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Estudo experimental do coeficiente de restituição elástica em colisões utilizando vídeo-análise

Experimental study of the coefficient of elastic restitution in collisions using video-analysis

Resumos

Neste artigo realizamos uma breve discussão das leis de conservação do momento linear e da energia em colisões mecânicas. Apresentamos alguns roteiros experimentais para constatar estas leis de conservação em diversas situações onde existem colisões. A lei de conservação do momento será verificada diretamente, medindo as velocidades dos objetos, enquanto que para a lei de conservação da energia exploramos a noção de Coeficiente de Restituição Elástica. Obtivemos os valores experimentais das variáveis do movimento utilizando vídeo-análise e o software livre Tracker. Analisamos colisões binárias entre dois corpos idênticos, colisões rígidas oblíquas de um corpo com uma superfície imóvel e colisões rígidas frontais de um corpo em queda livre com uma superfície horizontal. Para estes casos, analisamos a dependência do coeficiente de restituição com o ângulo de colisão ou com a energia do choque. Verificamos que o coeficiente de restituição depende da energia, sendo menor para altas energia, implicando que nos afastamos do regime linear elástico ao aumentar a energia das colisões.

Palavras-chave:
Leis de conservação; colisões; coeficiente de restituição


In this article, we conducted a brief discussion of the laws of conservation of linear momentum and energy in mechanical collisions. We presented some experimental procedures to confirm these conservation laws in various situations involving collisions. The law of conservation of momentum will be directly verified by measuring the objects’ velocities, while for the law of conservation of energy, we explored the concept of the Coefficient of Restitution. We will obtain the experimental values of the motion variables using video analysis and the free software Tracker. We analyzed binary collisions between two identical bodies, oblique rigid collisions of a body with an immovable surface, and frontal rigid collisions of a freely falling body with a horizontal surface. For these cases, we examined the dependence of the coefficient of restitution on the collision angle or the impact energy. We found that the coefficient of restitution varies with energy, being lower for higher energies, implying that we move away from the regime of linear elasticity as the collision energy increases.

Keywords:
Conservations laws; collisions; coefficient of restitution


1. Introdução

A lei de conservação do momento linear e a lei de conservação da energia são dois princípios que permeiam toda a física, seja clássica ou quântica, newtoniana ou relativista [1[1] R.P. Feynman, Lições de Física de Feynman, Volume 1: Mecânica, Radiação e Calor (Bookman Editora, Porto Alegre, 2019).]. Restringindo-nos ao caso da mecânica clássica, podemos indicar que a lei da conservação do momento linear para sistemas mecânicos isolados é, em certo sentido, uma síntese de duas das três leis de Newton [2[2] M. Alonso e E. Finn, Física um Curso Universitário, Volume 1 Mecânica (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 1994)., 3[3] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Volume 1) (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 2013), 5 ed.]. Assim, a conservação do momento é equivalente à lei da inércia de Galileu, no caso de termos um sistema isolado formado por uma única partícula. Se o sistema isolado é formado por duas partículas interatuantes, a conservação do momento implica numa troca de momento entre as partículas, concluindo-se assim na terceira lei de Newton. Desta forma, pode-se indicar que a lei da conservação do momento é tão fundamental quanto as leis de Newton e mais geral que a lei da conservação da energia, pois o momento se conserva inclusive em situações onde há perdas de energia.

Nos cursos de física básica experimental, as leis do movimento são investigadas em exemplos paradigmáticos, como o movimento uniforme, movimento de queda livre, movimento oscilatório etc. No entanto é escassa a presença de práticas que tenham por objetivo verificar experimentalmente a conservação do momento linear. Nosso objetivo neste artigo é indicar maneiras que contribuam para sanar esta lacuna. Para isto, investigamos o coeficiente de restituição elástica sob diversas condições de colisões e exploramos recursos de gravação de vídeo, assim como softwares livres voltados ao ensino de física.

Antes de detalhar nossa proposta, gostaríamos de indicar algumas referências que apresentam o mesmo propósito, no entanto por outros métodos. Cavalcante et al. estudam as colisões consecutivas de uma bola em queda livre quicando repetidas vezes sobre uma superfície horizontal rígida [4[4] M.A. Cavalcante, E. Silva, R. Prado e R. Hagg, Revista Brasileira de Ensino de Física 24, 150 (2002).]. Uma abordagem semelhante foi realizada por Bernstein [5[5] A.D. Bernstein, Am. J. Phys. 69, 301 (2001).]. Nesse último caso a análise foi feita por meio do estudo do espectro de som emitido em cada colisão. Assim, a partir do espectro, é possível extrair dele os tempos entre colisões consecutivas e, supondo uma perda constante de energia entre colisões, o coeficiente de restituição das colisões foi obtido, assim como as alturas máximas em cada trecho do movimento. Esta metodologia é interessante e precisa. Contudo, ao ser baseada no som, evita-se uma apresentação visual didática do fenômeno. Além disso, nestes trabalhos há somente medidas de tempo, impossibilitando análises mais profundas.

Outro artigo interessante que vale a pena indicar foi publicado em 2018 por Arnold et al. [6[6] F.J. Arnold, A.G. Godeny, M.M. Costa, J.F. Viana e R.L. Ximenes, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e2502 (2018).]. Neste trabalho, os autores utilizam a teoria de Hertz das colisões entre corpos maciços deformáveis [7[7] A.E.H. Love, A treatise on the mathematical theory of elasticity (Dover Publications, New York, 1944), 4 ed.]. Apesar de instigante, esta abordagem não é tão simples quanto as demais citadas aqui, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Ao assumir os corpos como sistemas não rígidos, podendo armazenar energia elástica devido a deformações reversíveis, é possível abordar o tema de colisões inelásticas sob uma perspectiva mais ampla. O estudo realizado por Arnold e colaboradores se refere ao caso de uma colisão de uma bola de borracha, em queda livre, com uma superfície horizontal rígida. Nesse estudo, utiliza-se um equipamento especializado para a obtenção dos parâmetros físicos. Seu aparato experimental requer, por exemplo, um sensor ultrassônico para medir a posição da bola de borracha em cada instante de tempo. Da mesma forma, utiliza-se certa instrumentalização para a medição do impulso durante a colisão, que é realizada via área de contato e o tempo da colisão.

Nossa proposta é usar equipamentos de mais fácil acesso e aplicar nossa metodologia à diversas situações onde ocorrem colisões e aferir experimentalmente as leis de conservação do momento e da energia. Mais especificamente, o que propomos neste trabalho é a realização de vídeo-análise de três situações de estudo do coeficiente de restituição elástica, que podem ser reproduzidas por professores e alunos do ensino médio ou de graduação. Utilizando a gravação em vídeo dos movimentos, podemos obter de forma independente medidas precisas de tempo e da posição dos objetos antes e depois das colisões usando o software livre Tracker [8[8] D. Brown, W. Christian e R. Hanson, What is Tracker?, disponível em: https://physlets.org/tracker/.
https://physlets.org/tracker/...
]. Este programa particiona o vídeo em frames que o compõem e permite, usando-se uma escala de calibração, localizar os objetos em cada um destes frames. Desta forma, por exemplo, utilizando-se um vídeo de 30 fps (frames por segundo), teremos que em cada segundo o Tracker proporciona 30 medidas de posições em intervalos de tempo de 0, 03 s, aproximadamente. Tendo as medições das trajetórias, podemos obter as velocidades dos objetos em qualquer instante de tempo, inclusive antes e depois de acontecerem as colisões. Assim, podemos fazer um comparativo entre o coeficiente de restituição dos choques e o valor da energia da colisão nas diversas situações apresentadas. Cabe destacar que Montoli e colaboradores propuseram uma proposta similar a nossa apresentada aqui [9[9] G.A. Montoli e J.S. Cabral Neto, Caderno Brasileiro de Física 37, 865 (2020).]. No entanto, nosso trabalho amplia a aplicação do método de vídeo-análise a outras situações que não foram consideradas previamente. Nosso estudo analisa o caso de colisões binárias entre dois corpos idênticos (colisão disco-disco). Examinamos também o caso de uma colisão oblíqua contra um corpo fixo (colisão disco-parede). Além disto, investigamos as colisões múltiplas sequenciais de um objeto em queda livre com uma superfície rígida horizontal. Desta forma, nosso estudo permite observar a dependência do coeficiente de restituição com o ângulo na colisão oblíqua, por exemplo, e com a energia de cada colisão. Podemos indicar aqui que uma tendência nítida de diminuição do coeficiente de restituição com o aumento da energia da colisão é observada e quantificada.

