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Efeito da evaporação num termômetro secando

Effect of evaporation on a drying thermometer

Resumos

Estudamos a evolução temporal da temperatura no sensor de um termômetro digital do tipo espeto no qual ocorre evaporação de água de torneira ou álcool 70° (etanol). Apresentamos um modelo teórico com base no princípio da conservação da energia, no qual a diferença de temperatura do sensor em relação à ambiente tem duas componentes exponenciais, sendo uma proporcional ao calor perdido devido à evaporação do líquido que molha a haste do termômetro e a outra exponencial proporcional ao calor recebido do ar ambiente, nos momentos que a haste do sensor está mais fria que o ambiente. Analisamos quantitativamente o fenômeno ajustando a equação teórica aos dados experimentais. Para confirmar o comportamento exponencial relacionado à evaporação, medidos a variação de massa durante a evaporação. O modelo proposto funciona muito bem para a evaporação de etanol. O material experimental mínimo necessário para o estudo quantitativo proposto é um termômetro digital de espeto, uma pisseta com álcool e um cronômetro e/ou uma câmera digital que pode ser de um smartphone. Uma demonstração qualitativa pode ser feita comparando a temperatura mínima alcançada para os dois líquidos utilizados.

Palavras-chaves:
Evaporação; Temperatura; Função exponencial


We studied the temporal evolution of the temperature in the sensor of a digital thermometer of the skewer type in which tap water or 70° alcohol (ethanol) evaporates. We present a theoretical model based on the principle of conservation of energy, in which the difference in temperature of the sensor in relation to the environment has two exponential components, one being proportional to the heat lost due to the evaporation of the liquid that wets the thermometer rod and the other exponential proportional to the heat received from the ambient air, when the sensor rod is colder than the ambient. We quantitatively analyze the phenomenon by fitting the theoretical equation to the experimental data. To confirm the exponential behavior related to evaporation, we measured the mass change during evaporation. The proposed model works very well for ethanol evaporation. The minimum experimental material needed for the proposed quantitative study is a digital thermometer on a skewer, a bottle with alcohol and a stopwatch and/or a digital camera that can be taken from a smartphone. A qualitative demonstration can be made by comparing the minimum temperature reached for the two liquids used.

Keywords:
Evaporation; Temperature; Exponential Function


1. Introdução

Na cultura brasileira usamos o resfriamento por evaporação para beber água fresca em dias quentes utilizando “filtro de barro”, talha cerâmica e moringa de cerâmica por mais de um século [1[1] J.C. Bellingieri, Anais do Museu Paulista 12, 161 (2004).]. Na prova do ENEM de 2000, foi colocada a seguinte questão:

“Ainda hoje, é muito comum as pessoas utilizarem vasilhames de barro (moringas ou potes de cerâmica não esmaltada) para conservar água a uma temperatura menor do que a do ambiente. Isso ocorre porque:” A alternativa certa é “c) o barro é poroso, permitindo que a água passe através dele. Parte dessa água evapora, tomando calor da moringa e do restante da água, que são assim resfriadas.”

No curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da nossa Escola, um dos procedimentos na aula prática de Física sobre “Lei de Newton de resfriamento” [2[2] A. Tufaile e A.P.B. Tufaile, Da Física do Faraó ao Fóton: Percepções, Experimentos e Demonstrações de Física (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2013)., 3[3] J.C. Sartorelli, H. Housoume e E.M. Yoshimura, Rev. Bras. Ens. Fis. 21, 116 (1999).] é a medida da temperatura ambiente no início e no final da tomada de dados para termos a garantia de que não ocorreu uma variação significativa da temperatura ambiente durante a tomada de dados. Essa medida é feita usando o mesmo termômetro de espeto usado para medir a temperatura do resfriamento de 200 ml água inicialmente quente. Quando um estudante esqueceu da recomendação de secar adequadamente o sensor do termômetro para medir a temperatura ambiente ao final, ele percebeu o fenômeno de “queda” da temperatura abaixo da temperatura ambiente, o que gerou o questionamento: “Por que a temperatura caiu abaixo da temperatura ambiente?” Demos como resposta que isto é um efeito da evaporação do líquido que fica na superfície do termômetro e fizemos uma demonstração deste efeito colocando gotas de álcool no sensor do termômetro para salientar o fato da queda da temperatura no medidor por causa da evaporação. Para colocar a situação num contexto mais amplo, citamos também a medida da umidade relativa do ar com a técnica da temperatura de bulbo úmido [4[4] D. Rani, Appl. Sci. Eng. J. Adv. Res. 1, 14 (2022).], que é a temperatura mais baixa que pode ser alcançada apenas pela evaporação da água com um termômetro, que também está relacionada com o resfriamento que se sente quando a pele está molhada e está exposta a movimentação de ar. E citamos o “efeito Mpemba” [5[5] E.B. Mpemba e D.G. Osborne, Phys. Educ. 4, 172 (1969).] que recentemente teve grande popularidade com vídeos on-line mostrando água fervente sendo jogada no ar bem frio se transformando em neve quase que instantaneamente, devido ao rápido resfriamento proporcionado pela evaporação.

