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ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA, ENGAJAMENTO José Loureiro Fernandes e os sentidos da atividade intelectual

ANTHROPOLOGY, SCIENCE, ENGAGEMENT: José Loureiro Fernandes and the meanings of intellectual activity

ANTHROPOLOGIE, SCIENCE, ENGAGEMENT: José Loureiro Fernandes et les sens de l’activite intellectuelle

Resumo

Este artigo trata das concepções de ciência e de Antropologia de José Loureiro Fernandes (1903-1977), fundador, em 1938, da cátedra de Antropologia e Etnografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Ator relevante (mas hoje pouco conhecido) do processo inicial de configuração das Ciências Sociais no Brasil, Loureiro Fernandes criou e dirigiu diversas instituições intelectuais e científicas e, na década de 1950, tornou-se um dos membros fundadores e um dos primeiros presidentes da Associação Brasileira de Antropologia. Neste estudo, utiliza-se como fonte principal uma parte de sua produção intelectual, em que ele traçou resenhas biográficas de personagens da história paranaense cujas trajetórias tangenciavam seus interesses. Ao descrever suas vidas e argumentar sobre o caráter modelar de suas existências, Loureiro Fernandes nos permite entrever os valores que lhe eram caros e que ele perseguia em sua própria trajetória. O estudo do modo pelo qual ele articulava seu fazer científico e suas ações políticas – suas respostas, enquanto intelectual de seu tempo, às questões que ele considerava então essenciais – permite-nos, a partir da diferença que lhe é própria, refletir acerca dos diferentes sentidos que podem ser atribuídos ao fazer antropológico.

Palavras-chave:
José Loureiro Fernandes (1903-1977); intelectuais – Brasil; trajetórias de vida; intelectuais – Paraná; história da Antropologia – Brasil

Abstract

This article deals with the science and anthropology conceptions of José Loureiro Fernandes (1903-1977), the founder of the Anthropology and Ethnography chair of the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of Paraná in 1938, a relevant actor (but little known today) of the initial configuration process concerning Social Sciences in Brazil. Loureiro Fernandes created and directed several intellectual and scientific institutions and became one of the founding members and one of the first presidents of the Brazilian Association of Anthropology in the 1950s. Part of his intellectual production is used as the main source of this study, comprising biographical reviews of characters from the history of Paraná whose trajectories touched his interests. When describing their lives and arguing about the model character of their existences, Loureiro Fernandes allows us to glimpse values dear to him and which he pursued in his own trajectory. The study of the way in which he articulated his scientific practice and his political actions and responses, as an intellectual of his time, to the questions he considered essential at the time, allows us, from the difference that is his own, to reflect on the different meanings that can be attributed to anthropological undertakings.

Keywords:
José Loureiro Fernandes (1903-1977); intellectuals - Brazil; life trajectories; intellectuals - Paraná; history of Anthropology - Brazil

Resume

Cet article examine les conceptions de science et d’anthropologie de José Loureiro Fernandes (1903-1977), fondateur en 1938 de la chaire d’anthropologie et d’ethnographie de la Faculté brésilienne de philosophie, sciences et lettres de l’université du Paraná. Acteur important (mais aujourd’hui peu connu) du processus initial de configuration des sciences sociales au Brésil, Loureiro Fernandes a créé et dirigé différentes institutions intellectuelles et scientifiques. Dans les années 1950, il est devenu un des membres fondateurs et un des premiers présidents de l’Association brésilienne d’anthropologie. La présente étude utilise comme source principale une partie de sa production intellectuelle, dont les comptes rendus biographiques de personnages de l’histoire du Paraná aux trajectoires proches de ses intérêts. Avec la description de leurs vies et leurs existences envisagées comme des modèles, Loureiro Fernandes nous montre les valeurs qui lui étaient chères. La relation particulière entre son activité scientifique et ses actions politiques – en tant qu’intellectuel de l’époque, les réponses aux questions qu’il jugeait essentielles – permet d’analyser les différents sens qui peuvent être attribués à l’activité anthropologique.

