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Poeira de estrelas: O cinema hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50

Cinema e História: do outro lado da tela

Cristina MENEGUELLO. Poeira de estrelas: O cinema hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50. Campinas, Ed. da Unicamp, 1996. 194 páginas.

Roberto Tadeu Noritomi

O cinema, como objeto de estudo, ainda encontra pouca acolhida na seara acadêmica brasileira, e isso apesar da retomada significativa da produção brasileira nos últimos dois anos. Essa lacuna ocorre notadamente nas ciências sociais, área na qual os trabalhos sobre o tema despontam de modo tão disperso que não possibilitam o estabelecimento de um corpo disciplinar rigidamente delimitado (e institucionalizado). É no interior desse quadro que a dissertação da historiadora Cristina Meneguello, ora publicada em livro, adquire relevo. Ainda que apresente alguns problemas teóricos e metodológicos comprometedores, que podem ser creditados ao estágio atual dos estudos sobre o cinema, essa iniciativa tem o mérito de somar esforços ao estabelecimento das fronteiras dos estudos cinematográficos.

Como meta principal, Poeira de estrelas optou por abordar o cinema por meio daquilo que chamaríamos de perspectiva externa, isto é: o que interessa à autora não é a obra propriamente dita, mas os elementos que a circundam, tanto na sua produção como na sua distribuição. Conforme explicitado nas páginas introdutórias (e o subtítulo é bastante claro quanto a isso), Meneguello objetivou investigar como a mídia impressa brasileira das décadas de 40 e 50 explorou (e reelaborou de acordo com estratégias peculiares) os signos presentes na produção hollywoodiana do mesmo período. Nas palavras da autora, "o recurso às revistas nacionais é valioso na medida em que estas funcionavam como elos entre as temáticas do cinema e o leitor e/ou espectador, a quem se endereçam com intimidade e desenvoltura" (p. 14). O material de estudo é composto basicamente por revistas de variedades (O Cruzeiro e A Cigarra) e especializadas (Cinelândia, Cena Muda, Filmelândia, Cine Revista e Cine-Fan) produzidas no circuito Rio—São Paulo.

Para sustentar sua análise, Meneguello estruturou o texto em dois momentos principais, correspondentes às partes 1 e 2. A Parte 1, por sua vez, é subdividida em dois itens, sendo o primeiro deles correspondente ao que chamaríamos de considerações de ordem teórico-metodológica. Iniciando por tais considerações, a autora faz uma breve revisão dos conceitos de cultura de massa e indústria cultural, que parecem muito caros à perspectiva que adota. Para ela, os teóricos que discutiram esses conceitos, entre eles Umberto Eco e Adorno, não lograram alcançar uma solução satisfatória, acabando por limitar o problema a uma polarização irredutível entre duas esferas — a dos meios de comunicação e aquela do espectador/público. Como postura alternativa, propõe um olhar segundo o qual "não interessa recortar a questão em dois pólos, mas sim percebê-la pelo seu meio, onde e quando se dá a veiculação de signos" (p. 35). Pretende-se, com isso, apontar para uma "terceira via" interpretativa dos mass media, supostamente distanciada do que ela chama de "modelos preconcebidos".

Depois dessa rápida incursão metodológica, da qual derivam imprecisões que não caberia discutir aqui, Meneguello entra no seu objeto propriamente dito. Procurando deslindar os aspectos socioculturais das décadas em questão (40 e 50), a autora parte da representação que os meios de comunicação recentes fizeram do período. Assim, é colocada em questão, comparando-se as cenas culturais de São Paulo e Rio de Janeiro, a imagem glamourizada que se formou em torno das salas de cinema e do hábito de freqüentá-las (o namoro no escuro; a segurança; o público silente; a limpeza etc.). Em seguida, abordando a minissérie Anos dourados (veiculada pela Rede Globo em 1986), é enfocada a reconstrução histórica feita do período e como a imprensa escrita a explorou. Com esse enfoque, Meneguello pretendeu realizar a crítica do "clichê nostálgico" que fora forjado pela mídia em torno das duas décadas estudadas

Ao realizar essa discussão, no entanto, Meneguello desliza em dois equívocos. Primeiro, porque uma digressão desse tipo não tem muito sentido para o problema que a autora expõe em sua proposta de trabalho. O olhar da mídia atual sobre o passado de São Paulo e do Rio de Janeiro não tem importância heurística para se entender a lógica de reelaboração da mídia situada nos anos 40 e 50, que é o objetivo aberto da pesquisa. Tanto faz se se constituiu um "clichê nostálgico" ou não, e muito menos se ele é distante ou não da realidade. Este é um aporte fora de hora.