Na página em inglês da Wikipedia sobre evaporação [6[6] Wikipedia, Evaporation, disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Evaporation, acessado em 06/08/2022.
https://en.wikipedia.org/wiki/Evaporatio...
], encontramos um vídeo mostrando um termômetro sendo tirado do etanol à temperatura ambiente e resfriando enquanto seca no ar, apesar disso não encontramos na literatura um estudo quantitativo desta demonstração. Costumamos dizer aos estudantes “O termômetro só mede sua própria temperatura, então devemos esperar a indicação de temperatura estabilizar, ou seja, esperar o equilíbrio térmico do medidor com o objeto medido para poder conhecer a temperatura”. Mas percebendo que o fenômeno de resfriamento por evaporação desperta o interesse dos estudantes em alguns dos aspectos da termodinâmica e da instrumentação relacionada com termometria, nós decidimos apresentar este artigo sugerindo o procedimento de um experimento, que demonstra aspectos qualitativos e quantitativos deste fenômeno e publicamos um vídeo mostrando o fenômeno de resfriamento por evaporação [7[7] https://youtu.be/q9W1B7f7QeU, acessado em 22/07/ 2022.
https://youtu.be/q9W1B7f7QeU...
]. Nosso objetivo aqui é determinar uma expressão algébrica para o resfriamento de um termômetro molhado devido ao processo de evaporação em conjunto com outro processo relacionado com o relaxamento térmico do medidor de temperatura.

2. Alguns Aspectos da Evaporação

Durante o processo de ebulição o líquido vai se transformando em vapor por todo seu volume. Podemos ver as bolhas de vapor se formando dentro da água em ebulição, por exemplo. Mas mesmo fora da temperatura de ebulição os líquidos sofrem uma vaporização na superfície, isso é o que chamamos de evaporação. Para líquidos simples, a ebulição ocorre em temperatura constante, mas isso não vale para a evaporação que ocorre fora da ebulição e é acompanhada pelo resfriamento. A evaporação sempre retira calor do líquido. Durante a ebulição, a temperatura permanece constante, mesmo com a absorção de calor da fonte externa (p. ex. fogo embaixo da panela). Nesse caso o líquido está absorvendo calor da fonte externa e perdendo calor por evaporação e assim pode manter sua temperatura constante. Então a evaporação é um processo de resfriamento e ela ocorre mesmo à temperatura ambiente com velocidades (taxa de evaporação) perceptíveis para líquidos como água e solventes orgânicos.

Falando sobre evaporação da água, Lia Q. do Amaral escreveu: “Por esse motivo as roupas secam no varal, mesmo à temperatura ambiente. As moléculas de água estão em um estado constante de evaporação e condensação perto da superfície da água líquida. O movimento térmico de uma molécula de líquido deve ser suficiente para vencer a tensão superficial e evaporar, isto é, sua energia cinética deve exceder o trabalho de coesão aplicado pela tensão superficial à superfície do líquido. Assim as moléculas mais energéticas escapam com maior facilidade, isso leva ao processo de resfriamento por evaporação. (…) Esse é o processo pelo qual o suor resfria a pele.” [8[8] L.Q. do Amaral, em: Entre Sólidos e Líquidos: uma visão contemporânea e multidisciplinar para formação de professores e divulgação do conhecimento, editado por L.Q. do Amaral (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2013).].

Vale lembrar que a temperatura é uma média por molécula da energia cinética de translação das moléculas ou constituintes do meio material, se saírem as moléculas mais velozes, essa média diminuirá e consequentemente o objeto resfria.

Nosso sistema é a ponta da haste de um termômetro de espeto, pois é onde fica o sensor de temperatura. Inicialmente temos o termômetro e o líquido à temperatura ambiente. Molhamos a haste do termômetro com líquido (água ou etanol 70° e observamos a indicação de temperatura durante o resfriamento devido à evaporação do líquido e durante o aquecimento até voltar à temperatura ambiente. Vamos desprezar o aumento de energia interna ou energia térmica devido ao funcionamento do circuito eletrônico do aparelho. No nosso sistema (ponta da haste do termômetro) não há variação do número de partículas, não há reações químicas, nem variação de pressão e nem mudança de estado, então a variação da energia térmica é proporcional à variação da temperatura do sistema. As trocas de calor sofridas por nosso sistema são duas: a evaporação do líquido que retira energia térmica e o calor absorvido devido à diferença de temperatura com o ar circundante, que chamamos de relaxação térmica. Então a variação da energia interna será igual ao calor absorvido do ambiente (relaxação) menos o calor perdido devido à evaporação do líquido. Como a variação da temperatura é proporcional à variação da energia térmica, então a variação da temperatura é proporcional à contribuição da relaxação térmica menos a contribuição da evaporação.

A relaxação térmica tem um tempo característico ou uma constante de tempo (τ) que depende principalmente das características do termômetro, como material da haste, qualidade da superfície e massa, por exemplo.

Para líquidos como a água e os solventes orgânicos a taxa de evaporação ou velocidade de evaporação depende de muitos fatores, alguns relacionados às características do líquido e outras relacionadas ao ambiente. A pressão de vapor em cima do líquido é uma das características principais, se colocamos o líquido num recipiente fechado, a evaporação pode alcançar um equilíbrio, quando o número de moléculas que deixa o líquido a cada segundo é igual ao número de moléculas que volta para o líquido. Podemos até dizer que a evaporação parou, mas esse é um equilíbrio dinâmico.

Nos nossos casos, o líquido que molha a haste do termômetro está evaporando em contato com a atmosfera aberta. No caso da água, temos sempre a umidade relativa do ar, então a evaporação será mais rápida nos dias de ar mais seco. Evitamos vento protegendo o sistema de correntes de ar, mas não o confinando. O álcool etílico ou etanol evapora bem mais rápido que a água, dentre outros fatores, porque tem menor tensão superficial e porque não estamos numa atmosfera que contenha álcool na abundância da água.

Outro fator determinante da taxa de evaporação é a área da superfície entre o líquido e a atmosfera, como a evaporação ocorre na superfície, quanto maior a superfície mais rápida será a evaporação. É por isso que a roupa seca mais rápido quando esticada no varal do que compactada. Numa secadora de roupas, deve haver espaço suficiente para o ar quente e seco poder acelerar ainda mais a secagem.

