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Especificidades do jornalismo científico na leitura de textos de divulgação científica por estudantes de licenciatura em física

Scientific journalism characteristics in reading of popular science texts by undergraduate students of physics

Resumos

Neste artigo fazemos uma síntese sobre elementos específicos do jornalismo científico e identificamos a presença de alguns desses elementos nas interpretações de licenciandos em física ao lerem textos de divulgação científica das revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp. Consideramos que o relacionamento entre a interpretação dos licenciandos e algumas especificidades do campo jornalístico, que fazem parte das revistas lidas, parece sugerir que a investigação de potencialidades e limites na utilização de revistas de divulgação científica em situações efetivas de ensino estaria vinculada às condições em que esses textos são produzidos.

leitura; divulgação científica; discurso jornalístico; formação inicial; física


In this article we synthesize some specific aspects of scientific journalism and identified the presence of some of these elements in the interpretations of physics undergraduates acquired while reading popular scientific texts from the journals Ciência Hoje and Pesquisa Fapesp. We believe that the relationship between undergraduates interpretation and some journalism characteristics seem to suggest that the potentialities and limits in the use of scientific popularization magazines for teaching effective situations could be linked to conditions in which those texts are produced.

reading; scientific divulgation; journalistic discourse; pre-service training; physics


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Especificidades do jornalismo científico na leitura de textos de divulgação científica por estudantes de licenciatura em física* * Este artigo é adaptado de parte da pesquisa de mestrado com o título: A Física nas Revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp: Leituras de Licenciandos.

Scientific journalism characteristics in reading of popular science texts by undergraduate students of physics

Ricardo Henrique Almeida Dias1 1 E-mail: ricardo_almeida_diaz@yahoo.com.br ; Maria José P.M. de Almeida

Grupo de Estudo e Pesquisa em Ciência e Ensino, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Neste artigo fazemos uma síntese sobre elementos específicos do jornalismo científico e identificamos a presença de alguns desses elementos nas interpretações de licenciandos em física ao lerem textos de divulgação científica das revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp. Consideramos que o relacionamento entre a interpretação dos licenciandos e algumas especificidades do campo jornalístico, que fazem parte das revistas lidas, parece sugerir que a investigação de potencialidades e limites na utilização de revistas de divulgação científica em situações efetivas de ensino estaria vinculada às condições em que esses textos são produzidos.

Palavras-chave: leitura, divulgação científica, discurso jornalístico, formação inicial, física.

ABSTRACT

In this article we synthesize some specific aspects of scientific journalism and identified the presence of some of these elements in the interpretations of physics undergraduates acquired while reading popular scientific texts from the journals Ciência Hoje and Pesquisa Fapesp. We believe that the relationship between undergraduates interpretation and some journalism characteristics seem to suggest that the potentialities and limits in the use of scientific popularization magazines for teaching effective situations could be linked to conditions in which those texts are produced.

Keywords: reading, scientific divulgation, journalistic discourse, pre-service training, physics.

1. Introdução

As relações entre divulgação científica e ensino de ciências vêm sendo estudadas com alguma frequência pela de educação em ciências. Podemos citar exemplos de trabalhos de investigação que buscaram compreender aspectos dessas relações como Almeida e Ricon [1] que procuraram exemplificar e discutir implicações do uso de textos de divulgação científica e literários em aulas de física. Eles apontaram para a grande inserção de temas como buraco negro, caos e poluição nos meios de comunicação e questionaram como a escola poderia ignorar o que é assunto diário nos meios de comunicação e se o ensino poderia continuar a se preocupar apenas com a ciência dos séculos que nos precederam. Silva e Kawamura [2] acreditam ser provável que a atualização de conhecimentos se tornaria uma consequência promovida pelo uso de textos de divulgação científica, já que quase tudo o que se publica é atual e novidade. Entre outros, citamos também Martins e cols. [3] que descrevem uma situação de sala de aula na qual utilizaram textos de divulgação como recurso didático.

Com base em um referencial teórico composto por aspectos da análise de discurso originada por Michel Pêcheux, Gama [4] e Lança [5] investigaram o funcionamento da leitura de livros de divulgação científica - Isaac Newton e sua Maçã de Kjartan Poskitt e Albert Einstein e seu Universo Inflável de Mike Goldsmith - em classes do ensino médio de uma escola da rede pública do interior do estado de São Paulo. Já Zanotello e Almeida [6] também trabalharam com o mesmo livro de divulgação científica sobre Isaac Newton e tiveram por objetivo analisar a produção de sentidos por alunos do primeiro ano do ensino médio. Os autores analisaram registros escritos realizados pelos estudantes em resposta a uma atividade que envolvia a leitura do livro. Para os autores, a utilização do mesmo se mostrou adequada como um recurso para diversificar o trabalho nas aulas de física, pois consideram fato que quanto mais atividades diversificadas forem desenvolvidas, mais alunos participarão dos processos de ensino e de aprendizagem. Sobre a atividade de leitura, de acordo com esses autores:

A análise dos relatos recolhidos possibilita algumas reflexões mais gerais sobre a questão do ensino de física e das ciências em geral. A realização de atividades de leitura, com textos e livros diferentes dos livros didáticos atualmente usados em sala de aula, constitui-se em um instrumento útil para o professor estabelecer uma efetiva mediação dialógica, que conduza os alunos a uma melhor compreensão dos assuntos e que possibilite aos mesmos a construção de uma aprendizagem mais significativa [6, p. 445].

Terrazzan [7], após realizar uma pesquisa com professores de física da rede pública de Santa Maria-RS que envolveu, dentre outros recursos, a utilização de textos de divulgação científica em sala de aula, concluiu que:

(...) um dos maiores problemas apontados em relação ao uso de textos em sala de aula refere-se às dificuldades que tanto os alunos quanto os professores possuem em ler e se expressar tanto através da oralidade quanto da escrita. Boa parte dos professores justificou que sua pouca prática ou hábito de leitura, seja de materiais de divulgação científica ou de quaisquer outros materiais, deve-se fundamentalmente ao pouco incentivo que receberam nesse sentido sobretudo durante sua formação acadêmica. Segundo estes professores as instituições e os docentes que os formaram não justificavam a importância e a necessidade de realização de leitura para a formação de um professor, enquanto sujeito capaz de ter suas próprias interpretações e opiniões sobre diferentes assuntos [7, p. 17].

