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Variante do Interferômetro de Michelson-Morley baseado em um dioptro ar-água como divisor de feixe

Michelson-Morley interferometer variant based on air-water diopter as a beam splitter

Resumos

Desde sua construção em 1887 por Albert Michelson e Edward Morley, com o objetivo de medir a velocidade da terra em relação ao éter, o interferômetro de Michelson-Morley passou a ser utilizado nas mais diversas aplicações de interferometria. Apesar de sua simplicidade na montagem, o instrumento encontra importantes aplicações utilizando o fenômeno de interferência. Neste trabalho apresentamos a simulação e a construção de uma variante do interferômetro de Michelson-Morley utilizando o dioptro ar-água como divisor de feixe. A proposta é uma importante aplicação para discussão de diferentes temas vistos na formação em Física e Engenharias. Na montagem foram utilizados um laser vermelho centrado em 630 nm, com polarização linear orientada em um ângulo de cerca de 45 do plano de incidência, como fonte de excitação e dois espelhos de primeira face para refletir os feixes refletido e o refratados no dioptro. A análise das intensidades das ondas foi realizada utilizando o Método dos Elementos Finitos e as imagens das interferências circulares foram obtidas utilizando-se uma câmera CCD.

Palavras-chaves:
Interferência; dióptro ar-água; divisor de feixe


The Michelson-Morley interferometer has been used in the most diverse applications since its construction in 1887 by Albert Michelson and Edward Morley to measure the speed of the earth with regard to the ether. Despite the simplicity of its assembly, the instrument still finds relevant applications nowadays. In this work, we present the computational simulation and construction of a variant of the Michelson-Morley interferometer using the air-water diopter as a beam splitter. The proposed modification shows significance in promoting the discussion about many concepts related to physics and engineering. The assembly employed a red laser centered at 630 nm, with linear polarization oriented at an angle of about 45 from the plane of incidence, as an excitation source and two first surface mirrors to reflect the beams reflected and refracted at the diopter – a CCD camera captured the circular interference images on the screen. The analysis of the wave intensities employed the Finite Element Method.

Keywords:
Interference; air-water diopter; beam splitter


1. Introdução

Desde a sua invenção em 1881 por Albert Michelson [1[1] A. Michelson, American Journal of Science 22, 120 (1881).], o interferômetro de Michelson permanece como um dos instrumentos mais notáveis e versáteis já concebidos para a interferometria. Seu surgimento foi motivado pela intrigante hipótese de Young e Fresnel, que surgiu no início do século XIX, uma época em que a física estava imersa na busca para confirmar a existência do meio pelo qual a luz se propagava. Entretanto, foi somente em 1887, quando o instrumento foi montado em Cleveland, nos Estados Unidos, que ele adquiriu um destaque histórico sem precedentes. Nesse momento, Albert Michelson e Edward Morley o utilizaram com o objetivo de aprimorar a medição da velocidade da Terra em relação ao éter, um marco notável na história da física que desencadeou a busca por uma compreensão mais profunda da natureza da luz e do espaço-tempo [2[2] A.A. Michelson, E.W. Morley, American Journal of Science 34, 333 (1887)., 3[3] R.S. Shankland, American Journal of Physics 32, 16 (1964).]. Desde então, o interferômetro de Michelson evoluiu para ser um instrumento fundamental em uma ampla gama de aplicações científicas e tecnológicas. Atualmente, ele desempenha um papel crucial na medição precisa de variações de distâncias e espessuras extremamente pequenas, no estudo de linhas espectrais em espectroscopia, na determinação de índices de refração de materiais transparentes, na avaliação dos tamanhos angulares de estrelas para a astronomia, e até mesmo na detecção de ondas gravitacionais, como exemplificado pelo LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser) [4[4] K. Alzahrani, D. Burton, F. Lilley, M. Gdeisat, F. Bezombes e M. Qudeisat, Optics express 20, 5658 (2012)., 5[5] P. Saarinen, J. Kauppinen, Applied optics 31, 2353 (1992)., 6[6] J.J. Fendley, Physics Education 17, 209 (1982)., 7[7] R.X. Adhikari, Reviews of Modern Physics 86, 121 (2014)., 8[8] A. Abramovici, W.E. Althouse, R.W.P. Drever, Y. Gürsel, S. Kawamura, F.J. Raab, D. Shoemaker, L. Sievers, R.E. Spero, K.S. Thorne et al., Science 256, 325 (1992).].

