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Uma abordagem contextualizada da física no curso de engenharia ambiental e sanitária

A contextualized approach for teaching physics in an environment and sanitary engineering course

Resumos

Neste trabalho foi elaborada uma unidade de ensino, com aulas baseadas na utilização de vídeos, experimentos, exercícios, provas e seminários abordando questões e temas de situações práticas, para ilustrar discussões teóricas sobre termodinâmica e mecânica dos fluidos, direcionadas ao curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. O referencial teórico adotado foi a teoria educacional de Dewey, que defende o desenvolvimento do raciocínio do estudante e de um pensamento crítico, por meio da interação entre pensamento e ação. A metodologia envolveu a coleta de dados por meio de questionários, aplicados a estudantes e profissionais da Engenharia Ambiental e Sanitária, que orientou a escolha de atividades contextualizadas com a sua realidade profissional. A aplicação da unidade de ensino ocorreu durante as aulas de Física para estudantes do terceiro período do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária de uma faculdade particular. Os resultados indicam um aumento do interesse dos estudantes pela disciplina, demonstrado pela ampla interação com os experimentos e engajamento nas discussões. A análise das respostas a um questionário de avaliação mostra que os estudantes aprovaram a experiência e a recomendam para outros cursos ou disciplinas.

Palavras-chave:
Ensino de Física; Engenharia; Teoria educacional de Dewey; Contextualização


In this paper, we present the elaboration process of an instructional unity consisting of classes using videos, experiments, exercises, tests, and lectures including questions or examples about practical situations, to illustrate theoretical discussions about thermodynamics and fluid mechanics, oriented to environmental and sanitary engineering. The theoretical frame adopted was the educational theory of Dewey, who defends the development of the student’s reasoning and critical thinking. The methodology involved data collection through questionnaires, applied to students and professionals from environmental and sanitary engineering, orienting the choice of activities in the context of their professional field to compose the instructional unity. The application of the activities took place during physics classes for second-year students in the environmental and sanitary engineering of a private university. The results indicated an increase in the students’ interest, measured by their intense interaction with the experiments and engagement in the discussions. The analysis of the student’s answers to an evaluation questionnaire shows that they valued the experience and recommended it for other courses or subjects.

Keywords
Physics education; Engineering; Educational theory of Dewey; Contextualization


1. Introdução

Há mais de 20 anos muitos educadores e pesquisadores têm alertado para uma crise de sentido no ensino de ciências da Educação Básica [1[1] G. Fourez, Investigações em Ensino de Ciências 8, 109 (2003)., 2[2] A. Cachapuz, D. Gil-Perez, A.M.P. Carvalho, J. Praia e A. Vilches, A Necessária renovação do ensino das ciências (Cortez, São Paulo, 2005).]. Fourez [1[1] G. Fourez, Investigações em Ensino de Ciências 8, 109 (2003).] chama especial atenção para a pouca procura dos estudantes, nos últimos anos, por carreiras científicas, reforçando a ideia de que os jovens mudaram. Hoje, eles parecem desejar aprender algo que faça sentido na vida deles, que os ajudem a compreender seus próprios mundos:

[…] os jovens de hoje parece que não aceitam mais se engajar em um processo que se lhes quer impor sem que tenham sido antes convencidos de que esta via é interessante para eles ou para a sociedade. Isto vale para todos os cursos, mas talvez ainda mais para a abstração científica. Minha geração estava pronta a assinar em branco, sem ter certeza de que o desvio pela abstração nos forneceria alguma coisa. Muitos jovens de hoje pedem que lhes seja mostrado de início a importância – cultural, social, econômica ou outra – de fazer este desvio. [1[1] G. Fourez, Investigações em Ensino de Ciências 8, 109 (2003)., p. 110].

Hoje, a inclusão de temas científicos que tem como pressuposto apenas a aprendizagem dos seus conteúdos distantes da realidade dos estudantes não faz mais qualquer sentido, especialmente, após a invenção e disseminação da internet em que conhecimentos específicos ficam à disposição a todo momento. Um movimento similar tem ocorrido também no Ensino Superior e uma aproximação entre as temáticas abordadas e a realidade vivenciada pelos futuros profissionais no campo de atuação torna-se cada vez mais fundamental, em qualquer área do conhecimento. Na Engenharia ambiental e sanitária não poderia ser diferente, e a articulação da prática do profissional com a Física discutida em sala de aula também se mostra essencial.

No entanto, professores de Física, ao lecionarem nos diferentes cursos de graduação, da Engenharia, da Saúde, Oceanografia, enfrentam vários desafios, dentre os quais a dificuldade em encontrar material de apoio, tais como, livro didático, textos e artigos específicos para os cursos e, ainda a enorme abrangência dos tópicos na ementa em contrapartida com a pequena carga horária disponibilizada para a disciplina.

Devido a esses fatores, acredita-se que, em grande parte das aulas lecionadas, as possíveis articulações teórica e prática com o cotidiano do futuro profissional fiquem comprometidas.

Santiago (2005) [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005).] expõe por meio de uma pesquisa com estudantes de um curso de Oceanografia, o que muitos professores de Física em cursos de graduação já estão habituados a presenciar. Os estudantes focos desta pesquisa afirmam que a Física vista no ensino superior, não envolve discussões voltadas para a prática cotidiana de um oceanógrafo, não aumentando seus conhecimentos para além do que já tinham visto no ensino médio. A autora relata ainda que os docentes adotam livros usados nas Engenharias, nos cursos de Física, Química, etc. devido a inexistência de material didático de Física dirigido para esse curso [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005).].

