um modelo já bem explorado na literatura. Começamos por compreender o modelo proposto e sua abordagem. Em seguida, mostramos como construir uma simulação computacional para explorar novas características ainda não estudadas na literatura.

Há cerca de 22 anos, em meados do ano 2000, o artigo intitulado Opinion evolution in closed community sugeriu uma adaptação ao conhecido modelo de Ising [27[27] K. Sznajd-Weron e J. Sznajd, International Journal of Modern Physics C 11, 1157 (2000).]. Em pouco tempo, tal abordagem ficou conhecida como Modelo de Sznajd (SM). Seu foco está na propagação de opinião e na tomada de decisão – mas, para melhorar a semelhança com os fenômenos sociais, no SM a interação entre os agentes flui de dentro para fora. O SM visa enfatizar o poder de persuasão de um grupo sobre a opinião de um indivíduo. Nesses sistemas espera-se que quanto maior o grupo, maior será o poder de convencimento [28[28] D. Stauffer, A.O. Sousa e S.M. Oliveira, International Journal of Modern Physics C 11, 1239 (2000).].

Ao contrário de outros modelos, como as regras usuais no modelo de Ising, o SM tem um fluxo de influência para fora, o que significa que a influência não flui para dentro dos vizinhos ao centro, mas se espalha para fora na direção oposta do centro para os vizinhos [29[29] D. Stauffer, Mathematical Sociology 28, 25 (2004)., 30[30] D. Stauffer, Advances in Complex Systems 5, 97 (2002).]. A direção do fluxo para fora tem como objetivo vincular a modelagem da simulação a esta característica conhecida em sistemas sociais. Como indicamos na seção anterior, ao modelar uma simulação, é preciso ir além de buscar minimizar a quantidade de características a serem incluídas. Tais características são parte essencial do sistema que se deseja estudar [28[28] D. Stauffer, A.O. Sousa e S.M. Oliveira, International Journal of Modern Physics C 11, 1239 (2000).].

3.1. Regras do modelo original

Na formulação original do SM, consideramos uma sociedade composta por N membros (chamados indistintamente de indivíduos, agentes, eleitores, votantes etc), cada um com uma opinião σi=+1 ou σi=-1 para i=1,2,,N. Os sítios, representando cada um desses agentes, estão em uma cadeia unidimensional e aberta. Foi utilizado um esquema de atualização sequencial aleatória (ASA) e uma atualização elementar é dada pelo seguinte algoritmo [27[27] K. Sznajd-Weron e J. Sznajd, International Journal of Modern Physics C 11, 1157 (2000).]:

  1. Escolha um único agente aleatoriamente (uniformemente para todos os N indivíduos); chame-o de sítio i;

  2. Se os agentes i e i + 1 compartilham a mesma opinião no momento, ou seja, σi(t)=σi+1(t), eles impõem sua opinião a seus vizinhos: σi-1(t+Δt)=σi+1(t), σi+2(t+Δt)=σi(t);

  3. Caso contrário, se σi(t)/=σi+1(t), seus vizinhos i - 1 e i + 2 assumem estados opostos aos seus primeiros vizinhos do par, i.e., σi-1(t+Δt)=-σi(t), σi+2(t+Δt)=-σi+1(t).

O tempo nessas simulações foi medido utilizando o chamado passo de Monte Carlo, onde uma unidade temporal consiste em aplicar as regras N vezes. Ou seja, um passo temporal é da forma NΔt=1. Isto permite que, a cada passo temporal, cada sítio na rede unidimensional tenha em média a mesma oportunidade de ser escolhido [24[24] K. Sznajd-Weron, J. Sznajd e T. Weron. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 565, 125537 (2021).].