A organização do artigo tem a seguinte sequência: na seção 2 2. Conservação do Momento Linear e Colisões A segunda lei do movimento de Newton associa a variação do momento linear p, definido como p = mv, com a força resultante F em um sistema [10] (1) d p d t = F , onde m é a massa e v é a velocidade. p também pode ser chamado de quantidade de movimento, momentum linear ou simplesmente momentum. Cabe lembrar que em sistemas onde a massa m é constante, pode-se recuperar a forma tão difundida da segunda Lei de Newton, F = ma, sendo a a aceleração da partícula, pois a = dv/dt. Escrita desta forma, a segunda lei é explícita ao indicar que o momento linear permanecerá constante no tempo na ausência de forças sobre a partícula. A lei da conservação do momento linear demonstra sua generalidade quando é aplicada a um sistema de partículas. Digamos que temos N partículas e que cada i-ésima partícula está localizada na posição xi com momento pi. Assumimos também que forças internas possam atuar sobre esta partícula i, ou seja, a força Fijint é devido a ação de outra partícula j do nosso hipotético sistema. Desta forma, somando as interações que todas as partículas j exercem sobre a partícula i, teremos uma força interna resultante Fiint (2) F i i n t = ∑ j ≠ i F i j i n t . Vamos admitir também que é possível existir uma força externa Fiext atuando sobre esta dada partícula i, que pode ser devido a um campo ou potencial externo. Assim, usando a segunda Lei de Newton, equação (1), encontra-se (3) d p i d t = F i e x t + F i i n t . No entanto, considerando a terceira Lei de Newton, temos que as forças internas devem satisfazer a relação Fijint=−Fjiint. Portanto, ao somarmos as forças internas de todas as partículas, chegaremos a uma resultante nula, ou seja, o somatório dos termos da equação (2) é nulo. Na Figura (1) é possível visualizar o esquema de forças em duas partículas deste sistema hipotético. Para definir o momento total do sistema é necessário realizar a soma dos momentos lineares de todas as partículas que compõem o sistema usando a equação (3) (4) ∑ i = 1 N d p i d t = ∑ i = 1 N F i e x t + ∑ i = 1 N F i i n t , d d t ∑ i = 1 N p i = ∑ i = 1 N F i e x t + ∑ i , j = 1 N F i j i n t , d P d t = F e x t , Figura 1 Forças internas e externas sobre duas partículas i e j de um sistema de partículas. pois, como citado anteriormente, o somatório das forças internas é nulo. Além disto, definimos o momento total do sistema P e a força externa resultante Fext como a soma das forças externas sobre cada partícula. Assim, pela equação (4) é possível verificar que a força externa resultante, Fext, é a única que poderia modificar o momento total do sistema. Portanto, na ausência de campos externos, o momento total de um sistema se mantém constante ao longo do movimento. Ou seja, mesmo que as partículas dentro do sistema possam interagir, comutando forças e momentos, o momento total se manterá constante se não houver interação com algum agente externo ao sistema. Isto pode ser interpretado como a conservação do momento do centro de massa do sistema, que viajará realizando um movimento retilíneo uniforme na ausência de forcas externas. Esta discussão é descrita mais detalhadamente em diversos livros didáticos [2, 3]. Este resultado fundamental indica que a interação entre agentes internos do sistema não modifica o momento total. No entanto, a energia mecânica total do sistema pode sim ser alterada devido a interação entre os componentes [11]. Para medir a perda de energia mecânica, e quantificar quanto dela será transformada em outras formas de energia como calor ou ondas de som numa colisão, é usual definir o parâmetro chamado Coeficiente de restituição elástica de uma colisão. Para estudar as diversas interações possíveis entre as partículas de um sistema como este, faz-se necessário definir o que é colisão. Uma colisão entre duas partículas é definida como a ação mútua que gera uma alteração no movimento de ambas, implicando em uma troca de quantidade de movimento e energia, como mostrado na Figura (2). Figura 2 Colisão entre duas partículas que interagem via forças internas em uma região do espaço. A partir disto, pode-se definir o coeficiente de restituição elástica como sendo a razão entre os módulos das velocidades relativas entre as partículas depois e antes da colisão [12], denotando-o como “e” (5) e = | u 1 − u 2 | | v 1 − v 2 | , na equação (5) temos que ∣u1 − u2∣ é o módulo da velocidade de afastamento dos objetos após a colisão e ∣v1 − v2∣ se refere ao modulo da velocidade relativa antes da colisão. Experimentalmente, a análise deste coeficiente de restituição “e” pode auxiliar em discussões sobre a conservação da energia mecânica em uma colisão. No caso de termos colisões onde não há perda de energia mecânica, e = 1. Esta situação é caracterizada como uma colisão perfeitamente elástica, ou somente elástica. Na maioria dos casos, há alguma perda de energia mecânica, fazendo com que 0 < e < 1, quando ocorrem as colisões inelásticas. Finalmente, o caso mais extremo é quando a colisão é de tal maneira que as partículas se grudam completamente após a colisão, gerando um coeficiente e = 0, quando a colisão é denominada de plástica, ou perfeitamente inelástica. é apresentada de forma breve a lei de conservação do momento linear e a definição do coeficiente de restituição elástica das colisões; na seção 3 3. Roteiros dos Experimentos Realizados Nesta seção apresentamos e discutimos três experiências que podem ser facilmente replicadas por professores de Física Básica. Nestes experimentos estudamos o coeficiente de restituição elástica e verificamos as condições para conservação de momento linear e de energia mecânica. Devido à necessidade de se conhecer os valores das velocidades de afastamento e de aproximação dos objetos envolvidos nas colisões, utilizamos e sugerimos a utilização do software livre Tracker [8]. Este programa permite adquirir dados de deslocamentos temporais e, a partir deles, é possível obter as equações de movimento utilizando outro software livre chamado SciDavis. O SciDavis é um programa simples de analise de dados e ajuste de curvas. Com o Tracker também é possível extrair diretamente os valores das velocidades dos movimentos observados em cada instante de tempo. Contudo, o tratamento numérico realizado pelo programa comumente fornece valores de velocidade instantânea muito ruidosos. De qualquer forma, os dados de deslocamento em função do tempo gerados pelo Tracker possibilitam que realização das análises necessárias dos movimentos sejam feitas de maneira bastante robusta, auxiliando na verificação da conservação do momento linear e da energia mecânica nas colisões com boa precisão. Para realizar os primeiros dois experimentos, escolhemos uma mesa de Air Hockey muito comum em lojas de jogos para crianças e adolescentes. Nesta mesa há uma bomba que produz um fluxo de ar relativamente constante que flui por pequenos orifícios. Discos leves de material plástico de cerca de ∅ = 75 mm de diâmetro e 5 mm de espessura são colocados sobre esta mesa. Como as distâncias entre os furos é bem menor do que o diâmetro dos discos, uma camada de ar é formada entre os discos e a mesa, reduzindo drasticamente o atrito entre a mesa e os discos. Em algumas situações, isto permite assumir que não há atrito no movimento dos discos. Por serem muito similares, consideramos que estes discos têm massas iguais. A gravação dos experimentos foi realizada com o auxílio de um tripé posicionado sobre a mesa. Na primeira experiência analisamos a colisão binária de discos, de tal forma que um disco é lançado na direção do outro. A mesa possui um desenho que foi usado como referência para calibração das distâncias. O sistema foi ajustado de tal forma que o segundo disco estivesse aproximadamente em repouso no instante inicial. Contudo, nem sempre isto foi possível devido a sensibilidade no movimento dos discos. De posse dos dados foi possível verificar a conservação do momento linear total do sistema e a conservação de energia sob diversas condições de colisão. No segundo experimento estudamos a colisão oblíqua de um disco contra uma superfície rígida. Assim, um disco era arremessado contra uma das bordas da mesa de Air Hockey. Tal como no primeiro experimento, as colisões aconteceram sob diversos ângulos de incidência, associados a um parâmetro de impacto. Da mesma forma como no caso anterior, o Tracker possibilitou obter os dados necessários para o estudo do movimento e verificar as leis de conservação de momento linear e energia mecânica. O terceiro experimento foi subdividido em duas partes. A primeira é a mais simples e pode ser realizada em sala de aula ou mesmo em casa. A proposta é analisar colisões sucessivas de objetos (bolas) em queda livre contra uma superfície horizontal rígida. Assim foi possível estudar o movimento antes e após cada um dos choques com uma superfície horizontal. Para avaliar a influência dos materiais, utilizamos três bolas distintas neste experimento: de tênis de mesa, de futebol de mesa e bolas de gude, todas facilmente encontradas comercialmente. A segunda parte do terceiro experimento envolve a colisão de uma bola de futebol em queda livre contra uma superfície rígida. Nesta parte analisamos a influência da pressão na bola no coeficiente de restituição da colisão. Nestes experimentos, os volumes dos objetos são mensuráveis e de relativa uniformidade, o que permite usar seu centro de massa para rastrear o movimento. Além disto, como as velocidade envolvidas são relativamente baixas, foi possível desprezar a resistência do ar durante os experimentos. Devido às deformações nestes objetos serem quase sempre elásticas, esperamos que elas possibilitem colisões mais próximas do caso ideal, e ≈ 1. Em geral as perdas de energia mecânica nas colisões implicam em coeficientes de restituição esperados de 0 < e < 1. 3.1 Colisão binária: disco contra disco No primeiro experimento deseja-se observar a colisão entre dois discos circulares que se movem sobre uma superfície horizontal praticamente sem atrito. O sistema de coordenadas pode ser ajustado de diversas maneiras, dependendo do que se pretende medir. Para a obtenção dos valores de deslocamento dos discos, a origem foi posicionada no centro do segundo disco no momento da colisão. Além disto, o eixo “x” foi ajustado tal forma que o movimento do primeiro disco, antes da colisão, fosse paralelo a este eixo. Esta configuração pode ser visualizada na Figura (3) Figura 3 Colisão entre dois discos, onde um se encontra inicialmente em repouso. Como esta colisão ocorre sobre a mesa de Air Hockey, que deveria estar ajustada na horizontal, pode-se assumir que o campo gravitacional é perpendicular ao plano onde ocorre o movimento. Assim, a força da gravidade (externa ao sistema) pode ser desconsiderada ao analisar o movimento horizontal dos discos. De fato, foi observado que o momento linear foi conservado nos experimentos. No entanto, a conservação da energia pode não ser mantida, pois na colisão binária existem ondas de som ou deformações e aquecimento dos materiais que podem provocar uma diminuição da energia cinética do sistema. Levando em conta que um dos discos está em repouso e o alinhamento do sistema de coordenadas, a conservação do momento linear pode ser escrita conforme a equação (6). Usando a definição do coeficiente de restituição elástica da colisão, equação (5), temos as relações a seguir (6) m 1 v 1 = m 1 u 1 + m 2 u 2 , (7) e | v 1 | = | u 1 − u 2 | . Conforme citado, os discos são semelhantes. Assim, vamos assumir que m1 = m2 = m. Elevando ao quadrado as equações (6) e (7), obtém-se (8) v 1 2 = u 1 2 + 2 u 1 . u 2 + u 2 2 , (9) e 2 v 1 2 = u 1 2 − 2 u 1 . u 2 + u 2 2 . Cabe destacar a notação usada para os módulos das velocidades como vi = ∣vi∣ e ui = ∣ui∣. Somando as equações (8) e (9), os termos proporcionais ao produto escalar das velocidades u1 . u2 se cancelam, permitindo escrever a soma das velocidades quadráticas u12eu22 (10) u 1 2 + u 2 2 = v 1 2 2 1 + e 2 . A variação de energia cinética do sistema ΔEc, se houver, será negativa, pois esperamos uma perda devido a efeitos dissipativos. Para evitar valores negativos definimos aqui a perda da energia como a diferença entre energia cinética inicial e a energia cinética final (11) Δ E c = E c i n i c i a l − E c f i n a l , Δ E c = m 2 ( v 1 2 − u 1 2 − u 2 2 ) . Utilizando a equação (10) na equação (11), pode-se escrever ΔEc em termos do coeficiente de restituição “e” (12) Δ E c = m v 1 2 4 1 − e 2 . Destes resultados pode-se verificar que quando a colisão é perfeitamente elástica, ou seja, o coeficiente de restituição elástica tem valor e = 1, a energia mecânica também é conservada, pois ΔEc = 0. Se a colisão é perfeitamente inelástica, o coeficiente de restituição elástica associado terá necessariamente o valor e = 0, fazendo que a perda da energia cinética tenha o valor máximo ΔEc=mv12/4. Outra forma de monitorar o tipo de colisão entre dois corpos é através do ângulo entre as velocidades u1 e u2, φ, que pode ser observado na Figura (3). Subtraindo a equação (9) da equação (8) é possível obter φ (13) u 1 . u 2 = u 1 u 2 cos ⁡ φ = v 1 2 4 1 − e 2 , desta forma, é possível prever o valor do ângulo formado pelas velocidades u1 e u2 a partir da equação (13) (14) φ = arccos v 1 2 4 u 1 u 2 1 − e 2 . Para uma colisão elástica entre duas massa idênticas, e = 1, a equação (14) ficaria φ = arccos(0), o que daria um resultado φ = 90o, resultado conhecido nos cursos de Mecânica Analítica [2, 10, 11]. Já para o caso em que a colisão é perfeitamente inelástica, e = 0, as massas seguem unidas após a colisão. Isto faz com que as velocidades finais sejam iguais u1 = u2 = u. Além disto, usando a equação (6), v1 = u1 + u2 = 2u. Assim, φ = arccos(1) = 0o, ou seja as massas permanecem na direção x, que é a direção imposta para o disco 1, mesmo após a colisão. Para os casos intermediários, φ terá valores entre 0o e 90o. Neste trabalho usaremos a equação (14) para analisar os dados das colisões. Outro parâmetro que influencia no movimento em colisões entre dois objetos é o parâmetro de impacto “b”, mostrado na Figura (3). Este parâmetro é a distância entre o eixo x e o eixo onde está o movimento do primeiro disco. Quando b > ∅/2 não há colisão. Contudo, questiona-se: Qual a influencia de b no valor de e? De forma a generalizar a situação, ou seja, a eliminar qualquer dependência com o valor diâmetro dos discos, escolhemos monitorar e analisar o ângulo de impacto α, onde sin α = (b/∅), tal como definido na Figura (3). Na Figura (4) são mostrados os discos utilizados na experiencia se afastando após a colisão. Inicialmente o disco 1 está em movimento e o disco 2 em repouso. Círculos brancos destacam a posição dos discos e as linhas em roxo formam o sistema de coordenadas. Cabe destacar que a área escolhida para as colisões não passou de 0,5 m2 e que ela sempre esteve na região central da mesa, pois próximo às bordas há menos furos por onde o ar flui. Vale a pena ressaltar aqui o cuidado especial ao lançar um disco em direção ao outro inicialmente parado. Este procedimento é manual e imperfeições e erros podem acontecer. O principal erro a ser evitado é imprimir rotação no movimento do disco, posto que ele é considerado pontual e supomos que a energia é puramente translacional. A presença do movimento de rotação pode invalidar as premissas da teoria apresentada. Da mesma forma, após as colisões devemos considerar somente os casos em que os movimentos de rotação são desprezíveis. Isto é possível realizando múltiplas vezes o experimento e analisando somente os vídeos em que a condição de termos energia de traslação muito maior que a energia de rotação seja satisfeita. Figura 4 Colisão entre dois discos sobre uma mesa sem atrito de Air-hockey. O sistema coordenado está orientado de tal forma que o segundo disco se encontra inicialmente em repouso na origem e o primeiro disco se aproxima antes de colisão se movendo no sentido x positivo. Para gerar um espaço amostral que possa reduzir variações estatísticas nos nossos resultados, cerca de 30 colisões foram filmadas e analisadas. O rastreamento do movimentos dos discos via Tracker gerou as coordenadas (x1, y1) e (x2, y2) em função do tempo. Como já comentado, o cálculo utilizado pelo Tracker para obter os valores de velocidade retornam valores ruidosos. Por isto o procedimento das análises foi feito usando o SciDavis, que é muito útil para tratamento e ajuste de dados via método dos mínimos quadrados e para construir gráficos. Um exemplo de análise via método dos mínimos quadrados pode ser observado na Figura (5). Nota-se que os dados de posição versus tempo tiveram forte tendência linear no tempo. Assim, usamos as funções lineares características do movimento uniforme para proceder com os ajustes dos dados de cada um dos discos, x(t) = x0 + vxt e y(t) = y0 + vyt, tanto antes quanto depois da colisão. Com isto, gerou-se quatro retas de ajuste, conforme indicado na Figura (5). Os parâmetros de ajuste são os valores iniciais das componentes x0 e y0 e suas velocidades vx e vy. As velocidades específicas dos discos antes e depois da colisão podem ser observadas na legenda da Figura (5). Além da inspeção visual mostrar um grande acordo entre dados experimentais, os ajustes forneceram parâmetros que atestam a qualidade do ajuste. Dos resultados indicados dentro da Figura (5) obtivemos que a qualidade de ajuste tem fatores R2 > 0, 999 e χ2 < 10−5. Os parâmetros χ2 e R2 representam o quão bem os dados experimentais e a modelagem teórica utilizada combinam. Grosso modo, χ2 é proporcional a soma quadrática das distâncias verticais entre cada ponto experimental e a curva teórica. Assim, quando mais próxima a curva teórica é dos pontos experimentais, melhor é o ajuste realizado. Deste modo, valores próximos de zero são desejáveis. Por sua vez, R2, também chamado de coeficiente de determinação, é a relação entre as somas quadráticas destas distâncias e a somas quadráticas das distâncias entre cada ponto experimental e o valor experimental médio. Este coeficiente pode ser compreendido como uma medida de ajuste de um modelo estatístico linear generalizado aos valores observados de uma variável aleatória. Valores de R2 podem variar entre 0 e 1, sendo 1 um ajuste onde a curva experimental coincide com os pontos experimentais, e por vezes são expressos em termos percentuais [13]. Figura 5 Exemplo de ajustes de dados de deslocamento em função do tempo das componentes x e y dos discos envolvidos na colisão. O subíndice 1 se refere ao disco inicialmente em movimento, enquanto o subíndice 2 ao disco inicialmente em repouso. É importante salientar também que nem sempre foi possível fazer o disco 2 manter-se totalmente em repouso inicialmente. Irregularidades e desnivelamento da mesa podem contribuir para que v2 ≠ 0. Contudo, estes valores sempre foram muito próximos de zero. Nestes casos, os ajustes de x2i(t) e y2i(t) foram realizados e as velocidades referentes ao movimento foram obtidas. Tendo os valores das velocidades dos discos 1 e 2 antes e depois das colisões, analisamos inicialmente a conservação do momento linear. Para isto, e para evitar problemas de indeterminação em função de componentes nulas dos momentos, utilizamos as equações (15) a seguir, que definem a porcentagem de momento linear que é mantida conservada ao longo de cada componente (15) p x ( % ) = 1 − p x f − p x i p i × 100 % , p y ( % ) = 1 − p y f − p y i p i × 100 % . Nas equações (15) utilizamos as definições de pxi, pxf e pi conforme as equações (16) (16) p x i = m ( v 1 x + v 2 x ) , p x f = m ( u 1 x + u 2 x ) , p i = m | v 1 + v 2 | . A partir dos resultados de cada colisão, os valores de px(%) e py(%) das cerca de 30 colisões foram calculados e seus valores ficaram sempre acima de 95%, indicando a conservação dos momentos lineares nos experimentos. O passo seguinte foi analisar a conservação da energia e calcular o coeficiente de restituição, “e”, de cada colisão conforme a equação (5). Além disto, para apresentar uma analise mais completa, escolhemos monitorar o comportamento de “e” em termos da energia cinética inicial do sistema e do ângulo de impacto. Apesar do bom resultado para a conservação dos momentos, os discos apresentavam certo desgaste devido ao uso. Isto provavelmente influenciou nos resultados, como veremos a seguir. Outro fator que pode ter influenciado é o fato de assumirmos que as massas dos discos são iguais. Imaginando casos de reprodução deste experimento por professores e alunos onde pode não haver balança, buscamos observar a dependência do coeficiente “e” em função da energia por unidade de massa Ei/m. Os resultados se mostraram bastante ruidosos, conforme pode ser visto na Figura (6). Não foi observada nenhuma tendência de e em função de Ei/m, e o valor médio do coeficiente de restituição calculado foi e = 0, 87 para as cerca de 30 colisões analisadas. Figura 6 Comportamento do coeficiente de restituição e em função do ângulo de impacto α (graus) e em função da energia inicial por unidade de massa Ei/m (J/Kg). Procuramos também responder se havia alguma influência de α no valor de “e”, ou seja, se há alguma tendência de “e” em termos do ângulo de impacto α. Estes dados, e(α), foram obtidos utilizando a ferramenta transferidor do Tracker, usando as trajetórias dos discos. Contudo, nenhuma tendência foi observada, como mostra a Figura (6). Por fim, os ângulos φ de cada colisão foram calculados a partir dos valores de “e”, v1, u1 e u2 usando a equação (14). Estes valores foram comparados com os valores medidos φexp utilizando a ferramenta transferidor do Tracker. A diferença encontrada entre as médias de φ e φexp é de menos de 10%, o que indica um bom resultado das análises. As colisões produzidas neste experimento têm relativa baixa energia, os valores não excederam 2 J/kg. Vale lembrar que os dois discos, fabricados de material polimérico são relativamente rígidos, estão livres ou com muito pouca interação externa capaz de freá-los. Estes fatos, somados às imperfeições e desgaste dos discos, podem ter influenciado tanto para a ausência de alguma tendência de “e”, quanto para a dispersão dos valores calculados. Assim, quando este experimento for reproduzido por um professor em conjunto com sua turma, não há necessidade de se investigar nada mais do que a conservação do momento linear e o coeficiente de restituição médio do sistema. 