A temperatura do líquido e a pressão total em cima dele também são fatores importantes. Quanto mais quente o líquido, mais moléculas terão velocidade suficiente para vencer a tensão superficial. Quanto maior a pressão total, menor a taxa de evaporação.

As características do líquido como composição e concentração também são determinantes, pois definem a coesão do material e sua tensão superficial, ou seja, o trabalho que deve ser vencido para as moléculas conseguirem deixar a fase líquida.

A constante de tempo ou tempo característico do resfriamento devido à evaporação terá um tempo característico ou constante de tempo (λ) que depende de todos esses fatores citados acima. Para termos mais informação sobre a evaporação, medimos a massa do termômetro secando com uma balança semianalítica e pudemos observar a variação da temperatura e da massa simultaneamente.

Alguém pode ficar preocupado com o tempo de resposta do termômetro durante uma medida de temperatura variando, mas os atuais termômetros digitais de espeto têm tempo característico de resposta para medida de temperatura de líquidos de poucos segundos [9[9] V. Thomsen, Phys. Teach. 36, 540 (1998).], nós encontramos que para os termômetros que utilizamos nesse trabalho esse tempo característico de resposta é de aproximadamente 4 segundos, que é uma ordem de grandeza menor que o tempo característico τ e duas ordens de grandeza menor que o tempo característico λ. Esse tempo de resposta é medido para uma diferença de temperatura grande, alguns graus celsius, mas outra característica do experimento que estamos propondo é que o líquido e o termômetro estão inicialmente na mesma temperatura, que é a ambiente. Eles vão resfriando e aquecendo juntos, então a diferença de temperatura entre eles é muito pequena, portanto, estamos supondo que haja um atraso muito pequeno na medida de temperatura. A mesma suposição é feita no experimento da Lei de Newton do Resfriamento [2[2] A. Tufaile e A.P.B. Tufaile, Da Física do Faraó ao Fóton: Percepções, Experimentos e Demonstrações de Física (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2013).].

3. Teoria

Pelo princípio da Lei de Conservação da Energia, a variação da energia interna E, será igual ao calor total QTotal, pois no nosso sistema, que é a ponta da haste do termômetro, não há trabalho nem variação de potencial químico. O calor total tem duas contribuições a relaxação térmica, Qrelax, e a contribuição da evaporação Qevap:

(1) Δ E = Q Total = Q relax - Q evap ,

Vamos chamar de ΔT a diferença entre a temperatura ambiente Tamb e a temperatura indicada no termômetro T, ou seja, ΔT=Tamb-T. Como a variação de energia interna só tem contribuições de calor, então a variação da temperatura também pode ser dividida em duas contribuições, a relaxação e a evaporação que vamos chamar de ΔTrelax e ΔTevap respectivamente:

(2) Δ T = Δ T relax - Δ T evap .

O relaxamento térmico é uma característica intrínseca do instrumento e a quantidade Qrelax é dada por [9[9] V. Thomsen, Phys. Teach. 36, 540 (1998).]:

(3) Q relax = h A s Δ T relax ,

com h sendo o coeficiente de transferência de calor e As é a área da superfície do sensor.

A equação (3) é muito semelhante ao que se faz para a Lei de Newton do Resfriamento, veja a referência [3[3] J.C. Sartorelli, H. Housoume e E.M. Yoshimura, Rev. Bras. Ens. Fis. 21, 116 (1999).]. Então podemos chegar que ΔTrelax tem uma variação exponencial:

(4) Δ T relax ( t ) = α 1 e - ( 1 τ t ) .

Onde α1 é uma constante de proporcionalidade, pois não depende do tempo, e τ é a constante de tempo ou tempo característico da relaxação.

A evaporação é um processo de resfriamento acompanhado de perda de massa do líquido, pois as moléculas vão deixando a fase líquida se tornando vapor. Consideramos que a evaporação do líquido pode ser modelada partindo da equação de conservação da massa em função do tempo M(t):

(5) M ( t ) = - λ d M d t + F ( t ) ,

onde λ é a constante de tempo de evaporação e F(t) representa a adição direta de líquido no sensor, que tem a forma de um espeto, ou a saída do líquido por gotejamento no espeto do termômetro. Consideramos a variação da massa depois da adição do líquido e depois do gotejamento, para podermos considerar que temos variação da massa apenas pelo processo de evaporação, usamos F(t)=0, então obtemos:

(6) M ( t ) = - λ d M d t - 1 λ d t = d M M .

Integrando esta função, encontramos uma função logarítmica da massa relacionada com o tempo multiplicado pelo valor negativo do inverso da constante de tempo de evaporação:

(7) - 1 λ t = l n M ( t ) l n M 0 ,

que nos leva a equação de evaporação da massa em função do tempo dada pelo decaimento exponencial a partir de uma quantidade de massa líquida no início da evaporação:

(8) M ( t ) = M 0 e - 1 λ t .

Vamos fazer a suposição mais simples possível de que a contribuição da evaporação para a variação da temperatura ΔTevap seja proporcional à massa de líquido na haste do termômetro, com a constante de proporcionalidade α2. Então:

(9) Δ T evap ( t ) M ( t ) Δ T evap ( t ) = - α 2 e - 1 λ t .

Substituindo as equações (4) e (9), as expressões de ΔTrelax e ΔTevap na equação (2), a expressão de ΔT, chegamos a

(10) Δ T ( t ) = α 1 e - t τ - α 2 e - t λ ,

As constantes de proporcionalidade α1 e α2 devem depender da temperatura inicial, como os dois processos, relaxação e evaporação, ocorrem simultaneamente, primeiramente vamos supor que sejam iguais, posteriormente os parâmetros dos ajustes de função aos dados experimentais dão mais indícios.