Trabalhos como os até aqui citados evidenciam a relevância de se estudar o funcionamento de diferentes veículos de divulgação científica e suas características tendo em vista a possibilidade de seu uso pelo público em geral e, inclusive, em situações escolares. Objetivando essa consideração, neste estudo relacionamos inicialmente algumas características do jornalismo científico, bem como procuramos situar algumas peculiaridades do jornalismo e, em particular, do que pode ser encontrado em revistas periódicas. Esse levantamento é colocado a funcionar como um dispositivo analítico de interpretações de um grupo de licenciandos em física ao lerem textos das revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp.

2. Jornalismo científico

Nesta seção nos debruçamos sobre especificidades do jornalismo científico, uma das categorias do jornalismo em que podemos enquadrar as revistas desta pesquisa. Segundo Thiollent [8, p. 124-125]:

Entendemos por jornalismo científico, o conjunto das atividades jornalísticas dedicadas a assuntos científicos e tecnológicos e direcionadas para o grande público dos não especialistas, por meio de diversas mídias: imprensa, rádio, televisão, jornais especializados e outras publicações a nível de vulgarização.

Segundo esse autor, no jornalismo científico os jornalistas desempenhariam um papel intermediário entre os cientistas e o público. Ele enumerou quatro tipos de audiência do jornalismo científico:

a) A audiência do público em geral, de todas as idades e profissões, assistindo, por exemplo, a um programa de televisão tratando de um assunto científico.

b) O público de nível cultural elevado, leitores das páginas científicas da grande imprensa ou eventuais compradores das revistas ou de livros especializados em divulgação científica.

c) O público de estudantes de diversos graus recorrendo à informação científica como complemento de sua formação (pesquisas escolares etc.).

d) O público sensibilizado a questões ecológicas, preservação da natureza, defesa do meio urbano ou defesa do consumidor.

Ele estabelece que o primeiro grupo seria o mais corrente e poderia ser caracterizado como passivo, ao contrário dos outros que possuiriam certo caráter ativo na medida em que os leitores buscariam a informação com determinados objetivos: "cultura geral, complementação do ensino, defesa ambiental etc.", no entanto, na sua maior parte, o jornalismo científico não seria concebido, no sistema atual, para atender a um tipo de expectativa ativa. Marques de Melo [9, p. 20] também faz algumas considerações sobre o jornalismo científico, já que ele refletiria a atualidade do jornalismo, sendo que este teria uma ideologia própria que se manifestaria através de duas características básicas: "sensacionalismo (para vender a notícia é preciso despertar as emoções do público consumidor) e atomização (o real é percebido não em sua totalidade, mas em seus fragmentos: política, economia, esportes, ciência etc.)". Para o autor, essas premissas nos ajudariam a compreender a posição em certo sentido marginal do jornalismo científico ou a sua explicitação atrofiada:

A marginalidade advém do pequeno espaço que consegue conquistar no conjunto da superfície impressa dos jornais e revistas ou do tempo reduzido que ocupa na programação do rádio e da TV. A atrofia ocorre porque geralmente a presença dos fatos científicos no noticiário cotidiano se faz sobre o signo do fantástico, do sensacional, do pitoresco, do inusitado.

Apontando para o problema que divulgar ciência não seria apenas montar um colar de pérolas composto por teorias de sucesso, descobertas geniais e invenções 'revolucionárias', Castelfranchi [10, p. 19] estabelece que comunicar a ciência seria mostrá-la em sua ação como uma atividade humana imersa na sociedade, atormentada, feita de dúvidas e de lutas.

É mostrar que a ciência, mais que uma máquina semi-mágica para fornecer respostas certas, é um jogo apaixonante para inventar novas perguntas. Além de comunicar fatos científicos, ideias, processos, o jornalista deve entender e tratar do contexto em que a ciência é gerada e usada, de sua gênese, que é também política e econômica, de seus efeitos e entrelaçamentos sociais e culturais às vezes dramáticos.

Para esse autor, a função do jornalista científico não se restringiria apenas em informar, mas comunicar a ciência jornalisticamente implicaria em comunicar de forma crítica, situada, contextual e rigorosa. "Ao mesmo tempo, implica comunicar de maneira interessante, cativante, ágil e dentro dos vínculos frustrantes que o funcionamento da mega-máquina midiática impõe". Esse autor estabelece também que, a partir de acirrados debates sociais desencadeados pela ciência e tecnologia e dos fluxos de informação científica na sociedade globalizada, hoje alguns acreditam que um bom jornalista científico não poderia ser apenas um hábil cativador de audiências, um esperto simplificador de conceitos, um tradutor de termos e dados para linguagem 'comum', precisando fazer muito mais:

Além de fatos, acontecimentos, descobertas, invenções, deve saber contar, explicar, contextualizar as hipóteses, as teorias, os debates, as dúvidas. Junto com dados, noções, termos, deve saber lidar com estórias e personagens, e com a história, a filosofia, a sociologia das ciências. Deve saber mostrar, indagar e comentar não só as ideias científicas, mas também os métodos e os processos da ciência. E, além disso, o jornalista científico não pode abrir mão de sua responsabilidade. Seu papel, como o de qualquer jornalista (...), não é apenas entreter, nem apenas informar, nem, ainda, educar. Sua missão é também a de watchdog: um "cão de guarda da sociedade" capaz de latir para denunciar práticas incorretas e abusos, para "catalisar" um debate informado e são sobre questões éticas levantadas por práticas científicas ou por aplicações tecnológicas, para colocar nas pautas de debate público potenciais desencadeamentos suspeitos ou ameaçadores no sistema de C&T ou em suas ligações com o sistema político, o aparato militar ou o mercado [10, p. 11].

A partir das posições desses autores, consideramos a relevância da abordagem dos aspectos sociais e políticos na práxis do jornalismo científico, além dos resultados de pesquisas e elaboração de novos produtos que já são divulgados na mídia.