3.2 Colisão rígida oblíqua: disco contra parede Nesta experiência consideramos a colisão de um disco contra uma fronteira rígida. Nas condições escolhidas aqui, esta fronteira rígida é a borda da mesa de Air Hockey. Neste caso, a borda da mesa será um agente externo que realizará um impulso e modificará o momento linear do nosso sistema. Assim como no experimento anterior, a ação do campo gravitacional foi desconsiderado pois o movimento acontece no plano-xy perpendicular à direção da gravidade. No entanto, como existe uma ação da fronteira sobre a partícula, esperam-se mudanças no momento da partícula. Contudo, mesmo se considerarmos o sistema disco + parede, com a parede contendo uma massa infinitamente maior que a massa do disco, o momento total ainda irá se conservar. Na Figura (7) é possível observar o esquema onde o disco de massa m e com velocidade v colide com uma parede, onde v forma um ângulo θ1 com a direção normal à superfície. Após a colisão, o disco se movimenta com velocidade u, que forma um ângulo θ2 com a direção normal à superfície. Figura 7 Colisão oblíqua de um disco circular sobre uma fronteira rígida. O plano de movimento é perpendicular ao campo gravitacional. Neste caso, a força que a fronteira faz no disco será ao longo da direção “y” (força normal). Portanto, as mudanças no momento do disco serão somente em py, com px tendendo a permanecer constante. Desta forma, pela conservação do momento linear na direção “x”, e da definição de coeficiente de restituição elástica, é possível escrever as equações (17) e (18) (17) m v x = m u x , (18) e = | u | | v | . De fato, a equação (17) indica claramente que vx = ux. As componentes horizontais das velocidades são vx = ∣v∣ sin θ1 e, analogamente, ux = ∣u∣ sin θ2. Assim, as equações (17) e (18) podem ser utilizadas para encontrar a relação entre os ângulos na colisão (19) e sin ⁡ θ 2 = sin ⁡ θ 1 , e = sin ⁡ θ 1 sin ⁡ θ 2 . Desta forma, há duas maneiras de se medir o coeficiente de restituição: ou analisa-se as velocidades v e u usando a equação (18); ou mede-se os ângulos θ1 e θ2, com o posterior uso da equação (19). Com relação à perda da energia cinética, basta usar a equação (18) na definição da variação de energia cinética como vista anteriormente (20) Δ E c = m v 2 2 1 − e 2 . Assim como no experimento anterior, se uma colisão é elástica, onde a energia mecânica é conservada, ΔEc deve ser nulo. Para que isto aconteça, o coeficiente de restituição deve ser e = 1. Aplicando isto na Equação (19), tem-se que os ângulos serão necessariamente iguais, ou seja, θ1 = θ2. Para colisões inelásticas não perfeitas, θ1 ≠ θ2. Neste experimento utilizamos novamente a mesa de Air Hockey para observar a colisão de um disco contra uma das bordas da mesa, que fará o papel de uma parede rígida. A filmagem de cerca de 80 colisões permitiu analisar a mudança no movimento devido aos choques entre o disco e a borda da mesa, como mostra a Figura (8). Aqui, como no experimento anterior, precisamos indicar que um cuidado deve ser tomado ao lançar o disco contra a borda da mesa de Air Hockey a fim de evitar rotações no movimento inicial no disco, pois esta condição de rotação pode invalidar nossa analise teórica de massa pontual. Se a energia cinética não é puramente translacional, haverá uma contribuição devido à energia de rotação. Figura 8 Colisão oblíqua de um disco com um fronteira rígida, sobre uma superfície sem atrito. Apesar do cuidado ao realizar o experimento, duas coisas devem ser ressaltadas. A primeira delas é que o atrito entre o disco e a borda da mesa induz rotação no disco após as colisões. Mesmo em colisões elásticas, estas rotações representam cerca de 10% da energia cinética inicial, em média. Assim, θ2 tenderá a um valor diferente de θ1. Isto indica que podemos ter parte da energia mecânica transformada devido aos graus de liberdade de translação e rotação. Este efeito pode mascarar a perda de energia mecânica em colisões inelásticas. Para diminuir este efeito, filmamos múltiplas vezes o experimento restringindo nossa análise a aqueles vídeos em que a condição de translação pura é satisfeita em boa aproximação. Além disto, assim como no experimento anterior, imperfeições causadas pelo desgaste no disco também influencia fortemente nos resultados. Todas estas considerações sugerem que não é prudente confiarmos na aplicação da equação (19) neste problema. Outro ponto a ser ressaltado é a questão do atrito entre a mesa e o disco. Infelizmente não foi possível desprezar os efeitos do atrito entre o disco e a mesa, pois há menos furos por onde o ar flui nas regiões próximas às bordas. Destacamos que os experimentos foram realizados em dias diferentes e a mesa parecia estar em um local diferente. Um desnivelamento na mesa também pode ocasionar em um movimento uniformemente acelerado. Como dito no parágrafo anterior, é prudente não descartar algum efeito devido a irregularidades da superfície e nos discos. Tudo isto implica em interações entre o disco e mesa que pode dissipar a energia cinética do disco ou mesmo acelerá-lo. Assim, é esperado que estas forças externas ao nosso sistema possam interferir no movimento do disco. Levando em consideração estas informações e o comportamento dos dados coletados, a análise dos dados de deslocamento versus tempo tiveram que ser realizadas com a equação de movimento uniformemente variado. Um exemplo destas análises via método dos mínimos quadrados pode ser observado na Figura (9). É possível notar que tanto o movimento em “x” quanto em “y” são uniformemente variados. Em “x” o movimento foi em boa parte das vezes acelerado com a > 0. Já os movimentos em “y” apresentaram uma aceleração negativa. Como é de se esperar, a energia cinética após a colisão tende a ser diferente da energia cinética inicial devido à dissipação por atrito e à aceleração devido ao desnivelamento. Estes fatores podem alterar ainda mais o valor do ângulo de saída θ2. Figura 9 Exemplo de ajustes de dados de deslocamento em função do tempo das componentes x e y do disco colidindo com a borda rígida da mesa. Para estas análises, o instante de colisão timpacto teve que ser definido para delimitar os movimentos antes e depois do choque. Usamos curvas de ajuste quadráticas no tempo para as componentes da posição do disco, x(t)=x0+vxt+ax2t2/2ey(t)=y0+vyt+ay2t2/2, tanto antes como depois do choque. Os parâmetros de ajuste são as posições e velocidades iniciais, assim como as acelerações. Estas curvas de ajuste e os valores experimentais das velocidades calculadas em timpacto estão na legenda da Figura (9). Assim, após obter as equações de movimento, foi possível obter os valores das velocidades em t = timpacto, necessárias para calcular as grandezas físicas pertinentes em nossas análises. Também é possível notar na Figura (9) o bom acordo entre dados e curvas de ajuste. Além disto, os parâmetros de ajuste obtidos corroboram esta afirmação, R2 > 0, 999 e χ2 < 10−5. A conservação das componentes do momento linear de cada colisão foi analisada. Utilizando as Equações (15), com ∣pyf∣ no lugar de pyf para monitorar a amplitude da componente y do momento, observamos que as componentes foram conservadas, pois as médias de px(%) e py(%) resultaram em valores de aproximadamente 85% e 90%, respectivamente. Por tudo o que foi exposto, o comportamento do coeficiente de restituição “e” foi monitorado em termos da energia inicial por unidade de massa Ei/m e em termos do ângulo de impacto θ1. Estes resultados podem ser visualizados na Figura (10). Figura 10 Comportamento do coeficiente de restituição e em função do ângulo de impacto θ1 e em função da energia inicial por unidade de massa Ei/m (J/Kg). Os valores de “e” foram calculados após a medição das velocidades e seu módulos antes e depois das colisões. Usando a equação (18) foi possível obter experimentalmente o valor do coeficiente de restituição elástica. A partir da Figura (10) é possível notar que não há tendência de e em relação à Ei/m, ou seja, não há influência da energia cinética inicial no coeficiente de restituição, como no primeiro experimento. Como já citado, isto pode ser devido aos pequenos valores da velocidade inicial do disco. O valor médio do coeficiente de restituição calculado neste experimento foi de e = 0, 84, considerando as cerca de 80 colisões analisadas neste caso. Contudo, o ângulo de incidência θ1 (ou ângulo de impacto) tem nítida interferência para o valor de “e”. A linha azul na Figura (10) mostra a tendência do coeficiente de restituição em função do ângulo de impacto. Para valores menores que θ1 = 50o não se observa diferença significativa em e. Ou seja, apesar de dispersos, os resultados indicam uma média próxima de e = 0, 836. Porém, a partir de θ1 = 50o há uma clara tendência de aumento de “e”. Isto pode ser facilmente compreendido pois a componente vy da velocidade se torna menor que a componente vx quando sobrepassamos o valor de θ1 = 45o (lembrando que o disco sempre foi lançado com valores de velocidades não muito altos). Quanto maior vx, maior a rotação do disco após a colisão em função do atrito entre a borda e o disco. Ao mesmo tempo, vy se torna cada vez menor em comparação com vx, o que pode estar contribuindo para que “e” tenda a 1 quando θ1 tende a 90o. 3.3 Colisão rígida frontal: bola quicando no campo gravitacional Nesta seção vamos apresentar experimentos de colisões consecutivas de objetos em queda livre contra uma superfície horizontal rígida. Para isto realizamos três abordagens diferentes. Inicialmente comparamos o comportamento elástico das colisões de três pequenas bolas (de diferentes materiais) a partir de uma certa altura. Estes objetos são pequenos em comparação à altura de lançamento, condição imposta para que se possa diminuir ao máximo o atrito dinâmico com o ar durante a queda. Aqui a altura de lançamento será muito maior que a tamanho das bolas e com isto tivemos energias envolvidas nas colisões relativamente “altas”. Esta condição é necessária para obter, com certa sensibilidade, a dependência do coeficiente de restituição em relação ao valor da energia mecânica inicial em cada colisão. Desta maneira, para o movimento de cada uma das bolas (composto por colisões consecutivas), consideramos que cada colisão possui um coeficiente de restituição próprio. A energia cinética em cada colisão é indicada pela altura máxima do trecho parabólico da trajetória de queda livre previa ao choque. Depois de avaliar os parâmetros obtidos nestas colisões para as bolas de diferentes materiais, repetimos o experimento com uma das bolas, a de ping-pong, que apresenta colisões mais próximas de serem perfeitamente elásticas. Para nos aproximarmos mais do regime elástico consideramos a queda de alturas menores, diminuindo assim a energia cinética nas colisões. Neste caso, consideramos que o coeficiente de restituição é um valor constante em todos os choques consecutivos e realizamos a análise dos dados seguindo esta hipótese. Finalmente usamos uma bola de futebol, uma bomba de ar comercial e um manômetro simples para avaliar a influência da pressão no coeficiente de restituição elástica. Aqui vemos um tendência linear de e(p), que implica que a maior pressão na bola as colisões são mais próximas de serem perfeitamente elásticas. Como já foi expressado anteriormente, nesta seção vamos supor que os coeficientes de restituição são diferentes em cada colisão sucessiva que acontece para o movimento de uma mesma bola em queda livre contra uma superfície rígida (uma mesa). Esta hipótese, como mostramos a seguir, irá modificar a cinemática do movimento para cada bola. É importante citar que a superfície onde é realizado o experimento deve estar muito bem limpa e plana para evitar que o movimento seja desviado da vertical após o quique. Ainda assim, é impossível garantir que não haja algumas pequenas mudanças por conta de imperfeições nas superfícies da mesa e das bolas. Em todo o caso, o movimento permaneceu praticamente na direção vertical (y), definida pelo campo gravitacional. Com a aceleração da partícula sempre para baixo, e assumindo que os objetos envolvidos nas colisões têm características mecânicas que favorecem colisões sucessivas inelásticas, teremos que uma parte da energia mecânica será perdida em cada colisão. Desta forma, após cada colisão a velocidade será menor do que antes da colisão, fazendo com que a bola suba uma altura cada vez menor e, consequentemente, tendo um tempo de voo (tempo entre as colisões) cada vez menor. É o mesmo mecanismo de choques tratados nas seções anteriores, contudo, agora mais colisões são observadas em um mesmo vídeo. Intuitivamente, as equações horárias y(t) deverão ser parábolas lado a lado, consecutivas, indicando que há quique após quique. A cada colisão com a mesa, como a bola sobe uma altura menor que havia alcançado anteriormente, estas parábolas serão diferentes. Além disto, o tempo entre os quiques também se altera, pois o caminho percorrido é menor. Considerando as equações para um movimento uniformemente variado, e a altura inicial de onde a bola é solta sendo h0 (com a velocidade inicial nula, v0 = 0), o tempo para alcançar a superfície para realizar a primeira colisão será chamado aqui de T0 (21) T 0 = 2 h 0 / g , onde g é a aceleração da gravidade. O módulo da velocidade com que a bola chega na superfície para a primeira colisão será u0 = gT0. Neste movimento de descida, usando a equação de Torricelli, temos u0 2 = 2gh0. Após a primeira colisão, usando a definição de “e”, é possível escrever que a bola subirá após a primeira colisão com uma velocidade inicial que tem módulo u1 = eu0. Já no movimento de subida, após o primeiro quique, u12 = 2 gh1, onde h1 é a altura máxima alcançada após a primeira colisão. Assim, utilizando estes resultados, pode-se prever que a máxima altura que a bola sobe entre a primeira e a segunda colisão será h1 = e2h0. Usando esta nomenclatura, o tempo que a partícula permanece no ar entre a primeira e a segunda colisão é 2T1, que pode ser calculado pela expressão T1=2h1/g. Consequentemente, T1 = e T0. Portanto, vemos que tanto a velocidade como o tempo entre colisões vão diminuindo proporcionalmente a “e”, enquanto a altura máxima entre colisões vai diminuindo proporcionalmente a e2. Desta forma, a velocidade em função do tempo para o movimento de queda livre desde h0, seguida de um primeiro quique da bola até ela subir h1, é dada por (22) v ( t ) = { − g t ; 0 < t < T 0 , e u 0 − g ( t − T 0 ) ; T 0 < t < ( T 0 + T 1 ) . Com isto, é possível escrever também como fica a equação de movimento y(t) para este trecho do movimento (23) y ( t ) = { h 0 − 1 2 g t 2 ; 0 < t < T 0 , e u 0 ( t − T 0 ) − 1 2 g ( t − T 0 ) 2 ; T 0 < t < ( T 0 + T 1 ) . A equação (23) indica claramente que a equação horária da bola em queda livre seguida de um quique é a composição de duas semi-parábolas. Considerando a obtenção de dados de vários quiques consecutivos, é possível definir os tempos τi onde a bola alcança sua altura máxima, hi, e o tempo ti onde a colisão i-ésima acontece. Estes tempos dependem de Ti, que é a metade do tempo de voo entre duas colisões consecutivas em ti e ti+1. Assim, entre duas alturas máximas teremos que o intervalo de tempo desse trecho será τi−1 < t < τi e dentro desse intervalo irá acontecer a colisão no tempo ti, onde i = {1, 2, 3, …}. Este será o domínio de tempo que usaremos para realizar os ajuste das curvas e obter o coeficiente de restituição em cada choque individual com a superfície. Assim, mais especificamente, o primeiro trecho do movimento relacionado às duas primeiras semi-parábolas vai de t = τ0 = 0, passando pelo primeiro quique em t = t1 = T0, até alcançar a altura máxima h1, em t = τ1 = (T0 + T1). O segundo trecho, relativo à outras duas semi-parábolas, começa em t = τ1 = (T0 + T1), passando por t = t2 = (T0 + 2T1), quando acontece o segundo quique, e vai até t = τ2 = (T0 + 2T1 + T2), quando a altura máxima é h2, e assim por diante. Para facilitar as análises, assumimos que os parâmetros do deslocamento temporal τi, ti e Ti são determinados a partir dos dados experimentais. De posse deles, foi possível analisar estes dados via ajuste usando o método dos mínimos quadrados. Usando esta abordagem, as equações (22) e (23) relativas a um trecho definido por τi−1 < t < τi podem ser reescritas conforme a seguir. (24) v i ( t ) = { − g ( t − τ i − 1 ) ; τ i − 1 < t < t i , e ( E i ) u i − 1 − g ( t − t i ) ; t i < t < τ i , (25) y i ( t ) = { h i − 1 − 1 2 g ( t − τ i − 1 ) 2 ; τ i − 1 < t < t i , e ( E i ) u i − 1 ( t − t i ) − 1 2 g ( t − t i ) 2 ; t i < t < τ i . Observando as equações (24) e (25) é possível notar que o parâmetro de restituição elástica de cada colisão no tempo ti foi assumido como uma função da energia cinética do sistema no momento do choque, ei = e(Ei). A nomenclatura Ei indica a energia mecânica no início da queda em cada trecho. A análise dos dados da Figura (10) mostrou que o coeficiente “e” pode ter alguma tendência em termos de um parâmetro que vai além dos valores das velocidades de afastamento e aproximação. De fato, as energias cinéticas envolvidas nos experimentos anteriores eram baixas o suficiente para que algum comportamento fosse observado em termos da energia da colisão. Já no experimento proposto aqui, as bolas são lançadas de alturas tais que a energia cinética por unidade de massa pode chegar à cerca de Ei/m ≈ 12 J/kg no primeiro quique, um valor bem maior do que os analisados nos experimentos anteriores. Por isto, neste caso, partiremos do princípio de que o coeficiente de restituição elástica pode ter valores diferentes em cada quique da bola sobre a superfície. Visando compreender melhor o comportamento do movimento da bola em colisões consecutivas com uma superfície horizontal, vamos inicialmente considerar a situação onde o coeficiente de restituição, “e”, é constante para qualquer valor de energia das colisões consecutivas. Para isto, usamos as equações (24) e (25) para construir gráficos para duas situações: uma em que e = 1, ou seja, os quiques são colisões perfeitamente elásticas; e outra em que e = 0, 8. Além disto, vamos usar as definições de Ti conforme discutido anteriormente. Nestas condições, pode-se observar as simulações das funções de yi(t) e vi(t) retratadas na Figura (11). É possível notar a diferença no movimento da bola com e sem perda de energia devido as colisões. Em Figura (11a.1) e Figura (11a.2), as colisões são perfeitamente elásticas (e = 1), com o objeto sempre retornando ao valor de altura inicial h0. As descontinuidades na função da velocidade na Figura (11a.2) é devido ao impulso da superfície sobre a bola que muda abruptamente a direção da velocidade em cada colisão. Da mesma forma que em yi(t), vi(t) se repete ao longo do tempo para um movimento onde acontecem colisões puramente elásticas. Já na parte (b) da Figura (11), as colisões são inelásticas (e = 0, 8), indicando uma perda de energia mecânica, com a bola nunca retornando ao valor inicial de h0, ou seja, cada quique está associado a uma perda de energia mecânica. Por fim, em Figura (11b.1) e Figura (11b.2), além da redução dos valores máximos das alturas e velocidade, é possível perceber também que o tempo entre os quiques é reduzido a cada quique, conforme discutido anteriormente. Figura 11 Velocidade de uma bola que quica sucessivamente sobre uma superfície horizontal, em função do tempo. (a) Colisões perfeitamente elásticas, e = 1. (b) Colisões inelásticas, e = 0, 8. Neste experimento filmamos diversos movimentos de queda livre de três tipos de bola: uma bola de tênis de mesa (ping-pong); uma bola de futebol de mesa (totó ou pebolim) e uma bola de gude (de vidro). A bola de tênis de mesa tem diâmetro médio de 40 mm e sua massa é de cerca de 3 g. A bola de totó, por sua vez, tem cerca de 37 mm de diâmetro e aproximadamente 44 g de massa. E no caso da bola de gude, sua massa é de cerca de 8,5 g e seu diâmetro médio de 1,8 cm. O vídeo captou os quiques/colisões seguidas vezes em uma mesa de mármore. A altura inicial de lançamento foi sempre pouco maior que 1 m. Cabe lembrar que os experimentos foram repetidos algumas vezes, sempre retornando comportamentos similares. É importante destacar que os lançamentos das bolas foram sempre feitos com cuidado de evitar imprimir alguma velocidade inicial nos objetos e minimizando movimentos de rotação. Contudo, nem sempre alcançamos estas condições iniciais devido ao procedimento manual. Em todo caso, os valores relativamente elevados de h0 nos permitem alcançar, no momento da colisão, velocidades de traslação muito maiores que as velocidade de rotação inevitáveis. Além disto, ao termos filmado múltiplas vezes o experimento, temos a possibilidade de gerar análises onde as energias de rotação são desprezíveis e desconsiderar casos em que o desvio da vertical após as colisões. De esta forma, nossos resultados se restringiram aos casos em que a rotação é mínima e as colisões se mantiveram quase na vertical ao longo das colisões consecutivas. Como anteriormente, os filmes obtidos foram utilizados com o Tracker para analisar os movimentos e obter os dados de altura yi(t) em cada instante de tempo t, além de identificarmos os instantes ti e Ti que caracterizam a separação dos dados em trechos de semi-parábolas. Sob estas