Diante dos dados encontrados na literatura, da nossa experiência em coordenação de cursos e no dia a dia da sala de aula, pode-se afirmar que é real e, infelizmente continua atual, a dificuldade de ensinar Física na maioria dos cursos de graduação. A ausência de materiais didáticos específicos, de alternativas, vivências didáticas e metodológicas que vão além da repetição de cálculos e fórmulas, na maioria das vezes já vistas de maneira similar no ensino médio, contribuem enormemente na perpetuação desse modelo. Estudantes do ensino superior deparam-se, em geral, com a mesma Física da educação básica, com exercícios com um grau de dificuldade maior, uma grande quantidade de conteúdos apresentados em uma carga horária reduzida, sem novidade, provocando um imenso desinteresse.

De forma a minimizar a distância entre as temáticas desenvolvidas em sala de aula e a prática no campo de trabalho, o objetivo deste trabalho foi construir e propor uma unidade de ensino diferenciada que, além de adotar uma perspectiva metodológica envolvendo a escolha de temáticas coerentes, contextualizadas e articuladas à profissão do engenheiro ambientalista, também fossem desenvolvidas por meio de estratégias didáticas dinâmicas e variadas, abordando, em especial, situações práticas vivenciadas no campo de atuação dos profissionais da área [4[4] A.R. Rihs, Física no Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária: Uma abordagem contextualizada. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte (2016).].

A proposta foi desenvolvida tendo como suporte teórico as ideias educacionais de Dewey e de outras pesquisas encontradas na literatura que estão apresentadas nas próximas seções. A elaboração dos instrumentos utilizados na pesquisa de campo é discutida na metodologia, enquanto que a análise dos dados coletados e a construção da unidade de ensino estão relatadas na análise dos resultados. Por último, são apresentadas as considerações finais, incluindo discussões dos resultados obtidos e perspectivas para o futuro.

2. O Conceito de Educação para Dewey

Optamos por um embasamento teórico ancorado nas teorias do filósofo e pedagogo americano John Dewey, que adota o “princípio de que os alunos aprendem melhor realizando tarefas práticas associadas aos conteúdos ensinados em sala de aula” [5[5] M. Ferrari, John Dewey, o pensador que pôs a prática em foco, disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1711/john-dewey-o-pensador-que-pos-a-pratica-em-foco, acessado em 02/09/2021.
https://novaescola.org.br/conteudo/1711/...
]. De acordo com Dewey,

Educar não é um mero procedimento pelo qual se instrui os alunos para que reproduzam determinados conhecimentos. Educar é pôr o indivíduo em contato com a cultura a que pertence e mais que isto, é prepará-lo para discernir situações que exijam reformulações e para agir em consonância com estas necessidades de transformação [6[6] M.V. Cunha, John Dewey: uma filosofia para educadores em sala de aula (Vozes, Petrópolis, 1994)., p. 38].

Um conceito muito importante para Dewey, e essencial para a sua visão sobre educação, é a ideia de experiência. Nas suas palavras “Pode-se mesmo dizer que tudo existe em função das relações mútuas, pelas quais os corpos agem uns sobre os outros, modificando-se reciprocamente” [7[7] A. Teixeira, em: Vida e educação, editado por J. Dewey (Melhoramentos, São Paulo, 1971), 7 ed, p. 13., p. 33]. Assim, no seu entendimento, o termo experiência implica uma interação que proporciona oportunidades de mudança e crescimento. Ao relacionar o termo experiência com educação, Dewey (1959) afirma que

A experiência, para ser educativa, deve conduzir a um mundo expansivo de matérias de estudo, constituídas por fatos ou informações, e de ideias. Esta condição somente é satisfeita quando o educador considera o ensino e a aprendizagem como um processo contínuo de reconstrução da experiência [8[8] J. Dewey, Como pensamos (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1959), 3 ed., p. 118].

E ainda,

De fato, a tarefa da educação poderia ser definida como emancipação e alargamento da experiência. A educação toma o indivíduo enquanto relativamente plástico, antes que experiências isoladas o tenham cristalizado a ponto de torná-lo irremediavelmente empírico em seus hábitos mentais [8[8] J. Dewey, Como pensamos (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1959), 3 ed., p. 199].

Em acordo com Dewey, acreditamos que o aprendizado acontece nas trocas de experiências entre os estudantes, e entre estes e o professor. O professor não deve se comportar como um mero espectador, nem fornecer nada pronto, muito menos apenas disponibilizar as respostas aos estudantes, mas deve participar efetivamente dos questionamentos, das atividades, instigando-os a pensar, debater, discutir e criar novas soluções e conceitos para os problemas e situações apresentados.

É neste contexto que propomos uma unidade de ensino que expõe o estudante a situações cotidianas do seu campo de trabalho, consequentemente fazendo com que este crie, tenha ideias, e elabore teorias, além de perceber a importância da disciplina na sua escolha profissional. Paralelamente a essa conscientização, trabalhamos o conteúdo em sala de aula, de forma que os conceitos sejam desenvolvidos juntamente com o estudante, realçando o papel do professor como mediador, buscando identificar os conhecimentos prévios dos estudantes durante a discussão. É importante formar profissionais que tenham capacidade para buscar soluções criativas e inovadoras, dentro da realidade em que se encontram, realizando seu trabalho com êxito e naturalmente se transformando em um novo ser.

3. Ensino de Física em Outras Áreas: Contextualização e Recursos Didáticos

Percebemos que até nos dias de hoje, devido a aspectos didáticos, físicos, financeiros e outros mais, algumas escolas, universidades e os seus professores, ainda oferecem um ensino de Física puramente teórico, apenas com o auxílio dos livros didáticos e sem vínculo com a realidade. Devido às mudanças atuais no processo ensino-aprendizagem, a abordagem de ensino para os estudantes atuais não pode ser a mesma utilizada há décadas atrás, necessitando uma reformulação e adaptação às mais recentes informações. Assim, discutimos a utilização de recursos didáticos em sala de aula, e complementamos com experiências de professores de Física que lecionam em cursos de outras áreas, identificando ações que propiciaram não apenas um melhor aprendizado da disciplina, mas que tragam à tona seu sentido e função no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária.

