Acessibilidade / Reportar erro

Medindo a massa inercial usando uma balança romana

Measuring the inertial mass using a Roman balance

Resumos

Apresentamos um aparelho simples de laboratório didático para medição de massa inercial, baseado no equilíbrio quase-estático de uma balança de peso deslizante (balança romana) num plano horizontal, suprimindo a influência da gravidade. O dispositivo oferece uma definição operacional alternativa da massa inercial. Comparada com definições tradicionais baseadas em medidas de aceleração (como a definição clássica de Ernst Mach) ou da frequência de um sistema massa-mola, este método não exige medições de tempo, força, ou acelerações; utiliza um aparato simples e barato; e fornece o valor correto mesmo se executado em um sistema não-inercial, ou por um observador em movimento relativístico. O aparato também permite medir a massa gravitacional, e demostrar sua equivalência com a massa inercial de maneira simples e elegante. Por estas razões, o método é eminentemente adequado para demonstrações em classe e aulas práticas em cursos introdutórios de física.

Palavras-chave:
massa; massa inercial; massa gravitacional; balança romana; laboratório de física


We describe a simple teaching laboratory device for measuring inertial mass based on the quasi-static equilibrium of a Roman (steelyard) balance on a horizontal plane, suppressing the influence of gravity. This device offers an alternative operational definition of inertial mass. Compared to traditional definitions based on measurements of acceleration (such as the classical definition by Ernst Mach) or of the frequency of a mass-spring system, this method does not require measurements of time, acceleration, or force; uses a simple and cheap apparatus; and yields the correct value even if performed in a non-inertial frame, or by an observer in relativistic motion. The apparatus also allows measurement of the gravitational mass, and demonstrate its equivalence with inertial mass, in a simple and elegant fashion. For these reasons, the method is eminently suited to demonstrations and lab classes in introductory physics courses.

Keywords
mass; inertial mass; gravitational mass; Roman balance; physics laboratory


1. Introdução

Um experimento de laboratório para ilustrar o conceito de massa inercial [1O.C. Castellani, Revista Brasileira do Ensino de Física 23, 356 (2001)., 2L.O.Q. Peduzzi, A Relatividade Einsteiniana: Uma Abordagem Conceitual e Epistemológica, disponível em: ¡ext-link ext-link-type=’uri’ xlink:href=’https://evolucaodosconceitos.wixsite.com/historia-da-ciencia/textos’¿https://evolucaodosconceitos.wixsite.com/historia-da-ciencia/textos¡/ext-link¿.
https://evolucaodosconceitos.wixsite.com...
, 3G.B. Gracia, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e201803 (2019).] poderia ser proveitoso para um curso introdutório de física a nível médio ou de graduação. Porém, as definições operacionais desse conceito (no sentido de Bridgman [4P.W. Bridgman, The Logic of Modern Physics (Arno Press, New York, 1927).]) em livros-textos populares não são muito adequadas para esse fim.

Uma definição muito usada é a que foi proposta em 1868 por Ernst Mach [5E. Mach, The Science of Mechanics: A Critical and Historical Exposition of its Principles (Cambridge University Press, Cambridge, 2013).]. Ele imaginou duas partículas isoladas, de massas m1 e m2, interagindo apenas entre si. Pela terceira lei de Newton, as forças agindo nas partículas seriam iguais em módulo. As acelerações instantâneas a1 e a2 deveriam satisfazer a equação m1a1=m2a2, ou seja

(1) m 2 m 1 = a 1 a 2 .

Medindo as acelerações e adotando m1 como massa unitária padrão, esta fórmula permitiria calcular a massa inercial m2.