condições, usamos o software SciDavis e a equação (25) para ajustar as equações da trajetória de cada trecho via método dos mínimos quadrados, obtendo assim o coeficiente de restituição de cada colisão individualmente. Um exemplo de conjunto de ajustes pode ser observado na Figura (12), que mostra o bom acordo entre os dados do movimento de uma bola de tênis de mesa comum quicando sucessivas vezes. Os símbolos nesta figura representam os dados experimentais e as linhas são as curvas de ajuste. Note que os trechos de movimento descritos anteriormente podem ser identificados pela diferença de cores nas linhas. Este e os demais ajustes retornaram valores de χ2 muito próximos de 10−3 e de R2 muito próximos de 1, corroborando a boa correspondência entre experimento e modelagem teórica. Figura 12 Posição da bola de tênis de mesa em função do tempo quicando sucessivamente sobre uma superfície horizontal. Neste gráfico, os círculos abertos são os dados experimentais, as linhas coloridas indicam os trechos de ajuste para cada y(t). Os ajustes de y(t) aos dados coletados fornecem os coeficientes associados a cada colisão, e(Ei). Cada trecho do experimento está associado à uma energia mecânica no início do movimento de queda livre. Como o objeto parte do repouso após alcançar a altura máxima após cada quique, esta energia é puramente gravitacional, Ei = mghi−1. O comportamento de e(Ei) é mostrado na Figura (13). Para os três tipos de bola, vale notar que quanto maior a energia cinética da bola no momento do choque, menor o valor de “e”, indicando uma maior perda de energia mecânica na colisão. Com exceção da bola de gude, é de se esperar que possam haver deformações plásticas, ainda que pequenas. E estas deformações estão diretamente ligadas à perda de energia. Figura 13 Comportamento do coeficiente de restituição e em termos da energia cinética inicial por unidade de massa Ei/m. Os símbolos correspondem aos valores de e(Ei) obtidos através dos ajustes e as linhas representam as tendências. A bola de gude era a mais rígida das três. Maciça e sem deformações plásticas, a bola de gude, encontrada em lojas de brinquedos, é feita de vidro e quebradiça (na verdade uma bola quebrou durante este experimento). O Módulo de Young do vidro é da ordem de 60 GPa [14, 15], cerca de uma ordem de grandeza maior quando comparado aos materiais poliméricos. Estes fatores ajudam a explicar porque a bola de gude foi a que apresentou menor diferença nos valores de “e(Ei)” (cerca de 6%), o que indica que a dissipação de energia foi semelhante nestas condições entre baixos e altos valores de Ei. Uma bola de tênis de mesa comum é feita de material polimérico, seu interior é preenchido com ar e, portanto, mais leve e mais flexível, de menor rigidez. Como a massa de material polimérico é pequena, quando comparada à bola de tênis de mesa, e o objeto apresenta alta flexibilidade, a absorção de energia tende a ser menor. Estes fatos permitem compreender os mais altos valores de “e” tanto em baixas quanto em altas energias. Por ser mais facilmente deformável, mesmo mantendo alto grau de elasticidade, os valores de “e” sofreram maior variação com o aumento de Ei (cerca de 15%), ainda que menos abrupta. Já a bola de futebol de mesa, também maciça, é produzida com um material polimérico rígido. O Módulo de Young de materiais deste tipo podem variar entre (1 − 3) GPa [14, 15]. Contudo, sua rigidez não garante que não hajam deformações aparentes. De fato, foram identificadas várias marcas de desgaste em sua superfície. Ser maciça, mais rígida que a bola de tênis de mesa, e ter o valor do Módulo de Young mais baixo do que a bola de gude podem implicar em uma grande dissipação de energia observada nos resultados, pois os valores de e(Ei) são os mais baixos dentre as três bolas. A variação de “e” no intervalo de energia estudado foi de cerca de 11%, com o detalhe que a variação foi maior em baixos valores de Ei, conforme pode ser visto na Figura (13). Este experimento apresenta uma análise trabalhosa em função da necessidade de separação dos trechos dos dados de posição versus tempo. Isto torna o tratamento destes dados no SciDavis muito tedioso. No total, cerca de 10 experimentos foram analisados. Uma alternativa para um professor trabalhar com os alunos é em relação ao comportamento como um todo. Assim, os dados de um experimento com vários quiques podem ser analisados em somente um ajuste. Para isto, basta fazer a altura h0 ser pequena o suficiente para que Ei/m seja menor que 1 J/kg. Assim, garante-se que a variação de “e” seja pequena, como pode ser observado nos comportamentos expostos na Figura (13). Somado a isto, outra sugestão que pode facilitar o trabalho com os alunos é utilizar somente uma bola de tênis de mesa ou outra com alta elasticidade. Isto garante que os deslocamentos da bola sejam mais facilmente mensuráveis com o Tracker. Tendo isto em mente, o próximo experimento que mostraremos foi realizado soltando uma bola de tênis de mesa de uma altura h0 = 0, 2 m, mais baixa que os cerca de 1 m utilizados na primeira abordagem, como mostrado na Figura (12). Assim, podemos assumir que e(Ei) = e = constante. Contudo, antes de prosseguir, é necessário manipular as equações (24) e (25) a fim de “somar” os trechos definidos anteriormente pelo parâmetro Ti. Conforme já descrito anteriormente, no trecho inicial, partindo de t = 0, a bola se movimenta segundo as primeiras partes das equações (22) e (23). y(t) tem a forma de uma semi-parábola com a concavidade voltada para baixo, atingindo a superfície pela primeira vez em t1 = T0, vide a equação (21), com velocidade u0. No segundo trecho, a partir de t = T0, a bola sobe com velocidade inicial u1 até uma altura máxima h1 e desce até atingir a mesa uma segunda vez no instante t2 = T0 + 2T1. As equações de deslocamento e da velocidade para este trecho são semelhantes às segundas partes das equações (22) e (23). As análises dos trechos seguintes são similares. O que é preciso destacar aqui são os instantes de início e término das parábolas que caracterizam as equações de movimento. O terceiro quique acontecerá em t3 = T0 + 2T1 + 2T2 e o quarto quique em t4 = T0 +2T1 +2T2 +2T3, e assim por diante. Desta forma, é possível definir um instante tn tal que defina o momento de uma n-ésima colisão. A relação entre os tempos de voo Ti também já foi discutida no início desta seção, quando a proporcionalidade com o coeficiente e foi calculada: Ti+1 = eTi. Assim, expandindo ti em termos de T0, pode-se escrever (26) t n = T 0 + 2 T 1 + 2 T 2 + 2 T 3 + ⋯ + 2 T n − 1 , t n = T 0 [ 1 + 2 e + 2 e 2 + 2 e 3 + ⋯ + 2 e n − 1 ] , t n = T 0 1 + 2 e ( 1 + e + e 2 + ⋯ + e n − 2 ) . Utilizando o resultado da serie geométrica 1 + e + e 2 + ⋯ + e n − 2 = 1 − e n − 1 1 − e , a equação (26) pode ser reescrita como (27) t n = T 0 1 + 2 e 1 − e n − 1 1 − e . Desta forma, pode-se prever que cada n-ésima colisão acontece em tn. Uma vez definido estes instantes, faz-se necessário agora reescrever as equações (24) e (25) a fim de obtermos expressões que tenham validade em todo o intervalo de tempo que se deseja analisar. Admitindo N trechos de movimento, ou seja, N colisões/quiques, é possível usar a função pulso fp para cada trecho, pois ela é nula em todo o seu domínio exceto em um intervalo definido. Esta função pode ser escrita como a diferença entre duas funções Heaviside (também chamada de função degrau), tal como mostrado na Figura (14). Figura 14 Exemplo de função pulso fp, não nula no intervalo a < t < b. Em destaque a função degrau u(t − a), que é nula em t < a. Assim, após a primeira colisão em t1 = T0, cada trecho do movimento definido pelas colisões com a superfície horizontal pode ser escrito pelo produto das funções yi(t) e vi(t) com fp(t, a, b), que só são não nulos em a < t < b. Portanto, fp(t, a, b) tem a função de definir onde uma parábola se inicia (t = a = tn) e termina (t = b = tn+1). Com isto, as equações (24) e (25) se transformam em. (28) v ( t ) = − g t ; 0 < t < T 0 , ∑ n = 1 N − 1 f p ( t , t n , t n + 1 ) e n u 0 − g ( t − t n ) ; T 0 < t . (29) y ( t ) = h 0 − 1 2 g t 2 ; 0 < t < T 0 , ∑ n = 1 N − 1 f p ( t , t n , t n + 1 ) e n u 0 ( t − t n ) − 1 2 g ( t − t n ) 2 ; T 0 < t . De posse dos dados de posição em função do tempo, e utilizando a equação (29) em uma rotina escrita no software Wolfram Mathematica, foi possível analisar o movimento da bola de tênis de mesa sujeita a sucessivas colisões com uma mesa de mármore. A escolha do Mathematica ao invés do SciDavis se deu pela dificuldade de escrever a função pulso fp para realizar os ajustes. O resultado pode ser observado na Figura (15a). É possível notar o bom ajuste entre dados experimentais e a função definida na equação (29). A linha azul nesta figura representa a diferença absoluta entre dos dados e o modelo descrito anteriormente. Mesmo que “e” dependa da energia cinética nas colisões, esta faixa de energia permite que um coeficiente de restituição médio constante seja adotado, possibilitando um ajuste de boa qualidade dos dados. Figura 15 Gráficos de posição y e velocidade v em função do tempo da bola de tênis quicando sucessivamente sobre uma mesa de mármore. A linha vermelha representa as funções nas Equações (29) e (28) com os valores encontrados na Tabela 1, os círculos abertos são os pontos fornecidos pelo Tracker e a linha azul representa a diferença absoluta entre os dados e a curva y(t). Aqui definimos uma expressão para medir a qualidade do ajuste realizado no Mathematica. Denominado de X2 e definido pela equação (30), o valor de X2 indica a soma normalizada das diferenças quadráticas entre a curva ajustada e os pontos experimentais. Em outras palavras, a distância vertical entre o j-ésimo ponto yj no instante tj e y(tj), que é a função da equação (25) aplicada no instante tj, é tomada ao quadrado Np vezes, onde Np é o número total de pontos medidos. No caso estudado aqui, o valor de X2 tem a ordem de grandeza de 10−3, ratificando o bom ajuste encontrado. (30) X 2 = 1 N p ∑ j = 1 N p [ y ( t j ) − y j ] 2 . Para construir a equação usada no ajuste mostrada na Figura (15a), assumimos N = 16, ou seja, 16 quiques após o primeiro em t = T0. Como anteriormente, apesar do Tracker possibilitar um ajuste no sistema de coordenadas utilizado na obtenção dos pontos, incluímos uma constante y0 para deslocar verticalmente a função y(t) na equação (29). Esta constante permitiu um ajuste mais fino ao modelo descrito aqui. Os parâmetros de ajuste podem ser observados na Tabela (1). Tabela 1 Parâmetros de ajuste usando a equação (29) com N = 16. Parâmetro Valor Desvio e 0,869 0,001 h0(cm) 17,5 0,1 y0(cm) −0,450 0.060 Os parâmetros de ajuste “e” e h0 nos permitiram escrever as equações (21), (27) e (28) a fim de encontrar os valores numéricos da velocidade da bola de tênis de mesa quicando em cada instante de tempo t. Assim, usando a função v(t), definida na equação (28), e usando os valores de “e” e h0, dispostos na Tabela (1), construímos o gráfico disposto na Figura (15b), que ainda apresenta os pontos experimentais de v versus t fornecidos pelo Tracker. É notável o bom acordo entre os pontos fornecidos pelo Tracker e a função da equação (28) utilizando um valor único para “e” em todo o intervalo de tempo, ratificando o bom resultado obtido para y(t) na Figura (15a). A filmagem de uma bola de tênis de mesa comum quicando verticalmente sobre uma mesa rígida somente sob a ação da aceleração da gravidade se mostrou um experimento simples. Destaca-se, mais uma vez, que é necessário que a queda se inicie em baixos valores de h0 para que a expressão na equação (29) seja válida. Assumindo que este experimento será realizado por alunos de Física Básica em cursos de graduação das áreas de exatas, ambas as abordagens descritas nesta seção podem ser utilizadas desde que os alunos tenham tempo e acesso à programas para proceder com o ajuste. Para o caso de trabalhar com alunos de ensino médio, sugere-se calcular o coeficiente de restituição a partir dos valores máximos das alturas hi ou dos valores máximos das velocidades, lembrando que hi+1 = e2hi e ui+1 = e ui. É provável que os valores obtidos de “e” sejam relativamente distantes entre si, no caso de partir dos valores de ui. Isto porque o método numérico próprio do Tracker utiliza vários pontos em torno do instante analisado. Em todo caso, as análises dos dados nos experimentos propostos fornecem informações suficientes para verificação das expressões teóricas discutidas e obtenção do coeficiente de restituição elástica das colisões. Por fim, o outro experimento interessante é o que leva a observar a influência da pressão de ar de uma bola de futebol profissional no comportamento do coeficiente de restituição em uma queda livre. Uma bola de futebol de campo pesa pouco mais de 400 gramas, tem um diâmetro aproximado de 70 centímetros e empiricamente tem um comportamento onde o coeficiente “e” tende a ser mais baixo que o da bola de tênis de mesa. Para as condições de jogo, a pressão da bola é ajustada para valores que não excedam p = 14 psi, que é pouco mais de 96, 5 × 103 Pa. A ideia é realizar um experimento tal como descrito nessa seção, utilizando a equação (25). Contudo, como o comportamento do coeficiente de restituição em função da energia mecânica total já foi analisado anteriormente, nessa parte optou-se por avaliar somente a dissipação de energia com o primeiro quique da bola. Assim, só é necessário definirmos T0 e T1 para realizar os ajustes e obter e(p). A pressão da bola foi ajustada com o auxílio de uma bomba comercial para este fim e um manômetro comercial comum para a medição da pressão da bola. Em função das imperfeições conhecidas e esperadas para este tipo de experimento, foram filmadas cinco quedas livres da bola de uma altura de cerca de 2, 70 metros, para cada valor de pressão. Cada uma destas filmagens gerou um conjunto de dados que foram estudados via o método dos mínimos quadrados usando o SciDavis. A partir deles uma média do coeficiente de restituição foi calculada e associada ao valor de pressão da bola. O resultado obtido pode ser visto na Figura (16). Figura 16 Coeficientes de restituição em função da pressão da bola de futebol. Dados calculados sobre a média de cinco medidas considerando somente o primeiro quique da bola. O intervalo de pressão escolhido para o experimento foi de 2 à 8 psi, ou seja, entre cerca de 13 e 55 kPa. Pressões menores que p = 2 psi fazem com que a bola passe a praticamente não quicar, já que a absorção de energia se torna bem grande. Por outro lado, mesmo sabendo que a bola foi projetada para ser usada em pressões próximas de p = 14 psi, escolhemos não ultrapassar 8 psi de pressão, uma pressão de trabalho bem longe da região de deformação que pudesse danificar a bola. Conforme mostra a Figura (16), há uma clara tendência linear do coeficiente de restituição em função da pressão. Em função disto, resolvemos realizar um processo de ajuste linear via método dos mínimos quadrados com os dados experimentais. A indicação visual, quando se compara os dados experimentais e o ajuste, confirma a tendência linear dos dados. Além disto, os parâmetros estatísticos obtidos no ajuste corroboram com o procedimento de linearização dos dados (R2 = 0, 949 e χ2 = 5×10−4). Neste caso, o coeficiente angular do ajuste apresentou um valor de (3, 1±0, 3)×10−6 Pa−1 e o coeficiente linear retornado pelo método é igual à (0, 68 ± 0, 01), ambos com grande precisão (igual ou superior a 90%). Intuitivamente é de se esperar que o aumento da pressão implique em um coeficiente de restituição maior. Uma pressão maior representa uma tensão maior na superfície da bola. Desta forma, a deformação da bola se torna menor, se mantendo ainda dentro da região elástica do material da bola. Em todo caso, visualmente é possível assumir que o raio da bola, no intervalo de pressão escolhida para o estudo, tem pouca variação com o aumento da pressão. Isto também implica que a variação do volume da bola é pequena, comparado ao volume. Estas considerações indicam que a variação da pressão imposta ao acrescentar ar no interior da bola é aproximadamente proporcional à deformação elástica da bola ao colidir com o solo. Isto pode ajudar a explicar o comportamento linear observado na Figura (16). , as três situações físicas onde há choques são expostas (colisão binária, colisão rígida oblíqua e colisão rígida frontal no campo gravitacional), com os resultados experimentais de cada situação apresentados nessa seção; e finalmente, na seção 4 4. Discussões e Conclusões Neste artigo, foram apresentados alguns experimentos simples relacionados à conservação do momento linear e à conservação da energia em colisões. Verificamos diretamente a conservação do momento linear e para a energia usamos o coeficiente de restituição elástica como indicativo. Utilizamos vídeo-análise para obter as trajetórias dos corpos e, tendo as lei do movimento, foi possível obter as velocidades em qualquer instante de tempo, inclusive antes e depois das colisões. O estudo consistiu em avaliar experimentalmente o comportamento do coeficiente de restituição elástico nas colisões e sua dependência com as condições das colisões, como ângulo de incidência ou energia cinética envolvida da colisão. Esses experimentos podem ser replicados sem dificuldades em turmas de ensino superior de Física Básica ou mesmo de ensino médio. O primeiro experimento estudado foi sobre colisões binárias de discos em uma mesa de Air Hockey. Esse brinquedo, muito comum em casas de jogos para adolescentes, produz um fluxo de ar através de orifícios. Como o diâmetro dos discos é maior que a distância entre os furos, uma camada de ar é gerada, permitindo que os discos se movimentem quase livremente no plano. Essa camada de ar proporciona uma redução drástica na força de atrito exercida pela mesa nos discos. As colisões entre os discos apresentaram um alto índice de conservação do momento linear, com um coeficiente de restituição médio de e = 0, 87. Não foi observada nenhuma relação com o parâmetro de impacto. Como o valor médio de “e” difere de 1, é possível afirmar que não houve conservação da energia mecânica. Isso provavelmente é devido às imperfeições do sistema e às propriedades elásticas e plásticas do material que compõe os discos. Além disso, a dissipação de energia também não apresentou uma tendência clara em relação ao parâmetro de impacto da colisão. Nos experimentos em que foram observadas as colisões rígidas oblíquas entre o disco e a borda que delimita a mesa, foi possível notar que o fluxo de ar produzido pela mesa não foi suficiente para reduzir o atrito a níveis não observáveis. Além disso, aparentemente, a mesa estava desnivelada. Apesar dessas características, os dados foram analisados por meio de equações para o movimento uniformemente variado. Os resultados indicaram que uma componente do momento linear foi conservada, como esperado. Já a componente py teve pouca variação em módulo. Nesse caso, o coeficiente de restituição “e” não apresentou influência com o ângulo de impacto até aproximadamente θ1 ≈ 50o. A partir deste ângulo, verificamos que “e” sofre um ligeiro aumento aproximando-se do caso de uma colisão perfeitamente elástica. Isto pode ser explicado observando a influência da força normal na colisão. Para ângulos θ1 > 45o, vx > vy, indicando uma diminuição na componente “y” do impulso que a borda exerce no disco, que remete aos resultado dos experimentos de colisões sucessivas em queda livre. Os experimentos de queda livre revelaram-se muito interessantes no que diz respeito ao comportamento de “e” e sua dependência em relação à energia das colisões. A bola de tênis de mesa, que possui características mais elásticas, mostrou ser a mais adequada para repetir o experimento em sala de aula com os alunos. Além disto, a bola de ping-pong apresentou uma maior variação na linha de tendência de “e” em relação à energia mecânica inicial por unidade de massa (Ei/m). A bola de futebol de mesa também exibiu uma variação considerável de e(Ei/m), mas suas propriedades plásticas resultam em um número menor de colisões consecutivas. Por outro lado, a bola de gude, feita de vidro, um material mais rígido, pode ser muito quebradiça para esse tipo de experimento. Neste caso, e(Ei/m) apresentou uma variação menor ao longo de Ei/m. Estes resultados indicam que o número de quiques nestes experimentos estão relacionadas às propriedades físicas das bolas escolhidas. Esses resultados permitem a escolha da bola mais apropriada e de um valor de altura para ser liberada, de modo que se possa considerar um valor constante de e(Ei/m) = e = constante, ou seja, um “e” médio em todo o experimento. Por fim, também realizamos vários experimentos de queda livre com uma bola de futebol em diferentes pressões. Ao analisarmos apenas o comportamento de “e” no primeiro quique, com a bola sendo liberada praticamente da mesma altura em todos os experimentos, observamos uma tendência linear de “e” em relação à pressão “p”. Com isso, foi feito um ajuste via método dos mínimos quadrados para e(p). É provável que o coeficiente angular desse ajuste seja diferente se os experimentos forem realizados a partir de uma altura diferente, pois demonstramos que “e” depende da energia inicial. No entanto, acreditamos que o comportamento permaneça linear. Por fim, o coeficiente linear provavelmente está relacionado às propriedades elásticas e plásticas do material do objeto em estudo. Portanto, não se espera que ele permaneça inalterado quando comparado a outras análises provenientes de experimentos realizados com objetos diferentes. Diante de tudo o que foi exposto neste texto, acreditamos que os resultados e análises apresentados aqui possam ser de grande ajuda para professores que desejam aprofundar-se nesse tópico com suas turmas. , apresentamos nossas conclusões e perspectivas.