Batista et al. [9[9] M.C. Batista, P.A. Fusinato, R.B. Blini e R.F. Pereira, em: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física (Vitória, 2009)., p. 2] ressaltam que são dois os alicerces pedagógicos para um melhor ensino e aprendizado de Física: Contextualização do fenômeno a ser estudado e a organização de um ambiente de aprendizagem diferente do ambiente tradicional. Esse ambiente alternativo teria a participação efetiva de professores e estudantes, sendo que os professores exerceriam a função de mediador-orientador do conhecimento, e os conceitos e conteúdos seriam apresentados por meio de discussões na sala de aula. Esses autores [9[9] M.C. Batista, P.A. Fusinato, R.B. Blini e R.F. Pereira, em: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física (Vitória, 2009)., p. 3] também afirmam que a ausência da experimentação e do pensamento crítico é percebida pela dificuldade ou incapacidade do estudante em relacionar a teoria vista em sala de aula com a prática vivenciada no seu cotidiano, não reconhecendo o conhecimento científico em situações do dia a dia. Assim, vale ressaltar que a experimentação, com recursos tecnológicos ou não, proporciona oportunidades para que o estudante faça essa articulação do conteúdo com o cotidiano, com o meio em que vive, naturalmente aguçando o desejo de aprender, promovendo uma evolução no processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com Séré et al., “graças as atividades experimentais o aluno é incitado a não permanecer no mundo dos conceitos e no mundo das linguagens, tendo a oportunidade de relacioná-los com o mundo empírico” [10[10] M.G. Séré, S.M. Coelho e A.D. Nunes, Cad. Bras. Ens. Fís. 20, 30 (2003)., p. 39]. Assim, o estudante é preparado para tomar decisões nas investigações e nas discussões de resultados demonstrando que, na experimentação realizada nos moldes das instruções de Dewey, o conteúdo não é transmitido e sim construído pelo estudante.

Santiago nos remete à informação de que os estudantes, de modo geral, apresentam grande dificuldade em construir conceitos ensinados de modo tradicional, por meio de situações fictícias e surreais, que ainda são contra intuitivas [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005)., p. 1]. Para contornar esse problema, a autora, que leciona a disciplina Física para o curso de Oceanografia, relata que foi necessário realizar ações inovadoras no curso, como a mudança da disciplina de apenas aulas teóricas para uma combinação de aulas práticas e teóricas, realização de seminários, relatórios e outros modos de avaliação [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005)., p. 3]. Como consequência, foram obtidos resultados positivos, como a valorização da aula e melhor aprendizagem dos estudantes.

Nogueira realizou uma adaptação curricular de Física para Ciências Agrárias, com o objetivo principal de buscar uma relação entre a Física e a Agronomia no campo de atuação profissional do agrônomo. Assim, toda a discussão feita em sala de aula priorizou a relação entre os conteúdos e sua aplicação prática. A abordagem também utilizou experimentos que interligam a Física à prática profissional do agrônomo, bem como a introdução de métodos de avaliação inovadores, por meio da realização de seminários de cunho teórico ou experimental pelos estudantes [11[11] A.L.F.S. Nogueira, Uma adaptação curricular de Física para Ciências Agrárias. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte (2008).].

O trabalho de Souza et al. mostra que uma abordagem com métodos mistos, envolvendo diálogo, resolução de problemas e atividades experimentais, contribuiu para melhorar a compreensão sobre mecânica de estudantes da Engenharia, consequentemente aumentando o nível de aprovação [12[12] M.R. Souza, J.B. Kalhil e G.P. Souza, Lat. Am. J. Phys. Educ. 9, 1401 (2015).]. Estratégias metodológicas baseadas na execução e discussão de experimentos, sem aulas expositivas, foram aplicadas em turmas da Engenharia trazendo resultados positivos na aprendizagem e uma excelente avaliação dos estudantes [13[13] J.E. Parreira, Rev. Bras. Ens. Fís. 40, e1401 (2018).].

Na área da saúde também temos contribuições na tentativa de melhorar o processo de ensino e aprendizagem de Física por meio da contextualização do conteúdo. Como exemplos podemos citar a elaboração de um website voltado para o curso de Enfermagem [14[14] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021).], e a utilização de um jogo didático de Biofísica para o curso de Medicina [15[15] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021).].

Dessa maneira, percebemos que a contextualização trabalhada com estratégias que incitam a participação do estudante contribuiu para melhorar o ensino da Física em outros cursos. Em busca de uma mudança de pensamento no modo de lecionar, por uma nova forma de abordar o conteúdo e avaliar os estudantes de Engenharia Ambiental e Sanitária, a nossa proposta de ensino segue a mesma linha dos trabalhos encontrados na literatura, ao contextualizar os conhecimentos físicos à prática do engenheiro. Além disso, adotamos vários recursos didáticos mencionados nas experiências relatadas.

4. Metodologia

Neste trabalho foi elaborada e testada uma unidade de ensino, caracterizada por uma visão contextualizada da Física nos cursos de Engenharia, especialmente no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. Esta unidade de ensino foi construída a partir de reflexões sobre maneiras de melhorar a qualidade das aulas de Física no ensino superior, buscando além do entendimento do conteúdo, a sua aplicação no campo de trabalho, aliada a uma abordagem teórica e prática em acordo com a educação progressiva de Dewey.