Muitos livros-texto adotados no Brasil (por exemplo, Serway e Jewett [6R.A. Serway e J.W. Jewett, Princípios de Física (Cengage Learning, São Paulo, 20014), v. 1.], Tipler e Mosca [7P.A. Tipler e G.Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 2009), v. 1.] Young e Freedman [8H.D. Young, R.A. Freedman, M. Zemansky e F. Sears, Física I: Mecânica (Pearson Universidades, São Paulo, 2015), v. 1.], Halliday, Resnick e Walker [9D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física: Mecânica (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 2010), v. 1.], Nussenzveig [10H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecênica (Edgard Blucher, São Paulo, 2002).], Thornton e Marion [11J.B. Marion, T. Sthephen e T. Thornton, Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas (Cengage Learning, São Paulo, 2011).] e Symon [12K.R. Symon, Mecânica (Editora Campus, Rio de Janeiro, 1996).]) apresentam uma variante dessa definição operacional. Nessa variante, a mesma força externa constante F é aplicada separadamente a cada objeto, inicialmente em repouso. A aceleração de cada corpo é calculada a partir da distância si percorrida em um dado tempo ti pela fórmula ai=2si/ti2, e a razão das massas é então obtida pela equação (1). Se a distância s for a mesma, podemos simplificar para:

(2) m 2 m 1 = ( t 2 t 1 ) 2 .

Embora muito comum, esta definição tem alguns inconvenientes quando se considera sua realização em um laboratório de ensino. Por exemplo, ela exige o uso de um cronômetro, e um meio de aplicar a mesma força constante aos dois objetos. Goodinson [13P.A. Goodinson and B.L. Luman, American Journal of Physics 53, 40 (1985).] descreve detalhadamente um aparato experimental para esse fim. Porém, este método não funciona se o experimento for feito em um sistema de referência não inercial, ou se a gravidade influir na aceleração medida. Por exemplo, se um destes fatores acrescentar uma aceleração aparente a* a cada corpo, na direção e sentido de F, as acelerações medidas serão a1=F/m1+a* e a2=F/m2+a*. A razão correta das massas seria então:

(3) m 2 m 1 = a 1 - a * a 2 - a * .

Se, em vez desta equação, usarmos a equação (1), o resultado será incorreto. Podemos inclusive obter massa negativa, ou nula, ou infinita.

Outra definição operacional da massa inercial é apresentada no livro texto de Knudsen e Hjorth [14J.M. Knudsen e P.G. Hjorth, Elements of Newtonian Mechanics: Including Non-linear Dynamics (Springer, Berlin, 2002).]. Neste método, a massa a ser medida é presa a uma mola de modo a formar um sistema massa-mola. A massa é deslocada e liberada de modo a colocar o sistema em oscilação harmônica. O período da oscilação é Ti=2πmi/k, e portanto a razão das massas pode ser calculada por

(4) m 2 m 1 = ( T 2 T 1 ) 2 .

Este método, muito usado nos laboratórios de ensino, não exige uma força externa conhecida nem medidas de distância, mas a mola precisa ser linear (força proporcional à elongação) e os períodos devem ser medidos com um cronômetro. Podemos eliminar a necessidade do cronômetro substituindo a razão T2/T1 pela razão entre as frequências f1/f2=n1/n2, colocando-se as duas massas em oscilação simultaneamente e contando-se o número de oscilações ni num intervalo de tempo arbitrário. Porém, neste caso, seria necessário usar duas molas com mesma constante k. Devemos lembrar também que essa constante depende da temperatura, e que a massa da mola tem que ser desprezível.

Uma alternativa proposta por Bruzzi [15L. Bruzzi, Physics Education 13, 239 (1978).] é usar o fenômeno de ressonância entre as oscilações de duas hastes elásticas, numa das quais a massa a medir é fixada em posição ajustável. Porém, este método requer uma escala calibrada na haste, pois a relação entre a posição da massa e a frequência não é linear. Outro método é a balança centrífuga projetada por Rivetti [16A. Rivetti, G. Martini, G. Birello, F. Alasia, L. Gatt e F. Solitro, Acta Astronautica 41, 301 (1997).] para medição de massas em ambientes com microgravidade. Entretanto, o equipamento é demasiado complexo para uso em ensino. Vários métodos de medida de massa inercial para esse mesmo fim (na maioria, variantes do sistema massa-mola) foram descritos por Mizuno [17T. Mizuno, em: Proceedings of IEEE SICE 2003 Annual Conference (Fukui, 2021).].