Em segundo lugar, assumindo-se que fosse necessária essa etapa, a ação da autora de "desmitificação" do que ela chama de "clichês nostálgicos" peca ao utilizar como base de argumentação alguns poucos artigos da mídia impressa sobre a minissérie Anos dourados e a própria minissérie. São referências insuficientes para caracterizar, no geral, o discurso da mídia sobre os anos 40 e 50, e muito mais rasos são os dados históricos empregados no questionamento do clichê construído por essa mídia. Na verdade, um único número da revista Manchete e duas ou três edições de O Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo configuram uma documentação que não é só quantitativamente exígua como qualitativamente limitada. A contraprova desmitificadora também é escassa, resumindo-se à revista O Cruzeiro e a Este mundo é um pandeiro de Sérgio Augusto. Igualmente, não existe um critério de escolha das fontes, o que conduz a uma aleatoriedade de informações que prejudica a objetividade do trabalho (do mesmo jeito que é citada uma edição do Correio de Campinas, outras tantas edições poderiam ter sido escolhidas como referência mas não foram; e, no entanto, os parâmetros de escolha são desconhecidos). Não bastasse esse fato, a discussão da minissérie é frágil e permanece na superfície ostensiva do discurso, e isso porque não há um tratamento da forma propriamente dita: Anos douradosé apreendido pelo enredo que conta e não pelo modo como foi filmado. Por último, faltou uma discussão sobre o mecanismo de funcionamento do clichê e sua natureza específica; isto é, seria importante constar a exposição do que se define como clichê e o que estaria inserido nessa notação no caso particular dos anos 50. Sem esses cuidados ficamos reféns das escolhas da autora.

Encerrada essa primeira parte, chegamos à Parte 2, que é o momento em que a autora realmente entra em seu objeto (a representação de Hollywood pela mídia). Aí entra aquilo que compõe o aparato mobilizado pela indústria, de forma direta e indireta, para divulgar o seu produto e criar a adesão do público — ou melhor, "produzi-lo", como é dito no título "A produção do espectador". Listam-se, então, as revistas especializadas (que burilavam em torno da vida dos atores e atrizes, dos bastidores de filmagem etc.) e todo tipo de exploração do star system. Buscando uma possível interação entre a mídia e o espectador, Meneguello indica que o segundo, ao contrário das interpretações correntes, não é passivo mas interage ativamente com os estilos e modelos difundidos pelo cinema americano.

Para dar conta desse processo de interação entre uma instância e outra, mediado pelas revistas, a autora recorre à idéia de "cinematografização do cotidiano", o que significa dizer que os comportamentos, gestos e valores constantes nos filmes incidem sobre a realidade cotidiana dos espectadores e a conformam. Essa postura é explicitada quando lemos que os "modos de ser hollywoodianos são vários e, longe de estarem isolados para os momentos no `templo dos sonhos', estão altamente cotidianizados" (p. 134). Trata-se de uma situação na qual está implicada a transcendência dos filmes para além da sala escura, num fenômeno que, acompanhando a notação do livro, poderíamos denominar de produção do público. O raciocínio é que os elementos icônicos encontrados nos filmes (e em torno deles) de certa forma atuariam, reelaborados pela mídia (daí o recurso às revistas especializadas), influenciando comportamentos e hábitos de vida do indivíduo comum. Ou, como se constata na conclusão: "Os temas que são específicos ao cinema americano e à constituição de modos de vida, desenhados por filmes e revistas, efetivamente produzem seus espectadores" (p. 179).