Mots-clés:
José Loureiro Fernandes (1903-1977); intellectuels du Brésil; intellectuels du Paraná; trajectoires; histoire de l’anthropologie au Brésil

Introdução

Este texto trata das concepções de ciência e do engajamento político-acadêmico de José Loureiro Fernandes (1903-1977), médico e antropólogo que criou, em 1938, a cátedra de Antropologia e Etnografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCLPR). Loureiro Fernandes foi figura-chave na institucionalização do ensino superior em Curitiba e um dos fundadores do campo da Antropologia no Brasil. Trata-se, aqui, de destacar suas visões acerca da Antropologia, assim como discorrer sobre os motivos pelos quais ele a considerava relevante para a sociedade englobante. Na acepção clássica de Max Weber, buscaremos compreender os sentidos que ele emprestava a suas ações, e como as constituía a partir de sua compreensão das ações daqueles que o rodeavam.

Para tanto, começaremos com uma apresentação da trajetória de Loureiro Fernandes e com um resgate da presença dos médicos na ocupação das primeiras cátedras da área da Antropologia no país. A seguir, tomando como base alguns textos biográficos produzidos por ele, exploraremos os diferentes temas que se destacam em sua produção intelectual: a ciência, a religião e o engajamento com a sociedade englobante. Veremos que seus projetos intelectuais e suas reflexões são marcados pelo compromisso orgânico de sua produção científica com o mundo que o rodeava, em um registro, no entanto, bastante diverso daquele da Antropologia contemporânea. Buscaremos assim constituir, pelo acompanhamento de sua trajetória, um ponto de vista externo a partir do qual seja possível construir um estranhamento acerca do estatuto e da configuração interna atuais da disciplina.

Trajetórias esquecidas: Loureiro Fernandes e os médicos-antropólogos brasileiros

Loureiro Fernandes nasceu em uma família que fazia parte da pequena rede que constituía a elite econômica e política do estado do Paraná. Os nomes das pessoas ligadas a essa rede são reconhecíveis entre membros de instituições que ele mesmo criou. Originalmente ligadas à Ação Católica projeto de restauração da centralidade da Igreja que buscou cooptar lideranças leigas , essas instituições comporiam, mais tarde, boa parte dos quadros da FFCLPR: seriam, assim, os próprios intelectuais da elite paranaense os primeiros ocupantes de cátedras das Ciências Humanas do estado.

Ao longo de sua carreira, Loureiro criou diretamente ou esteve envolvido na criação, tanto da própria FFCLPR – mais tarde transformada no Setor de Ciências Humanas da UFPR –, como do Instituto de Pesquisas desta Faculdade, da Faculdade de Medicina da PUC-PR, do Departamento de Antropologia da UFPR, do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR, do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da UFPR, e, ainda, da Divisão de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná. Foi diretor do Museu Paranaense, entre 1936 e 1946, secretário de Educação e Cultura do Estado do Paraná, no ano de 1948, e membro de diversas instituições culturais locais, como o Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB), o Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense e a Academia Paranaense de Letras.

Em nível nacional, sua participação como secretário geral da Comissão Estadual de Folclore do Paraná tornou-o ator importante do Movimento Folclórico Brasileiro. (Vilhena, 1997VILHENA, Luís Rodolfo. (1997), Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro (1947-1964), Rio de Janeiro, Funarte / FGV.). Ao longo de sua carreira, como mostram seus arquivos, suas interlocuções foram constantes com os pesquisadores do Museu Nacional e do Museu Paulista (com cujos estudiosos ele buscava constituir o Museu Paranaense como um museu científico) e com os catedráticos de Antropologia do país. Ele fez, assim, parte de um “grupo que se reconhecia” como de antropólogos, a partir das décadas de 1930 e 1940 (Corrêa, 1988CORRÊA, Mariza. (1988), “Traficantes do excêntrico: os antropólogos no Brasil dos anos 30 aos anos 60”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 6: 79-98.), e que criou, na década de 1950, a Associação Brasileira de Antropologia, presidida por ele próprio entre 1957 e 1959.