A combinação destes dois processos leva à função completa ΔT(t) mostrada na Figura 1, representada algebricamente pela combinação de dois relaxamentos exponenciais concorrentes, com uma a constante de proporcionalidade α:

(11) Δ T ( t ) = α ( e - t / τ - e - t / λ ) ,

Ajustamos uma função desse tipo aos dados experimentais variando os parâmetros α,λ e τ. É interessante notar que mesmo utilizando as simplificações citadas anteriormente, o comportamento qualitativo de ΔT mostrado na Figura 1b também pode ser observado em outros sistemas onde ocorre evaporação, como o “efeito Mpemba” [5[5] E.B. Mpemba e D.G. Osborne, Phys. Educ. 4, 172 (1969).] e o refrigerador sem eletricidade do “Pote-no-Pote” [10[10] A. Chemin, V.L.D. Vehel, A. Caussarieu, N. Plihon e N. Taberlet, Am. J. Phys. 86, 206 (2018).].

Figura 1:
Em (a) representamos os dois processos exponenciais concorrentes neste experimento: a evaporação e o relaxamento térmico. A função resultante da combinação destes processos é mostrada em (b) e tem a forma algébrica de ΔT(t).
Figura 2:
Aparato experimental para a medida da variação da temperatura em (a). Em (b), temos o exemplo da molhagem do termômetro 1 marcado em amarelo.
Figura 3:
(a) Algumas dimensões da haste do termômetro chamada de espeto. Aparato mostrando a balança semianalítica para a medida da variação da massa de evaporação em (b). Em (c), temos o histograma feito para verificar a calibração dos termômetros na temperatura de 24,0°C.

4. Aparato e Procedimento Experimental

Neste experimento colocamos um termômetro ao lado de outro termômetro medindo a temperatura do ar dentro de um recipiente com a parte de cima com furos para não ter um recipiente fechado, mas evitar correntes de ar. Esperamos os termômetros mostrarem a mesma temperatura, para garantirmos que o sistema está em equilíbrio térmico. Usamos termômetros Minipa, modelo MV-363. O termômetro 2 serve apenas para verificarmos que a temperatura ambiente não variou durante a tomada de dados, poderia ser usado outro termômetro, como um de parede, ou observar se a temperatura do termômetro molhado volta para mesma temperatura inicial, usando apenas um. Molhamos o espeto do termômetro 1 com álcool e recolocamos o conjunto de volta no recipiente. Observamos a variação da temperatura, filmando todo o processo de queda e de volta à temperatura ambiente usando um Smartphone. Tomamos os dados manualmente observando o vídeo e usando o cronômetro do tocador de vídeo. Com base nesta descrição, o material necessário para este experimento é:

  • (a)

    1 termômetro do tipo espeto com resolução de 0,1°C mostrado na Figura 2. Alguns detalhes das dimensões do termômetro são mostrados na Figura 3a;

  • (b)

    1 vasilhame transparente para servir de suporte para uma tampa de papelão onde serão colocados os termômetros. Sugerimos que na tampa de papelão deve haver alguns furos para servirem de “respiro”;

  • (c)

    1 cronômetro e/ou câmera digital. Nós gravamos todo o processo com o auxílio de uma câmera com tocador de vídeo com cronômetro em segundos.

  • (d)

    Os líquidos utilizados foram água de torneira e álcool etílico hidratado 70º INPM, conhecido como “álcool 70”. Vale ressaltar que o álcool evapora numa taxa mais rápida do que a taxa de evaporação da água porque a temperatura de ebulição do álcool é menor do que a da água, 82°C para o álcool e 100°C para a água ao nível do mar. Assim o álcool é capaz de transferir mais calor do termômetro do que a água por evaporação. A tensão superficial da água é de 73 mN/m à temperatura ambiente, enquanto a do álcool é de 22 mN/m. Notamos que este efeito de molhagem afeta os resultados experimentais obtidos para cada caso, como será discutido mais adiante;

  • (e)

    Para este trabalho, utilizamos também uma balança semianalítica para realizar as medidas da variação da massa durante o processo de evaporação, como está mostrado na Figura 3b. Este equipamento não é essencial para o uso em uma aula de apresentação do efeito da evaporação num termômetro secando, isso nos permitiu verificar a consistência de nossa hipótese sobre como ocorre a evaporação do álcool, assim consideramos o uso da balança como optativo;

  • (f)

    Para análise dos dados utilizamos o software Origin da OriginLab, mas qualquer programa que possa ajustar a soma de duas exponenciais simples serve para o ajuste dos parâmetros.

Alguns cuidados precisam ser observados:

  • (1)

    Estes termômetros são comumente para o uso culinário e segundo o fabricante possuem uma resolução de 0,1°C e uma “precisão de Quartzo em 1/10 de Graus”. Para esclarecer o significado desta informação, nós fizemos uma comparação com trinta termômetros do mesmo lote de fabricação para medida da temperatura ambiente ao redor de 24,0°C e obtivemos a estatística da distribuição de temperaturas mostrada na Figura 3c.

  • (2)

    Percebemos que quando estes termômetros estão sujeitos a uma variação de temperatura, eles apresentam também uma histerese ao redor da resolução de 0,1°C.

  • (3)

    Escolhemos pares de termômetros no lote dos 30 termômetros que indicavam a mesma temperatura ambiente para comparação.