3. Elementos do jornalismo científico

Durante o processo de construção do texto de jornalismo científico são utilizados alguns recursos de linguagem, tendo por objetivo aumentar o grau de compreensibilidade do texto, objetivo este motivado pela intenção do divulgador em se direcionar para um público de não especialistas. Um elemento apontado por Burkett [11, p. 123] para aumentar o grau de legibilidade dos textos sobre ciência envolveria a utilização de figuras de linguagem, tais como analogias, comparações e metáforas. Para Burkett [11, p. 126], no corpo de texto o jornalista científico poderia usar instrumentos para retratar o que seria invisível para o não-cientista ou para uma pessoa treinada em ciência, mas numa disciplina diferente, sendo que esses instrumentos incluiriam a metáfora e a analogia. De acordo com esse autor: "A metáfora tenta descrever um evento, experiência ou pensamento com base em alguma outra coisa. (...) A metáfora insinua, em vez de estabelecer comparações exatas." Nos textos lidos pelos licenciandos podemos encontrar traços metafóricos principalmente nos títulos. Como nos exemplos: "ponte delicada", "carbono em gotas" e "as longas asas dos neurônios". Nesses casos, os léxicos "ponte", "gotas" e "asas" estão insinuando fenômenos científicos que são explicados no corpo do texto.

Outro recurso apontado por Burkett [11, p. 126] é a analogia. Para esse autor:

A analogia exige que você faça ou insinue uma longa comparação entre duas situações nas quais você traça muitos pontos de similaridade. Por exemplo, você poderia ilustrar a enorme escala do tempo geológico antes dos humanos aparecerem na Terra em termos de cidades ao longo de uma caminhada ou viagem transcontinental de Nova Iorque a Los Angeles.

Um exemplo de analogia que podemos encontrar em um texto da Pesquisa Fapesp (e aproveitando o exemplo de metáfora que encontramos no texto com o título sobre as 'asas dos neurônios') pode ser encontrada no trecho: "Segundo esse grupo, a forma do neurônio casase com sua função, do mesmo modo que as asas curtas das galinhas as impedem de voar, enquanto as asas das andorinhas, proporcionalmente mais longas, lhes permitem amplos vôos" [12, p. 54]. Gomes [13] também classificou as analogias no jornalismo científico como um elemento explicativo, no qual o divulgador pressuporia conhecimentos já sistematizados pelo leitor. No caso em que citamos, o jornalista aparentemente pressupôs o conhecimento do leitor sobre o tamanho das asas das aves com relação ao corpo para explicar as funções dos neurônios com relação a suas formas.

4. Especificidades do discurso jornalístico

Adotando vieses teóricos do marxismo, Marcondes Filho [14] e Genro Filho [15] contextualizaram a produção jornalística dentro das questões políticas e sociais em que está inserida essa atividade. Para Marcondes Filho [14, p. 13] atuar no jornalismo é uma opção ideológica, pois definir o que vai sair, como, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Tornar-se-ia notícia aquilo que seria "anormal", mas cuja anormalidade interessaria aos jornais como porta-vozes de correntes políticas. Para ele, notícia seria a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais.

Para Genro Filho [15, p. 186] o jornalismo teria uma maneira própria de perceber e produzir seus fatos. "Sabemos que os fatos não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na realidade, de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo a determinações ao mesmo tempo objetivas e subjetivas". Já segundo Rossi [16, p. 10], a imprensa, de acordo com o mito da objetividade, deveria colocar-se em uma posição neutra e publicar tudo o que ocorresse, deixando ao leitor a tarefa de tirar suas próprias conclusões. Para o autor, se fosse possível praticar a objetividade e a neutralidade, a batalha pelas mentes e corações dos leitores ficaria circunscrita a página de editoriais.

(...) Entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comunicação de massa há a mediação de um jornalista (não raro, de vários jornalistas), que carrega consigo toda uma formação cultural, todo um background pessoal, eventualmente opiniões muito firmes a respeito do próprio fato que está testemunhando, o que o leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro com formação, background e opiniões diversas.

Adotando uma dimensão política para a análise do conhecimento jornalístico, Ponte [17] citou diversos autores que expressaram essa dimensão. Tuchman [17, p. 151] desconstrói a ilusão de objetividade no discurso jornalístico, apontando-lhe não só condicionamentos exercidos pelas políticas editoriais das organizações jornalísticas, mas também dimensões éticas no sentido da responsabilidade social do jornalista. Esse autor considera as notícias como atividade legitimante do status quo ao serem apresentadas como conhecimento verdadeiro e aponta para três processos inter-relacionados que reforçam essa premissa:

1) a reflexividade da cultura jornalística nas for-mas como dá como adquiridas e como incorpora práticas profissionais;

2) o recorte e enquadramento de atividades e experiências do mundo que têm em conta critérios de noticiabilidade e da sua representação relativamente estável e

3) a reificação na forma como constroem e apresentam esses recortes do mundo.

Para Ponte [17] esses processos conferem uma dimensão política às notícias, que se traduz na ofuscação da realidade social em vez da sua revelação, na confirmação da legitimidade do Estado e no apoio a um capitalismo corporativo. Tuchman [17, p. 152] sublinha a natureza política da transformação da informação das fontes em fatos objetivos. "Pela sua objetivação por uma descrição normal, "natural", dada como certa, por esta identificação das fontes como fatos, os profissionais da informação criam e controlam a controvérsia, contém o consenso (...)".

Partindo dessa perspectiva, julgamos necessário verificar os estudos de como determinados assuntos se transformam em notícia. Para Traquina [18, p. 63], uma conclusão geral dos estudos sobre os conteúdos dos meios noticiosos é que as notícias apresentam um "padrão" geral estável e previsível:

A previsibilidade do esquema geral das notícias deve-se à existência de critérios de noticiabilidade, isto é, à existência de valores-notícia que os membros da tribo jornalística partilham. Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia.

5. Critérios de noticiabilidade

Para Wolf [19, p. 190], a noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que são exigidos dos acontecimentos - do ponto de vista da estrutura do trabalho nos áos de informação e do profissionalismo órgãos dos jornalistas - para adquirirem a existência pública de notícias.

Tudo o que não corresponde a esses requisitos é "excluído", por não ser adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura profissional. (...) Pode também dizer-se que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, quotidianamente, de entre um número imprevisível e indefinido de fatos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias.