O Interferômetro de Michelson-Morley (Figura 1), como ficou conhecido, consiste de um sistema contendo dois caminhos ópticos perpendiculares entre si com espelhos em suas extremidades e um espelho semi-transparente (ST) na intersecção desses dois caminhos. Um feixe de luz que incide no espelho ST se divide em dois feixes coerentes de igual intensidade entre si no equipamento padrão. Esses percorrem os diferentes caminhos ópticos e retornam ao espelho ST após serem refletidos pelos espelhos M1 e M2 nas extremidades dos caminhos. Ao retornarem ao espelho ST, os feixes de luz irão interferir entre si, formando franjas de interferência (círculos claros e escuros concêntricos) devido à diferença de caminho óptico percorrido por eles. As franjas claras referem-se às interferências construtivas enquanto que as franjas escuras referem-se às interferências destrutivas.

Figura 1
Esquema do Interferômetro convencional de Michelson–Morley. No centro da imagem, ST refere-se a um espelho semi-transparente.

A partir da montagem original do experimento de Michelson-Morley, muitas modificações foram propostas a fim de solucionar o problema da deriva do éter [9[9] R.J. Kennedy, Proceedings of the National Academy of Sciences 12, 621 (1926)., 10[10] D.C. Miller, Reviews of Modern Physics 5, 203 (1933)., 11[11] A. Piccard e E. Stahel, Comptes Rendus 183, 420 (1926)., 12[12] L.S. Swenson, Journal for the History of Astronomy 1, 56 (1970).], mas nunca foram encontradas evidências experimentais da existência deste meio. O experimento é considerado um dos mais importantes na história da física e influenciou o desenvolvimento da teoria da relatividade e da física moderna em geral. Atualmente, o experimento de Michelson–Morley é muito utilizado no âmbito do Ensino de Física, seja no Ensino Médio, em cursos de graduação, ou pós-graduação [13[13] S. Pathare e V. Kurmude, Physics Education 51, 063001 (2016)., 14[14] C.C. Silva, A.C. Giacomelli, C.A.S. Pérez e B.L. da Silva, Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia 10, 175 (2017)., 15[15] L.G. Souza, L.R. Santiago e V.L.B. de Jesus, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20190070 (2019).], tendo assumido um papel didático ao permitir a discussão de diversos conceitos, como o caráter ondulatório da luz e o princípio da relatividade.

Neste trabalho propõe-se uma variante do interferômetro de Michelson–Morley, no qual é utilizado o dioptro ar-água como um divisor de feixe ao invés de um espelho ST. A despeito dessa configuração apresentar feixes (refletido e transmitido) com intensidades distintas após a primeira incidência, as simetrias das reflectâncias e transmitâncias do dioptro garantem que os feixes terão aproximadamente as mesmas intensidades ao interferirem no anteparo, possibilitando a visualização das franjas de interferência circulares com boa visibilidade. A simulação computacional dessa adaptação experimental foi realizada a partir do método dos elementos finitos (MEF), permitindo a reprodução e análise das observações experimentais.

2. Variante do Interferômetro

A montagem da variante do interferômetro utiliza um dioptro ar-água como divisor de feixe (beam splitter). Assim, ao incidir na interface ar-água, o laser é dividido em dois feixes, refletido e refratado pelo dioptro, que percorrem caminhos ópticos nos diferentes meios, ar e água respectivamente, até serem refletidos de volta pelos espelhos M1 e M2, como mostra o diagrama da Figura 2. Após as reflexões nos espelhos, os feixes retornam ao dioptro, refletindo e refratando mais uma vez. O feixe refratado, vindo do espelho M1, e aquele refletido, vindo do espelho M2, irão interferir, ao se superporem, e produzir figuras de interferência circulares e concêntricas sobre um anteparo. Uma lente delgada foi utilizada com o objetivo de facilitar a visualização do efeito de interferência através da expansão do diâmetro do feixe do laser.

Figura 2
Esquema da variante do Interferômetro de Michelson–Morley proposto neste trabalho.