Aparentemente, não haveria nenhum problema nesse encaminhamento da discussão. Trata-se, inclusive, de um interessante modo de estudar a cultura dos anos 50. Entretanto, se buscarmos a meta do trabalho em seu subtítulo "O cinema hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50", deveríamos esperar (e cobrar) uma pesquisa voltada para o discurso da mídia (no caso, as revistas especializadas) sobre o cinema de Hollywood produzido no período em questão. E de fato o material de pesquisa citado na introdução restringe-se a esses periódicos, o que direciona a expectativa do leitor. Seria, portanto, um típico estudo de análise do discurso. Por outro lado, tendo em vista que a autora recorre constantemente a exemplos de filmes como forma de mostrar como eles portavam certos valores, seríamos conduzidos a pensar numa análise da composição interna das obras e sua relação com a produção de um certo conhecimento sócio-histórico. Estaríamos, nesse sentido, no domínio da análise fílmica. Por fim, ao se propor a verificar a ação da mídia sobre o indivíduo (assumindo a "produção" do espectador como eixo interpretativo), seria o caso de se procurar no livro uma abordagem da recepção, ou melhor, da influência da mídia e dos filmes sobre um determinado público. Teríamos então uma leitura sociológica, de cunho tradicional, que levaria em consideração não o gosto estético e sim a positividade dos ícones fílmicos na sociedade (numa linha de pesquisa que esteve muito presente nos estudos sociológicos e psicológicos entre os anos 30 e 50).

São três os procedimentos de trabalho que Meneguello deixa entrever no texto, cada qual com alto poder explicativo de realidades sociais. Nenhum deles, entretanto, se concretiza, justamente porque todos disputam o mesmo espaço, numa mescla "analítica" oscilante e precária.

Nesses termos, o que se tem é uma pesquisa sobre o discurso da mídia que não se pauta por critérios, nem na coleta de dados, nem nos procedimentos explicativos. Na primeira parte temos a definição das revistas a serem estudadas e uma discussão sobre a questão dos mass media. Seria o momento, portanto, de vermos estabelecidos o objeto e o instrumental de análise. Mas não é o que ocorre. São informadas apenas quais as revistas que serão enfocadas, não constando informações sobre alguns pontos básicos: falta a secção temporal da amostra de revistas pesquisadas; também não estão presentes as características que justificam a inclusão de certas revistas e a exclusão de outras; por fim, o tratamento do material é feito sem um critério rígido, isto é, os artigos das revistas são inseridos na análise de modo arbitrário, sem que seja registrado o modo como o documento está inserido na publicação (seu significado e importância), o que os transforma em meros exemplos ilustrativos e não em fontes explicativas. Na abordagem de periódicos, assim como de qualquer outra mídia, é necessário para a análise o conhecimento de sua origem, do lugar que ocupam ou ocuparam no mercado, qual a característica da linha editorial adotada (o que inclui desde a apresentação visual até a estrutura de disposição dos artigos e seções, passando obviamente pela identificação do perfil dos críticos colaboradores) etc. Além disso, o recorte da amostra de publicações é necessário para que o leitor tenha bases de compreensão do trabalho e possa se posicionar dentro de parâmetros objetivos. Aliás, em qualquer investigação científica as opções devem ser justificadas em função de algum traço significativo que confira singularidade tanto ao contexto escolhido quanto ao objeto nele localizado. Cena Muda, por exemplo, tinha diferenças em relação aos demais periódicos, mas isso não é posto em questão e o leitor acaba ficando com a imagem de um quadro homogêneo de publicações especializadas. Da mesma forma, pela seleção da abordagem, a impressão que se tem é a de que a visão das revistas sobre Hollywood era apenas aquela centrada nos mexericos e demais curiosidades de bastidores, fato que não é verdadeiro (ou se é, isso não fica claro). Em síntese, o que está ausente é a historicidade do material, aquilo que Meneguello parece prezar tanto.

Igualmente problemática é a situação dos filmes envolvidos no trabalho. Principalmente porque, como é explicitado na introdução (e também no subtítulo), o objetivo é o material das revistas, o que já "deslegitima" o recurso aos filmes como eixo de análise. Obviamente que a pesquisa demanda a referência aos filmes, mas não os requer na condição de objeto de interpretação, como é o que ocorre majoritariamente na segunda parte do livro. E mesmo que tal inserção fosse necessária, esta deveria se dar no sentido de uma compreensão estética profunda das obras, levando em consideração as individualidades da obra artística. Meneguello, entretanto, as incorpora ao texto como dados ilustrativos generalizantes, principalmente no capítulo 5, cujo título é sugestivamente polêmico: "O `espírito americano': alguns comentários sobre ideal democrático, guerra, keep fighting e escapismo".