Internacionalmente, sua trajetória foi igualmente ativa. Dentre outras filiações, Loureiro foi fellow do Royal Anthropological Institute, membro da Société des Americanistes e membro bastante ativo da IUAES (International Union of Anthropological and Ethnological Sciences), atuando de forma bastante próxima a seu então presidente, Paul Rivet, e ao secretário-geral, P. Bosch-Gimpera. (CEBDOC997, CEBDOC1001, 2020).1 1 Há vários documentos de sua interlocução com a IUAES presentes nos arquivos do Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB) e do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (CEPA/UFPR). Além destes arquivos, há materiais de Loureiro Fernandes dispersos em outras instituições de Curitiba, especialmente no Museu Paranaense e no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR.

Ator importante, assim, da história da Antropologia no Paraná e no Brasil, Loureiro Fernandes criou, dirigiu e animou o funcionamento de diversos espaços de ensino e pesquisa. Através do estímulo a pesquisas arqueológicas, além de suas próprias pesquisas sobre os povos indígenas paranaenses e as manifestações folclóricas no estado, ele possibilitou o surgimento de reflexões sobre a diversidade étnica e cultural paranaense, que escapavam às visões oficiais da elite local, enfocando a participação de negros, caboclos e indígenas na formação do estado. Ao manter contatos e trabalhar em conjunto com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, no Brasil e no exterior, ele estruturou parte do campo das Ciências Humanas em um local deslocado dos grandes centros nacionais.

Loureiro Fernandes praticou uma antropologia hoje em desuso, fortemente calcada em uma concepção evolucionista cultural – o que, ao torná-lo um ator estrangeiro à produção contemporânea da disciplina, pode ser um dos motivos pelos quais ele é hoje pouco conhecido, a despeito de sua presença significativa em sua época. No entanto, a compreensão de sua trajetória e de seus projetos intelectuais nos informa sobre as dinâmicas de constituição da área no Brasil.

Em seu projeto de estudo da história da Antropologia no país, Mariza Corrêa destacou a necessidade, quando se fala dos primeiros atores ligados a este campo, de definir “antropologia” e “antropólogo”. Se hoje esta definição institucional é mais clara, dada a estruturação da academia em departamentos com o estabelecimento do sistema nacional de pós-graduação a partir do final da década de 1960, muitos dos primeiros intelectuais da área denominavam a si próprios como sociólogos, educadores ou administradores. (Corrêa, 2013CORRÊA, Mariza. (2013), Traficantes do simbólico e outros ensaios sobre a história da antropologia, Campinas, Ed. Unicamp., p. 20, 21). Não era este o caso de Loureiro Fernandes, que, já no final da década de 1930, optou por criar uma cátedra de Antropologia – quando poderia atuar nas faculdades paranaenses a partir de sua área de formação, a clínica urológica.

Logo a seguir, a partir de 1940, como afirma Castro Faria (1983, p. 234 a 236), todas as Faculdades de Filosofia do Brasil foram obrigadas a adaptar seus currículos àquele da Faculdade Nacional de Filosofia, que prescrevia que a cátedra de “Antropologia e Etnografia” seria a responsável por cumprir, no curso de Geografia e História, os conteúdos das matérias de Antropologia (na 1ª série), Etnografia (na 2ª série) e Etnografia do Brasil (na 3ª série) – nos cursos de Ciências Sociais, era prevista a realização de apenas uma disciplina dessa área, chamada de Antropologia e Etnografia, e que reunia em um único ano o conteúdo lecionado em três anos para o curso de Geografia e História.