2. Conservação do Momento Linear e Colisões

A segunda lei do movimento de Newton associa a variação do momento linear p, definido como p = mv, com a força resultante F em um sistema [10[10] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Livraria da Física, São Paulo, 2007), 2 ed.]

(1) d p d t = F ,

onde m é a massa e v é a velocidade. p também pode ser chamado de quantidade de movimento, momentum linear ou simplesmente momentum. Cabe lembrar que em sistemas onde a massa m é constante, pode-se recuperar a forma tão difundida da segunda Lei de Newton, F = ma, sendo a a aceleração da partícula, pois a = dv/dt.

Escrita desta forma, a segunda lei é explícita ao indicar que o momento linear permanecerá constante no tempo na ausência de forças sobre a partícula. A lei da conservação do momento linear demonstra sua generalidade quando é aplicada a um sistema de partículas. Digamos que temos N partículas e que cada i-ésima partícula está localizada na posição xi com momento pi. Assumimos também que forças internas possam atuar sobre esta partícula i, ou seja, a força Fijint é devido a ação de outra partícula j do nosso hipotético sistema. Desta forma, somando as interações que todas as partículas j exercem sobre a partícula i, teremos uma força interna resultante Fiint

(2) F i i n t = j i F i j i n t .

Vamos admitir também que é possível existir uma força externa Fiext atuando sobre esta dada partícula i, que pode ser devido a um campo ou potencial externo. Assim, usando a segunda Lei de Newton, equação (1), encontra-se

(3) d p i d t = F i e x t + F i i n t .

No entanto, considerando a terceira Lei de Newton, temos que as forças internas devem satisfazer a relação Fijint=Fjiint. Portanto, ao somarmos as forças internas de todas as partículas, chegaremos a uma resultante nula, ou seja, o somatório dos termos da equação (2) é nulo. Na Figura (1) é possível visualizar o esquema de forças em duas partículas deste sistema hipotético. Para definir o momento total do sistema é necessário realizar a soma dos momentos lineares de todas as partículas que compõem o sistema usando a equação (3)

(4) i = 1 N d p i d t = i = 1 N F i e x t + i = 1 N F i i n t , d d t i = 1 N p i = i = 1 N F i e x t + i , j = 1 N F i j i n t , d P d t = F e x t ,

Figura 1
Forças internas e externas sobre duas partículas i e j de um sistema de partículas.

pois, como citado anteriormente, o somatório das forças internas é nulo. Além disto, definimos o momento total do sistema P e a força externa resultante Fext como a soma das forças externas sobre cada partícula. Assim, pela equação (4) é possível verificar que a força externa resultante, Fext, é a única que poderia modificar o momento total do sistema. Portanto, na ausência de campos externos, o momento total de um sistema se mantém constante ao longo do movimento. Ou seja, mesmo que as partículas dentro do sistema possam interagir, comutando forças e momentos, o momento total se manterá constante se não houver interação com algum agente externo ao sistema. Isto pode ser interpretado como a conservação do momento do centro de massa do sistema, que viajará realizando um movimento retilíneo uniforme na ausência de forcas externas. Esta discussão é descrita mais detalhadamente em diversos livros didáticos [2[2] M. Alonso e E. Finn, Física um Curso Universitário, Volume 1 Mecânica (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 1994)., 3[3] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Mecânica (Volume 1) (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 2013), 5 ed.].

Este resultado fundamental indica que a interação entre agentes internos do sistema não modifica o momento total. No entanto, a energia mecânica total do sistema pode sim ser alterada devido a interação entre os componentes [11[11] J. Barcelos Neto, Mecânica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana (Livraria da Física, São Paulo, 2013), 2 ed.]. Para medir a perda de energia mecânica, e quantificar quanto dela será transformada em outras formas de energia como calor ou ondas de som numa colisão, é usual definir o parâmetro chamado Coeficiente de restituição elástica de uma colisão.

Para estudar as diversas interações possíveis entre as partículas de um sistema como este, faz-se necessário definir o que é colisão. Uma colisão entre duas partículas é definida como a ação mútua que gera uma alteração no movimento de ambas, implicando em uma troca de quantidade de movimento e energia, como mostrado na Figura (2).

Figura 2
Colisão entre duas partículas que interagem via forças internas em uma região do espaço.

A partir disto, pode-se definir o coeficiente de restituição elástica como sendo a razão entre os módulos das velocidades relativas entre as partículas depois e antes da colisão [12[12] D.P. Meira Filho, J.K.S. Kamassury e R.C.S. Meira, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e4302 (2017).], denotando-o como “e

(5) e = | u 1 u 2 | | v 1 v 2 | ,

na equação (5) temos que ∣u1u2∣ é o módulo da velocidade de afastamento dos objetos após a colisão e ∣v1v2∣ se refere ao modulo da velocidade relativa antes da colisão.

Experimentalmente, a análise deste coeficiente de restituição “e” pode auxiliar em discussões sobre a conservação da energia mecânica em uma colisão. No caso de termos colisões onde não há perda de energia mecânica, e = 1. Esta situação é caracterizada como uma colisão perfeitamente elástica, ou somente elástica. Na maioria dos casos, há alguma perda de energia mecânica, fazendo com que 0 < e < 1, quando ocorrem as colisões inelásticas. Finalmente, o caso mais extremo é quando a colisão é de tal maneira que as partículas se grudam completamente após a colisão, gerando um coeficiente e = 0, quando a colisão é denominada de plástica, ou perfeitamente inelástica.

3. Roteiros dos Experimentos Realizados

Nesta seção apresentamos e discutimos três experiências que podem ser facilmente replicadas por professores de Física Básica. Nestes experimentos estudamos o coeficiente de restituição elástica e verificamos as condições para conservação de momento linear e de energia mecânica.

Devido à necessidade de se conhecer os valores das velocidades de afastamento e de aproximação dos objetos envolvidos nas colisões, utilizamos e sugerimos a utilização do software livre Tracker [8[8] D. Brown, W. Christian e R. Hanson, What is Tracker?, disponível em: https://physlets.org/tracker/.
https://physlets.org/tracker/...
]. Este programa permite adquirir dados de deslocamentos temporais e, a partir deles, é possível obter as equações de movimento utilizando outro software livre chamado SciDavis. O SciDavis é um programa simples de analise de dados e ajuste de curvas.

Com o Tracker também é possível extrair diretamente os valores das velocidades dos movimentos observados em cada instante de tempo. Contudo, o tratamento numérico realizado pelo programa comumente fornece valores de velocidade instantânea muito ruidosos. De qualquer forma, os dados de deslocamento em função do tempo gerados pelo Tracker possibilitam que realização das análises necessárias dos movimentos sejam feitas de maneira bastante robusta, auxiliando na verificação da conservação do momento linear e da energia mecânica nas colisões com boa precisão.

Para realizar os primeiros dois experimentos, escolhemos uma mesa de Air Hockey muito comum em lojas de jogos para crianças e adolescentes. Nesta mesa há uma bomba que produz um fluxo de ar relativamente constante que flui por pequenos orifícios. Discos leves de material plástico de cerca de ∅ = 75 mm de diâmetro e 5 mm de espessura são colocados sobre esta mesa. Como as distâncias entre os furos é bem menor do que o diâmetro dos discos, uma camada de ar é formada entre os discos e a mesa, reduzindo drasticamente o atrito entre a mesa e os discos. Em algumas situações, isto permite assumir que não há atrito no movimento dos discos. Por serem muito similares, consideramos que estes discos têm massas iguais. A gravação dos experimentos foi realizada com o auxílio de um tripé posicionado sobre a mesa.

Na primeira experiência analisamos a colisão binária de discos, de tal forma que um disco é lançado na direção do outro. A mesa possui um desenho que foi usado como referência para calibração das distâncias. O sistema foi ajustado de tal forma que o segundo disco estivesse aproximadamente em repouso no instante inicial. Contudo, nem sempre isto foi possível devido a sensibilidade no movimento dos discos. De posse dos dados foi possível verificar a conservação do momento linear total do sistema e a conservação de energia sob diversas condições de colisão.

No segundo experimento estudamos a colisão oblíqua de um disco contra uma superfície rígida. Assim, um disco era arremessado contra uma das bordas da mesa de Air Hockey. Tal como no primeiro experimento, as colisões aconteceram sob diversos ângulos de incidência, associados a um parâmetro de impacto. Da mesma forma como no caso anterior, o Tracker possibilitou obter os dados necessários para o estudo do movimento e verificar as leis de conservação de momento linear e energia mecânica.

O terceiro experimento foi subdividido em duas partes. A primeira é a mais simples e pode ser realizada em sala de aula ou mesmo em casa. A proposta é analisar colisões sucessivas de objetos (bolas) em queda livre contra uma superfície horizontal rígida. Assim foi possível estudar o movimento antes e após cada um dos choques com uma superfície horizontal. Para avaliar a influência dos materiais, utilizamos três bolas distintas neste experimento: de tênis de mesa, de futebol de mesa e bolas de gude, todas facilmente encontradas comercialmente. A segunda parte do terceiro experimento envolve a colisão de uma bola de futebol em queda livre contra uma superfície rígida. Nesta parte analisamos a influência da pressão na bola no coeficiente de restituição da colisão.

Nestes experimentos, os volumes dos objetos são mensuráveis e de relativa uniformidade, o que permite usar seu centro de massa para rastrear o movimento. Além disto, como as velocidade envolvidas são relativamente baixas, foi possível desprezar a resistência do ar durante os experimentos. Devido às deformações nestes objetos serem quase sempre elásticas, esperamos que elas possibilitem colisões mais próximas do caso ideal, e ≈ 1. Em geral as perdas de energia mecânica nas colisões implicam em coeficientes de restituição esperados de 0 < e < 1.

3.1 Colisão binária: disco contra disco

No primeiro experimento deseja-se observar a colisão entre dois discos circulares que se movem sobre uma superfície horizontal praticamente sem atrito. O sistema de coordenadas pode ser ajustado de diversas maneiras, dependendo do que se pretende medir. Para a obtenção dos valores de deslocamento dos discos, a origem foi posicionada no centro do segundo disco no momento da colisão. Além disto, o eixo “x” foi ajustado tal forma que o movimento do primeiro disco, antes da colisão, fosse paralelo a este eixo. Esta configuração pode ser visualizada na Figura (3)

Figura 3
Colisão entre dois discos, onde um se encontra inicialmente em repouso.

Como esta colisão ocorre sobre a mesa de Air Hockey, que deveria estar ajustada na horizontal, pode-se assumir que o campo gravitacional é perpendicular ao plano onde ocorre o movimento. Assim, a força da gravidade (externa ao sistema) pode ser desconsiderada ao analisar o movimento horizontal dos discos.

De fato, foi observado que o momento linear foi conservado nos experimentos. No entanto, a conservação da energia pode não ser mantida, pois na colisão binária existem ondas de som ou deformações e aquecimento dos materiais que podem provocar uma diminuição da energia cinética do sistema.

Levando em conta que um dos discos está em repouso e o alinhamento do sistema de coordenadas, a conservação do momento linear pode ser escrita conforme a equação (6). Usando a definição do coeficiente de restituição elástica da colisão, equação (5), temos as relações a seguir

(6) m 1 v 1 = m 1 u 1 + m 2 u 2 ,

(7) e | v 1 | = | u 1 u 2 | .

Conforme citado, os discos são semelhantes. Assim, vamos assumir que m1 = m2 = m. Elevando ao quadrado as equações (6) e (7), obtém-se

(8) v 1 2 = u 1 2 + 2 u 1 . u 2 + u 2 2 ,

(9) e 2 v 1 2 = u 1 2 2 u 1 . u 2 + u 2 2 .

Cabe destacar a notação usada para os módulos das velocidades como vi = ∣vi∣ e ui = ∣ui∣. Somando as equações (8) e (9), os termos proporcionais ao produto escalar das velocidades u1 . u2 se cancelam, permitindo escrever a soma das velocidades quadráticas u12eu22

(10) u 1 2 + u 2 2 = v 1 2 2 1 + e 2 .

A variação de energia cinética do sistema ΔEc, se houver, será negativa, pois esperamos uma perda devido a efeitos dissipativos. Para evitar valores negativos definimos aqui a perda da energia como a diferença entre energia cinética inicial e a energia cinética final

(11) Δ E c = E c i n i c i a l E c f i n a l , Δ E c = m 2 ( v 1 2 u 1 2 u 2 2 ) .

Utilizando a equação (10) na equação (11), pode-se escrever ΔEc em termos do coeficiente de restituição “e

(12) Δ E c = m v 1 2 4 1 e 2 .

Destes resultados pode-se verificar que quando a colisão é perfeitamente elástica, ou seja, o coeficiente de restituição elástica tem valor e = 1, a energia mecânica também é conservada, pois ΔEc = 0. Se a colisão é perfeitamente inelástica, o coeficiente de restituição elástica associado terá necessariamente o valor e = 0, fazendo que a perda da energia cinética tenha o valor máximo ΔEc=mv12/4.

Outra forma de monitorar o tipo de colisão entre dois corpos é através do ângulo entre as velocidades u1 e u2, φ, que pode ser observado na Figura (3). Subtraindo a equação (9) da equação (8) é possível obter φ

(13) u 1 . u 2 = u 1 u 2 cos φ = v 1 2 4 1 e 2 ,

desta forma, é possível prever o valor do ângulo formado pelas velocidades u1 e u2 a partir da equação (13)

(14) φ = arccos v 1 2 4 u 1 u 2 1 e 2 .