Partindo da construção da idéia de "americano médio", a tentativa da autora é a de mostrar como ela não só "fez-se como verdade" como foi a base da representação do americano no cinema hollywoodiano. Por essa via, filmes importantes como Mulher absoluta, E o vento levou..., No tempo das diligências são citados como exemplificação da realização daquela idéia, sendo retirados dos contextos nos quais se erigiram e dos gêneros aos quais pertencem (policial, western etc.). Além dessa descontextualização, os filmes são abordados pela superfície de seus enredos, num procedimento de leitura conteudista que os simplifica por demais, muitas vezes limitando-se a inseri-los em subgêneros tais como "filmes sobre guerra", "sobre adolescentes" etc. Sunset Boulevard (O crepúsculo dos deuses), por exemplo, acaba reduzido a um "psicodrama" no qual, "além de trazer o auge da representação de si mesmo", é reafirmado "o gosto de Hollywood pela autocrítica" (p. 112). Quanto ao diretor Billy Wilder, um dos grandes nomes da história do cinema, este é abstraído, permanecendo o filme como expressão de uma entidade maior que é Hollywood. Para que Meneguello pudesse trabalhar os filmes, assumindo-se que tal procedimento tivesse alguma pertinência analítica, era importante o mesmo passo de delimitação exigido para os periódicos. Assim, deveriam ser levados em consideração alguns itens que auxiliariam na definição de um quadro de filmes coerentes com as necessidades da pesquisa como um todo. Também é preciso lembrar que um filme é o resultado da articulação entre forma e conteúdo, ou seja, seu enredo adquire um ou outro rumo dependendo do modo como é filmado. Nesse sentido, é no mínimo problemático citar uma série de filmes, de estilos os mais diversos, ora aproximando-os ora separando-os, como exemplos aleatórios. Sem uma definição dos dados materiais (do objeto) sobre os quais se assenta a análise é impossível construir um trabalho cientificamente válido.

Quanto às considerações sobre o papel de "produtor de espectadores" do cinema e da mídia que lhe é caudatária, estas se baseiam em suposições extremamente subjetivas que não encontram prova em elementos concretos da realidade, ou pelo menos estes não são convincentemente expostos. Afirmar que o cinema possui um discurso "produtor" é algo que tem a força da hipótese, o que é totalmente diverso de afirmar, como faz a autora, que o cinema efetivamente "produzia" comportamentos. Em nenhum momento do texto encontramos os elementos que permitem verificar essa última posição, ou seja, que havia uma relação entre o que se via nos filmes e a mudança ou ratificação das ações do público. Dentro desse quadro, o leitor não pode ser convencido do efeito "produtor" do filme, constante da seguinte colocação: "o cinema americano efetivamente tem seus canais interacoplados, de maneira a promover a formação de um gosto e de uma moral, agenciando processos de subjetivação". E isso se torna ainda mais insustentável quando se lê: "É em termos de produção que podem ser entendidas as práticas comuns à época focalizada, como colecionar fotos de astros, buscar `copiar' o modelo de seus vestidos, penteados ou mesmo seu gestual amoroso" (p. 134).

Essas assertivas são solapadas diante da falta de dados empíricos que as sustentem. Por isso é que se revela puramente hipotética a afirmação de que "nas décadas de 40 e 50, a adaptação da língua inglesa e a adoção de expressões como ok, week-end, picnic, night-club, boys e girls são medidas de como Hollywood está entranhada no cotidiano de seus espectadores, e como constitui essas vivências que não as associam a estrangeirismos, reagindo a elas ou abominando-as" (p. 141). Para assumir tal análise, Meneguello deveria ter empreendido algum tipo de estudo da documentação da época (a partir de fontes primárias) que fosse além das pesquisas especiais do Ibope sobre consumo. Isso é ainda mais necessário para a discussão sobre como o espectador "filtrava" o que via na tela e nas revistas. A autora deixa explícito que está trabalhando com o horizonte das subjetividades, e, nesse caso, é inevitável uma incursão de ordem antropológica para ancorar as suposições citadas;1 1 Heloisa Buarque de Almeida seguiu essa trilha, empregando a técnica de história de vida em seu trabalho Cinema em São Paulo: hábitos e representações do público (anos 40/50 e 90), dissertação de mestrado, USP, 1995. de outra forma não há provas para aquilo que se pretende constatar.