Tanto os nomes das disciplinas quanto seus programas eram padronizados. A distinção entre “Antropologia” e “Etnografia” remetia à “Antropologia” os conteúdos de Antropologia Biológica, restringindo-a “ao estudo da evolução do homem, da formação das raças e sua distribuição geográfica” (Castro Faria, 1983Castro FARIA, Luís de. (1983), “A Antropologia no Brasil. Depoimento sem compromissos de um militante em recesso”. Anuário Antropológico, 7, 1: 228-250., p. 241); já a “Etnografia”, segundo o mesmo autor, era caracterizada pelo estudo de “trabalhos descritivos com muitos dados concretos e distribuição espacial” (Castro Faria, 1983Castro FARIA, Luís de. (1983), “A Antropologia no Brasil. Depoimento sem compromissos de um militante em recesso”. Anuário Antropológico, 7, 1: 228-250., p. 242). O próprio Loureiro Fernandes (1937LOUREIRO FERNANDES, José. (1937), Museu Paranaense. Resenha histórica, Curitiba, Tipografia João Haupt & Cia., p. 4), ao descrever a organização do Museu Paranaense, cuja direção acabara então de assumir, definiu a seção de Antropologia como aquela que continha crânios e peças esqueléticas, e a seção de Etnografia como aquela em que figuravam objetos de cultura material (armas, objetos rituais e de uso doméstico) e publicações de estudos linguísticos e memórias sobre povos indígenas.

A presença de Loureiro, enquanto médico ocupante de uma cátedra de Antropologia no ensino superior brasileiro, no início da década de 1940, não era uma exceção. Se, como afirma Kuper (1988KUPER, Adam. (1988), The reinvention of primitive society. Transformations of a myth, Londres, Routledge., p. 3), na Inglaterra e nos Estados Unidos a Antropologia nascente do final do século XIX era, em geral, considerada um ramo dos estudos legais, atraindo advogados interessados em temas como o casamento, a família, a propriedade privada e o Estado; no Brasil, uma parte significativa dos primeiros ocupantes de cátedras na área eram médicos, que enxergavam a Antropologia a partir de uma epistemologia evolutiva calcada na história natural: como afirma Laraia (2018LARAIA, Roque de Barros. (2018), “Primórdios da Antropologia brasileira”. Ciência & Trópico, 42, 1: 5-21., p.3), foram eles “os fundadores ou incentivadores da disciplina em diversas regiões do país”.

Em artigo sobre a Antropologia praticada por estes médicos, Thales de Azevedo (1904-1995), ele mesmo um deles, destaca que as Faculdades localizadas fora dos grandes centros recorriam a profissionais liberais para fundar cátedras na área, e que os médicos eram bastante requisitados a ocupá-las, por diferentes razões: por terem tido acesso a uma formação mais abrangente, visto que nas faculdades de Medicina, até os anos 1930, ocorriam discussões que extrapolavam as questões mais puramente técnicas; por já terem contato com os conhecimentos de história natural, tida como fundamento importante para os estudos de Antropologia (na acepção da época); e porque, no caso das faculdades públicas, em momento anterior à existência do regime de dedicação exclusiva, a legislação exigia que houvesse “correlação de matérias” para permitir a acumulação de cargos. (Azevedo, 1979AZEVEDO, Thales de. (1979), “Os médicos e a Antropologia Brasileira”. Anaes da Academia de Medicina da Bahia, 2: 139-178., p. 169 a 171).