Segundo Traquina [18, p. 69-70] a primeira tentativa de identificar, de forma sistemática e exaustiva, os valores-notícia que a comunidade dos jornalistas utiliza no seu trabalho ou os fatores que influenciam o fluxo de notícias foi o estudo de Galtung e Ruge. Em resposta à pergunta como é que os acontecimentos se tornam notícia, esses autores enumeraram doze valores-notícia:

1) a frequência, ou seja, a duração do acontecimento; 2) a amplitude do evento; 3) a clareza ou falta de ambiguidade; 4) a significância; 5) a consonância, isto é, a facilidade de inserir o 'novo' numa 'velha' ideia que corresponda ao que se espera que aconteça; 6) o inesperado; 7) a continuidade, isto é, a continuação como notícia do que já ganhou noticiabilidade; 8) a composição, isto é, a necessidade de manter um equilíbrio nas notícias com uma diversidade de assuntos abordados; 9) a referência a nações de elite; 10) a referência a pessoas de elite, isto é, o valor-notícia da proeminência do ator do acontecimento; 11) a personalização, isto é, a referência às pessoas envolvidas; e 12) a negatividade, ou seja, segundo a máxima 'bad news is good news'.

Em sua seleção dos valores-notícia, Traquina [18] seleciona a morte; a notoriedade do ator principal do acontecimento; a proximidade, sobretudo em termos geográficos, mas também em termos culturais; a relevância, que seria o impacto da notícia sobre a vida das pessoas; a novidade; o tempo, que seria a existência de um acontecimento na atualidade já transformada em notícia; a notabilidade, ou qualidade de ser visível; o inesperado, que seria a notícia que irrompe e que surpreende a expectativa da comunidade jornalística; o conflito ou controvérsia; a infração, que refere-se sobretudo a transgressão das regras e o escândalo.

Apesar do levantamento de alguns critérios de noticiabilidade, ressaltamos que estes não possuiriam existência intrínseca, pois estão de certa forma remetidos aos aspectos políticos da produção jornalística, como vimos com Ponte [17]. Levando-se em consideração a dimensão política para a análise do conhecimento jornalístico, os critérios de noticiabilidade aparecem como parte da política editorial dos meios de comunicação e dos profissionais que neles trabalham. Olhando especificamente para as revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp, podemos notar que elas trazem em suas páginas aspectos da ciência nacional, o que nos remeteria ao valor-notícia proximidade. E, como se tratam de revistas com gênesis na própria comunidade científica e com participação efetiva de membros dessa comunidade, consideramos a possibilidade de que esse critério de noticiabilidade poderia remeter para o aumento do financiamento em pesquisa e a justificativa dos investimentos que já estão sendo realizados defendidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), instituições que editam e mantêm Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp, respectivamente.

6. Sobre o jornalismo em revistas

Para Vilas Boas [20, p. 101] revista e jornal são circunstancialmente diferentes, sendo a periodicidade um fator determinante do estilo de texto de uma revista.

As revistas de informação geral chegam às bancas do mesmo modo que um sabonete ao supermercado. Por isso precisam de atrativos que as diferenciem do jornalismo dinâmico e veloz de todos os dias. O texto das revistas de notícias é um desses atrativos. Utiliza recursos que, nos limites do posicionamento político-empresarial, são a conciliação da prática de noticiar com a de narrar.

A peculiaridade das revistas de circularem uma vez por semana ou uma vez por mês - como é o caso das revistas trabalhadas nesta investigação - faz com que não haja demasiada preocupação com a atualidade, embora elas não possam se desvincular totalmente dela. Para Lustosa [21], a matéria da revista é geralmente uma reportagem descompromissada com o factual e com os acontecimentos rotineiros, objetivando muito mais uma análise dos fatos e de suas consequências, pois raramente pode ou procura oferecer novidades no sentido do que é assegurado pelas emissoras de televisão, de rádio e pelos jornais. Para esse autor, mesmo quando o texto da revista é relativamente curto, ao contrário do que acontece com outros veículos de comunicação de massa, a sua estrutura e conteúdo procuram oferecer uma matéria mais rica em detalhes e informações diferenciadas. Segundo Scalzo [22] não seria possível imaginar uma revista semanal de informações que se limitasse a apresentar para o leitor, no domingo, um mero resumo do que ele já viu e reviu durante a semana, sendo necessário explorar novos ângulos, buscar notícias exclusivas, ajustar o foco para aquilo que se deseja saber e entender o leitor de cada publicação.

O jornalismo de revista pode diferir do jornal também pelo estilo adotado. Para Vilas Boas [20, p. 71], sem perder de vista certas regras básicas do estilo jornalístico, a revista compreende uma grande variedade de estilos.

Sem dúvida que é uma prática jornalística diferenciada. Numa revista encontramos a fotografia, o design e o texto. Em termos de atualidade, apesar de permanecerem mais tempo nas bancas, as revistas são produtos mais duráveis que os jornais. E preciso lembrar (...) que a revista é mais literária que o jornal no que se refere ao tratamento dado ao texto. Admite usos estéticos da palavra e recursos gráficos de modo bem mais flagrante que os jornais. Além disso, a revista é mais artística quanto aos aspectos de programação visual.

Assim, aparentemente, a linguagem adotada pelas revistas pode apresentar um maior aprofundamento nos conteúdos abordados, adoção de recursos estéticos, maior riqueza de figuras de linguagens (metáforas, analogias etc.) e de tipos textuais (descrição, narração, entre outros), em comparação com os jornais diários. Para Vilas Boas [20, p. 19] o jornalista pode servirse de outros fatores para desenvolver o texto de uma reportagem para revista:

Enumerar, descrever detalhes, comparar, fazer analogias, criar contrastes, exemplificar, lembrar, ilustrar, dar testemunhalidade são apenas algumas trilhas da "rota para as Índias". (...) Confrontar as ideias, por exemplo, é muito comum e eficaz no texto de revista, dependendo, obviamente, do contexto.