Neste artigo, descrevemos um aparato de construção relativamente simples para medir a razão das massas inerciais de dois objetos, em principio arbitrariamente desiguais, adequado para uso em laboratórios de ensino. O aparato consiste de uma balança romana com eixo vertical, acelerada horizontalmente. (A ideia é uma elaboração do método descrito no livro de Taylor [18J.R. Taylor, Mecânica Clássica (Bookman Editora, Porto Alegre, 2013).], que só permite testar a igualdade de duas massas).

Do ponto de vista teórico, o método poderia ser visto como uma definição operacional de massa inercial. Ele fornece a razão correta mesmo se for executado em um ambiente não-inercial, ou se as medidas forem feitas por um observador em movimento com velocidade relativística em relação ao aparato.

2. A balança romana

A balança romana consiste de uma haste rígida que suporta os dois objetos e é suportada por um pivô entre eles, ver Figura 1a. Um dos objetos, cuja massa m2 se quer medir, é pendurado em um ponto fixo da haste por meio de um gancho ou prato articulado na mesma. O outro objeto é um contrapeso, cuja massa m1 será a unidade de medida, que pode ser deslocado ao longo do outro ramo da haste.

Figura 1
(a) Esquerda: uma balança romana [19Steelyard balance, disponível em: ¡ext-link ext-link-type=’uri’ xlink:href=’https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙balance’¿https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙balance¡/ext-link¿, acessado em 28/04/2021.
https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙...
]; (b) Direita: esquema da medição da massa gravitacional. No equilíbrio, vale a equação (5).

A balança romana tem sido usada, desde muito antes da fundação de Roma até os dias de hoje, para medir a massa gravitacional. Neste uso, o pivô é suportado verticalmente de modo que sua posição permanece fixa, e o contrapeso é deslocado até que a haste permaneça em equilíbrio na horizontal, sem tendência a girar em torno do pivô. Nesta situação, os torques q1=m1gd1 e q2=m2gd2 gerados pelos pesos devem ser iguais; onde g é a aceleração da gravidade, e d1 e d2 são as distâncias do pivô aos pontos de articulação das massas na haste (Figura 1b). A razão das massas gravitacionais é então:

(5) m 2 m 1 = d 1 d 2 .

Na prática, o braço com o contrapeso móvel é graduado de modo a indicar diretamente o valor m2=m1d1/d2, evitando-se assim a necessidade de medir distâncias e fazer contas. Observe-se que o resultado não depende da aceleração da gravidade g.

Esta balança difere da balança “egípcia”, com dois ganchos ou pratos pendurados na haste a distâncias iguais do pivô (d1=d2). Uma grande vantagem da balança romana é que ela precisa de apenas uma massa de referência m1, em vez de um conjunto de massas calibradas para formar uma massa igual a m2. Outra vantagem é que a massa m1 pode ser muito menor que a massa a medir m2; e, portanto, a força necessária para sustentar o conjunto (o peso da haste, mais m1 e m2) fica reduzido quase à metade.

A equação (5) supõe que a haste em si, sem os dois pesos, está equilibrada; ou seja, que o pivô fica no centro de massa (CM) da haste, incluindo o gancho ou prato fixo na mesma. Neste caso, os torques gerados pelos pesos dos dois ramos da haste são iguais, e portanto se cancelam. Esta condição significa que a haste não tem tendência a rodar quando suspensa pelo pivô, sem os dois pesos. Neste artigo, vamos supor que esta condição se verifica. (Se a haste em si não estiver equilibrada, a razão das massas será uma função mais complicada da posição e da massa do contrapeso). Embora balanças romanas típicas tenham braços desiguais, o braço mais curto geralmente é mais largo ou espesso, ou tem um gancho pesado, ou tem um contrapeso extra, compensando seu comprimento menor.