  • (4)

    Com o auxílio de uma balança semianalítica, Figura 3b, observamos a variação da massa do álcool e a temperatura durante o processo de evaporação que nos permite observar variações de massa da ordem de 1 miligrama. A quantidade de álcool que ficava presa na haste no início do processo é ao redor de 10 miligramas em média, enquanto a quantidade de água é da ordem de 4 miligramas.

  • (5)

    Para obter medidas quantitativas das variáveis de temperatura, massa e tempo, filmamos o processo de queda e retorno à temperatura ambiente, que ocorre em até no máximo de 20 minutos para água e 10 minutos para o etanol 70°. A umidade do ar afeta o tempo de secagem do espeto do termômetro, para o caso dos dados apresentados neste trabalho a umidade do ar estava ao redor de 70%, fazendo medidas com um higrômetro de um conjunto de uma “estação meteorológica” de parede.

  • (6)

    O termômetro de espeto é projetado para ficar enterrado no objeto que deve medir a temperatura, mantendo uma distância de 1,5 cm do módulo eletrônico, mas verificamos que o local onde o termômetro mede a temperatura de modo mais eficiente é na ponta da haste do termômetro. Por isso fazemos a molhagem completa da haste (espeto) e colocamos o termômetro suspenso no ar. O líquido tende a se acumular na forma de gota na ponta inferior da haste do termômetro que pode ser observada a olho nu, como está mostrado na Figura 4. Como já informamos, a massa típica do álcool retido no termômetro nas nossas tomadas de dados é por volta de 10 miligramas, enquanto a da água é por volta de 4 miligramas. Esta diferença de massa pode ter sua explicação na diferença da tensão superficial entre os dois líquidos. Enquanto as gotas de álcool se formam e evaporam de forma uniforme ao redor da ponta do espeto, as gotas de água se agarram à haste do sensor de maneira não uniforme, como está mostrado na Figura 5.

  • (7)

    Observamos a evolução da temperatura para o termômetro submetido a um degrau de temperatura para três situações distintas e obtivemos o relaxamento térmico com três tempos característicos distintos: 4,4 s para o sensor imerso 4 cm em água gelada, 33,3 s para um aquecimento apenas na ponta do espeto e 52,2 s para um aquecimento em todo o espeto, nesses dois últimos casos a haste do termômetro sempre esteve no ar. Considerando esta variação do tempo de reação do termômetro, podemos notar que existe uma impedância térmica relacionada com o modo que o termômetro entra em contato com o meio no qual ele está inserido [9[9] V. Thomsen, Phys. Teach. 36, 540 (1998).]. No caso da molhagem neste experimento, temos inicialmente o espeto molhado com o líquido que evapora e ao final em contato com o ar.

Figura 4:
A gota de álcool suspensa na ponta da haste em (a) vai secando durante o processo de evaporação (b), até desaparecer da ponta da haste (c) no qual vemos a simetria da distribuição do líquido no sensor de temperatura.
Figura 5:
Efeito da molhagem da água. Devido aos efeitos de tensão superficial, as gotas de água não ficam de forma uniforme ao redor da haste como no caso do álcool da Figura 4, como podemos notar nas regiões marcadas com a linha vermelha em (a) e (b). A tensão superficial da água é cerca de 70 mN/m à temperatura ambiente, enquanto a do álcool é de 22 mN/m. Este efeito da tensão superficial afeta a reprodutibilidade da temperatura indicada pelo termômetro.

5. Apresentação dos Resultados e Análise

Observamos a evolução temporal da diferença de temperatura ΔT e da massa M durante o processo de evaporação, como está descrito a seguir para testarmos a nossa hipótese apresentada sinteticamente na equação (11), para uma temperatura ambiente ao redor de 26°C. A função que ajustamos aos dados experimentais é

(12) Δ T ( t ) = A 1 e - t t 1 + A 2 e - t t 2 + y 0 ,

5.1. Variação da diferença de temperatura

Na Figura 6, apresentamos a diferença de temperatura ΔT durante o processo de evaporação usando água para duas medidas de molhagens distintas.

Figura 6:
Diferença de temperatura ΔT em função do tempo t para duas medidas utilizando água e ajuste da função da equação (12) na curva vermelha. Em (a), temos a molhagem 1 e em (b) a molhagem 2. A molhagem 1 foi feita apenas na ponta da haste, a molhagem 2 foi feita mergulhando 4 cm da haste na água.

Observando os dois gráficos, podemos notar que o aumento do módulo do valor da diferença de temperatura ΔT nos dois casos, seguida da sua anulação quando a evaporação se encerra e os dois termômetros voltam a mostrar a mesma temperatura. Podemos inferir que a diferença entre os tempos de evaporação é grande, sendo que o caso apresentado na Figura 6a, o tempo é dez vezes menor do que o do caso da Figura 6b. No caso da molhagem 2, quando mergulhamos 4 cm da haste do termômetro na água, temos dois degraus no aumento da temperatura T, que não ocorrem na molhagem 1, quando molhamos apenas a ponta do termômetro. Isso mostra uma falta de reprodutibilidade quando usamos a água. No caso da água, apenas na molhagem 1 a função da equação (12) se ajusta bem aos dados experimentais.

Na Figura 7, mostramos os dados da diferença de temperatura ΔT durante o processo de evaporação usando álcool em duas medidas diferentes, fazendo a molhagem com uma pisseta como mostrado no nosso vídeo on-line [7[7] https://youtu.be/q9W1B7f7QeU, acessado em 22/07/ 2022.
https://youtu.be/q9W1B7f7QeU...
].

Figura 7:
Função ΔT para duas medidas utilizando álcool 70°. Em (a) temos os dados de um evento de evaporação com a molhagem 1 e em (b) outro evento com a molhagem 2. A linha vermelha representa a função da equação (12) ajustada aos dados experimentais.