Sendo o laser utilizado polarizado, a direção da polarização foi orientada a um ângulo de cerca de 45 do plano de incidência1 1 Plano de incidência refere-se ao plano no qual a onda eletromagnética se propaga e que contém o vetor de onda e o vetor normal à interface. , de modo que a intensidade inicial do laser será dada pelas contribuições das intensidades de cada direção, perpendicular (s) e paralela (p) ao plano de incidência respectivamente, I0=I0s+I0p.

Esse feixe, de intensidade I0, incide no dioptro ar-água sob um ângulo θi em relação à normal da superfície. Parte do feixe, com intensidade Rarags/pI0s/p, retorna para o meio 1 (ar) com o mesmo ângulo de incidência e é refletido perpendicularmente no espelho M1, que encontra-se inclinado de θi em relação ao dioptro. O segundo feixe, com intensidade Tarags/pI0s/p, refrata no meio 2 (água) sob um ângulo θr, conforme previsto pela Lei de Snell, sendo refletido perpendicularmente pelo espelho M2, inclinado de θr também em relação ao dioptro. Ao retornar ao ponto O (ponto em que o laser incide inicialmente sobre a interface ar-água) o feixe refletido por M1, com intensidade Rarags/pI0s/p, refrata no meio 2 e chega ao anteparo com uma intensidade I1s/p=Tarags/p(Rarags/pI0s/p). Enquanto isso, o feixe refletido por M2 (de intensidade Tarags/pI0s/p) passará a ter uma intensidade I2s/p=Ragars/p(Tarags/pI0s/p) após refletir na interface água-ar. Uma vez que Rarags/p=Ragars/p=Rs/peTarags/p=Tagars/p=Ts/p, as intensidades dos feixes serão iguais ao interferirem no anteparo.

Os termos Rs/p e Ts/p são a reflectância e a transmitância do dioptro para cada polarização, s e p, que podem ser dadas pelas expressões:

(1)Rs/p=|rs/p|2eTs/p=1Rs/p

Ambos determinadas a partir dos módulos quadrados dos coeficientes de Fresnel:

(2)rs=sin(θiθr)sin(θi+θr)erp=tan(θiθr)tan(θi+θr)

As intensidades I1 e I2 para cada polarização são aditivas porque os campos elétricos, s e p, são ortogonais entre si. Portanto, essas intensidades são dadas por:

(3)I1=I1s+I1p=TsRsI0s+TpRpI0p
(4)I2=I2s+I2p=TsRsI0s+TpRpI0p

A interferência entre os feixes pode ser visualizada no anteparo que se encontra no fundo do aquário e a intensidade luminosa total será dada pela expressão:

(5)I=I1+I2+2I1I2cos(Δ)

sendo 2I1I2cos(Δ) o termo de interferência e Δ = k0 ⋅ [narr1ar + nag ⋅ (r1agr2)]2 2 onde r1ar (resp. r1ag) é o caminho geométrico total percorrido pelo feixe 1 no meio 1 (ar) (resp. no meio 2 (água)) . O termo narr1ar + nag ⋅ (r1agr2) corresponde à diferença de caminhos ópticos dos dois feixes.

Considerando a simetria da reflectância e da transmitância do dioptro, a intensidade total será dada por:

(6)I=2(TsRsI0s+TpRpI0p)[1+cos(Δ)]

na qual se terá interferência construtiva sempre que Δ for proporcional à n ⋅ 2ϕ, e interferência destrutiva para [(n+12)]2π, sendo n um inteiro.

Portanto, as franjas apresentam uma periodicidade, alternância de claros e escuros, correspondendo à variações de 2π radianos de Δ. Apesar da periodicidade está diretamente relacionada com o índice de refração através da diferença de caminho óptico, a mudança do índice não afetará esta periodicidade, visto que a variação do termo de interferência será proporcional ao seno de Δ que apresenta a mesma periodicidade para os máximos e mínimos.

Segundo as expressões 3 e 4, as intensidades de cada feixe, para cada polarização s e p, que alcança o anteparo será de cerca de 3,6% da intensidade do feixe incidente, no entanto, a intensidade no anteparo pode alcançar 4 vezes este percentual segundo a expressão 6 devido ao efeito de interferência.