As regras acima foram as utilizadas no artigo com a proposta original do SM. Em pouco tempo a literatura nos trouxe uma adaptação com um passo a menos, diminuindo o custo computacional e gerando a mesma dinâmica imposta pelas três regras originais [31[31] L. Behera e F. Schweitzer, International Journal of Modern Physics C 14, 1331 (2003).]:

  1. Escolha um único agente aleatoriamente (uniformemente para todos os N indivíduos); chame-o de sítio i;

  2. Faça σi-1=σi+1, σi+2=σi.

Figura 1:
Magnetização em função do tempo em quatro simulações diferentes. Para a simulação foi utilizada uma rede linear aberta de N = 1000 sítios. Cada simulação termina em um estado ditatorial, com todos os agentes em um mesmo estado. As duas primeiras (de cima para baixo) alcançam um estado de magnetização igual a zero, enquanto as duas últimas alcançam os estados m=-1 e m=+1.

3.2. Resultados do modelo original de Sznajd

Para a implementação original do modelo Sznajd, encontramos inicialmente três estados estacionários, onde as mudanças temporais cessam qualitativamente. Em cinquenta por cento das simulações, a cadeia no final está totalmente dividida. Neste estado, metade dos sítios tem uma opinião enquanto a outra metade tem uma opinião divergente. Os outros cinquenta por cento são divididos igualmente entre os estados finais onde todos os sítios da cadeia têm uma das opiniões iniciais. No modelo de Sznajd é utilizado um comportamento similar ao encontrado em materiais magnéticos, onde um polo tende a se alinhar com seus polos vizinhos. Desta forma, utilizamos o termo magnetização para indicar o valor médio do comportamento dos sítios da rede. Definindo m como a magnetização do sistema conforme a expressão seguinte,

(1) m ( t ) = 1 N N σ i ( t )

os estados finais são m=+1,m=-1 e m = 0.

Esses três estados finais são indesejáveis para sistemas democráticos. Se a democracia sobreviver, há uma razão envolvida: a opinião da maioria não se torna a opinião de toda a população. Opiniões divergentes podem conviver dentro do mesmo sistema. Uma única opinião “congelada” no tempo não condiz com democracias. Então, os três estados estacionários no SM original nós chamamos de ‘estados ditatoriais’.

A Figura 1 mostra o desenvolvimento da magnetização em função do tempo para quatro simulações diferentes. A rede utilizada é linear e aberta e tem tamanho N = 1000. Cada das simulações termina em um dos estados ditatoriais: duas alcançam o estado final de magnetização zero, e as outras duas possuem magnetização final nos extremos (+1 ou -1). A uniformização das opiniões foi alcançada para uma quantidade de passos de Monte Carlo de uma ordem de grandeza acima do tamanho da rede.

3.3. Algumas variações do modelo original

A partir do modelo original, podemos incluir outras características e expandir a pesquisa nesses sistemas. Como explicado anteriormente, podemos incluir características nos agentes em nossas simulações para explorar diferentes aspectos na dinâmica de um sistema. Por exemplo, a literatura nos oferece algumas sugestões sobre como contornar estados ditatoriais no SM.

Algumas adaptações forneceram resultados inesperados. Por exemplo, Stauffer implementou uma modificação do SM com quatro opiniões para cada agente. Porém, tais opiniões não eram equivalentes em sua capacidade de persuasão. Duas opiniões eram mais extremistas (com poder de persuasão mais limitado) e outras duas eram centristas (com poder de persuasão mais intenso). Stauffer mostrou que as opiniões centristas sempre prevalecem. O resultado inesperado foi mostrar que uma das opiniões centristas se torna majoritária, mas a outra opinião centrista some da dinâmica do sistema. Enquanto isso, uma das opiniões extremistas permanece, mesmo de forma minoritária. Daí o título do artigo ser “Better being third than second in a search for a majority opinion” [30[30] D. Stauffer, Advances in Complex Systems 5, 97 (2002).].

Johannes estudou o SM trazendo “oportunistas” e “contrários” [32[32] J.J. Schneider, International Journal of Modern Physics C 15, 659 (2004).]. Oportunistas são indivíduos que não seguem a dinâmica proposta no SM. Tais indivíduos sempre ficam do lado da opinião da maioria. Enquanto os contrários fazem o inverso – eles escolhem a opinião contrária à maioria. O artigo de Johannes encontra uma condição desejável para a manutenção da democracia: a existência tanto de oportunistas quanto de contrários, sendo o número de contrários mantido maior que o número de oportunistas. Ou seja, Johannes sugere a inclusão no SM de dois tipos diferentes de comportamento para a manutenção da democracia.