A primeira observação que pode ser feita, inclusive numa demonstração simples, é o valor mínimo de temperatura alcançada ou a amplitude da variação da temperatura para cada líquido e comparar esses valores. No caso mais bem comportado da água temos essa amplitude de aproximadamente 1,5°C. Molhando mais a haste com água conseguimos uma amplitude de 5°C, mas uma curva ruim. Para o álcool 70°, conseguimos amplitudes de aproximadamente 13°C, porque o álcool é mais volátil do que a água, ou seja, o álcool evapora mais rapidamente que a água.

De maneira geral, estes gráficos representam o comportamento típico e a reprodutibilidade do experimento para a água e para o álcool. Podemos notar que os dados para o caso da molhagem da haste do termômetro usando álcool são bem mais estáveis do que o caso da molhagem utilizando água, tanto na forma da função ΔT, quanto na sua escala de tempo e amplitude. As curvas de diferença de temperatura do álcool são mais semelhantes entre si do que as curvas de diferença de temperatura da água.

Utilizando o ajuste a função da equação (12) para os dados experimentais mostrados em Figuras 6a, 7a e 7b em adição a uma terceira medida utilizando álcool, nós obtivemos os resultados da Tabela 1.

Tabela 1:
Valores obtidos para os parâmetros do ajuste da função da equação (12) aos dados experimentais de ΔT(t). R2 representa a qualidade do ajuste, também conhecida como χ2 (qui quadrado) reduzido.

A observação direta destes resultados mostra que o sistema de evaporação com álcool apresenta curvas que se aproximam mais da hipótese da sobreposição das funções exponenciais do que o caso com água. O parâmetro R2 avalia a qualidade do ajuste, sendo que quanto mais próximo do valor de 1,000, melhor será o ajuste. Para fins de análise consideramos apenas os casos onde R2 é maior do que 0,98. A Tabela 1 mostra que o melhor ajuste dos dados é para o caso do álcool.

Analisando os valores da Tabela 1, podemos perceber que as constantes de proporcionalidade são iguais em módulo, então podemos dizer que os dados experimentais indicam que A1=A2=α. O sinal negativo de A2, indica que t2=λ, a constante de tempo da evaporação, logo t1=τ é a constante de tempo da relaxação. A constante y0 ou é zero ou é bem pequena. Podemos concluir que esses dados experimentais concordam com a equação (11), do nosso modelo de evaporação com relaxação.

5.2. Variação da massa

Medimos a evolução temporal da massa para confirmarmos o comportamento exponencial da evaporação. Como o uso do álcool fornece melhor reprodutibilidade e menor ruído, nós nos concentramos nas medidas da variação da massa do líquido durante a evaporação, apenas para o caso do álcool para obter uma expressão algébrica. Um exemplo típico da variação da massa do álcool no tempo M(t) está mostrado na Figura 8.