Além da diferença no caminho óptico, as reflexões do feixe nas interfaces também podem causar diferenças de fase nas ondas, contribuindo para o efeito de interferência [16[16] N.V. Tkachenko, em: In Optics and Optical Devices, editado por N.V. Tkachenko (Elsevier Science, Amsterdam, 2006).]. No entanto, de acordo com os coeficientes de Fresnel, somente observaríamos uma mudança de fase no dioptro ar-água para ângulos acima de 53,1 e apenas para a polarização p. Como o ângulo de incidência utilizado no dioptro é de 45, não há mudança de fase devido a essas reflexões. Além disso, a fase da onda é preservada em uma reflexão especular em um espelho. Portanto, os efeitos de interferência observados neste trabalho se devem apenas à diferença no caminho óptico.

3. Alinhamento do Interferômetro

O fato de termos um dioptro constituído pela interface entre dois fluidos traz uma certa dificuldade, tanto no alinhamento dos feixes quanto à própria visualização do efeito de interferência. Isso se dá devido às vibrações da superfície da água, o que dificulta o alcance das condições ideais para o alinhamento e para a observação do efeito. No entanto, devido à simetria do sistema, é possível utilizar as próprias reflexões e refrações dos feixes para alinhar e posicionar os elementos do interferômetro. Como as reflexões nos espelhos deverão ser perpendiculares às suas superfícies, os ângulos nas reflexões e refrações no dioptro serão os mesmos em ambas as direções de propagação dos feixes.

Figura 3
Detalhes sobre os raios refletidos e refratados da variante do Interferômetro de Michelson-Morley.

Como pode ser visto na Figura 3, após a reflexão em M1 (feixe vermelho no meio 1), além de refratar para o meio 2 (feixe abóbora), parte do feixe retorna em direção ao laser (feixe verde) como a porção refletida em O. Esta reflexão deverá incidir no orifício de saída do laser, garantindo que os ângulos de incidência, vindo do laser e vindo do espelho, são os mesmos. Da mesma forma, após o feixe refratado refletir em M2 (feixe vermelho no meio 2), este sofrerá uma segunda refração, desta vez para o meio 1 (feixe azul no meio 1), também retornando em direção ao laser. Ambos os feixes deverão coincidir com o centro de emissão do laser, garantindo desta forma, a correta inclinação dos espelhos e alinhamento dos feixes. Além disso, um perfeito alinhamento dos feixes que chegam de cada braço do interferômetro ao anteparo permitirá a visualização de franjas circulares e concêntricas.

Figura 4
Representação da área ativa utilizada na simulação. À esquerda, template de malha triangular utilizado para a simulação do sistema. À direita, área necessária para a simulação com a atribuição dos meios.

4. Simulação do Interferômetro

A simulação do processo de interferência proposto no sistema foi realizada através do MEF. Neste procedimento foi utilizada uma malha triangular de cerca de 20.000 elementos com dimensão mínima de 2, 4 nm para garantir uma boa resolução na visualização da simulação. Um feixe de luz com perfil gaussiano (w0 = 2λ e P0 = 15μm)3 3 w0 representa o raio do feixe e P0 representa a distância focal. e o comprimento de onda λ = 630 nm foi utilizado como fonte de excitação4 4 A água apresenta uma absorção nesta região de comprimento de onda [17], no entanto, a defasagem provocada na intensidade total no anteparo, devido à diferença do caminho óptico, é da ordem de 4%, e por isso não foi considerada. Além disso, outros lasers com comprimentos de onda diferentes podem ser utilizados para evitar esta absorção. . A propagação da onda eletromagnética na região do sistema é descrita pela equação de Helmholtz e foi resolvida para um campo elétrico de amplitude de 1 V/m, para uma polarização linear (45 em relação ao plano de incidência). As faces dos espelhos foram modeladas por superfícies perfeitamente condutoras (n × E = 0) e aos demais contornos do sistema foram impostos condições de limite de espalhamento em 2a ordem (2nd order scattering boundary condition). A fim de viabilizar a simulação, as dimensões simuladas não são as dimensões reais do experimento.

As imagens presentes na Figura 4 representam a parte ativa do template utilizado para a simulação. À esquerda está o template da malha triangular que define os limites simulados e, à direita, a atribuição dos meios utilizados. Cada aresta é ocupada por um elemento: laser, espelhos e anteparo.