Sobre as aberturas, no jornalismo de revista há uma certa 'liberdade' para escapar de certas uniformidades do noticiário cotidiano, embora essa 'liberdade' também esteja direcionada à atração e manutenção do leitor ao texto e a edição como um todo. Para Lustosa [21] na revista, ao contrário do que ocorre com os jornais e emissoras de rádio e televisão, não haveria a preocupação da construção de um lide2 2 Respostas às questões: O quê? Quem? Onde? Quando? Como? Por quê? igual ao modelo típico dos veículos que narram fatos relativos aos acontecimentos da atualidade. Para Vilas Boas [20, p. 22]:

Rompidas as amarras dos diversos tipos de lide conhecidos, uma reportagem de revista pode começar pelo final. Dependendo do caso, é um propósito original, além de despertar mais o interesse do leitor e dar mais ênfase a certos incidentes e pormenores. De modo geral, a ordem evidencia as características intemporais do texto de revista. É jornalismo do que passou, mas não exatamente do que se passou ontem. A revista, normalmente, mistura fatos do passado com fatos ainda em evidência no jornalismo diário.

Sodré e Ferrari [23] concederam atenção especial para as aberturas das notícias. Para eles, ela destinase basicamente a chamar a atenção do leitor e conquistá-lo para a leitura do texto, costumando-se usar palavras concretas, frases curtas, incisivas e afirmativas, estilo direto e, quando possível, indicar de saída o ângulo mais importante. Para os autores, sair da convencional abertura informativa, em busca de um estilo mais literário, poderia ser uma alternativa para interessar o leitor. Para Vilas Boas [20, p. 45] o que conquista a atenção do leitor para a leitura de uma reportagem são as aberturas.

Na revista, por exemplo, quase sempre se escolhe a abertura menos convencional ou puramente informativa. Isso não impede que o jornal diário traga em suas páginas de domingo uma abertura mais literária, como alternativa para despertar o interesse do leitor. A revista não precisa de um lide, qualquer que seja o tipo. A revista precisa de uma abertura envolvente.

Outro recurso que normalmente é usado na produção de textos jornalísticos para revistas e o boxe, um ápêndice de uma notícia ou reportagem, nunca sendo editado separadamente. Para Lustosa [21] sua função primordial é possibilitar uma melhor descrição de um ambiente ou de um personagem, a fim de permitir ao leitor situar diferentes elementos que interferem na informação principal da notícia.

(...) existem informações que não podem ser incluídas dentro do texto de uma notícia, por maior que seja a competência do redator. O exemplo mais comum são as matérias de cunho científico. Uma informação sobre fusão nuclear a frio, por exemplo, ganhou grande destaque nos jornais no final de abrilde 1989. E lógico que uma matéria de tal natureza exige uma explicação sobre o que vem a ser uma fusão nuclear (p. 165).

Com o levantamento dessas características referentes ao discurso jornalístico procuramos identificar se elas haviam contribuído para o estabelecimento de condições de produção de leitura nos discursos de um grupo de licenciandos em física quando instados a assumirem determinadas posições referentes aos textos de divulgação científica.

7. Procedimento de coleta de informações

Neste item descrevemos a proposta de leitura aos licenciandos em física e as solicitações que lhes fizemos tendo em vista a obtenção das interpretações que analisamos no item seguinte. A atividade de leitura de textos sobre física contidos nas revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp aconteceu na disciplina Conhecimento em física escolar I ministrada para alunos ingressantes na licenciatura em física durante o primeiro semestre de 2007 na Universidade Estadual de Campinas. De acordo com a ementa dessa disciplina, ela pretende analisar questões específicas do ensino de física e de campos e conhecimentos envolvidos em propostas de solução para essas questões. A atividade contou com 23 alunos e ocorreu no último dia de aula da disciplina, após alguns dias de greve dos profissionais da universidade, enquanto a professora os chamava individualmente para informar-lhes sobre as notas finais. Portanto, a atividade já se encontrava a priori fora do âmbito dos critérios de avaliação, sendo uma condição que também pode ter tido a sua influência nos modos de leitura.

Os textos de física foram selecionados a partir do período de setembro de 2004 até outubro de 2006. Fizemos uma busca de todos os textos indicados como física no índice da revista e, como queríamos selecionar textos com características do discurso jornalístico, na revista Ciência Hoje restringimos nossa busca apenas na seção Em dia, pois textos dessa seção costumam ser escritos pelos profissionais da redação. Quanto a Pesquisa Fapesp não houve esse procedimento, já que regularmente os textos são escritos por jornalistas.

Cada aluno recebeu uma revista e uma folha A4 contendo um questionário com quatro questões versando sobre a leitura dos textos. A seguir expomos o questionário, bem como o texto introdutório:

Nesta disciplina você leu alguns artigos científicos da área de educação em ciências. Entre as temáticas desses artigos, uma refere-se a leitura em aulas de física. Que remos avançar na compreensão dos limites e possibilidades dessa atividade e para tal estamos lhe propondo a leitura de um texto de divulgação científica sobre física. Solicitamos que responda as seguintes questões:

1 -Título e autor do artigo.

2 -O que mais chamou sua atenção nesse artigo?

3 -Você gostaria de saber mais alguma coisa sobre esse assunto? O quê?

4 -Você pediria a alunos de ensino médio que lessem esse artigo? Se sim, diga se seria para leitura em casa ou na classe e diga também qual seria a finalidade dessa leitura. Se sua resposta for não, justifique o motivo do não.

5 -Quais os temas de física pelos quais você se interessa mais? Como acredita que poderia aprender mais sobre esses temas?

Após aproximadamente vinte minutos de leitura e elaboração das respostas do questionário começamos a conversar sobre a leitura dos textos, que foi gravada em audio e vídeo.

8. Elementos do discurso jornalístico nas interpretações dos licenciandos

Nesta seção relacionamos algumas interpretações dos licenciandos com relação a especificidades do discurso jornalístico, como aspectos linguísticos, tipos textuais e critérios de noticiabilidade.

8.1. Recursos linguísticos e textuais

Podemos identificar interpretações dos licenciandos ligadas a especificidades do jornalismo científico e do jornalismo em geral referentes a recursos linguísticos e textuais, como aberturas em forma de narrativa e o uso de figuras de linguagem como as analogias. Lembramos que os recursos linguísticos e textuais utilizados nos textos jornalísticos aparentemente têm por objetivo chamar a atenção dos leitores para a leitura do texto e despertar sensações nestes, como vimos com Marcondes Filho [14].