Podemos notar no gráfico da Figura 8 que a massa de álcool agregada junto à haste do termômetro decai durante todo o processo. Baseado na hipótese de perda de massa devido à evaporação apresentada na seção 3 3. Teoria Pelo princípio da Lei de Conservação da Energia, a variação da energia interna E, será igual ao calor total QTotal, pois no nosso sistema, que é a ponta da haste do termômetro, não há trabalho nem variação de potencial químico. O calor total tem duas contribuições a relaxação térmica, Qrelax, e a contribuição da evaporação Qevap: (1) Δ ⁢ E = Q Total = Q relax - Q evap , Vamos chamar de ΔT a diferença entre a temperatura ambiente Tamb e a temperatura indicada no termômetro T, ou seja, ΔT=Tamb-T. Como a variação de energia interna só tem contribuições de calor, então a variação da temperatura também pode ser dividida em duas contribuições, a relaxação e a evaporação que vamos chamar de ΔTrelax e ΔTevap respectivamente: (2) Δ ⁢ T = Δ ⁢ T relax - Δ ⁢ T evap . O relaxamento térmico é uma característica intrínseca do instrumento e a quantidade Qrelax é dada por [9]: (3) Q relax = h ⁢ A s ⁢ Δ ⁢ T relax , com h sendo o coeficiente de transferência de calor e As é a área da superfície do sensor. A equação (3) é muito semelhante ao que se faz para a Lei de Newton do Resfriamento, veja a referência [3]. Então podemos chegar que ΔTrelax tem uma variação exponencial: (4) Δ ⁢ T relax ⁢ ( t ) = α 1 ⁢ e - ( 1 τ ⁢ t ) . Onde α1 é uma constante de proporcionalidade, pois não depende do tempo, e τ é a constante de tempo ou tempo característico da relaxação. A evaporação é um processo de resfriamento acompanhado de perda de massa do líquido, pois as moléculas vão deixando a fase líquida se tornando vapor. Consideramos que a evaporação do líquido pode ser modelada partindo da equação de conservação da massa em função do tempo M⁢(t): (5) M ⁢ ( t ) = - λ ⁢ d ⁢ M d ⁢ t + F ⁢ ( t ) , onde λ é a constante de tempo de evaporação e F⁢(t) representa a adição direta de líquido no sensor, que tem a forma de um espeto, ou a saída do líquido por gotejamento no espeto do termômetro. Consideramos a variação da massa depois da adição do líquido e depois do gotejamento, para podermos considerar que temos variação da massa apenas pelo processo de evaporação, usamos F⁢(t)=0, então obtemos: (6) M ⁢ ( t ) = - λ ⁢ d ⁢ M d ⁢ t ⇒ - 1 λ ⁢ d ⁢ t = d ⁢ M M . Integrando esta função, encontramos uma função logarítmica da massa relacionada com o tempo multiplicado pelo valor negativo do inverso da constante de tempo de evaporação: (7) - 1 λ ⁢ t = l ⁢ n ⁢ M ⁢ ( t ) l ⁢ n ⁢ M 0 , que nos leva a equação de evaporação da massa em função do tempo dada pelo decaimento exponencial a partir de uma quantidade de massa líquida no início da evaporação: (8) M ⁢ ( t ) = M 0 ⁢ e - 1 λ ⁢ t . Vamos fazer a suposição mais simples possível de que a contribuição da evaporação para a variação da temperatura ΔTevap seja proporcional à massa de líquido na haste do termômetro, com a constante de proporcionalidade α2. Então: (9) Δ ⁢ T evap ⁢ ( t ) ∝ M ⁢ ( t ) ⇒ Δ ⁢ T evap ⁢ ( t ) = - α 2 ⁢ e - 1 λ ⁢ t . Substituindo as equações (4) e (9), as expressões de ΔTrelax e ΔTevap na equação (2), a expressão de ΔT, chegamos a (10) Δ ⁢ T ⁢ ( t ) = α 1 ⁢ e - t τ - α 2 ⁢ e - t λ , As constantes de proporcionalidade α1 e α2 devem depender da temperatura inicial, como os dois processos, relaxação e evaporação, ocorrem simultaneamente, primeiramente vamos supor que sejam iguais, posteriormente os parâmetros dos ajustes de função aos dados experimentais dão mais indícios. A combinação destes dois processos leva à função completa Δ⁢T⁢(t) mostrada na Figura 1, representada algebricamente pela combinação de dois relaxamentos exponenciais concorrentes, com uma a constante de proporcionalidade α: (11) Δ ⁢ T ⁢ ( t ) = α ⁢ ( e - t / τ - e - t / λ ) , Ajustamos uma função desse tipo aos dados experimentais variando os parâmetros α,λ e τ. É interessante notar que mesmo utilizando as simplificações citadas anteriormente, o comportamento qualitativo de ΔT mostrado na Figura 1b também pode ser observado em outros sistemas onde ocorre evaporação, como o “efeito Mpemba” [5] e o refrigerador sem eletricidade do “Pote-no-Pote” [10]. Figura 1: Em (a) representamos os dois processos exponenciais concorrentes neste experimento: a evaporação e o relaxamento térmico. A função resultante da combinação destes processos é mostrada em (b) e tem a forma algébrica de Δ⁢T⁢(t). Figura 2: Aparato experimental para a medida da variação da temperatura em (a). Em (b), temos o exemplo da molhagem do termômetro 1 marcado em amarelo. Figura 3: (a) Algumas dimensões da haste do termômetro chamada de espeto. Aparato mostrando a balança semianalítica para a medida da variação da massa de evaporação em (b). Em (c), temos o histograma feito para verificar a calibração dos termômetros na temperatura de 24,0°C. , nós ajustamos a função do decaimento exponencial aos dados e obtivemos a curva mostrada em vermelho:

(13) M ( t ) = A 3 e - t t 3 + y 1 .

Os parâmetros encontrados no ajuste utilizando a equação (13) para M(t) com os dados experimentais de quatro molhagens distintas estão mostrados na Tabela 2. O tempo característico médio t3 para quatro molhagens é por volta de 140 segundos para uma massa inicial ao redor de 11 miligramas. Este valor é mais compatível com o tempo característico t2 igual a 153 segundos da Tabela 1 para as três molhagens de álcool, que concorda com a constante λ, levando em conta as barras de erro.

Figura 8:
Dados experimentais e função exponencial ajustada (linha vermelha) para o decaimento da massa do álcool durante o processo de evaporação.
Tabela 2:
Valores do ajuste do decaimento exponencial para a massa da gota de álcool.

5.3. Comparação entre o decaimento da massa por evaporação e a diferença de temperatura

A partir dos parâmetros obtidos na Tabela 1 e na Tabela 2 para os casos de álcool, nós obtivemos os valores médios para uma representação algébrica aproximada deste experimento, percebemos que as constantes da equação (12) são τ=t1 com um valor médio de 46 segundos, usando apenas a Tabela 1 para o caso do álcool, λ próximo aos valores de t2 e t3, assim tomamos valor médio de 147 segundos. Além disso, como A1=-A2 temos que α está ao redor de 31°C, usando apenas os valores da Tabela 1. A constante y0 nas duas tabelas é praticamente zero, o que nos dá a expressão para ΔT(t):

(14) Δ T ( t ) = 31 ( e - t / 46 - e - t / 147 ) .

Com a expressão da equação (14), nós apresentamos o comportamento geral relacionado com a queda de temperatura num termômetro do tipo espeto molhado devido à evaporação do álcool. O caso da água apresenta um comportamento qualitativo semelhante, mas a sua reprodutibilidade é mais difícil por causa das propriedades de molhagem da água no sensor de temperatura.

Para encerrar a nossa análise, vamos comparar os resultados que obtivemos até este ponto com um diagrama que sobrepõem as funções ajustadas para a massa M(t) e para a temperatura T(t). No diagrama da Figura 9 apresentamos a sobreposição das duas curvas obtidas pelos nossos ajustes para uma molhagem com o álcool. Este diagrama nos permite descrever os principais resultados observados neste experimento para os dados de uma rodada de medidas com uma massa de álcool inicial de 10 miligramas com uma temperatura ambiente de 26°C. Podemos ver no diagrama da Figura 9 que o decaimento exponencial da massa tem um tempo característico λ de 147 segundos, ou seja, nesse instante a massa caiu a 38% do seu valor inicial, que é uma queda substancial. Com relação ao comportamento da temperatura T, inicialmente ela cai rapidamente, parando de cair e começando a subir em 75 segundos, 72 segundos antes do tempo característico de decaimento da massa. Observando os dados experimentais, a temperatura atinge o valor mínimo de 15,5°C quando a massa está em 6 miligramas, com 4 miligramas a menos do que a massa inicial de 10 miligramas, ou seja, uma queda de 40% do valor inicial. Isso significa que a temperatura começa a subir enquanto ainda há massa para evaporar.