5. Resultados e Discussão

Como procedimento de verificação da modelagem computacional, realizou-se a simulação do dioptro sem a presença dos espelhos, observando os efeitos de reflexão e refração do laser, conforme previsto pelos princípios da óptica geométrica [18[18] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Edgard Blucher, São Paulo, 2002).]. Para um feixe incidente I a um ângulo de 45 com a normal do dioptro (Figura 5), observam-se dois feixes, um refletido, com ângulo igual ao ângulo de incidência, 45, e um refratado com ângulo igual θr = arcsen(n1 ⋅ sen(θi)/n2) ≈ 32, 11 (com n1 = 1,00 e n2 = 1,33). A intensidade do feixe refletido é relativamente baixa em relação às intensidades inicial e transmitida do feixe, conforme previsto pelos cálculos dos coeficientes de Fresnel. Outros líquidos podem ser utilizados para compor o dioptro, ou mesmo uma variação do índice de refração poderia ser provocada por ação externa, o que levaria a uma mudança nos coeficientes de fresnel, no ângulo de refração, bem como na diferença de caminho óptico como mostrado pela expressão 6. No entanto, em todos os casos seria possível visualizar os efeitos de interferência.

Figura 5
Resultados da simulação. À esquerda, norma dos campos elétricos dos feixes incidentes (I), refletido (A) e transmitido (B) a partir do dioptro ar-água. À direita, perfis de intensidade dos respectivos feixes para uma polarização linear oblíqua (45).

Verificada a coerência dos resultados para o dioptro ar-água sem a presença dos espelhos, esses puderam ser inseridos nas posições A e B. Com isso, simularam-se os efeitos de interferência e os resultados confirmam que o dioptro ar-água realiza perfeitamente o papel de divisor de feixe, mesmo que de forma assimétrica conforme indicado na seção II. As imagens da Figura 6 apresentam esses resultados, elucidando os efeitos de interferência esperados na região do anteparo (franjas de interferência com máximos e mínimos). A assimetria dos limites em cada meio também interfere na simetria do perfil de interferência na região do anteparo, como pode ser observado na Figura 6. Além disso, pelo fato da simulação não possuir as dimensões reais (dioptro de 85 μm de extensão), observam-se alguns efeitos como oscilações devido às ondas estacionárias entre os espelhos e o dioptro, bem como na região entre o laser e o dioptro. De igual forma, vê-se essas oscilações ao longo da curva de interferência. Por outro lado, isso não impede a visualização e verificações dos resultados previstos.

Figura 6
Representação dos efeitos de interferência. À esquerda, perfil da intensidade dos feixes na região do template. À direita, perfil de interferência na região do anteparo para o experimento com os espelhos.

Devido às intensidades dos feixes refletidos para o ar e para a região da anteparo serem relativamente baixas, não se vê o rastro desses feixes na região do template mostrado na Figura 6.

Após a montagem e alinhamento do interferômetro (Figura 7), foi possível observar as franjas de interferência circulares e concêntricas (Figuras 8 e 9) esperadas e observadas na simulação, conforme indicado na seção III (Alinhamento do interferômetro).

As imagens puderem ser registradas por fotografias diretas do anteparo, pela parte superior do aquário, como também por filmagens com uma câmera CCD, por baixo do aquário, na região em que se encontraria o anteparo.

Figura 7
Montagem e alinhamento do sistema. À esquerda, montagem dos elementos do interferômetro: aquário, laser, espelhos e câmera. À direita, laser acionado, onde se vê a propagação do feixe incidente na região da água.

Conforme se vê nas imagens tomadas pela parte superior do aquário, Figura 8, observam-se nitidamente efeitos de interferência. Círculos concêntricos claros e escuros indicam as regiões de interferência construtivas e destrutivas respectivamente. Além disso, é possível observar oscilações e deslocamento nas posições das franjas devido às vibrações do sistema, que provocam variações micrométricas dos caminhos ópticos. Esse deslocamento pode ser observado em vídeos e em fotografias com lapso temporal, como fica demonstrado nas imagens presentes na Figura 8.

Figura 8
Imagens de franjas de interferência filmadas por cima do anteparo.

No caso das imagens obtidas pela câmera inferior, Figura 9, observa-se mais uma vez as imagens de interferência através dos círculos concêntricos. Na imagem da esquerda observa-se um máximo no centro da distribuição, enquanto que à direita, observa-se um mínimo – essa diferença deve-se a registros em instantes distintos, como comentado anteriormente. Nesta sequência temporal mostrada em 3D (Figura 10) vê-se a evolução do pico central devido à variação da fase de aproximadamente λ/2, defasagem necessária para a transição entre um máximo e um mínimo.