Quanto às aberturas, lembramos que nas revistas existe uma certa liberdade se comparadas ao jornal diário, pois os autores podem escapar da abertura noticiosa padrão e utilizar outros tipos textuais, como a narrativa. Podemos encontrar aspectos desses recursos no trecho abaixo em que é narrada, no primeiro parágrafo, a situação em que o físico seleciona o material de sua pesquisa:

Debruçado sobre uma bancada de fórmica branca, o físico peruano Juan Medina Pantoja cola uma fita adesiva em uma das faces de um bloco prateado quadrado menor que a unha do polegar. O material entre seus dedos é uma amostra de grafite ultrapura, que apenas sob certas condições comportase como metal [24].

Podemos notar como o autor abriu o texto não com as informações básicas do lide (Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê?) e sim conciliou a prática da narrativa com a notícia, como nos diz Vilas Boas [20]. O licenciando que leu esse texto pareceu ter levado esses recursos em consideração quando instado a responder sobre o que mais havia lhe chamado a atenção no texto:

A narrativa do início, onde é falado como é retirada a amostra de grafite...

Tal interpretação pareceu ratificar as considerações de Sodré e Ferrari [23] que as aberturas das notícias buscam chamar a atenção do leitor e conquistá-lo para a leitura do texto. Com esse objetivo os autores afirmam que pode ser necessária uma fuga da convencional abertura informativa, em busca de um estilo mais literário - como o uso nesse caso da narrativa - como uma possibilidade para interessar o leitor. Além da abertura, também encontramos uma interpretação de um licenciando aparentemente voltada para a importância do boxe para os textos de revistas. Ao ser questionado sobre se gostaria de saber mais alguma coisa sobre o assunto, podemos notar como ele se posicionou quanto à possibilidade de descrever detalhes fora do texto, como explicado por Lustosa [21]:

(...) poderia colocar detalhes, dados ou outras coisas sobre o assunto separadamente do texto.

Outro recurso incentivado na produção de textos jornalísticos para revistas e do jornalismo científico que podemos identificar nos textos lidos pelos licenciandos é a analogia. Como vimos com Vilas Boas [20], o uso de comparações e analogias podem ser a "rota para as Indias" para a produção de textos jornalísticos para revistas, sendo que esse recurso também é incentivado na elaboração de matérias de jornalismo científico, como vimos com Burkett [11]. Abaixo segue um exemplo da utilização de analogias em um dos textos lidos pelos licenciandos:

Trilhões de vezes menor que um grão de areia, um zévatron pode carregar energias macroscópicas. Receita para um desastre natural: faça um núcleo atômico crescer até atingir a desprezível massa de um miligrama. Agora dê a ele a energia de um zévatron e o lance contra a atmosfera terrestre. O impacto seria equivalente ao de um asteroide com a massa do monte Everest (8.848 m), viajando a 200 mil km/h [25].

O licenciando que leu esse texto pareceu se importar tanto com a analogia utilizada pelo autor do texto que reescreveu ao 'pé da letra', tendo inclusive o cuidado de utilizar aspas e reticências na resposta sobre o que mais lhe chamou a atenção no texto lido:

O tamanho de energia que possui esta partícula, que segundo a reportagem: '...faça um núcleo atômico crescer até atingir a desprezível massa de um miligrama. (...) O impacto seria equivalente ao de um asteroide com a massa do monte Everest (8.848 m), viajando a 200 mil km/h...'.

Em outro exemplo de utilização de analogias nos textos de física lidos pelos licenciandos, podemos notar como os pesquisadores utilizaram uma analogia para explicar um fenômeno que até então não haviam notado e que foi importante para o desenvolvimento da pesquisa, pois, segundo o texto:

(...) ao examinar em detalhes os nanotubos gerados em seus experimentos, a equipe de pesquisadores (...) viu algo que ninguém tinha percebido ou dado importância: imagens de microscopia eletrônica revelaram a ocorrência de esferas sobre alguns nanotubos. Bolhas que lembram as gotas de orvalho que se formam sobre os fios de uma teia de aranha. (...) Era a pista de que precisavam para formular a sua teoria [26].

O licenciando que leu esse texto, ao responder sobre o que mais lhe chamou a atenção no texto lido, também destacou a analogia do texto:

O paralelo entre a formação dos nanotubos e processo de produção do orvalho.

Durante o diálogo mantido entre o pesquisador e a classe após a leitura dos textos, esse licenciando, quando instado pelo pesquisador sobre o assunto, ressaltou a importância da utilização de analogias para uma melhor explicação do fenômeno:

P: (...) Gostaria de saber se seria um problema, essas analogias, esses recursos.

(...)

Estudante: Eu acho difícil mostrar a realidade dos conceitos. São conceitos de difícil abstração, dependendo da pessoa que você vai apresentar. A analogia facilita a pessoa entender mais ou menos o que é o fenômeno.

Podemos lembrar nessa fala o que nos diz Burkett [11], que o jornalista científico pode usar figuras de linguagem, como analogias, para retratar o que seria invisível para um não-cientista ou para uma pessoa treinada em ciência mas numa disciplina diferente e Gomes [12] que classificou as analogias no jornalismo científico como um elemento explicativo, no qual o divulgador pressuporia conhecimentos já sistematizados pelo leitor. Essas considerações de alguma forma foram em citações diretas do físico Alberto Santoro, é narassumidas pelo autor durante a produção do texto e rado como ocorreram as negociações feitas pelo grupo lembradas nas respostas do licenciando.

Podemos notar nas respostas transcritas nesta seção a menção a especificidades do texto de revista, quando os licenciandos se referiram às informações contidas na abertura e quando uma delas foi feita em forma de narrativa, um recurso incentivado nas aberturas dos textos de revista. Também lembramos que um dos licenciandos sugeriu a abordagem de detalhes do texto em separado, o que podemos relacionar com a importância do boxe [21]. Outra característica desse tipo de texto notado por alguns licenciandos foi a utilização de analogias, recurso recomendado por autores da área de produção de revistas [20] e do jornalismo científico [11, 12].