Para uma colisão elástica entre duas massa idênticas, e = 1, a equação (14) ficaria φ = arccos(0), o que daria um resultado φ = 90o, resultado conhecido nos cursos de Mecânica Analítica [2[2] M. Alonso e E. Finn, Física um Curso Universitário, Volume 1 Mecânica (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 1994)., 10[10] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Livraria da Física, São Paulo, 2007), 2 ed., 11[11] J. Barcelos Neto, Mecânica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana (Livraria da Física, São Paulo, 2013), 2 ed.]. Já para o caso em que a colisão é perfeitamente inelástica, e = 0, as massas seguem unidas após a colisão. Isto faz com que as velocidades finais sejam iguais u1 = u2 = u. Além disto, usando a equação (6), v1 = u1 + u2 = 2u. Assim, φ = arccos(1) = 0o, ou seja as massas permanecem na direção x, que é a direção imposta para o disco 1, mesmo após a colisão. Para os casos intermediários, φ terá valores entre 0o e 90o. Neste trabalho usaremos a equação (14) para analisar os dados das colisões.

Outro parâmetro que influencia no movimento em colisões entre dois objetos é o parâmetro de impacto “b”, mostrado na Figura (3). Este parâmetro é a distância entre o eixo x e o eixo onde está o movimento do primeiro disco. Quando b > ∅/2 não há colisão. Contudo, questiona-se: Qual a influencia de b no valor de e? De forma a generalizar a situação, ou seja, a eliminar qualquer dependência com o valor diâmetro dos discos, escolhemos monitorar e analisar o ângulo de impacto α, onde sin α = (b/∅), tal como definido na Figura (3).

Na Figura (4) são mostrados os discos utilizados na experiencia se afastando após a colisão. Inicialmente o disco 1 está em movimento e o disco 2 em repouso. Círculos brancos destacam a posição dos discos e as linhas em roxo formam o sistema de coordenadas. Cabe destacar que a área escolhida para as colisões não passou de 0,5 m2 e que ela sempre esteve na região central da mesa, pois próximo às bordas há menos furos por onde o ar flui. Vale a pena ressaltar aqui o cuidado especial ao lançar um disco em direção ao outro inicialmente parado. Este procedimento é manual e imperfeições e erros podem acontecer. O principal erro a ser evitado é imprimir rotação no movimento do disco, posto que ele é considerado pontual e supomos que a energia é puramente translacional. A presença do movimento de rotação pode invalidar as premissas da teoria apresentada. Da mesma forma, após as colisões devemos considerar somente os casos em que os movimentos de rotação são desprezíveis. Isto é possível realizando múltiplas vezes o experimento e analisando somente os vídeos em que a condição de termos energia de traslação muito maior que a energia de rotação seja satisfeita.

Figura 4
Colisão entre dois discos sobre uma mesa sem atrito de Air-hockey. O sistema coordenado está orientado de tal forma que o segundo disco se encontra inicialmente em repouso na origem e o primeiro disco se aproxima antes de colisão se movendo no sentido x positivo.

Para gerar um espaço amostral que possa reduzir variações estatísticas nos nossos resultados, cerca de 30 colisões foram filmadas e analisadas. O rastreamento do movimentos dos discos via Tracker gerou as coordenadas (x1, y1) e (x2, y2) em função do tempo. Como já comentado, o cálculo utilizado pelo Tracker para obter os valores de velocidade retornam valores ruidosos. Por isto o procedimento das análises foi feito usando o SciDavis, que é muito útil para tratamento e ajuste de dados via método dos mínimos quadrados e para construir gráficos.

Um exemplo de análise via método dos mínimos quadrados pode ser observado na Figura (5). Nota-se que os dados de posição versus tempo tiveram forte tendência linear no tempo. Assim, usamos as funções lineares características do movimento uniforme para proceder com os ajustes dos dados de cada um dos discos, x(t) = x0 + vxt e y(t) = y0 + vyt, tanto antes quanto depois da colisão. Com isto, gerou-se quatro retas de ajuste, conforme indicado na Figura (5). Os parâmetros de ajuste são os valores iniciais das componentes x0 e y0 e suas velocidades vx e vy. As velocidades específicas dos discos antes e depois da colisão podem ser observadas na legenda da Figura (5).

Além da inspeção visual mostrar um grande acordo entre dados experimentais, os ajustes forneceram parâmetros que atestam a qualidade do ajuste. Dos resultados indicados dentro da Figura (5) obtivemos que a qualidade de ajuste tem fatores R2 > 0, 999 e χ2 < 10−5. Os parâmetros χ2 e R2 representam o quão bem os dados experimentais e a modelagem teórica utilizada combinam. Grosso modo, χ2 é proporcional a soma quadrática das distâncias verticais entre cada ponto experimental e a curva teórica. Assim, quando mais próxima a curva teórica é dos pontos experimentais, melhor é o ajuste realizado. Deste modo, valores próximos de zero são desejáveis. Por sua vez, R2, também chamado de coeficiente de determinação, é a relação entre as somas quadráticas destas distâncias e a somas quadráticas das distâncias entre cada ponto experimental e o valor experimental médio. Este coeficiente pode ser compreendido como uma medida de ajuste de um modelo estatístico linear generalizado aos valores observados de uma variável aleatória. Valores de R2 podem variar entre 0 e 1, sendo 1 um ajuste onde a curva experimental coincide com os pontos experimentais, e por vezes são expressos em termos percentuais [13[13] J.H. Vuolo, Fundamentos da Teoria dos Erros (Editora Edgard Blucher, São Paulo, 1999), 2 ed.].

Figura 5
Exemplo de ajustes de dados de deslocamento em função do tempo das componentes x e y dos discos envolvidos na colisão. O subíndice 1 se refere ao disco inicialmente em movimento, enquanto o subíndice 2 ao disco inicialmente em repouso.

É importante salientar também que nem sempre foi possível fazer o disco 2 manter-se totalmente em repouso inicialmente. Irregularidades e desnivelamento da mesa podem contribuir para que v2 ≠ 0. Contudo, estes valores sempre foram muito próximos de zero. Nestes casos, os ajustes de x2i(t) e y2i(t) foram realizados e as velocidades referentes ao movimento foram obtidas.

Tendo os valores das velocidades dos discos 1 e 2 antes e depois das colisões, analisamos inicialmente a conservação do momento linear. Para isto, e para evitar problemas de indeterminação em função de componentes nulas dos momentos, utilizamos as equações (15) a seguir, que definem a porcentagem de momento linear que é mantida conservada ao longo de cada componente

(15) p x ( % ) = 1 p x f p x i p i × 100 % , p y ( % ) = 1 p y f p y i p i × 100 % .

Nas equações (15) utilizamos as definições de pxi, pxf e pi conforme as equações (16)

(16) p x i = m ( v 1 x + v 2 x ) , p x f = m ( u 1 x + u 2 x ) , p i = m | v 1 + v 2 | .

A partir dos resultados de cada colisão, os valores de px(%) e py(%) das cerca de 30 colisões foram calculados e seus valores ficaram sempre acima de 95%, indicando a conservação dos momentos lineares nos experimentos.

O passo seguinte foi analisar a conservação da energia e calcular o coeficiente de restituição, “e”, de cada colisão conforme a equação (5). Além disto, para apresentar uma analise mais completa, escolhemos monitorar o comportamento de “e” em termos da energia cinética inicial do sistema e do ângulo de impacto.

Apesar do bom resultado para a conservação dos momentos, os discos apresentavam certo desgaste devido ao uso. Isto provavelmente influenciou nos resultados, como veremos a seguir. Outro fator que pode ter influenciado é o fato de assumirmos que as massas dos discos são iguais. Imaginando casos de reprodução deste experimento por professores e alunos onde pode não haver balança, buscamos observar a dependência do coeficiente “e” em função da energia por unidade de massa Ei/m. Os resultados se mostraram bastante ruidosos, conforme pode ser visto na Figura (6). Não foi observada nenhuma tendência de e em função de Ei/m, e o valor médio do coeficiente de restituição calculado foi e = 0, 87 para as cerca de 30 colisões analisadas.

Figura 6
Comportamento do coeficiente de restituição e em função do ângulo de impacto α (graus) e em função da energia inicial por unidade de massa Ei/m (J/Kg).

Procuramos também responder se havia alguma influência de α no valor de “e”, ou seja, se há alguma tendência de “e” em termos do ângulo de impacto α. Estes dados, e(α), foram obtidos utilizando a ferramenta transferidor do Tracker, usando as trajetórias dos discos. Contudo, nenhuma tendência foi observada, como mostra a Figura (6).

Por fim, os ângulos φ de cada colisão foram calculados a partir dos valores de “e”, v1, u1 e u2 usando a equação (14). Estes valores foram comparados com os valores medidos φexp utilizando a ferramenta transferidor do Tracker. A diferença encontrada entre as médias de φ e φexp é de menos de 10%, o que indica um bom resultado das análises.

As colisões produzidas neste experimento têm relativa baixa energia, os valores não excederam 2 J/kg. Vale lembrar que os dois discos, fabricados de material polimérico são relativamente rígidos, estão livres ou com muito pouca interação externa capaz de freá-los. Estes fatos, somados às imperfeições e desgaste dos discos, podem ter influenciado tanto para a ausência de alguma tendência de “e”, quanto para a dispersão dos valores calculados. Assim, quando este experimento for reproduzido por um professor em conjunto com sua turma, não há necessidade de se investigar nada mais do que a conservação do momento linear e o coeficiente de restituição médio do sistema.

3.2 Colisão rígida oblíqua: disco contra parede

Nesta experiência consideramos a colisão de um disco contra uma fronteira rígida. Nas condições escolhidas aqui, esta fronteira rígida é a borda da mesa de Air Hockey. Neste caso, a borda da mesa será um agente externo que realizará um impulso e modificará o momento linear do nosso sistema.

Assim como no experimento anterior, a ação do campo gravitacional foi desconsiderado pois o movimento acontece no plano-xy perpendicular à direção da gravidade. No entanto, como existe uma ação da fronteira sobre a partícula, esperam-se mudanças no momento da partícula. Contudo, mesmo se considerarmos o sistema disco + parede, com a parede contendo uma massa infinitamente maior que a massa do disco, o momento total ainda irá se conservar.

Na Figura (7) é possível observar o esquema onde o disco de massa m e com velocidade v colide com uma parede, onde v forma um ângulo θ1 com a direção normal à superfície. Após a colisão, o disco se movimenta com velocidade u, que forma um ângulo θ2 com a direção normal à superfície.

Figura 7
Colisão oblíqua de um disco circular sobre uma fronteira rígida. O plano de movimento é perpendicular ao campo gravitacional.

Neste caso, a força que a fronteira faz no disco será ao longo da direção “y” (força normal). Portanto, as mudanças no momento do disco serão somente em py, com px tendendo a permanecer constante. Desta forma, pela conservação do momento linear na direção “x”, e da definição de coeficiente de restituição elástica, é possível escrever as equações (17) e (18)

(17) m v x = m u x ,

(18) e = | u | | v | .

De fato, a equação (17) indica claramente que vx = ux. As componentes horizontais das velocidades são vx = ∣v∣ sin θ1 e, analogamente, ux = ∣u∣ sin θ2. Assim, as equações (17) e (18) podem ser utilizadas para encontrar a relação entre os ângulos na colisão

(19) e sin θ 2 = sin θ 1 , e = sin θ 1 sin θ 2 .

Desta forma, há duas maneiras de se medir o coeficiente de restituição: ou analisa-se as velocidades v e u usando a equação (18); ou mede-se os ângulos θ1 e θ2, com o posterior uso da equação (19). Com relação à perda da energia cinética, basta usar a equação (18) na definição da variação de energia cinética como vista anteriormente

(20) Δ E c = m v 2 2 1 e 2 .

Assim como no experimento anterior, se uma colisão é elástica, onde a energia mecânica é conservada, ΔEc deve ser nulo. Para que isto aconteça, o coeficiente de restituição deve ser e = 1. Aplicando isto na Equação (19), tem-se que os ângulos serão necessariamente iguais, ou seja, θ1 = θ2. Para colisões inelásticas não perfeitas, θ1θ2.

Neste experimento utilizamos novamente a mesa de Air Hockey para observar a colisão de um disco contra uma das bordas da mesa, que fará o papel de uma parede rígida. A filmagem de cerca de 80 colisões permitiu analisar a mudança no movimento devido aos choques entre o disco e a borda da mesa, como mostra a Figura (8). Aqui, como no experimento anterior, precisamos indicar que um cuidado deve ser tomado ao lançar o disco contra a borda da mesa de Air Hockey a fim de evitar rotações no movimento inicial no disco, pois esta condição de rotação pode invalidar nossa analise teórica de massa pontual. Se a energia cinética não é puramente translacional, haverá uma contribuição devido à energia de rotação.

Figura 8
Colisão oblíqua de um disco com um fronteira rígida, sobre uma superfície sem atrito.

Apesar do cuidado ao realizar o experimento, duas coisas devem ser ressaltadas. A primeira delas é que o atrito entre o disco e a borda da mesa induz rotação no disco após as colisões. Mesmo em colisões elásticas, estas rotações representam cerca de 10% da energia cinética inicial, em média. Assim, θ2 tenderá a um valor diferente de θ1. Isto indica que podemos ter parte da energia mecânica transformada devido aos graus de liberdade de translação e rotação. Este efeito pode mascarar a perda de energia mecânica em colisões inelásticas. Para diminuir este efeito, filmamos múltiplas vezes o experimento restringindo nossa análise a aqueles vídeos em que a condição de translação pura é satisfeita em boa aproximação. Além disto, assim como no experimento anterior, imperfeições causadas pelo desgaste no disco também influencia fortemente nos resultados. Todas estas considerações sugerem que não é prudente confiarmos na aplicação da equação (19) neste problema.

Outro ponto a ser ressaltado é a questão do atrito entre a mesa e o disco. Infelizmente não foi possível desprezar os efeitos do atrito entre o disco e a mesa, pois há menos furos por onde o ar flui nas regiões próximas às bordas. Destacamos que os experimentos foram realizados em dias diferentes e a mesa parecia estar em um local diferente. Um desnivelamento na mesa também pode ocasionar em um movimento uniformemente acelerado. Como dito no parágrafo anterior, é prudente não descartar algum efeito devido a irregularidades da superfície e nos discos. Tudo isto implica em interações entre o disco e mesa que pode dissipar a energia cinética do disco ou mesmo acelerá-lo. Assim, é esperado que estas forças externas ao nosso sistema possam interferir no movimento do disco.

Levando em consideração estas informações e o comportamento dos dados coletados, a análise dos dados de deslocamento versus tempo tiveram que ser realizadas com a equação de movimento uniformemente variado. Um exemplo destas análises via método dos mínimos quadrados pode ser observado na Figura (9). É possível notar que tanto o movimento em “x” quanto em “y” são uniformemente variados. Em “x” o movimento foi em boa parte das vezes acelerado com a > 0. Já os movimentos em “y” apresentaram uma aceleração negativa. Como é de se esperar, a energia cinética após a colisão tende a ser diferente da energia cinética inicial devido à dissipação por atrito e à aceleração devido ao desnivelamento. Estes fatores podem alterar ainda mais o valor do ângulo de saída θ2.

Figura 9
Exemplo de ajustes de dados de deslocamento em função do tempo das componentes x e y do disco colidindo com a borda rígida da mesa.

Para estas análises, o instante de colisão timpacto teve que ser definido para delimitar os movimentos antes e depois do choque. Usamos curvas de ajuste quadráticas no tempo para as componentes da posição do disco, x(t)=x0+vxt+ax2t2/2ey(t)=y0+vyt+ay2t2/2, tanto antes como depois do choque. Os parâmetros de ajuste são as posições e velocidades iniciais, assim como as acelerações. Estas curvas de ajuste e os valores experimentais das velocidades calculadas em timpacto estão na legenda da Figura (9). Assim, após obter as equações de movimento, foi possível obter os valores das velocidades em t = timpacto, necessárias para calcular as grandezas físicas pertinentes em nossas análises. Também é possível notar na Figura (9) o bom acordo entre dados e curvas de ajuste. Além disto, os parâmetros de ajuste obtidos corroboram esta afirmação, R2 > 0, 999 e χ2 < 10−5.

A conservação das componentes do momento linear de cada colisão foi analisada. Utilizando as Equações (15), com ∣pyf∣ no lugar de pyf para monitorar a amplitude da componente y do momento, observamos que as componentes foram conservadas, pois as médias de px(%) e py(%) resultaram em valores de aproximadamente 85% e 90%, respectivamente.

Por tudo o que foi exposto, o comportamento do coeficiente de restituição “e” foi monitorado em termos da energia inicial por unidade de massa Ei/m e em termos do ângulo de impacto θ1. Estes resultados podem ser visualizados na Figura (10).

Figura 10
Comportamento do coeficiente de restituição e em função do ângulo de impacto θ1 e em função da energia inicial por unidade de massa Ei/m (J/Kg).

Os valores de “e” foram calculados após a medição das velocidades e seu módulos antes e depois das colisões. Usando a equação (18) foi possível obter experimentalmente o valor do coeficiente de restituição elástica. A partir da Figura (10) é possível notar que não há tendência de e em relação à Ei/m, ou seja, não há influência da energia cinética inicial no coeficiente de restituição, como no primeiro experimento. Como já citado, isto pode ser devido aos pequenos valores da velocidade inicial do disco. O valor médio do coeficiente de restituição calculado neste experimento foi de e = 0, 84, considerando as cerca de 80 colisões analisadas neste caso.