Uma variante da balança romana é a balança escandinava, em que as duas massas são penduradas em posições fixas, nos extremos da haste, e o pivô pode ser deslocado ao longo da mesma, variando tanto d1 quanto d2, até que a haste fique em equilíbrio. A massa gravitacional m2=m1d1/d2 é normalmente marcada diretamente na haste. Entretanto, como o pivô geralmente não coincide com o CM da haste, este tipo de balança supõe que a massa de referência m1 é fixa, e exige uma escala gravada mais complexa, que leva em conta o momento de inércia da haste em si.

3. Medindo a massa inercial

A proposta deste artigo é usar a balança romana para medir (ou definir operacionalmente) a razão entre as massas inerciaism1 e m2 de dois objetos. Para esse fim, usamos a balança deitada de lado, de modo que as forças relevantes sejam horizontais em vez de verticais. Uma aceleração arbitrária a é aplicada ao eixo do pivô, transversalmente à haste, de modo a permitir a rotação livre da mesma. As distâncias d1 e/ou d2 das massas ao pivô são ajustadas até que as acelerações a1 e a2 das duas massas sejam iguais, de modo que a haste se desloque paralela a si mesma, sem rodar. Veja a Figura 2.

Figura 2
Princípio da medição da massa inercial usando uma balança romana na horizontal: (a) Esquerda: situação fora de equilíbrio. (b) Direita: situação em equilíbrio.

Como explicado antes, supomos que o pivô está no centro de massa da haste em si, sem os dois objetos. Na situação de equilíbrio, em que a haste não roda, as acelerações das duas massas devem ser paralelas e iguais à aceleração a do pivô. As forças que a haste aplica aos objetos serão F1=m1a e F2=m2a, e seus momentos em relação ao pivô devem ser iguais: F1d1=F2d2. Segue-se que a equação (5) pode ser usada, nesta situação, para obter a razão das massas inerciais. Fora do equilíbrio, os momentos F1d1 e F2d2 não se cancelam, resultando em uma aceleração angular α não nula da haste. Se m1 for tomada como a unidade de massa inercial, o experimento é uma medida da massa inercial m2.

4. Aparato

A Figura 3 mostra uma possível implementação deste método, na forma de um aparato adequado para laboratórios didáticos ou demonstrações em sala de aula.

Figura 3
Uma possível implementação do método proposto, na forma de um aparato de laboratório de ensino: (a) Esquerda: visão geral, com a haste móvel rodada. (b) Detalhe dos ponteiros nos extremos da haste móvel.

Para garantir o equilíbrio da haste sem as massas, propomos que esta seja uma barra de seção uniforme, com o pivô no seu ponto médio. A haste é suspensa por um por um pino vertical, de tal forma que ela pode rodar livremente apenas no plano horizontal. Os dois objetos, com massas inerciais m1 e m2, são presos em ramos opostos da haste, ambos em posições ajustáveis. Os dois objetos devem ser corpos com formato simétrico e densidade uniforme, fixados na haste de modo que seus centros de massa (centros geométricos) sejam colineares com o centro do pivô, sem permitir sua rotação relativamente à haste.

O pino que sustenta a haste no pivô é preso a uma base que pode se deslocar em uma única direção, sem rotação, dentro de um trilho fixo na mesa. Uma segunda haste de referência é fixada nesta base, perpendicularmente ao trilho. Ponteiros leves, afixados aos extremos da haste móvel, permitem detectar qualquer rotação entre as duas hastes, mesmo que inferior a 1 grau.

Na prática, todas as partes podem ter formas e materiais bastante variados. Comparado com outros equipamentos didáticos (como mesas ou trilhos sem atrito), este é barato e fácil de fabricar. A base e o trilho podem ser de madeira, desde que tenham massa suficiente para evitar tombamento. Não é necessária usinagem de metal além do corte de barras. O único detalhe que exige alguma precisão é a verticalidade do pino; mas essa pode ser conseguida com uma simples furadeira de bancada.

Para utilizar o aparato, a haste móvel é posicionada paralelamente à haste de referência, e a base é empurrada de modo a deslocá-la por uma distância arbitrária ao longo do trilho. Se este deslocamento causar a rotação da haste móvel, as distâncias d1 e/ou d2 são ajustadas no sentido adequado. Quando o deslocamento da barra não causa mais rotação da haste, as distâncias d1 e d2 são medidas, e a equação (5) é usada para obter a razão das massas inerciais.