8.2. Critérios de noticiabilidade

Podemos notar que nos textos lidos pelos licenciandos há a divulgação de alguns aspectos de pesquisas desenvolvidas no Brasil, o que nos faz rememorar o valor-notícia da proximidade que, segundo Traquina [18], além de ser de natureza geográfica, também apresenta um caráter cultural. Para Burkett [11], quanto mais perto os leitores estão do local de um evento, mais provável que os jornalistas e editores o considerem de interesse noticioso e passível de ser divulgado. Também consideramos que, com base em Ponte [17], que se debruçou sobre aspectos políticos do jornalismo, o valor-notícia da proximidade de algum modo está relacionado com os posicionamentos políticos dos meios de comunicação. Nas revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp podemos notar a divulgação de como o desenvolvimento científico nacional traria benefícios à nação e o quão importante seria estar participando de projetos em ciência e tecnologia, justificando os investimentos estatais no setor, principalmente os de alto custo. A seguir selecionamos um trecho3 3 Grifos nossos sempre. - de um dos textos lidos pelos licenciandos - em que podemos encontrar indícios desses aspectos em uma notícia sobre a criação de uma rede informacional para o tratamento de dados do LHC e da participação brasileira nessa iniciativa.

Um novo acelerador de partículas, o Large Hadron Collider (LHC), será inaugurado pelo Centro Europeu para Pesquisas Nucleares (Cern) em 2007 na Suíça. (...) Para interpretar o imenso volume de dados que resultará das experiências feitas no LHC, será necessário o uso de uma tecnologia denominada Grid. A

boa notícia é que o Brasil vai fazer parte desse projeto

[27].

Além da redatora considerar uma boa notícia o fato do Brasil participar desse projeto, ao longo do texto, em citações diretas do físico Alberto Santoro, é narrado como ocorreram as negociações feitas pelo grupo brasileiro.

Apesar de ainda não haver qualquer termo oficial assinado, o

Brasil esteve na vanguarda

do projeto Grid para a física de altas energias desde o início. "Discutimos com nossos colegas no exterior, fizemos propostas agressivas para trazer e atrair para o país maior atenção e contribuição da comunidade.

Tivemos sucesso em todas as nossas propostas e temos tido apoio internacional

", diz Santoro [27].

O licenciando que leu esse texto, respondendo ao questionário aplicado após a leitura, na questão sobre o que mais chamou sua atenção nesse artigo, manifestou uma certa coerência com o tom adotado pelo texto:

(...) Um grande benefício da construção do LHC, pode vir a ser do aumento de pesquisas em nosso país, pois terá grupos de pesquisas brasileiros analisando as colisões e radiações geradas pelo acelerador.

Podemos notar como os benefícios da participação brasileira no LHC que o texto aborda pareceram ter chamado a atenção desse licenciando quando instado a estabelecer uma interpretação com relação ao texto.

Um outro texto aborda como um grupo de físicos brasileiros "perdeu a corrida" para a colocação em funcionamento de um detector de ondas gravitacionais. No trecho a seguir identificamos as justificativas do motivo que fez com que o grupo brasileiro "perdesse a corrida" para os holandeses, mesmo sendo ele o autor do projeto: "Perdemos a primeira corrida por estarmos aguardando a chegada de algumas peças importadas e equipamentos que os holandeses conseguiram mais rápido", conta o físico Odylio Aguiar, chefe do projeto brasileiro no Inpe" [28]. Mesmo com o fato do grupo brasileiro não conseguir colocar em funcionamento o detector mais rápido que os holandeses, no trecho seguinte é abordado como o detector será colocado em funcionamento antes do grupo italiano: "Ele também comenta que um terceiro detector será montado em Roma. 'O nosso deverá entrar em operação antes do italiano', avisa" [28]. Podemos notar nesse trecho uma possível intenção do autor do texto em estabelecer uma ideia de vanguarda da produção científica brasileira no mundo, divulgando uma pesquisa de detecção de ondas gravitacionais através de uma 'corrida' entre grupos de pesquisa estrangeiros com o grupo nacional, sendo que este 'perde' para os holandeses mas 'ganha' dos italianos. O licenciando que leu esse texto, quando instado a responder o que mais chamou-lhe a atenção nele, respondeu:

Bom, o que me chamou mais atenção foi a construção do detector em outro país, mesmo sendo o Brasil pioneiro.

Consideramos a interpretação desse estudante aparentemente coerente com a ideia do texto em mostrar um revés sofrido por um projeto brasileiro. Podemos notar que esse licenciando manteve essa atenção também na resposta à pergunta seguinte, quando instado a se manifestar sobre se gostaria de saber mais alguma coisa sobre esse assunto:

Gostaria de saber o porque que o Brasil não foi o primeiro, quais foram os impedimentos?

Após atentar para o fato de um grupo holandês colocar um detector em funcionamento antes, num projeto em que o grupo brasileiro era pioneiro, essa atenção voltou quando esse licenciando expressou que gostaria de saber mais sobre quais motivos provocaram essa situação, parecendo haver uma coerência com a proposta de 'competição entre grupos' do autor do texto.

Em outra referência a pesquisa nacional, podemos encontrar um trecho que aponta o fato do Brasil não conseguir transformar descobertas científicas em inovações tecnológicas, situação levantada pelo físico Adalberto Fazzio:

O desafio é transformar os achados em inovações práticas, missão para a qual outros países estão mais preparados que o Brasil. "Nossa pesquisa tem importância teórica e na formação de recursos humanos, mas é preocupante que não haja uma política industrial capaz de garantir a transformação da riqueza em produtos", diz Fazzio [29].

A interpretação do licenciando que leu esse texto aparentemente trouxe aspectos dessa característica da ciência nacional, ao ser questionado sobre o que mais lhe chamou a atenção no texto lido:

Que a participação do Brasil seja somente teórica, por não termos recursos para aplicar a teoria na criação de novos produtos.