Johannes e Christian abordaram a transição dos regimes Democracia-Oclocracia-Ditadura nos modelos de SznajdeIsing [33[33] J.J. Schneider e C. Hirtreiter, Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 353, 539 (2005).]. Em seu artigo, eles mostraram que o SM pode ser considerado um padrão de transição entre esses três sistemas. Os autores sugeriram que o SM em sua forma original não possui propriedade responsável por manter dois grupos com opiniões conflitantes, necessárias à democracia. Isso leva às etapas finais do sistema sempre com a imposição de uma ditadura.

Originalmente, o SM foi introduzido como um modelo de opinião binária, o que é muito natural para os físicos estatísticos. No entanto, mais tarde foi generalizado para um maior número de estados discretos e depois até para opiniões descritas como intervalo de valores contínuos [30[30] D. Stauffer, Advances in Complex Systems 5, 97 (2002)., 34[34] A.T. Bernardes, U.M.S. Costa, A.D. Araujo e D. Stauffer, International Journal of Modern Physics C 12, 159 (2001)., 35[35] S. Fortunato, International Journal of Modern Physics C 16, 17 (2005).].

Outras adaptações envolveram a distância das interações, updates síncronos e assíncronos, tipos diferentes de respostas sociais (como independência, conformidade e anticonformidade), outros tipos de rede (rede quadrada, rede triangular, grafos completos) [24[24] K. Sznajd-Weron, J. Sznajd e T. Weron. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 565, 125537 (2021)., 36[36] A.M. Timpanaro e C.P.C. Prado, Physical Review E 84, 027101 (2011)., 37[37] A.M. Timpanaro e C.P.C. Prado, Physical Review E 86, 046109 (2012)., 38[38] K. Sznajd-Weron, M. Tabiszewski e A.M. Timpanaro, EPL (Europhysics Letters) 96, 48002 (2011)., 39[39] N. Crokidakis e P.M.C. Oliveira, Physica A: Statistical Mechanics and its Applications 409, 48 (2014).].

4. Exemplo de pesquisa original com o modelo de Sznajd

A partir do modelo de Sznajd, vamos agora exemplificar como acrescentar mais características ao comportamento dos agentes. Implementamos a mudança na simulação e verificamos o impacto dessa nova característica na dinâmica do sistema. Vejamos o que considerar e quais os passos que devemos seguir.

Começamos por identificar que, em sistemas democráticos, uma determinada opinião não exclui totalmente uma outra. Sempre há espaço para o debate, onde grupos com opiniões diferentes se revezam no poder. A fase final da dinâmica do SM original não reflete essa condição – sempre atinge um estado que podemos chamar de ditadura. Passamos a acrescentar uma pequena mudança no modelo: o acesso à informação sobre a situação global do sistema. Os estados finais do modelo original, ditatoriais, ainda se sustentam? Mas qual a justificativa para incluir essa característica aos agentes? E como implementar em nossa simulação?

Nas sociedades onde a democracia é valorizada, o acesso à informação é fundamental para o seu desenvolvimento. É ainda mais relevante em processos de tomada de decisão, como eleições. Durante as eleições, é comum a mídia utilizar grande parte de sua equipe na cobertura do processo eleitoral. Uma das ferramentas utilizadas tanto por candidatos a cargos políticos quanto por jornalistas que analisam o processo são as pesquisas eleitorais. Em nossa expansão do SM, incluímos uma parcela de eleitores suscetíveis a mudanças na estrutura geral do sistema. Alguns eleitores em nossas simulações têm preferência por escolher o candidato que está “subindo nas pesquisas”, ao invés de seguir apenas a opinião dos vizinhos.

Observe a sutil diferença entre este e os oportunistas de Johannes [32[32] J.J. Schneider, International Journal of Modern Physics C 15, 659 (2004).]. Na última, os oportunistas seguem a opinião da maioria. Na adaptação que estamos implementando, os indivíduos estão mais interessados na dinâmica. Eles reforçam a ascensão (ou o inverso) de um candidato. Agora vejamos como implementar esse fator.