A apresentação que Azevedo (1979AZEVEDO, Thales de. (1979), “Os médicos e a Antropologia Brasileira”. Anaes da Academia de Medicina da Bahia, 2: 139-178., p.139, 144) faz da área serve para nos informar sobre quem são esses médicos-antropólogos e as definições que eles empregavam para construir um conhecimento antropológico. Quanto às definições de Antropologia, o autor deixa claro que se trata de uma disciplina que deriva da Biologia, tendo a mesma matriz epistemológica da Medicina: uma “ciência abrangente do estudo dos seres humanos em seu aspecto antropofísico e genético e da cultura como criação e molde do homem”, que existiria desde a Grécia antiga, e que apenas em um segundo momento teria dado seus primeiros passos em direção à filosofia. Quanto aos médicos que ocuparam cátedras de Antropologia no Brasil, Azevedo menciona, além dos estudiosos ligados a Nina Rodrigues (1862-1906) que o antecederam, nomes como os de Arthur Ramos (1903-1949), René Ribeiro (1914-1990), Osvaldo Cabral (1903-1978), Armando Bordalo da Silva (1906-1991), Theo Brandão (1907-1981) e Loureiro Fernandes.2 2 Thales de Azevedo formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia e ocupou a primeira cátedra de Antropologia e Etnografia de Salvador, na década de 1940 (Azevedo, op. cit.); Arthur Ramos formou-se também na Bahia e ocupou a cátedra de Antropologia e Etnografia, na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro (Oliveira, 2019); René Ribeiro formou-se em medicina em Recife, em 1934 e, a partir de sua convivência com Gilberto Freyre e seu contato com Donald Pierson, pós-graduou-se em Antropologia nos Estados Unidos, sob a orientação de Melville Herskovitz (Motta, 1993); Osvaldo Cabral formou-se dois anos após Loureiro Fernandes, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e veio a assumir a cátedra de Antropologia e Etnografia na Universidade Federal de Santa Catarina (Maluf e Brizola, 2020); Armando Bordalo da Silva, formado em 1930 na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, dirigiu a seção de Antropologia Biológica do Museu Goeldi, foi um dos fundadores do Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, e assumiu, mais tarde, a cátedra de Antropologia na UFPA (Arnaud, 1981, p.137,138); Theo Brandão formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 1927, na mesma turma de Arthur Ramos; doutorou-se no ano seguinte no Rio de Janeiro, e dedicou-se ao folclore e à criação de um museu antes de, já na década de 1960, lecionar Antropologia e Etnografia do Brasil, na Universidade Federal de Alagoas (Brandão, 1988). Como dito acima, ao explorar os sentidos que Loureiro, um desses médicos-antropólogos, emprestava a suas ações, esperamos não apenas nos aproximar dessa história esquecida, mas também criar uma perspectiva externa às práticas contemporâneas da área.

Falando sobre o outro, pensando sobre si: os textos biográficos de Loureiro

Como podemos nos aproximar de uma compreensão das ações de Loureiro enquanto intelectual? Muitos intelectuais fazem balanços de suas trajetórias – normalmente ao fim delas –, o que nos dá acesso aos sentidos que enxergavam em suas ações, ou, mais precisamente, às leituras que faziam nos momentos finais de suas existências acerca desses sentidos. Mas, Loureiro Fernandes não nos deixou escritos em que abordasse diretamente tais questões. Como tratar então desse tema?

Para abordar os sentidos que Loureiro Fernandes atribuía a sua produção intelectual e a suas ações políticas, podemos analisar várias de suas falas e ações: as ideias que ele apresenta em seus textos e discursos; as relações que ele estabelecia com pares intelectuais e da elite local; seu engajamento político ao agir nas redes a que estava ligado em diferentes ocasiões. O corpus de materiais empíricos que nos informam acerca dessas ações é muito variado: suas produções intelectuais; as cartas trocadas com seus pares; artigos que escreveu na imprensa; suas iniciativas de institucionalização de espaços culturais e acadêmicos; e vários outros. No presente artigo, como estratégia metodológica para tratar deste assunto, partiremos da leitura de um tipo específico de textos por ele produzidos. Trata-se de breves textos de caráter biográfico sobre pessoas que Loureiro Fernandes considerava vultos da história do Paraná: eram elogios fúnebres, homenagens em efemérides comemorativas (centenário de morte, de nascimento, etc.), ou textos de homenagem a figuras para ele importantes. Em alguns casos, eram falas encomendadas; em outros, ele próprio propunha os nomes daqueles que seriam tema de reflexão. Na lista desses biografados, encontramos médicos, como Jean Maurice Faivre (1795-1858), autores de textos sobre as populações indígenas, como Telêmaco Borba (1840-1918), e missionários que trabalharam com os povos indígenas, como Frei Luiz de Cimitille (1837-1902).