Em um primeiro momento identificaram-se as potencialidades e fragilidades, em relação à aprendizagem de Física, dos estudantes do terceiro período do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária de uma faculdade particular, por meio de um questionário. Outra questão relevante foi a identificação da aplicabilidade dos conceitos discutidos na disciplina na área de atuação deste profissional. Desta maneira, foi realizada uma sondagem com engenheiros ambientalistas e sanitaristas. Após a aplicação da unidade de ensino, os estudantes avaliaram as atividades respondendo a um questionário de avaliação.

4.1. Sondagem: potencialidades e dificuldades dos estudantes

Com a intenção de mapear o perfil dos estudantes e sua experiência com a disciplina Física no Ensino Médio, o questionário I (Apêndice I) foi aplicado, abordando diversas questões, a citar, sobre como os conteúdos foram ensinados, quais fatores influenciaram no aprendizado, compreensão e afinidade da Física.

Em particular, buscou-se identificar a maneira como o professor de Física da educação básica discutiu a matéria em sala de aula, em especial, aspectos relativos às estratégias didáticas utilizadas, como por exemplo, se estes professores proporcionaram aos estudantes contato com aulas experimentais, e se correlacionaram o conteúdo ao cotidiano. Em relação ao curso de Engenharia Ambiental e Sanitária (EAS), os discentes foram questionados também sobre as suas expectativas em relação à disciplina Física II, e se seriam capazes de antecipar alguma relação entre a Física e a sua prática profissional.

4.2. Contextualização da Física na área de atuação

No questionário II (Apêndice II) foram abordadas questões de cunho profissional direcionadas aos engenheiros ambientalistas e sanitaristas. Na sua maioria, essas questões buscavam identificar os conteúdos mais importantes da Física para um profissional da Engenharia Ambiental e Sanitária, bem como a sua aplicabilidade na área de atuação.

4.3. Avaliação da unidade de ensino pelos estudantes

Os estudantes foram submetidos ao questionário III (Apêndice III) após a participação destes nas atividades desenvolvidas na unidade de ensino. Esse questionário investiga, de uma forma bem direcionada, como os estudantes avaliam a nova dinâmica e os recursos metodológicos alternativos das aulas planejadas.

Especificamente, buscou-se identificar se, na opinião dos estudantes, as práticas adotadas em sala de aula contribuíram para melhorar a compreensão dos conceitos da Física, se a presença de questões contextualizadas com situações cotidianas ajudou na resolução das avaliações, se o contato prático inicial com o conteúdo fez diferença na aprendizagem, se essa dinâmica agregou valores aos acadêmicos, em particular a conexão feita entre os conteúdos e a prática profissional, e se indicariam esta metodologia para ser utilizada em outras oportunidades. Por fim, foi deixado um espaço livre para críticas e sugestões à proposta.

5. Análise dos Resultados

Nesta seção discutem-se os dados coletados nos questionários I, II e III, bem como apresentam-se a unidade de ensino e sua aplicação. É importante ressaltar que os dados referentes aos questionários I e II foram importantes para orientar a elaboração da unidade de ensino.

5.1. Identificando as dificuldades dos estudantes

Participaram da pesquisa 17 estudantes do terceiro período de Engenharia Ambiental e Sanitária. O questionário I foi aplicado no início do mês de fevereiro, portanto, antes de qualquer contato com a disciplina Física II. O questionário foi respondido individualmente e sem consulta.

Todos afirmaram que estudaram Física no ensino médio, no entanto, onze estudantes tiveram dificuldades no seu aprendizado. Foram indicadas dificuldades com cálculos (5 estudantes), teoria (5 estudantes), aplicação do conteúdo (4 estudantes), teoria e cálculo (1 estudante); teoria e aplicação (1 estudante); cálculo e aplicação (1 estudante).

Dez estudantes (65%) relataram que durante o ensino médio a relação entre teoria e cotidiano foi trabalhada pelo professor em sala de aula. Além disso, percebe-se, com base nos dados, que os professores desses estudantes utilizaram recursos alternativos para discutir o conteúdo de Física. Dentre os recursos mais utilizados, todos os estudantes mencionaram exibição de vídeos, enquanto que articulação com o cotidiano e aulas práticas tiveram 59% de citação. Outros aspectos mencionados que facilitaram o entendimento do conteúdo foram: qualificação do professor (35%); resolução de exemplos (24%); aulas dinâmicas (18%) e aulas para discussão de dúvidas (12%). Vale ressaltar que cada estudante citou pelo menos três recursos.

Um pouco mais que a metade dos estudantes (53%) afirmou ter tido aulas práticas de Física, em acordo com os dados da questão anterior, em que os estudantes citaram esse recurso didático como um dos fatores que facilitaram o aprendizado.

Sobre as expectativas em relação à disciplina Física II do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, a maioria dos estudantes, em um total de 14, citou a aplicação da Física no cotidiano/prática; enquanto que seis estudantes esperam aprimorar/ampliar os conhecimentos relativos à disciplina; dois estudantes têm a expectativa de aprender com facilidade ou assimilar o conteúdo; e apenas um estudante espera ter atividades práticas.

De acordo com os dados obtidos, percebe-se a importância em relacionar o conteúdo da Física com a prática profissional do engenheiro, além da utilização de vários recursos didáticos. Esses dois aspectos, contextualização do conteúdo e emprego de recursos didáticos diversificados, são elementos presentes nas pesquisas da área [16[16] F.C. Cunha e J.E.C. Moreira, em: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física (Vitória, 2009).].

5.2. Identificando a relação do conteúdo com a prática profissional

Para identificar quais conteúdos de Física são pré-requisitos básicos para uma melhor atuação na Engenharia Ambiental e Sanitária, foi feita uma sondagem com profissionais atuantes na área. Desta maneira, cinco engenheiros, identificados como EA, EB, EC, ED e EE, responderam ao questionário II via correio eletrônico ou pessoalmente, sendo eles: a coordenadora (EA) e a professora (EB) de um curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, uma engenheira ambiental (EC) e um secretário (ED) de meio ambiente que trabalham na prefeitura da cidade, e um engenheiro ambientalista (EE) de uma empresa privada.