A massa e formato da base devem ser tais que o pino do pivô permaneça vertical, sem inclinar ou tombar, durante o deslocamento. O atrito no pivô deve ser o menor possível, para que mesmo uma diferença pequena entre os momentos de inércia m1d12 e m2d22 cause a rotação da haste. Uma articulação com rolamento (rolimã) seria ideal, mas um eixo metálico com bucha de náilon ou bem lubrificado pode ser suficiente.

Note que não é necessário medir nem a aceleração a aplicada ao pivô durante o movimento, nem a distância percorrida pela base, nem a posição, velocidade, ou aceleração angular da haste. Basta verificar se houve ou não rotação, e, no final, medir as duas distâncias.

O movimento da base não precisa seguir nenhuma função particular do tempo. Apenas, a aceleração inicial deve ser forte o bastante para vencer o atrito estático no pivô, na situação fora de equilíbrio. Verifica-se que, próximo ao equilíbrio (quando a rotação máxima da haste é apenas alguns graus), ao final do experimento a haste estará praticamente estacionária, e o ângulo de rotação será aproximadamente proporcional à distância percorrida pela base, independentemente do tempo e da aceleração.

O experimento pode ser repetido com três ou mais objetos, medidos aos pares, para mostrar que as razões das massas assim obtidas são consistentes: m1/m2=(m1/m3)(m3/m2). A análise do movimento da haste na situação fora do equilíbrio pode ser um bom exercício de mecânica de corpos rígidos.

5. Discussão

5.1. Aspectos práticos

Ao contrário dos métodos de Mach ou de forças externas iguais, este método não exige medições de tempos, distâncias percorridas, acelerações ou forças. Não exige uma força externa constante e reprodutível, molas iguais e lineares, nem conhecimento sobre as propriedades do aparato (massa e momento de inércia da haste, coeficientes de atrito etc.). O método é essencialmente um null experiment, que só exige detetar um ângulo de deslocamento zero da haste.

As únicas medições necessárias são as distâncias d1 e d2 no equilíbrio, sendo que uma delas pode ser fixada no início. Um erro relativo δ nessas medidas resultaria em erro da mesma ordem na razão das distâncias, e portanto na razão calculada das massas. Por exemplo, um erro de 1 mm numa distância de 10 cm significaria δ=1%. Outra possível fonte de erro é o atrito no pivô, que pode impedir a rotação da haste mesmo quando as massas não estão no equilíbrio. Este erro pode ser reduzido com um rolamento ou bucha de baixo atrito no pivô, e com um deslocamento mais enérgico da base.