Figura 2:
Evolução temporal da magnetização de um estado inicial aleatório para N = 1000 e f=0.01. Os valores que f pode assumir variam de 0 (nenhum agente seguindo a informação geral da dinâmica do sistema) até 1 (todos os agentes seguindo a dinâmica geral do sistema). Na maioria das simulações, não há um intervalo temporal considerável com o mesmo valor da magnetização se sustentando sem alteração. Quando isso ocorre, o sistema não alcança um estado ditatorial.

O SM original assume que cada indivíduo decide sua escolha influenciado pelas opiniões dos indivíduos vizinhos. Incluímos uma segunda condição para a decisão de alguns indivíduos do sistema. Considerando σi a postura no sítio i e, m(t) a magnetização do sistema ao longo do tempo t, conforme definido na equação eq1. Parte da população do sistema sentirá apenas a influência dos vizinhos, mas alguns indivíduos estarão suscetíveis a mudanças no cenário global. Estes seguem a tendência da variação momentânea no valor da magnetização: se m(t)-m(t-1)>0, tal indivíduo assume a opinião representada por +1; se m(t)-m(t-1)<0, o indivíduo assume a opinião representada por -1.

Essa parcela da população acompanha a mudança no valor da magnetização entre o passo de tempo anterior e o atual. Ou seja, o indivíduo segue o movimento da variação momentânea da opinião – indicada, por exemplo, em pesquisas eleitorais. A condição que estiver aumentando de concentração no sistema será a escolhida pelo eleitor. Observe que esse comportamento só é possível devido ao acesso que o indivíduo tem à situação geral do sistema. Ou seja, o eleitor não apenas tem conhecimento da dinâmica do processo durante o seu desenvolvimento – ele decide sua posição considerando tal informação.

Em nossas simulações, precisamos decidir diversos detalhes para efetuar sua modelagem. Vamos citar alguns, mas o leitor que desejar reproduzir os resultados pode alterar tais escolhas e verificar a influência delas na dinâmica. Usamos uma cadeia unidimensional de 1000 sítios com condições de contorno livres. Indivíduos com acesso a informações sobre a situação geral do sistema foram distribuídos simetricamente na rede. Com uma simulação utilizando essas características, a existência de indivíduos com acesso à informação, com suas decisões influenciadas por tal acesso, altera fundamentalmente a dinâmica do sistema?

Na Figura 2 temos uma fração (f) muito pequena da rede seguindo a informação geral incluída pela nova regra (f=0,01). Essa pequena fração com acesso à informação já altera o comportamento do sistema: não é atingido um estado final dominante na maioria das simulações. A magnetização continua variando dentro de uma faixa que pode ser tão grande quanto [-0,5,0,5], como no caso mostrado na Figura 2. Aqui vemos a verdadeira manutenção de um estado democrático, onde a opinião global do sistema varia ao longo do tempo. Nesta abordagem, o final não é um estado ditatorial. Bem distinto do SM original.

5. Conclusão

Além das práticas experimentais e dos estudos analíticos, simulações computacionais tem se mostrado uma excelente ferramenta para pesquisa científica. Nos últimos 30 anos, houve um maior acesso a equipamentos cada vez mais sofisticados. Sua utilização pode contribuir tanto para investigações sobre novos conhecimentos científicos como para aumentar a compreensão sobre fenômenos já estudados.

Entre as diversas abordagens para simulação computacional, agentes autônomos são uma escolha que tem se mostrado útil em diversas áreas. Um conhecimento de qualidade sobre o design e adaptação de simulações computacionais com agentes autônomos pode auxiliar tanto o aprendizado como a pesquisa científica.

Agradecimentos

Agradecemos a todos os colegas que contribuíram com suas discussões.

Referências

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    W. Weaver, em: Facets of systems science, editado por A. Turing (Springer, New York, 1991).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2022
  • Revisado
    10 Ago 2022
  • Aceito
    22 Ago 2022
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