Quatro dos cinco profissionais participantes da pesquisa indicaram conteúdos de Mecânica, Termodinâmica e Hidrodinâmica, como fundamentais para capacitar o discente do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária para atuar no campo de trabalho. Outros conteúdos como Óptica e Eletromagnetismo da Física, e Álgebra linear e vetores da Matemática, tiveram uma indicação cada; Física moderna foi indicada por dois respondentes.

Para Mecânica, os respondentes citaram a importância de estudar as leis de Newton, movimento retilíneo uniforme, movimentos de rotação e translação, e a grandeza quantidade de movimento. Em Hidrodinâmica, os respondentes mencionaram vazão e escoamento de fluidos; e estudo dos gases em Termodinâmica. Para a discussão da Física moderna, um dos respondentes justifica que esta

deveria ser mais difundida no cenário ambiental como propulsora de tecnologias que fomentem a redução do consumo de fontes energéticas esgotáveis, solução de problemas de saneamento básico, desenvolvimento de tecnologias para novos materiais de construção, veículos, etc. (EE)

Em relação à forma de ensinar Física em um curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, os profissionais pesquisados indicaram a experimentação, para trabalhar os conteúdos, e a exploração da inter-relação entre a Física teórica e as questões ambientais, tanto na discussão do conteúdo e atividades, como na resolução de problemas. Na visão dos participantes é importante salientar que, de modo análogo às pesquisas da área [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005)., 9[9] M.C. Batista, P.A. Fusinato, R.B. Blini e R.F. Pereira, em: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física (Vitória, 2009)., 11[11] A.L.F.S. Nogueira, Uma adaptação curricular de Física para Ciências Agrárias. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte (2008)., 14[14] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021)., 15[15] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021).], é destacado como elemento fundamental a aproximação entre a física do curso e a aplicação no campo de trabalho.

No espaço deixado para críticas, comentários ou sugestões, os participantes foram unânimes em dizer que este trabalho é de suma importância. Outras sugestões foram “a inserção do tema pensamento sistêmico como novo paradigma”; e “trabalhar em sala a demanda de recursos hídricos e seu modo de consumo”.

Assim, entende-se que as aulas de Física devem ser voltadas para uma abordagem dinâmica e prática dos conteúdos, pois, além de facilitar a aprendizagem dos estudantes, constitui-se em uma oportunidade para formar profissionais diferenciados, críticos e formadores de opinião, educados para a vida.

Esses objetivos estão em acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) [17[17] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução N∘ 2: 24 de abril de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-2-de-24-de-abril-de-2019-85344528#:~:text=1%C2%BA%20A%20presente%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20institui,Sistemas%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Superior%20do, acessado em 24/02/2022.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C...
], que afirma que o curso de graduação em Engenharia Ambiental e Sanitária deverá possibilitar uma formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

Aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia; Projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; Conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; Ter visão holística e humanista, ser crítico, reflexivo, criativo, cooperativo e ético e com forte formação técnica; Estar apto a pesquisar, desenvolver, analisar e compreender os fenômenos físicos e químicos por meio de modelos simbólicos, físicos e outros, verificados e validados por experimentação [17[17] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução N∘ 2: 24 de abril de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-2-de-24-de-abril-de-2019-85344528#:~:text=1%C2%BA%20A%20presente%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20institui,Sistemas%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Superior%20do, acessado em 24/02/2022.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C...
].

Além de outros objetivos citados no próprio documento. Enfatizam-se também alguns objetivos específicos para o docente de Engenharia Ambiental e Sanitária, como por exemplo:

Desenvolver práticas inovadoras no ensino de Engenharia Civil; Motivar o afloramento de novas ideias e o desenvolvimento do espírito crítico, de forma que o estudante possa tomar consciência do processo no qual ele está inserido e tenha condições de manifestar sua capacidade de liderança e de tomada de decisões; Deve-se estimular as atividades que articulem simultaneamente a teoria, a prática e o contexto de aplicação, necessárias para o desenvolvimento das competências, estabelecidas no perfil do egresso, incluindo as ações de extensão e a integração empresa-escola; Devem ser incentivados os trabalhos dos discentes, tanto individuais quanto em grupo, sob a efetiva orientação docente; Deve ser estimulado o uso de metodologias para aprendizagem ativa, como forma de promover uma educação mais centrada no aluno [17[17] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução N∘ 2: 24 de abril de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-2-de-24-de-abril-de-2019-85344528#:~:text=1%C2%BA%20A%20presente%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20institui,Sistemas%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Superior%20do, acessado em 24/02/2022.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C...
].

O documento afirma que é obrigatória a existência das atividades de laboratório, tanto as necessárias para o desenvolvimento das competências gerais quanto das específicas, com o enfoque e a intensidade compatíveis com a habilitação ou com a ênfase do curso [17[17] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução N∘ 2: 24 de abril de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-2-de-24-de-abril-de-2019-85344528#:~:text=1%C2%BA%20A%20presente%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20institui,Sistemas%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Superior%20do, acessado em 24/02/2022.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C...
].

5.3. Elaboração da unidade de ensino

A unidade de ensino elaborada teve como base a contextualização e aulas diversificadas, abordando tanto o aspecto teórico como prático da Física, e principalmente relacionando-a ao campo de trabalho do futuro profissional da área. Dessa maneira, vários recursos didáticos foram utilizados no decorrer do semestre para que fossem realizadas atividades com o intuito de inovar o modo de trabalhar o conteúdo de Física discutido em sala de aula. Alguns desses recursos incluíram realização de experimentos no laboratório, seminários, exibição de vídeos sobre o conteúdo abordado, utilização de instrumentos de medição, além da realização de demonstrações simples, com materiais de baixo custo.