Uma vantagem deste método é que ele permite ilustrar o princípio da equivalência das massas inercial e gravitacional de maneira elegante. Basta levantar a base e rodá-la por 90 graus, de modo que o eixo do pivô fique horizontal e permita rotações da haste em um plano vertical em resposta às forças-peso – como em uma balança romana tradicional. Conforme analisado na Seção2 2. A balança romana A balança romana consiste de uma haste rígida que suporta os dois objetos e é suportada por um pivô entre eles, ver Figura 1a. Um dos objetos, cuja massa m2 se quer medir, é pendurado em um ponto fixo da haste por meio de um gancho ou prato articulado na mesma. O outro objeto é um contrapeso, cuja massa m1 será a unidade de medida, que pode ser deslocado ao longo do outro ramo da haste. Figura 1 (a) Esquerda: uma balança romana [19]; (b) Direita: esquema da medição da massa gravitacional. No equilíbrio, vale a equação (5). A balança romana tem sido usada, desde muito antes da fundação de Roma até os dias de hoje, para medir a massa gravitacional. Neste uso, o pivô é suportado verticalmente de modo que sua posição permanece fixa, e o contrapeso é deslocado até que a haste permaneça em equilíbrio na horizontal, sem tendência a girar em torno do pivô. Nesta situação, os torques q1=m1⁢g⁢d1 e q2=m2⁢g⁢d2 gerados pelos pesos devem ser iguais; onde g é a aceleração da gravidade, e d1 e d2 são as distâncias do pivô aos pontos de articulação das massas na haste (Figura 1b). A razão das massas gravitacionais é então: (5) m 2 m 1 = d 1 d 2 . Na prática, o braço com o contrapeso móvel é graduado de modo a indicar diretamente o valor m2=m1⁢d1/d2, evitando-se assim a necessidade de medir distâncias e fazer contas. Observe-se que o resultado não depende da aceleração da gravidade g. Esta balança difere da balança “egípcia”, com dois ganchos ou pratos pendurados na haste a distâncias iguais do pivô (d1=d2). Uma grande vantagem da balança romana é que ela precisa de apenas uma massa de referência m1, em vez de um conjunto de massas calibradas para formar uma massa igual a m2. Outra vantagem é que a massa m1 pode ser muito menor que a massa a medir m2; e, portanto, a força necessária para sustentar o conjunto (o peso da haste, mais m1 e m2) fica reduzido quase à metade. A equação (5) supõe que a haste em si, sem os dois pesos, está equilibrada; ou seja, que o pivô fica no centro de massa (CM) da haste, incluindo o gancho ou prato fixo na mesma. Neste caso, os torques gerados pelos pesos dos dois ramos da haste são iguais, e portanto se cancelam. Esta condição significa que a haste não tem tendência a rodar quando suspensa pelo pivô, sem os dois pesos. Neste artigo, vamos supor que esta condição se verifica. (Se a haste em si não estiver equilibrada, a razão das massas será uma função mais complicada da posição e da massa do contrapeso). Embora balanças romanas típicas tenham braços desiguais, o braço mais curto geralmente é mais largo ou espesso, ou tem um gancho pesado, ou tem um contrapeso extra, compensando seu comprimento menor. Uma variante da balança romana é a balança escandinava, em que as duas massas são penduradas em posições fixas, nos extremos da haste, e o pivô pode ser deslocado ao longo da mesma, variando tanto d1 quanto d2, até que a haste fique em equilíbrio. A massa gravitacional m2=m1⁢d1/d2 é normalmente marcada diretamente na haste. Entretanto, como o pivô geralmente não coincide com o CM da haste, este tipo de balança supõe que a massa de referência m1 é fixa, e exige uma escala gravada mais complexa, que leva em conta o momento de inércia da haste em si. , a haste permanecerá em equilíbrio apenas se a razão das massas gravitacionais m2/m1 for a mesma (d1/d2) que foi obtida para as massas inerciais.

Por outro lado, uma desvantagem do método é que sua explicação exige conceitos básicos de torque e equilíbrio estático, que são ensinados só depois das Leis de Newton; enquanto que as definições de livro-texto tipo Mach usam apenas a segunda e terceira leis. Porém, torque e equilíbrio estático são vistos no ensino médio e cobrados no vestibular. Já experimentos de medida de massa inercial usando sistemas massa-mola dependem da análise do mesmo, que é vista apenas depois do equilíbrio estático; o que seria uma desvantagem desses métodos em relação ao nosso.

5.2. Considerações teóricas

Observamos que o estado de equilíbrio da barra (sem aceleração angular) é um conceito de Estática, e portanto não se altera se o observador tiver velocidade relativística em relação ao aparato não. Embora a haste possa parecer contraída, de diferentes maneiras, para tal observador, essa contração não altera a razão d1/d2 das distâncias, e portanto a razão inferida m2/m1 das massas.

O método também fornece a razão correta se o laboratório estiver em movimento não inercial, mesmo com com aceleração variável no tempo e espaço – desde que, em cada instante, a componente da mesma paralela ao plano de rotação da haste da haste seja essencialmente uniforme sobre esse plano. A construção do aparato elimina a influência da componente perpendicular da aceleração, e de variações da mesma nessa direção. A componente paralela da aceleração, no plano da haste, é apenas somada à aceleração da base em relação ao trilho, e portanto não não causa rotação da haste quando m1d1=m2d2. Esta invariância, aliás, vale também para a medição de massas gravitacionais com uma balança romana.