Contudo, o ângulo de incidência θ1 (ou ângulo de impacto) tem nítida interferência para o valor de “e”. A linha azul na Figura (10) mostra a tendência do coeficiente de restituição em função do ângulo de impacto. Para valores menores que θ1 = 50o não se observa diferença significativa em e. Ou seja, apesar de dispersos, os resultados indicam uma média próxima de e = 0, 836. Porém, a partir de θ1 = 50o há uma clara tendência de aumento de “e”. Isto pode ser facilmente compreendido pois a componente vy da velocidade se torna menor que a componente vx quando sobrepassamos o valor de θ1 = 45o (lembrando que o disco sempre foi lançado com valores de velocidades não muito altos). Quanto maior vx, maior a rotação do disco após a colisão em função do atrito entre a borda e o disco. Ao mesmo tempo, vy se torna cada vez menor em comparação com vx, o que pode estar contribuindo para que “e” tenda a 1 quando θ1 tende a 90o.

3.3 Colisão rígida frontal: bola quicando no campo gravitacional

Nesta seção vamos apresentar experimentos de colisões consecutivas de objetos em queda livre contra uma superfície horizontal rígida. Para isto realizamos três abordagens diferentes.

Inicialmente comparamos o comportamento elástico das colisões de três pequenas bolas (de diferentes materiais) a partir de uma certa altura. Estes objetos são pequenos em comparação à altura de lançamento, condição imposta para que se possa diminuir ao máximo o atrito dinâmico com o ar durante a queda. Aqui a altura de lançamento será muito maior que a tamanho das bolas e com isto tivemos energias envolvidas nas colisões relativamente “altas”. Esta condição é necessária para obter, com certa sensibilidade, a dependência do coeficiente de restituição em relação ao valor da energia mecânica inicial em cada colisão. Desta maneira, para o movimento de cada uma das bolas (composto por colisões consecutivas), consideramos que cada colisão possui um coeficiente de restituição próprio. A energia cinética em cada colisão é indicada pela altura máxima do trecho parabólico da trajetória de queda livre previa ao choque.

Depois de avaliar os parâmetros obtidos nestas colisões para as bolas de diferentes materiais, repetimos o experimento com uma das bolas, a de ping-pong, que apresenta colisões mais próximas de serem perfeitamente elásticas. Para nos aproximarmos mais do regime elástico consideramos a queda de alturas menores, diminuindo assim a energia cinética nas colisões. Neste caso, consideramos que o coeficiente de restituição é um valor constante em todos os choques consecutivos e realizamos a análise dos dados seguindo esta hipótese.

Finalmente usamos uma bola de futebol, uma bomba de ar comercial e um manômetro simples para avaliar a influência da pressão no coeficiente de restituição elástica. Aqui vemos um tendência linear de e(p), que implica que a maior pressão na bola as colisões são mais próximas de serem perfeitamente elásticas.

Como já foi expressado anteriormente, nesta seção vamos supor que os coeficientes de restituição são diferentes em cada colisão sucessiva que acontece para o movimento de uma mesma bola em queda livre contra uma superfície rígida (uma mesa). Esta hipótese, como mostramos a seguir, irá modificar a cinemática do movimento para cada bola. É importante citar que a superfície onde é realizado o experimento deve estar muito bem limpa e plana para evitar que o movimento seja desviado da vertical após o quique. Ainda assim, é impossível garantir que não haja algumas pequenas mudanças por conta de imperfeições nas superfícies da mesa e das bolas. Em todo o caso, o movimento permaneceu praticamente na direção vertical (y), definida pelo campo gravitacional.

Com a aceleração da partícula sempre para baixo, e assumindo que os objetos envolvidos nas colisões têm características mecânicas que favorecem colisões sucessivas inelásticas, teremos que uma parte da energia mecânica será perdida em cada colisão. Desta forma, após cada colisão a velocidade será menor do que antes da colisão, fazendo com que a bola suba uma altura cada vez menor e, consequentemente, tendo um tempo de voo (tempo entre as colisões) cada vez menor. É o mesmo mecanismo de choques tratados nas seções anteriores, contudo, agora mais colisões são observadas em um mesmo vídeo.

Intuitivamente, as equações horárias y(t) deverão ser parábolas lado a lado, consecutivas, indicando que há quique após quique. A cada colisão com a mesa, como a bola sobe uma altura menor que havia alcançado anteriormente, estas parábolas serão diferentes. Além disto, o tempo entre os quiques também se altera, pois o caminho percorrido é menor. Considerando as equações para um movimento uniformemente variado, e a altura inicial de onde a bola é solta sendo h0 (com a velocidade inicial nula, v0 = 0), o tempo para alcançar a superfície para realizar a primeira colisão será chamado aqui de T0

(21) T 0 = 2 h 0 / g ,

onde g é a aceleração da gravidade. O módulo da velocidade com que a bola chega na superfície para a primeira colisão será u0 = gT0. Neste movimento de descida, usando a equação de Torricelli, temos u0 2 = 2gh0. Após a primeira colisão, usando a definição de “e”, é possível escrever que a bola subirá após a primeira colisão com uma velocidade inicial que tem módulo u1 = eu0. Já no movimento de subida, após o primeiro quique, u12 = 2 gh1, onde h1 é a altura máxima alcançada após a primeira colisão. Assim, utilizando estes resultados, pode-se prever que a máxima altura que a bola sobe entre a primeira e a segunda colisão será h1 = e2h0. Usando esta nomenclatura, o tempo que a partícula permanece no ar entre a primeira e a segunda colisão é 2T1, que pode ser calculado pela expressão T1=2h1/g. Consequentemente, T1 = e T0. Portanto, vemos que tanto a velocidade como o tempo entre colisões vão diminuindo proporcionalmente a “e”, enquanto a altura máxima entre colisões vai diminuindo proporcionalmente a e2.

Desta forma, a velocidade em função do tempo para o movimento de queda livre desde h0, seguida de um primeiro quique da bola até ela subir h1, é dada por

(22) v ( t ) = { g t ; 0 < t < T 0 , e u 0 g ( t T 0 ) ; T 0 < t < ( T 0 + T 1 ) .

Com isto, é possível escrever também como fica a equação de movimento y(t) para este trecho do movimento

(23) y ( t ) = { h 0 1 2 g t 2 ; 0 < t < T 0 , e u 0 ( t T 0 ) 1 2 g ( t T 0 ) 2 ; T 0 < t < ( T 0 + T 1 ) .

A equação (23) indica claramente que a equação horária da bola em queda livre seguida de um quique é a composição de duas semi-parábolas. Considerando a obtenção de dados de vários quiques consecutivos, é possível definir os tempos τi onde a bola alcança sua altura máxima, hi, e o tempo ti onde a colisão i-ésima acontece. Estes tempos dependem de Ti, que é a metade do tempo de voo entre duas colisões consecutivas em ti e ti+1. Assim, entre duas alturas máximas teremos que o intervalo de tempo desse trecho será τi−1 < t < τi e dentro desse intervalo irá acontecer a colisão no tempo ti, onde i = {1, 2, 3, …}. Este será o domínio de tempo que usaremos para realizar os ajuste das curvas e obter o coeficiente de restituição em cada choque individual com a superfície.

Assim, mais especificamente, o primeiro trecho do movimento relacionado às duas primeiras semi-parábolas vai de t = τ0 = 0, passando pelo primeiro quique em t = t1 = T0, até alcançar a altura máxima h1, em t = τ1 = (T0 + T1). O segundo trecho, relativo à outras duas semi-parábolas, começa em t = τ1 = (T0 + T1), passando por t = t2 = (T0 + 2T1), quando acontece o segundo quique, e vai até t = τ2 = (T0 + 2T1 + T2), quando a altura máxima é h2, e assim por diante.

Para facilitar as análises, assumimos que os parâmetros do deslocamento temporal τi, ti e Ti são determinados a partir dos dados experimentais. De posse deles, foi possível analisar estes dados via ajuste usando o método dos mínimos quadrados. Usando esta abordagem, as equações (22) e (23) relativas a um trecho definido por τi−1 < t < τi podem ser reescritas conforme a seguir.

(24) v i ( t ) = { g ( t τ i 1 ) ; τ i 1 < t < t i , e ( E i ) u i 1 g ( t t i ) ; t i < t < τ i ,

(25) y i ( t ) = { h i 1 1 2 g ( t τ i 1 ) 2 ; τ i 1 < t < t i , e ( E i ) u i 1 ( t t i ) 1 2 g ( t t i ) 2 ; t i < t < τ i .

Observando as equações (24) e (25) é possível notar que o parâmetro de restituição elástica de cada colisão no tempo ti foi assumido como uma função da energia cinética do sistema no momento do choque, ei = e(Ei). A nomenclatura Ei indica a energia mecânica no início da queda em cada trecho. A análise dos dados da Figura (10) mostrou que o coeficiente “e” pode ter alguma tendência em termos de um parâmetro que vai além dos valores das velocidades de afastamento e aproximação. De fato, as energias cinéticas envolvidas nos experimentos anteriores eram baixas o suficiente para que algum comportamento fosse observado em termos da energia da colisão. Já no experimento proposto aqui, as bolas são lançadas de alturas tais que a energia cinética por unidade de massa pode chegar à cerca de Ei/m ≈ 12 J/kg no primeiro quique, um valor bem maior do que os analisados nos experimentos anteriores. Por isto, neste caso, partiremos do princípio de que o coeficiente de restituição elástica pode ter valores diferentes em cada quique da bola sobre a superfície.

Visando compreender melhor o comportamento do movimento da bola em colisões consecutivas com uma superfície horizontal, vamos inicialmente considerar a situação onde o coeficiente de restituição, “e”, é constante para qualquer valor de energia das colisões consecutivas. Para isto, usamos as equações (24) e (25) para construir gráficos para duas situações: uma em que e = 1, ou seja, os quiques são colisões perfeitamente elásticas; e outra em que e = 0, 8. Além disto, vamos usar as definições de Ti conforme discutido anteriormente. Nestas condições, pode-se observar as simulações das funções de yi(t) e vi(t) retratadas na Figura (11).

É possível notar a diferença no movimento da bola com e sem perda de energia devido as colisões. Em Figura (11a.1) e Figura (11a.2), as colisões são perfeitamente elásticas (e = 1), com o objeto sempre retornando ao valor de altura inicial h0. As descontinuidades na função da velocidade na Figura (11a.2) é devido ao impulso da superfície sobre a bola que muda abruptamente a direção da velocidade em cada colisão. Da mesma forma que em yi(t), vi(t) se repete ao longo do tempo para um movimento onde acontecem colisões puramente elásticas. Já na parte (b) da Figura (11), as colisões são inelásticas (e = 0, 8), indicando uma perda de energia mecânica, com a bola nunca retornando ao valor inicial de h0, ou seja, cada quique está associado a uma perda de energia mecânica. Por fim, em Figura (11b.1) e Figura (11b.2), além da redução dos valores máximos das alturas e velocidade, é possível perceber também que o tempo entre os quiques é reduzido a cada quique, conforme discutido anteriormente.

Figura 11
Velocidade de uma bola que quica sucessivamente sobre uma superfície horizontal, em função do tempo. (a) Colisões perfeitamente elásticas, e = 1. (b) Colisões inelásticas, e = 0, 8.

Neste experimento filmamos diversos movimentos de queda livre de três tipos de bola: uma bola de tênis de mesa (ping-pong); uma bola de futebol de mesa (totó ou pebolim) e uma bola de gude (de vidro). A bola de tênis de mesa tem diâmetro médio de 40 mm e sua massa é de cerca de 3 g. A bola de totó, por sua vez, tem cerca de 37 mm de diâmetro e aproximadamente 44 g de massa. E no caso da bola de gude, sua massa é de cerca de 8,5 g e seu diâmetro médio de 1,8 cm. O vídeo captou os quiques/colisões seguidas vezes em uma mesa de mármore. A altura inicial de lançamento foi sempre pouco maior que 1 m. Cabe lembrar que os experimentos foram repetidos algumas vezes, sempre retornando comportamentos similares. É importante destacar que os lançamentos das bolas foram sempre feitos com cuidado de evitar imprimir alguma velocidade inicial nos objetos e minimizando movimentos de rotação. Contudo, nem sempre alcançamos estas condições iniciais devido ao procedimento manual. Em todo caso, os valores relativamente elevados de h0 nos permitem alcançar, no momento da colisão, velocidades de traslação muito maiores que as velocidade de rotação inevitáveis. Além disto, ao termos filmado múltiplas vezes o experimento, temos a possibilidade de gerar análises onde as energias de rotação são desprezíveis e desconsiderar casos em que o desvio da vertical após as colisões. De esta forma, nossos resultados se restringiram aos casos em que a rotação é mínima e as colisões se mantiveram quase na vertical ao longo das colisões consecutivas.

Como anteriormente, os filmes obtidos foram utilizados com o Tracker para analisar os movimentos e obter os dados de altura yi(t) em cada instante de tempo t, além de identificarmos os instantes ti e Ti que caracterizam a separação dos dados em trechos de semi-parábolas. Sob estas condições, usamos o software SciDavis e a equação (25) para ajustar as equações da trajetória de cada trecho via método dos mínimos quadrados, obtendo assim o coeficiente de restituição de cada colisão individualmente.

Um exemplo de conjunto de ajustes pode ser observado na Figura (12), que mostra o bom acordo entre os dados do movimento de uma bola de tênis de mesa comum quicando sucessivas vezes. Os símbolos nesta figura representam os dados experimentais e as linhas são as curvas de ajuste. Note que os trechos de movimento descritos anteriormente podem ser identificados pela diferença de cores nas linhas. Este e os demais ajustes retornaram valores de χ2 muito próximos de 10−3 e de R2 muito próximos de 1, corroborando a boa correspondência entre experimento e modelagem teórica.

Figura 12
Posição da bola de tênis de mesa em função do tempo quicando sucessivamente sobre uma superfície horizontal. Neste gráfico, os círculos abertos são os dados experimentais, as linhas coloridas indicam os trechos de ajuste para cada y(t).

Os ajustes de y(t) aos dados coletados fornecem os coeficientes associados a cada colisão, e(Ei). Cada trecho do experimento está associado à uma energia mecânica no início do movimento de queda livre. Como o objeto parte do repouso após alcançar a altura máxima após cada quique, esta energia é puramente gravitacional, Ei = mghi−1. O comportamento de e(Ei) é mostrado na Figura (13). Para os três tipos de bola, vale notar que quanto maior a energia cinética da bola no momento do choque, menor o valor de “e”, indicando uma maior perda de energia mecânica na colisão. Com exceção da bola de gude, é de se esperar que possam haver deformações plásticas, ainda que pequenas. E estas deformações estão diretamente ligadas à perda de energia.

Figura 13
Comportamento do coeficiente de restituição e em termos da energia cinética inicial por unidade de massa Ei/m. Os símbolos correspondem aos valores de e(Ei) obtidos através dos ajustes e as linhas representam as tendências.

A bola de gude era a mais rígida das três. Maciça e sem deformações plásticas, a bola de gude, encontrada em lojas de brinquedos, é feita de vidro e quebradiça (na verdade uma bola quebrou durante este experimento). O Módulo de Young do vidro é da ordem de 60 GPa [14[14] R.F. Floral e S.T. Peters, Modern Plastics Encyclopedia (The McGraw-Hill Companies, New York, 1996)., 15[15] C.A. Harper, Modern Plastics Handbook (The McGraw-Hill Companies, New York, 2000).], cerca de uma ordem de grandeza maior quando comparado aos materiais poliméricos. Estes fatores ajudam a explicar porque a bola de gude foi a que apresentou menor diferença nos valores de “e(Ei)” (cerca de 6%), o que indica que a dissipação de energia foi semelhante nestas condições entre baixos e altos valores de Ei.

Uma bola de tênis de mesa comum é feita de material polimérico, seu interior é preenchido com ar e, portanto, mais leve e mais flexível, de menor rigidez. Como a massa de material polimérico é pequena, quando comparada à bola de tênis de mesa, e o objeto apresenta alta flexibilidade, a absorção de energia tende a ser menor. Estes fatos permitem compreender os mais altos valores de “e” tanto em baixas quanto em altas energias. Por ser mais facilmente deformável, mesmo mantendo alto grau de elasticidade, os valores de “e” sofreram maior variação com o aumento de Ei (cerca de 15%), ainda que menos abrupta.

Já a bola de futebol de mesa, também maciça, é produzida com um material polimérico rígido. O Módulo de Young de materiais deste tipo podem variar entre (1 − 3) GPa [14[14] R.F. Floral e S.T. Peters, Modern Plastics Encyclopedia (The McGraw-Hill Companies, New York, 1996)., 15[15] C.A. Harper, Modern Plastics Handbook (The McGraw-Hill Companies, New York, 2000).]. Contudo, sua rigidez não garante que não hajam deformações aparentes. De fato, foram identificadas várias marcas de desgaste em sua superfície. Ser maciça, mais rígida que a bola de tênis de mesa, e ter o valor do Módulo de Young mais baixo do que a bola de gude podem implicar em uma grande dissipação de energia observada nos resultados, pois os valores de e(Ei) são os mais baixos dentre as três bolas. A variação de “e” no intervalo de energia estudado foi de cerca de 11%, com o detalhe que a variação foi maior em baixos valores de Ei, conforme pode ser visto na Figura (13).