Inicialmente foi feito um planejamento geral das aulas de Física, que foi ajustado no decorrer do semestre letivo, aula a aula. O intuito era identificar as dificuldades da turma, ou seja, as aulas foram moldadas de acordo com o seu desenvolvimento e a recepção da metodologia adotada.

O semestre foi dividido em três etapas com duração total de oito aulas de 100 minutos. Na primeira e segunda etapas foram trabalhados conteúdos de Mecânica dos fluidos (densidade, pressão) e de Termodinâmica (escalas termométricas, calorimetria, dilatação), respectivamente, além da resolução de exercícios com e sem consulta. Na terceira etapa foram realizados os seminários temáticos e a avaliação final.

As duas primeiras etapas foram divididas em momentos distribuídos nas aulas como mostrado no Quadro 1. Trazemos também nesse quadro um resumo das atividades realizadas para a discussão de Mecânica dos fluidos.

Assim, um novo conteúdo foi introduzido com indagações sobre o tema que seria estudado. As palavras-chave eram anotadas no quadro, possibilitando relacioná-las com a matéria. Como era esperado houve grande participação dos estudantes, pois, de acordo com os dados do questionário I, todos afirmaram que haviam estudado Física no ensino médio. Assim, todos tinham conhecimentos prévios sobre o assunto.

No segundo momento, foi feita uma demonstração, ou exibidos vídeos com algo característico do conteúdo, ou um experimento que remetesse ao tema discutido. Como por exemplo, ao discutir a pressão exercida por líquidos em função da profundidade, foi utilizado o experimento da garrafa PET cheia de água, com furos em alturas distintas, demonstrando qualitativamente a diferença no escoamento do jato de água. Deste modo, os estudantes teriam a oportunidade de relatar de maneira espontânea o que eles viram na prática. Na terceira parte, foi iniciada a discussão formal de conceitos básicos da matéria abordada, relacionando-os diretamente com as palavras-chave anotadas no quadro no primeiro momento. Na próxima aula, foi realizado um experimento, ou a sua exibição por meio de um vídeo, caso não fosse possível a sua realização, correspondendo ao quarto momento. O objetivo era permitir que os estudantes resgatassem os conceitos anotados na aula anterior, proporcionando uma oportunidade para que construíssem conceitos e amadurecessem suas ideias sobre o tema. No quinto momento, finalizou-se a discussão dos conceitos teóricos iniciada anteriormente.

Quadro 1:
Resumo das principais atividades realizadas na etapa 1.

Após fazer as últimas considerações sobre o conteúdo, do sexto ao nono momento, os estudantes passaram para a fase de resolução de exercícios1 1 Detalhes da lista de exercícios, vídeos exibidos e experimentos realizados podem ser encontrados em [4]. . As questões disponibilizadas, retiradas e ou adaptadas de várias fontes, abordavam tópicos da teoria vista, com exercícios de cálculo e práticas, que demandavam raciocínio dos estudantes. Várias questões exigiam uma interpretação do conhecimento teórico em situações do cotidiano, como nos exemplos apresentados em (Apêndice IV). A lista de exercícios foi resolvida em grupos de quatro estudantes, organizados entre eles, em sala de aula.

No décimo momento, foram aplicados exercícios extras, abrindo-se espaço para diálogo sobre alguma dúvida teórica ou experimental dos estudantes. Um trabalho avaliativo foi aplicado em seguida, também realizado em grupo e sem consulta ao material, sendo disponibilizado o uso de calculadora e das fórmulas.

No último momento, os trabalhos corrigidos foram entregues, e as dúvidas explicadas pelo professor, finalizando assim a discussão daquele conteúdo.

Para o encerramento da etapa foi aplicada a avaliação individual sem consulta, respeitando o regimento interno da instituição. Essa avaliação é significativa, pois através da mesma pode-se chegar a conclusões sobre o desempenho individual dos estudantes, já que as outras atividades foram realizadas em grupo.

Finalizada a primeira etapa, na próxima aula iniciava-se um novo conteúdo, tendo a segunda etapa a mesma sequência de momentos definidos anteriormente.

Na terceira etapa, que culminou com o encerramento do semestre, foi realizado o seminário temático, com a intenção de contextualizar os temas vistos durante o semestre e articulá-los ao ambiente de trabalho dos engenheiros ambientalistas. Foram sugeridos, pela coordenadora do curso, alguns temas pertinentes para o seminário: Asfalto verde é permeável?; Reciclagem de papel, plástico, vidro, latinhas e pneus. Os temas são consistentes com o conteúdo trabalhado em sala, como densidade, pressão, temperatura, quantidade de calor e dilatação dos corpos. Desta maneira, foi possível mostrar aos estudantes a importância e a aplicabilidade do conteúdo na sua atuação profissional, como também a possibilidade de desenvolver uma consciência ecológica, pois todos os temas abordados vão ao encontro de soluções ecologicamente corretas e sustentáveis. Esses aspectos também se alinham à perspectiva atual da emergência climática.

5.4. Aplicação da unidade de ensino

Este trabalho foi realizado no primeiro semestre de 2015 no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária em uma faculdade particular. A Unidade de Ensino foi aplicada a 23 estudantes do terceiro período, com faixa etária variando de 19 a 23 anos.