Ao abordar as biografias produzidas no contexto dos Institutos Históricos Geográficos à época, Schwarcz (1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. (1993), O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930, São Paulo, Companhia das Letras., p. 100) argumenta que elas se voltavam para a glorificação de seus próprios membros, funcionando “como sistemas de classificação, balcões de nobilitação para a consagração dos sócios”. Como pano de fundo, tratava-se de “recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos” com objetivo de “sistematizar uma história oficial” de caráter regional. O que propomos aqui, em um sentido diverso, é enxergar os textos biográficos escritos por Loureiro Fernandes como materiais que nos dão indicativos sobre um processo de construção de si. De fato, os biografados selecionados para estes textos eram para ele figuras exemplares. Ao apreciar suas trajetórias, ele apontou aquilo que considerava que eles tinham feito de excepcional, ou suas limitações, ou o que deixaram de relevante como legado. Ao escrever sobre essas figuras históricas, Loureiro destacou que elas deviam ser entendidas em seu tempo e não julgadas a posteriori por parâmetros extemporâneos; e, concomitantemente, refletiu sobre o que elas tinham a dizer para ele próprio, no momento em que as examinava.

Essas falas, feitas em um tom geral de elogio, constituem assim biografias “heroicas”, para utilizar o termo de François Dosse (2009DOSSE, François. (2009), O desafio biográfico. Escrever uma vida, São Paulo, Edusp., p. 123): tomam os sujeitos cujas vidas e ideias são apresentadas como referências para as condutas como “modelos morais edificantes usados para educar, transmitir os valores dominantes às gerações futuras”. No caso das escolhas de Loureiro, os biografados são, assim como ele, intelectuais, etnógrafos (locais e estrangeiros), pessoas com uma densa formação religiosa e que tiveram contato com indígenas, ou médicos cujas carreiras profissionais e cujo envolvimento com questões sociais ele considerava dignos de serem seguidos: verdadeiros modelos, a partir dos quais ele refletiu sobre seus fazeres e se constituiu enquanto intelectual. Neste artigo, partiremos, portanto, destes textos de caráter biográfico, considerando-os como artefatos que nos permitem examinar os sentidos e valores que Loureiro associava a seu trabalho intelectual. Através da análise dos temas que ele selecionou, dos julgamentos que ele expressou, das avaliações que fez das vidas que tornou objeto de seus textos biográficos, temos um acesso possível aos fundamentos do seu pensamento e de suas ações no mundo.

Em um segundo momento, incorporando à análise outros materiais empíricos, tematizaremos algumas de suas práticas políticas, contrapondo-as aos ideais por ele enunciados nestas apreciações biográficas. Com este estudo, esperamos compreender suas visões acerca do trabalho intelectual e enfocar a relação que ele estabelecia entre este trabalho e o engajamento político.

Os temas de uma carreira intelectual

Quais são os temas recorrentes abordados por Loureiro ao longo de suas apreciações de caráter biográfico? Vamos começar a sondar essa questão através da leitura de seu artigo sobre Frei Luiz de Cimitille, um missionário capuchinho que publicou uma “memória” de seu trabalho religioso junto aos indígenas Kaingang, no Paraná.