Este experimento apresenta uma análise trabalhosa em função da necessidade de separação dos trechos dos dados de posição versus tempo. Isto torna o tratamento destes dados no SciDavis muito tedioso. No total, cerca de 10 experimentos foram analisados. Uma alternativa para um professor trabalhar com os alunos é em relação ao comportamento como um todo. Assim, os dados de um experimento com vários quiques podem ser analisados em somente um ajuste. Para isto, basta fazer a altura h0 ser pequena o suficiente para que Ei/m seja menor que 1 J/kg. Assim, garante-se que a variação de “e” seja pequena, como pode ser observado nos comportamentos expostos na Figura (13). Somado a isto, outra sugestão que pode facilitar o trabalho com os alunos é utilizar somente uma bola de tênis de mesa ou outra com alta elasticidade. Isto garante que os deslocamentos da bola sejam mais facilmente mensuráveis com o Tracker.

Tendo isto em mente, o próximo experimento que mostraremos foi realizado soltando uma bola de tênis de mesa de uma altura h0 = 0, 2 m, mais baixa que os cerca de 1 m utilizados na primeira abordagem, como mostrado na Figura (12). Assim, podemos assumir que e(Ei) = e = constante. Contudo, antes de prosseguir, é necessário manipular as equações (24) e (25) a fim de “somar” os trechos definidos anteriormente pelo parâmetro Ti.

Conforme já descrito anteriormente, no trecho inicial, partindo de t = 0, a bola se movimenta segundo as primeiras partes das equações (22) e (23). y(t) tem a forma de uma semi-parábola com a concavidade voltada para baixo, atingindo a superfície pela primeira vez em t1 = T0, vide a equação (21), com velocidade u0. No segundo trecho, a partir de t = T0, a bola sobe com velocidade inicial u1 até uma altura máxima h1 e desce até atingir a mesa uma segunda vez no instante t2 = T0 + 2T1. As equações de deslocamento e da velocidade para este trecho são semelhantes às segundas partes das equações (22) e (23). As análises dos trechos seguintes são similares. O que é preciso destacar aqui são os instantes de início e término das parábolas que caracterizam as equações de movimento. O terceiro quique acontecerá em t3 = T0 + 2T1 + 2T2 e o quarto quique em t4 = T0 +2T1 +2T2 +2T3, e assim por diante. Desta forma, é possível definir um instante tn tal que defina o momento de uma n-ésima colisão. A relação entre os tempos de voo Ti também já foi discutida no início desta seção, quando a proporcionalidade com o coeficiente e foi calculada: Ti+1 = eTi. Assim, expandindo ti em termos de T0, pode-se escrever

(26) t n = T 0 + 2 T 1 + 2 T 2 + 2 T 3 + + 2 T n 1 , t n = T 0 [ 1 + 2 e + 2 e 2 + 2 e 3 + + 2 e n 1 ] , t n = T 0 1 + 2 e ( 1 + e + e 2 + + e n 2 ) .

Utilizando o resultado da serie geométrica

1 + e + e 2 + + e n 2 = 1 e n 1 1 e ,

a equação (26) pode ser reescrita como

(27) t n = T 0 1 + 2 e 1 e n 1 1 e .

Desta forma, pode-se prever que cada n-ésima colisão acontece em tn. Uma vez definido estes instantes, faz-se necessário agora reescrever as equações (24) e (25) a fim de obtermos expressões que tenham validade em todo o intervalo de tempo que se deseja analisar. Admitindo N trechos de movimento, ou seja, N colisões/quiques, é possível usar a função pulso fp para cada trecho, pois ela é nula em todo o seu domínio exceto em um intervalo definido. Esta função pode ser escrita como a diferença entre duas funções Heaviside (também chamada de função degrau), tal como mostrado na Figura (14).

Figura 14
Exemplo de função pulso fp, não nula no intervalo a < t < b. Em destaque a função degrau u(ta), que é nula em t < a.

Assim, após a primeira colisão em t1 = T0, cada trecho do movimento definido pelas colisões com a superfície horizontal pode ser escrito pelo produto das funções yi(t) e vi(t) com fp(t, a, b), que só são não nulos em a < t < b. Portanto, fp(t, a, b) tem a função de definir onde uma parábola se inicia (t = a = tn) e termina (t = b = tn+1). Com isto, as equações (24) e (25) se transformam em.

(28) v ( t ) = g t ; 0 < t < T 0 , n = 1 N 1 f p ( t , t n , t n + 1 ) e n u 0 g ( t t n ) ; T 0 < t .

(29) y ( t ) = h 0 1 2 g t 2 ; 0 < t < T 0 , n = 1 N 1 f p ( t , t n , t n + 1 ) e n u 0 ( t t n ) 1 2 g ( t t n ) 2 ; T 0 < t .

De posse dos dados de posição em função do tempo, e utilizando a equação (29) em uma rotina escrita no software Wolfram Mathematica, foi possível analisar o movimento da bola de tênis de mesa sujeita a sucessivas colisões com uma mesa de mármore. A escolha do Mathematica ao invés do SciDavis se deu pela dificuldade de escrever a função pulso fp para realizar os ajustes. O resultado pode ser observado na Figura (15a). É possível notar o bom ajuste entre dados experimentais e a função definida na equação (29). A linha azul nesta figura representa a diferença absoluta entre dos dados e o modelo descrito anteriormente. Mesmo que “e” dependa da energia cinética nas colisões, esta faixa de energia permite que um coeficiente de restituição médio constante seja adotado, possibilitando um ajuste de boa qualidade dos dados.

Figura 15
Gráficos de posição y e velocidade v em função do tempo da bola de tênis quicando sucessivamente sobre uma mesa de mármore. A linha vermelha representa as funções nas Equações (29) e (28) com os valores encontrados na Tabela 1, os círculos abertos são os pontos fornecidos pelo Tracker e a linha azul representa a diferença absoluta entre os dados e a curva y(t).

Aqui definimos uma expressão para medir a qualidade do ajuste realizado no Mathematica. Denominado de X2 e definido pela equação (30), o valor de X2 indica a soma normalizada das diferenças quadráticas entre a curva ajustada e os pontos experimentais. Em outras palavras, a distância vertical entre o j-ésimo ponto yj no instante tj e y(tj), que é a função da equação (25) aplicada no instante tj, é tomada ao quadrado Np vezes, onde Np é o número total de pontos medidos. No caso estudado aqui, o valor de X2 tem a ordem de grandeza de 10−3, ratificando o bom ajuste encontrado.

(30) X 2 = 1 N p j = 1 N p [ y ( t j ) y j ] 2 .

Para construir a equação usada no ajuste mostrada na Figura (15a), assumimos N = 16, ou seja, 16 quiques após o primeiro em t = T0. Como anteriormente, apesar do Tracker possibilitar um ajuste no sistema de coordenadas utilizado na obtenção dos pontos, incluímos uma constante y0 para deslocar verticalmente a função y(t) na equação (29). Esta constante permitiu um ajuste mais fino ao modelo descrito aqui. Os parâmetros de ajuste podem ser observados na Tabela (1).

Tabela 1
Parâmetros de ajuste usando a equação (29) com N = 16.

Os parâmetros de ajuste “e” e h0 nos permitiram escrever as equações (21), (27) e (28) a fim de encontrar os valores numéricos da velocidade da bola de tênis de mesa quicando em cada instante de tempo t. Assim, usando a função v(t), definida na equação (28), e usando os valores de “e” e h0, dispostos na Tabela (1), construímos o gráfico disposto na Figura (15b), que ainda apresenta os pontos experimentais de v versus t fornecidos pelo Tracker. É notável o bom acordo entre os pontos fornecidos pelo Tracker e a função da equação (28) utilizando um valor único para “e” em todo o intervalo de tempo, ratificando o bom resultado obtido para y(t) na Figura (15a).

A filmagem de uma bola de tênis de mesa comum quicando verticalmente sobre uma mesa rígida somente sob a ação da aceleração da gravidade se mostrou um experimento simples. Destaca-se, mais uma vez, que é necessário que a queda se inicie em baixos valores de h0 para que a expressão na equação (29) seja válida. Assumindo que este experimento será realizado por alunos de Física Básica em cursos de graduação das áreas de exatas, ambas as abordagens descritas nesta seção podem ser utilizadas desde que os alunos tenham tempo e acesso à programas para proceder com o ajuste. Para o caso de trabalhar com alunos de ensino médio, sugere-se calcular o coeficiente de restituição a partir dos valores máximos das alturas hi ou dos valores máximos das velocidades, lembrando que hi+1 = e2hi e ui+1 = e ui. É provável que os valores obtidos de “e” sejam relativamente distantes entre si, no caso de partir dos valores de ui. Isto porque o método numérico próprio do Tracker utiliza vários pontos em torno do instante analisado. Em todo caso, as análises dos dados nos experimentos propostos fornecem informações suficientes para verificação das expressões teóricas discutidas e obtenção do coeficiente de restituição elástica das colisões.

Por fim, o outro experimento interessante é o que leva a observar a influência da pressão de ar de uma bola de futebol profissional no comportamento do coeficiente de restituição em uma queda livre. Uma bola de futebol de campo pesa pouco mais de 400 gramas, tem um diâmetro aproximado de 70 centímetros e empiricamente tem um comportamento onde o coeficiente “e” tende a ser mais baixo que o da bola de tênis de mesa. Para as condições de jogo, a pressão da bola é ajustada para valores que não excedam p = 14 psi, que é pouco mais de 96, 5 × 103 Pa. A ideia é realizar um experimento tal como descrito nessa seção, utilizando a equação (25). Contudo, como o comportamento do coeficiente de restituição em função da energia mecânica total já foi analisado anteriormente, nessa parte optou-se por avaliar somente a dissipação de energia com o primeiro quique da bola. Assim, só é necessário definirmos T0 e T1 para realizar os ajustes e obter e(p). A pressão da bola foi ajustada com o auxílio de uma bomba comercial para este fim e um manômetro comercial comum para a medição da pressão da bola. Em função das imperfeições conhecidas e esperadas para este tipo de experimento, foram filmadas cinco quedas livres da bola de uma altura de cerca de 2, 70 metros, para cada valor de pressão. Cada uma destas filmagens gerou um conjunto de dados que foram estudados via o método dos mínimos quadrados usando o SciDavis. A partir deles uma média do coeficiente de restituição foi calculada e associada ao valor de pressão da bola. O resultado obtido pode ser visto na Figura (16).

Figura 16
Coeficientes de restituição em função da pressão da bola de futebol. Dados calculados sobre a média de cinco medidas considerando somente o primeiro quique da bola.

O intervalo de pressão escolhido para o experimento foi de 2 à 8 psi, ou seja, entre cerca de 13 e 55 kPa. Pressões menores que p = 2 psi fazem com que a bola passe a praticamente não quicar, já que a absorção de energia se torna bem grande. Por outro lado, mesmo sabendo que a bola foi projetada para ser usada em pressões próximas de p = 14 psi, escolhemos não ultrapassar 8 psi de pressão, uma pressão de trabalho bem longe da região de deformação que pudesse danificar a bola.

Conforme mostra a Figura (16), há uma clara tendência linear do coeficiente de restituição em função da pressão. Em função disto, resolvemos realizar um processo de ajuste linear via método dos mínimos quadrados com os dados experimentais. A indicação visual, quando se compara os dados experimentais e o ajuste, confirma a tendência linear dos dados. Além disto, os parâmetros estatísticos obtidos no ajuste corroboram com o procedimento de linearização dos dados (R2 = 0, 949 e χ2 = 5×10−4). Neste caso, o coeficiente angular do ajuste apresentou um valor de (3, 1±0, 3)×10−6 Pa−1 e o coeficiente linear retornado pelo método é igual à (0, 68 ± 0, 01), ambos com grande precisão (igual ou superior a 90%).

Intuitivamente é de se esperar que o aumento da pressão implique em um coeficiente de restituição maior. Uma pressão maior representa uma tensão maior na superfície da bola. Desta forma, a deformação da bola se torna menor, se mantendo ainda dentro da região elástica do material da bola. Em todo caso, visualmente é possível assumir que o raio da bola, no intervalo de pressão escolhida para o estudo, tem pouca variação com o aumento da pressão. Isto também implica que a variação do volume da bola é pequena, comparado ao volume. Estas considerações indicam que a variação da pressão imposta ao acrescentar ar no interior da bola é aproximadamente proporcional à deformação elástica da bola ao colidir com o solo. Isto pode ajudar a explicar o comportamento linear observado na Figura (16).

4. Discussões e Conclusões

Neste artigo, foram apresentados alguns experimentos simples relacionados à conservação do momento linear e à conservação da energia em colisões. Verificamos diretamente a conservação do momento linear e para a energia usamos o coeficiente de restituição elástica como indicativo. Utilizamos vídeo-análise para obter as trajetórias dos corpos e, tendo as lei do movimento, foi possível obter as velocidades em qualquer instante de tempo, inclusive antes e depois das colisões. O estudo consistiu em avaliar experimentalmente o comportamento do coeficiente de restituição elástico nas colisões e sua dependência com as condições das colisões, como ângulo de incidência ou energia cinética envolvida da colisão. Esses experimentos podem ser replicados sem dificuldades em turmas de ensino superior de Física Básica ou mesmo de ensino médio.

O primeiro experimento estudado foi sobre colisões binárias de discos em uma mesa de Air Hockey. Esse brinquedo, muito comum em casas de jogos para adolescentes, produz um fluxo de ar através de orifícios. Como o diâmetro dos discos é maior que a distância entre os furos, uma camada de ar é gerada, permitindo que os discos se movimentem quase livremente no plano. Essa camada de ar proporciona uma redução drástica na força de atrito exercida pela mesa nos discos.

As colisões entre os discos apresentaram um alto índice de conservação do momento linear, com um coeficiente de restituição médio de e = 0, 87. Não foi observada nenhuma relação com o parâmetro de impacto. Como o valor médio de “e” difere de 1, é possível afirmar que não houve conservação da energia mecânica. Isso provavelmente é devido às imperfeições do sistema e às propriedades elásticas e plásticas do material que compõe os discos. Além disso, a dissipação de energia também não apresentou uma tendência clara em relação ao parâmetro de impacto da colisão.

Nos experimentos em que foram observadas as colisões rígidas oblíquas entre o disco e a borda que delimita a mesa, foi possível notar que o fluxo de ar produzido pela mesa não foi suficiente para reduzir o atrito a níveis não observáveis. Além disso, aparentemente, a mesa estava desnivelada. Apesar dessas características, os dados foram analisados por meio de equações para o movimento uniformemente variado. Os resultados indicaram que uma componente do momento linear foi conservada, como esperado. Já a componente py teve pouca variação em módulo. Nesse caso, o coeficiente de restituição “e” não apresentou influência com o ângulo de impacto até aproximadamente θ1 ≈ 50o. A partir deste ângulo, verificamos que “e” sofre um ligeiro aumento aproximando-se do caso de uma colisão perfeitamente elástica. Isto pode ser explicado observando a influência da força normal na colisão. Para ângulos θ1 > 45o, vx > vy, indicando uma diminuição na componente “y” do impulso que a borda exerce no disco, que remete aos resultado dos experimentos de colisões sucessivas em queda livre.

Os experimentos de queda livre revelaram-se muito interessantes no que diz respeito ao comportamento de “e” e sua dependência em relação à energia das colisões. A bola de tênis de mesa, que possui características mais elásticas, mostrou ser a mais adequada para repetir o experimento em sala de aula com os alunos. Além disto, a bola de ping-pong apresentou uma maior variação na linha de tendência de “e” em relação à energia mecânica inicial por unidade de massa (Ei/m). A bola de futebol de mesa também exibiu uma variação considerável de e(Ei/m), mas suas propriedades plásticas resultam em um número menor de colisões consecutivas. Por outro lado, a bola de gude, feita de vidro, um material mais rígido, pode ser muito quebradiça para esse tipo de experimento. Neste caso, e(Ei/m) apresentou uma variação menor ao longo de Ei/m. Estes resultados indicam que o número de quiques nestes experimentos estão relacionadas às propriedades físicas das bolas escolhidas. Esses resultados permitem a escolha da bola mais apropriada e de um valor de altura para ser liberada, de modo que se possa considerar um valor constante de e(Ei/m) = e = constante, ou seja, um “e” médio em todo o experimento.

Por fim, também realizamos vários experimentos de queda livre com uma bola de futebol em diferentes pressões. Ao analisarmos apenas o comportamento de “e” no primeiro quique, com a bola sendo liberada praticamente da mesma altura em todos os experimentos, observamos uma tendência linear de “e” em relação à pressão “p”. Com isso, foi feito um ajuste via método dos mínimos quadrados para e(p). É provável que o coeficiente angular desse ajuste seja diferente se os experimentos forem realizados a partir de uma altura diferente, pois demonstramos que “e” depende da energia inicial. No entanto, acreditamos que o comportamento permaneça linear. Por fim, o coeficiente linear provavelmente está relacionado às propriedades elásticas e plásticas do material do objeto em estudo. Portanto, não se espera que ele permaneça inalterado quando comparado a outras análises provenientes de experimentos realizados com objetos diferentes.

Diante de tudo o que foi exposto neste texto, acreditamos que os resultados e análises apresentados aqui possam ser de grande ajuda para professores que desejam aprofundar-se nesse tópico com suas turmas.

Agradecimentos

Os autores deste artigo gostaria de agradecer ao Rassan Aguiar da Silveira (in memoriam) pela ajuda na análises dos dados experimentais obtidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2023
  • Revisado
    15 Set 2023
  • Aceito
    16 Out 2023
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