Em cada etapa do semestre, trabalhamos os conteúdos de Mecânica dos fluidos (primeira etapa) e Termodinâmica (segunda etapa), que fazem parte da ementa da Física do curso, e realizamos o seminário temático (terceira etapa). O tópico movimento ondulatório também faz parte da ementa, mas por falta de tempo não foi abordado naquele semestre. A escolha dos conteúdos abordados foi feita de acordo com os resultados da sondagem feita com os engenheiros ambientalistas, nos quais selecionamos aqueles considerados mais importantes. Além dos trabalhos avaliativos em grupo, houve durante o semestre a realização de dois seminários, um no final da primeira etapa sobre Reciclagem de materiais, em que a turma foi dividida em grupos de acordo com a escolha dos produtos reciclados, tais como papel, vidro, plástico, pneu e metais; e outro no final da segunda etapa que teve como tema os Novos tipos de pavimentações, como o Asfalto ecológico, que busca amenizar o impacto ambiental com a reutilização de pneus; Asfalto que absorve a água; Concreto permeável, dentre outros tipos de pavimentações. Como exemplo das discussões, na apresentação do asfalto verde ou bioasfalto, em que óleo vegetal é adicionado ao asfalto comum, foi possível abordar problemas relacionados aos efeitos da temperatura no comportamento de materiais, a necessidade da utilização de juntas de dilatação e mastique em construções, uma vez que este asfalto apresenta maior durabilidade e resistência a grandes variações de temperatura.

Esse último seminário ocorreu após a discussão sobre Termologia e Calorimetria, assim, os estudantes já haviam realizado experimentos no laboratório, assistido a vídeos de experimentos e documentários sobre o tema abordado. A terceira etapa foi distribuída ao longo do semestre, aproveitando a proximidade com os temas estudados.

5.5. Avaliação da unidade de ensino pelos estudantes

Nesta seção apresenta-se a análise do questionário III aplicado aos 23 estudantes participantes da pesquisa, após a conclusão das atividades da Unidade de Ensino. A diferença entre o número de participantes desse questionário e o questionário I ocorreu porque este último foi aplicado no início do semestre e alguns estudantes ainda não estavam matriculados na disciplina.

Com exceção da última questão, as perguntas desse questionário foram muito direcionadas, desta maneira, a análise forneceu apenas uma percepção geral dos estudantes em relação à nova maneira de abordar os conteúdos. Assim, a maioria dos estudantes, cerca de 65%, afirmou que não teve dificuldade de aprendizado com a dinâmica utilizada durante o semestre. Entretanto, o mesmo percentual relatou que a maior dificuldade concentrou-se no quesito teoria, fato confirmado ao constatar que aproximadamente 70% dos estudantes não tiveram um desempenho satisfatório quando o item abordado exigia o entendimento teórico do conteúdo. Dois estudantes citaram dificuldade apenas nos cálculos e cinco estudantes citaram teoria e cálculos. Se compararmos com os dados do questionário I, observa-se uma pequena diferença entre os resultados, com um menor percentual indicando dificuldade apenas nos cálculos, e um aumento em teoria e cálculos.

Todos os estudantes afirmaram que perceberam a presença de questões práticas nas avaliações, e relataram que tinham maior facilidade para responder questões contextualizadas com a prática de um engenheiro ambientalista. Esse fato indica que a ligação entre a sala de aula e a aplicação do conteúdo na prática profissional pode proporcionar ao estudante um melhor desempenho na interpretação das questões, ampliando a utilização deste em prováveis situações no campo de trabalho ou até mesmo em situações cotidianas.

A grande maioria dos estudantes, neste caso 96%, afirmou que ao ilustrar a teoria com exemplos práticos no laboratório ou em vídeos, que demonstrassem a aplicabilidade por meio de experiências e fatos cotidianos, melhorou o entendimento da disciplina, facilitando a compreensão. A maioria dos estudantes também concordou com as afirmativas dizendo que “trabalhos apresentados no formato de seminários, juntamente com a pesquisa ao tema, trouxeram uma nova visão da disciplina e sua aplicabilidade ao campo de trabalho, conectando os conteúdos com a realidade prática do engenheiro ambientalista e sanitarista”.

O percentual de 96% dos estudantes relatou a abordagem do conteúdo direcionada para a prática profissional como um fator relevante para seu aprendizado, e 91% recomendariam essa nova metodologia de ensino para outras disciplinas e cursos.

Na última questão, os estudantes fizeram críticas e sugestões sobre a Unidade de Ensino, mostradas na Tabela 1. Pelas respostas, vê-se que 43% dos estudantes gostariam que o número de experimentos fosse maior, enquanto que uma pequena porcentagem gostaria que mais vídeos fossem exibidos, aulas mais dinâmicas, mais teoria e maior envolvimento dos estudantes. Cinco estudantes não indicaram nenhuma sugestão ou crítica, e dois estudantes sugeriram que as provas fossem feitas em dupla.

É importante mencionar, em referência às sugestões dos estudantes por mais aulas experimentais, que a disciplina em questão não incluía na sua ementa uma parte prática, ou mesmo, que Física experimental não faz parte da grade curricular do curso. Além disso, a instituição disponibilizava apenas um laboratório para práticas experimentais, e este estava reservado na maioria das vezes que buscávamos agendá-lo. Assim, tivemos que realizar alguns experimentos na própria sala de aula.

Table 1
Críticas e sugestões dos estudantes.