Figura 9
Imagens de franjas de interferência filmadas por baixo do aquário.
Figura 10
Sequência temporal de imagens em 3D das franjas de interferência filmadas por baixo do aquário. A região mais alaranjada representa os picos mais intensos.

A análise da seção transversal mostrada na Figura 11 permite avaliar a visibilidade das franjas de interferência. A visibilidade descreve o contraste das franjas de interferência, ou seja, a diferença entre as intensidades máximas e mínimas observadas. A visibilidade é calculada pela expressão:

(7)V=ImaxIminImax+Imin

A visibilidade é uma medida importante, visto que ela indica o quão bem definidas e contrastantes são as franjas de interferência. Uma estimativa a partir das escalas de cinza da Figura 9 (esquerda) avaliadas pela seção transversal mostrada na Figura 11 fornece uma visibilidade média, na região de maior intensidade, de aproximadamente 47%, e conforme pode ser verificado pelas Figuras 9 e 10, a visibilidade das franjas de interferência observadas é boa.

Figura 11
Seção transversal de imagem de interferência fotografada. Acima, seção transversal da imagem em escala de cinza.

Ao efetuar a comparação entre o resultado da análise da seção transversal do padrão de interferência com a simulação do perfil de interferência (Figura 6), é possível notar que o resultado experimental apresenta franjas que diminuem a sua largura ao passo que estas se distanciam do centro da imagem. Esse efeito deve-se ao uso das lentes. Há uma lente divergente na saída do laser e uma lente convergente na entrada da câmera – a convergência dos raios de luz provoca o estreitamento das franjas. Também há de ser observada uma assimetria entre as áreas dos máximos e mínimos na curva de interferência (Figura 11). Esse efeito é ocasionado pelo método de análise da imagem, que toma como parâmetro a intensidade luminosa, também influenciado pela resolução da imagem. Quanto à situação da imagem estar com baixa intensidade luminosa em sua porção esquerda, isso decorre do posicionamento da câmera, que estava descentralizada em relação ao centro de iluminação da figura de interferência.

6. Conclusões

Neste trabalho apresentamos uma variante do interferômetro de Michelson-Morley utilizando um dioptro água-ar como divisor de feixe. Tanto os resultados de simulação computacional, utilizando MEF, quanto os resultados experimentais confirmam que a interface ar-água pode ser utilizada como um divisor de feixe e que efeitos de interferência podem ser observados. A utilização dessa montagem no Ensino de Física pode viabilizar a discussão em torno de diversos tópicos, como a óptica geométrica e a óptica física, transformando-a em uma ferramenta didática. Essa variante possibilita, ainda, a inserção de outros elementos ópticos, como finas camadas de outros líquidos não-miscíveis na superfície da água, possibilitando a observação da superposição de outras franjas de interferência. Poderíamos também considerar a inserção de outros elementos ópticos como lentes, colimadores, etc, para obter ondas planas e observar franjas de interferência paralelas.

  • 1
    Plano de incidência refere-se ao plano no qual a onda eletromagnética se propaga e que contém o vetor de onda e o vetor normal à interface.
  • 2
    onde r1ar (resp. r1ag) é o caminho geométrico total percorrido pelo feixe 1 no meio 1 (ar) (resp. no meio 2 (água))
  • 3
    w0 representa o raio do feixe e P0 representa a distância focal.
  • 4
    A água apresenta uma absorção nesta região de comprimento de onda [17[17] A.A. Yakovenko, V.A. Yashin, A.E. Kovalev e E.E. Fesenko, Biophysics 47, 891 (2002).], no entanto, a defasagem provocada na intensidade total no anteparo, devido à diferença do caminho óptico, é da ordem de 4%, e por isso não foi considerada. Além disso, outros lasers com comprimentos de onda diferentes podem ser utilizados para evitar esta absorção.

Referências

  • [1]
    A. Michelson, American Journal of Science 22, 120 (1881).
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  • [18]
    H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Edgard Blucher, São Paulo, 2002).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2023
  • Revisado
    25 Out 2023
  • Aceito
    29 Out 2023
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