6. Conclusões

Apresentamos um equipamento para laboratório de ensino de física de baixo custo para ilustração, medida, ou definição operacional da massa inercial. O aparato, inspirado no princípio da balança romana, permite medir as razões de duas massas inerciais, e ilustrar o princípio da equivalência entre massa inercial e gravitacional de maneira simples e elegante. As únicas medições exigidas no experimento são as as distâncias das massas ao pivô. O método é válido mesmo quando executado em um sistema de referência não inercial, ou quando as medidas são feitas por observadores relativísticos.

Agradecimentos

Os autores agradecem discussões com Ariadne A. Costa, George C. Cardoso e Maurício Girardi-Schappo. GM agradece à CAPES por uma bolsa de mestrado. OK agradece ao CNAIPS-USP. OK e JS agradecem ao CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Este trabalho foi produzido como parte da atividade do CEPID NeuroMat – Centro de Pesquisa, Inovação e Disseminação para Neuromatemática – da FAPESP (processo 2013/07699-0).

References

  • O.C. Castellani, Revista Brasileira do Ensino de Física 23, 356 (2001).
  • L.O.Q. Peduzzi, A Relatividade Einsteiniana: Uma Abordagem Conceitual e Epistemológica, disponível em: ¡ext-link ext-link-type=’uri’ xlink:href=’https://evolucaodosconceitos.wixsite.com/historia-da-ciencia/textos’¿https://evolucaodosconceitos.wixsite.com/historia-da-ciencia/textos¡/ext-link¿.
    » https://evolucaodosconceitos.wixsite.com/historia-da-ciencia/textos
  • G.B. Gracia, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e201803 (2019).
  • P.W. Bridgman, The Logic of Modern Physics (Arno Press, New York, 1927).
  • E. Mach, The Science of Mechanics: A Critical and Historical Exposition of its Principles (Cambridge University Press, Cambridge, 2013).
  • R.A. Serway e J.W. Jewett, Princípios de Física (Cengage Learning, São Paulo, 20014), v. 1.
  • P.A. Tipler e G.Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 2009), v. 1.
  • H.D. Young, R.A. Freedman, M. Zemansky e F. Sears, Física I: Mecânica (Pearson Universidades, São Paulo, 2015), v. 1.
  • D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física: Mecânica (Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 2010), v. 1.
  • H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecênica (Edgard Blucher, São Paulo, 2002).
  • J.B. Marion, T. Sthephen e T. Thornton, Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas (Cengage Learning, São Paulo, 2011).
  • K.R. Symon, Mecânica (Editora Campus, Rio de Janeiro, 1996).
  • P.A. Goodinson and B.L. Luman, American Journal of Physics 53, 40 (1985).
  • J.M. Knudsen e P.G. Hjorth, Elements of Newtonian Mechanics: Including Non-linear Dynamics (Springer, Berlin, 2002).
  • L. Bruzzi, Physics Education 13, 239 (1978).
  • A. Rivetti, G. Martini, G. Birello, F. Alasia, L. Gatt e F. Solitro, Acta Astronautica 41, 301 (1997).
  • T. Mizuno, em: Proceedings of IEEE SICE 2003 Annual Conference (Fukui, 2021).
  • J.R. Taylor, Mecânica Clássica (Bookman Editora, Porto Alegre, 2013).
  • Steelyard balance, disponível em: ¡ext-link ext-link-type=’uri’ xlink:href=’https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙balance’¿https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙balance¡/ext-link¿, acessado em 28/04/2021.
    » https://en.wikipedia.org/wiki/Steelyard˙balance
  • Errata

    No artigo “Medindo a massa inercial usando uma balança romana”, com o número de DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2021-0253, publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43: e20210253, na página 1:
    Onde se lia:
    Jorge Stoli
    Leia-se:
    Jorge Stolfi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2021
  • Aceito
    06 Ago 2021
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br