Figura 9:
Diagrama mostrando a sobreposição da evolução da temperatura e da massa no experimento do efeito da evaporação de álcool 70° de um termômetro secando. O valor do tempo característico do decaimento da massa de evaporação está mostrado como λ. Podemos perceber que o ponto de mínimo, quando a temperatura começa a crescer é menor que a constante de tempo do decaimento da massa. Ou seja, quando a temperatura volta a crescer ainda há muita massa para evaporar.

A queda de temperatura ocorre porque a evaporação retira energia na forma de calor do termômetro, mas o ar ao redor do sensor atua como reservatório térmico, que cede energia na forma de calor para o termômetro. Quanto maior for a diferença de temperatura entre o termômetro e o ambiente, maior será a quantidade de energia absorvida pelo termômetro na forma de calor. Enquanto a temperatura está caindo, a evaporação está retirando mais energia que o calor recebido do ambiente. Quando a temperatura atinge o valor mínimo, o calor retirado é igual ao calor recebido. Quando a temperatura está subindo, o termômetro está absorvendo mais energia do ambiente do que a energia perdida pela evaporação, mesmo que ainda esteja ocorrendo evaporação.

6. Conclusões

Este experimento envolve uma situação de evaporação de um líquido agregado ao sensor de um termômetro num ambiente com temperatura constante. Obtivemos teoricamente e experimentalmente a evolução temporal da diferença de temperatura ΔT(t), bem como a evolução do decaimento exponencial da massa M(t) durante a evaporação do líquido que molhou o sensor. Testamos a hipótese de queda exponencial da diferença de temperatura, além de encontrarmos a função que descreve o comportamento da temperatura inspirado numa função que mostra a composição de dois tipos de variação exponencial: um decaimento relacionado com evaporação e um relaxamento térmico do sensor de temperatura com relação ao ambiente.

Com base nos comportamentos da variação da massa e da temperatura, podemos observar quantitativamente como o resfriamento do líquido está ligado à sua evaporação. Para o caso da evaporação do álcool, o experimento mostra concordância com o modelo teórico e reprodutibilidade maiores que para o caso da água. Percebemos que o uso do álcool nos dá um resultado que é mais compatível do ponto de vista quantitativo do que a água para a nossa hipótese inicial sintetizada na equação (11), enquanto no caso da água, o resultado concorda apenas num tipo de molhagem, quando molhamos só a ponta, colocando uma gota bem na extremidade da haste. Observamos que isso pode estar relacionado com a capacidade de molhagem mais uniforme do álcool quando comparada à molhagem irregular da água, pelo fato do álcool possuir uma tensão superficial 3,5 vezes menor do que a tensão superficial da água.

Do ponto de vista didático, a escala de tempo da coleta de dados deste experimento é da ordem de dezenas de minutos, o que permite a observação do fenômeno e sua reprodução no intervalo de duas ou três horas, tornando-o adequado para incluí-lo no elenco de experimentos de um laboratório de física voltado para a exploração de fenômenos térmicos. Propusemos inclusive uma demonstração simples fazendo a comparação da temperatura mínima alcançada para os dois líquidos, água e álcool 70°, onde a evaporação do líquido mais volátil leva a um maior resfriamento.

Usando pelo menos um termômetro digital de espeto, um pouco de álcool 70°, um cronômetro, ou uma câmera de vídeo que pode ser de um Smartphone e material do cotidiano, como papelão e vasilha de alimentos, é possível realizar um experimento quantitativo que concorda muito bem com um modelo teórico relativamente simples, para um fenômeno que pode parecer muito complicado para alguns, mas que desperta interesse em estudantes e pode ser relacionado com muitos fenômenos do cotidiano ligados à evaporação.

Referências

  • [1]
    J.C. Bellingieri, Anais do Museu Paulista 12, 161 (2004).
  • [2]
    A. Tufaile e A.P.B. Tufaile, Da Física do Faraó ao Fóton: Percepções, Experimentos e Demonstrações de Física (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2013).
  • [3]
    J.C. Sartorelli, H. Housoume e E.M. Yoshimura, Rev. Bras. Ens. Fis. 21, 116 (1999).
  • [4]
    D. Rani, Appl. Sci. Eng. J. Adv. Res. 1, 14 (2022).
  • [5]
    E.B. Mpemba e D.G. Osborne, Phys. Educ. 4, 172 (1969).
  • [6]
    Wikipedia, Evaporation, disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Evaporation, acessado em 06/08/2022.
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  • [7]
    https://youtu.be/q9W1B7f7QeU, acessado em 22/07/ 2022.
    » https://youtu.be/q9W1B7f7QeU
  • [8]
    L.Q. do Amaral, em: Entre Sólidos e Líquidos: uma visão contemporânea e multidisciplinar para formação de professores e divulgação do conhecimento, editado por L.Q. do Amaral (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2013).
  • [9]
    V. Thomsen, Phys. Teach. 36, 540 (1998).
  • [10]
    A. Chemin, V.L.D. Vehel, A. Caussarieu, N. Plihon e N. Taberlet, Am. J. Phys. 86, 206 (2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Revisado
    25 Ago 2022
  • Aceito
    27 Ago 2022
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