A busca por uma nova maneira de lecionar no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, em que a articulação da teoria com a prática se fez presente na maioria dos momentos, possibilitou a criação de um ambiente de curiosidade e motivação. Observamos um resultado satisfatório pois a participação efetiva dos estudantes durante a aula, interagindo com o professor, dando opiniões, sugestões, indagando, participando de maneira ímpar na realização dos experimentos, e consequentemente interpretando simulações de possíveis problemas no campo de trabalho, como relatado em [3[3] R.B. Santiago, em: XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Rio de Janeiro, 2005)., 9[9] M.C. Batista, P.A. Fusinato, R.B. Blini e R.F. Pereira, em: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física (Vitória, 2009)., 11[11] A.L.F.S. Nogueira, Uma adaptação curricular de Física para Ciências Agrárias. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte (2008)., 12[12] M.R. Souza, J.B. Kalhil e G.P. Souza, Lat. Am. J. Phys. Educ. 9, 1401 (2015)., 14[14] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021)., 15[15] M. Machado, I.S. Alves, E.R.R.M. Maia, A.A.S. Magalhães e I.B. Cordeiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210101 (2021).]. Ainda, foram notórios a satisfação e o otimismo dos estudantes durante a realização das atividades em sala, principalmente daqueles, que no início do semestre, relataram dificuldade e rejeição à Física. Percebemos que esses estudantes se portavam de maneira diferente no decorrer do semestre, mostrando que a mudança na abordagem das aulas de Física nesse curso foi valiosa.

É importante assegurar que os conteúdos trabalhados em sala de aula tenham um significado prático, uma aplicação no campo de trabalho ou até mesmo em uma simples demonstração. Permitindo que esses sejam observados de uma maneira diferente pelo estudante, dando espaço para que este possa construir conceitos e relacioná-los com sua vida prática. Assim, dando ao estudante a oportunidade de criar novos valores culturais, educacionais, deixando de ser um mero espectador e se tornando um formador de opinião. Logo, a metodologia e estratégias usadas em sala de aula, promovendo uma maneira diferente de ensinar Física no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, contextualizada e prezando pela participação ativa dos estudantes, vai ao encontro do anseio dos profissionais da área, como percebido na sondagem realizada.

6. Considerações Finais

É muito comum ouvir de professores da educação básica reclamações sobre o desinteresse da maior parte dos estudantes pela área das Ciências Exatas. E, infelizmente, no ensino superior a experiência não tem sido diferente. A situação em relação ao aprendizado de Física, especificamente no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, estava seguindo o mesmo caminho.

Diante de tanta inquietação, foi fundamental realizar um projeto inovador visando a mudança da abordagem de Física no curso, promovendo aulas com maior participação dos estudantes, tanto na dedução das fórmulas quanto nas discussões teóricas, além da utilização de experimentos ilustrando o conteúdo. Na avaliação, foram adotadas estratégias alternativas, dando grande ênfase aos exercícios contextualizados e voltados para a prática do profissional. Ainda na parte avaliativa, houve uma mudança nos trabalhos, que passaram a ser realizados em grupos, permitindo que os estudantes compartilhassem conhecimentos e experiências. E por fim, parte da avaliação foi feita por meio de seminários temáticos apresentados pelos estudantes, com o objetivo de concretizar a assimilação e o aprendizado dos conteúdos estudados ao contextualizá-los com a prática profissional do engenheiro ambientalista.

As ações praticadas neste trabalho para mudar a dinâmica de ensino de Física estão sob os olhares do referencial teórico de Dewey sobre a nobre maneira de educar [18[18] J. Dewey, A escola e a sociedade, e a criança e o currículo (Relógio D‘Agua, Lisboa, 2002).]. De acordo com o autor, o “indivíduo educa-se ao participar de atividades conjuntas, em experiências partilhadas compreendendo o significado das coisas, das palavras e dos atos ao compreender o uso que lhes é dado pelo grupo” [19[19] P.A. Galvão, Philosophica 12, 129 (1988)., p. 134]. Segundo Dewey, para que a escola seja eficaz em todos os níveis de educação, o perigo da ruptura com a vida social deve ser minimizado através de atividades vinculadas ao ambiente social mais vasto, das quais os indivíduos possam participar [18[18] J. Dewey, A escola e a sociedade, e a criança e o currículo (Relógio D‘Agua, Lisboa, 2002).].

Portanto, devido à crescente demanda do mercado de trabalho por profissionais qualificados, ágeis e com poder de decisão rápido e eficiente, notamos a necessidade de mudança, particularmente nas aulas de Física. Desta maneira, percebemos a importância de adequar e preparar profissionais para a área de trabalho, de maneira que o conteúdo possa ser identificado no seu cotidiano, e aplicado nos momentos necessários de forma a ajudar aos engenheiros a solucionar situações problema com êxito.

Em relação à metodologia, estratégias e dinâmicas usadas nesta proposta de ensino, deixamos como sugestão a composição de listas com problemas mais contextualizados. Percebemos que a quantidade de questões contextualizadas com foco prático na área de Física são escassas, sendo que, mesmo buscando em livros, apostilas e em sites da internet, pouco material foi encontrado para que pudesse suprir a nossa necessidade. Desta maneira, foi necessário que elaborássemos questões em um curto período de tempo. Por isso sugerimos que o professor selecione com antecedência questões contextualizadas e práticas referentes ao conteúdo a ser trabalhado no semestre. Isto evitaria a situação vivenciada de ter poucas opções de questões contextualizadas, diminuindo a possibilidade de êxito da proposta.

Por fim, por meio deste trabalho, fica uma sugestão aos coordenadores de curso, especialmente aos coordenadores do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, a reverem e analisarem a ementa do curso, e à luz da pesquisa realizada, considerarem a possibilidade de alteração da ementa da Física, com base principalmente nos resultados obtidos junto aos profissionais da área de Engenharia Ambiental e Sanitária. Na opinião desses, a ementa deveria se aproximar mais dos objetivos gerais do curso, e principalmente, abordar conteúdos que fazem parte do cotidiano da prática desse engenheiro, garantindo a formação de um profissional melhor preparado para atuar no campo de trabalho.

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    Detalhes da lista de exercícios, vídeos exibidos e experimentos realizados podem ser encontrados em [4[4] A.R. Rihs, Física no Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária: Uma abordagem contextualizada. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte (2016).].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2021
  • Revisado
    04 Fev 2022
  • Aceito
    22 Fev 2022
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