Todas essas questões metodológicas são determinantes e apresentam entraves para que o resultado final consiga ter alguma densidade explicativa. Pela falta de parâmetros empíricos, e de uma disciplina na inferência, as conclusões são fracas e de uma subjetividade muito grande. Além disso, cabe mencionar um outro ponto problemático relevante. Este diz respeito ao eixo teórico de Meneguello: a pressuposição de que o cinema hollywoodiano possui uma positividade que "produz" o espectador brasileiro no interior de uma relação que não é "de força externa que invade outro país e se faz aceitar, seduzindo ou convencendo" (p. 17). Ainda segundo tal argumento, trata-se de uma abordagem que toma "como primeiro cuidado não ver na palavra produção o `maquiavelismo' inerente atribuído ao meio de comunicação de massa" (p. 17). Com isso Meneguello está pondo de lado o que chama de postura tradicional de olhar o cinema americano e pretendendo apresentar uma leitura baseada numa suposta ausência de cisão entre o meio e o público (a "terceira via" citada mais acima). É o que ela esclarece quando aponta que os espectadores, "ao serem produzidos, não são passivos ao processo de produção, pois se constituem dentro desse processo. Tampouco são sujeitos inexistentes ou anônimos" (p. 179). Entretanto, no desenvolvimento do texto percebe-se que seu procedimento mantém a cisão, afirmando-a de modo acentuado quando diz: "Os temas veiculados por meio da star e na star efetivamente produzem tipos de mulher (e de homem) [...]" (p. 144). Esta contradição é corroborada por uma outra passagem em que se lê de modo mais explícito: "Os temas que são específicos ao cinema americano e à constituição de modos de vida, desenhados por filmes e revistas, efetivamente produzem seus espectadores" (p. 179; grifo meu).

Por mais que a autora negue, é um fato inequívoco que a idéia de "produção", conforme a expõe, indica uma relação de assimetria, na qual a mídia desempenha o papel ativo sobre espectadores passivos e anônimos (que na verdade são puros "efeitos", numa referência foucaultiana muito presente no livro). Dizer que o cinema hollywoodiano deve ser visto de uma forma "positiva" — "no sentido de que esse cinema foi efetivo, funcionou, veiculou padrões estéticos, de vida e expectativas, embeveceu e irritou" (p. 17) — não acrescenta recursos conceituais novos à discussão do tema e, contrariamente à intenção da autora, ratifica a idéia da relação desigual entre a esfera do público (amorfo, aguardando a moldagem) e a da mídia (constituidora de sujeitos). Talvez a realização de um levantamento de indícios que revelassem os tipos de apropriação dos signos fílmicos por parte do público tivesse imprimido ao trabalho um rumo mais adequado. Somente a partir de uma investigação desse teor, de matrizes histórico-antropológicas, seria possível concluir qualquer opinião sobre o "efeito" do cinema hollywoodiano no espectador nacional.

Finalizando, Cristina Meneguello fez uma pesquisa de grandes intenções, mas que ficou inconclusa devido à ambição de seguir tantas direções num só movimento. Portanto, pelo que foi dito, Poeira de estrelas é um trabalho que merece uma revisão teórica e metodológica de fundo, bem como algumas correções factuais (na página 116, por exemplo, I confess é traduzido por A sombra de uma dúvida, quando o certo é A tortura do silêncio; o teórico Bela Balázs é húngaro e não francês, como consta na página 89). De qualquer maneira, continua a ser um esforço e, mais do que isso, uma amostra dos problemas que os estudos históricos e sociológicos sobre o cinema têm de enfrentar no Brasil.

ROBERTO TADEU NORITOMI

é sociólogo e mestre em Sociologia do Cinema pela Universidade de São Paulo.

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    Heloisa Buarque de Almeida seguiu essa trilha, empregando a técnica de história de vida em seu trabalho
    Cinema em São Paulo: hábitos e representações do público (anos 40/50 e 90), dissertação de mestrado, USP, 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 1999
    • Data do Fascículo
      Fev 1998
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