Além de parecer se preocupar com o mesmo problema apontado pelo físico Adalberto Fazzio, na questão sobre se pediria a alunos do ensino médio que lessem o texto, esse licenciando pareceu continuar se detendo a aspectos do desenvolvimento científico nacional:

Sim. Para a leitura em casa com o objetivo de inteirar os alunos a acontecimentos científicos e para que lessem o final do texto e soubessem, mesmo que superficialmente, a participação do país em novas descobertas.

Nas suas respostas podemos notar como ele aparentemente estabeleceu uma interpretação com base na ideia do texto em divulgar a participação nacional no desenvolvimento científico.

Outro critério de noticiabilidade que também podemos identificar em uma das respostas dos licenciandos é o fator inesperado, como vimos com Traquina [18]. Na resposta sobre se pediria a alunos de ensino médio que lessem o artigo que haviam acabado de ler, podemos notar na resposta de um licenciando como o fato da pesquisa constatar um fenômeno já observado descartaria a possibilidade dele ser trabalhado de alguma maneira no ensino médio:

Não. (...) não é muito motivador, pois termina com a constatação do esperado. A experiência de Alinka, no exterior parece bem mais interessante.

Esse licenciando colocou como justificativa para a não utilização do texto o fato de que ele não seria motivador, pois termina, segundo ele, com a 'constatação do esperado'. A seguir selecionamos um trecho do texto lido por ele que nos traz subsídios para a compreensão de tal posicionamento: "Os físicos verificaram então que a probabilidade de o hélio 6 quebrar-se é maior que a de outras partículas normais, cujo comportamento já havia sido caracterizado por meio de experimentos feitos por outros grupos de pesquisa nos últimos anos" [30]. Quanto a pesquisa da física Alinka Lépine-Szily no exterior, chamada pelo licenciando de 'bem mais interessante', encontramos o trecho:

Esses trabalhos mostraram que os núcleos exóticos (...) fundem-se com outros núcleos do mesmo modo que os núcleos normais. (...) Essa conclusão contrariou não só a intuição mas também os modelos teóricos, segundo os quais os núcleos exóticos seriam doadores naturais de prótons ou nêutrons [30].

Podemos notar no posicionamento desfavorável a utilização desse texto no ensino médio por esse licenciando o fato dele possivelmente considerar relevante que o texto traga assuntos que 'contrariem' ou que estabeleçam algum tipo de controvérsia, ao contrário de assuntos que não provoquem essa 'ruptura com a normalidade'. Tal posicionamento poderia ser remetido a imprevisibilidade como um valor necessário para a transformação de acontecimentos em notícias. Segundo Ponte [17, p. 209]: "Porque o que acontece de forma institucionalizada, repetitiva e em intervalos curtos não atrai tanto a atenção como a ruptura desse continuum. (...) O inesperado encontra a sua margem de fascínio para jornalistas e auditório". Esse licenciando pareceu reforçar tal especificidade do discurso jornalístico com seu posicionamento, pois possivelmente para ele seria motivador se o texto trouxesse algo inesperado ou raro e que contrariasse o senso comum, provocando o fascínio dito por Ponte [17].

Apesar de abordarmos como alguns valores-notícia são interpretados por esses licenciandos, lembramos que esses valores estão de alguma forma atrelados às esferas políticas dessas revistas, como o fato delas defenderem o aumento de verbas para as pesquisas científicas ou justificarem os investimentos que já estão sendo realizados. Podemos notar indícios desses aspectos em uma das interpretações dos licenciandos, que, quando instado a mencionar o que mais havia lhe chamado a atenção no texto, respondeu:

A narrativa do início, onde é falado como é retirada a amostra de grafite. E também o investimento feito pela FAPESP.

No texto lido por esse licenciando podemos identificar um trecho no qual há indícios de ter causado tal interpretação: "Os avanços dessa equipe não se restringem a essa refinada colagem. Como resultado das pesquisas que contaram com R$ 1 milhão da FAPESP (...)" [31]. Assim, consideramos como as justificativas de investimentos da Fapesp feitos pela revista aparentemente se atrelam aos critérios de noticiabilidade e como tais aspectos podem ser condição para a interpretação do estudante que leu o texto.

9. Considerações finais

Vimos neste artigo a ocorrência de algumas interpretações de estudantes do curso de licenciatura em física a partir da leitura de textos de divulgação científica relativos à física publicados nas revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp. Nessas ocorrências notamos certas características do jornalismo. A importância de uma abertura que atraia a atenção do leitor para que ele leia o resto do texto e, para isso, a utilização de outros tipos textuais como a narrativa, fugindo da abertura noticiosa padrão, pôde ser identificada em uma das aberturas de um dos textos lidos pelos licenciandos, o que, aparentemente, chamou a atenção de um deles. Outras características do jornalismo notadas nas interpretações dos licenciandos foram o uso do boxe e das analogias, que são uma recomendação tanto do campo de produção de revistas quanto do campo do jornalismo científico. Campos estes em que as revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp estão inclusos simultaneamente.

Alguns critérios de noticiabilidade como proximidade e inesperado foram alguns valores-notícia que conseguimos identificar nos textos e nas respostas de alguns licenciandos. Podemos notar isso quando alguns licenciandos se referiram ao desenvolvimento científico nacional que os textos abordam e quando um deles afirmou que não utilizaria o texto no ensino médio pois ele constataria o 'esperado', parecendo reforçar a ideia que o texto seria adequado quando trouxesse algo inesperado ou raro.

O relacionamento entre interpretações de um grupo de licenciandos à leitura de textos de divulgação científica das revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp e especificidades do jornalismo em que estão inclusas essas revistas parece sugerir que a investigação de potencialidades e limites de revistas de divulgação científica em situações efetivas de ensino está vinculada às condições em que esses textos são produzidos.

Agradecimentos

R.H.A.D. agradece o apoio Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes (inicial) e Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp.

M.J.P.M. de A. agradece ao apoio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Recebido em 31/03/2009

Revisado em 1/9/2009

Aceito em 10/9/2009

Publicado em 18/2/2010

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  • [31] R. Zorzetto, Pesquisa Fapesp 122, 54 (2006).
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    Este artigo é adaptado de parte da pesquisa de mestrado com o título: A Física nas Revistas Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp: Leituras de Licenciandos.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2009
    • Recebido
      31 Mar 2009
    • Revisado
      01 Set 2009
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