Este é um dos textos biográficos de Loureiro que não foi produzido por encomenda, ou devido a uma efeméride: Loureiro escolheu abordar Frei Luiz de Cimitille voluntariamente, por considerá-lo uma figura relevante de ser estudada. Elaborado em 1950 (apesar de publicado apenas em 1956), no período entre a restauração e federalização da Universidade do Paraná,3 3 A Universidade do Paraná foi criada originalmente em 1912. Em 1915, no entanto, foi separada em suas Faculdades componentes (Direito, Engenharia e Medicina), devido à Lei Maximiliano, que impedia a constituição de universidades em cidades com menos de cem mil habitantes. Campos (2008: 151) entende que a proposta de criação da FFCLPR, em meados dos anos 1930, partiu dos membros das faculdades tradicionais, que consideravam a presença de uma Faculdade de Filosofia como um elemento que daria força ao projeto de restauração da Universidade do Paraná. Tal entendimento é expresso por um dos membros da Faculdade de Engenharia à época, Ildefonso Puppi, que afirma que “a convicção [do grupo] era de que o objetivo [da restauração da Universidade do Paraná] seria mais facilmente alcançado se viesse a ser criada uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, para, incorporando-se às três existentes, constituir-se o núcleo de agregação. Logo a seguir, era instaurada essa unidade considerada de importância fundamental [...]”. (Puppi, 1986, p.42). A Universidade do Paraná foi efetivamente restaurada em 1946, e federalizada em 1952. o referido artigo é parte de um mapeamento que Loureiro fez dos autores que considerava próximos ao campo da Antropologia, e que haviam nascido ou realizado suas pesquisas no estado.

Em um estudo sobre as memórias dos frades que atuaram nos aldeamentos indígenas do Império, Marta Amoroso (2002AMOROSO, Marta. (2002), “Entre os Selvagens do Brasil”. Ensaios e Memórias dos Frades Capuchinhos sobre os Aldeamentos Indígenas do Império (1844-1889)”, in Anais do 26º Encontro da ANPOCS, Caxambu (MG), p. 1-16., p. 2, 3) constrói a hipótese de que a escrita de relatos da experiência missionária de religiosos como Frei Luiz de Cimitille constituía, por um lado, um veículo para divulgar a simplicidade da vida de seus membros, em contraposição à erudição da tradição escolástica; por outro lado, buscava garantir defesas contra seus desafetos, justificando seus trabalhos frente a escândalos e denúncias que surgiam contra os religiosos nas imprensas locais. Para Loureiro, o texto de Frei Luiz de Cimitille guardava todo um outro significado. Ao apresentar a personagem em seu texto, ele afirma:

No Paraná devemos realçar a figura desse humilde frade capuchinho, não só pela virtude e zelo com que exerceu o sagrado apostolado entre os indígenas do aldeamento de São Jerônimo, como também pela sua esclarecida inteligência legando-nos o primeiro trabalho monográfico sobre os Kaingangue do Paraná. (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 52)

Nesta citação, constam três temas relevantes para Loureiro, que aparecerão de modo recorrente em seus textos biográficos e, de modo mais amplo, em sua obra intelectual: o foco na sociedade englobante (o Paraná); a religião; e a ciência (a Antropologia). Nos três itens a seguir, exploraremos o significado que Loureiro atribuía a cada um destes temas. Eles serão abordados em ordem inversa, iniciando com suas observações sobre a ciência, pedra fundamental de sua obra.

A Antropologia como ciência objetiva, fiel aos fatos

[Frei Luiz de Cimitille] não viu a cultura indígena sob o prisma de qualquer preconceito, procurou mesmo ser sincero e objetivo, limitando-se ao registro dos fatos sem divagações ou tentativas de interpretação pessoal destituída de base científica (a não ser quando tratou da religião do índio). (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 64)

Ao ler o trecho acima, um leitor atento percebe que, ao escrever sobre Frei Luiz de Cimitille, Loureiro declarava sua própria visão sobre a ciência: suas linhas são carreadoras dos valores e percepções que ele próprio portava. Deste modo, para sabermos qual noção de ciência ele valorizava, basta lê-lo com atenção: para Loureiro, toda ciência devia ser objetiva, livre de divagações ou interpretações pessoais.

Sua concepção de ciência aparece também em sua apreciação biográfica sobre Telêmaco Borba, militar paranaense que dirigiu o Aldeamento Indígena de São Pedro de Alcântara e atuou como sertanista no estado, publicando estudos sobre os Kaingang. Em “O etnógrafo paranaense”, texto de 1946 sobre Borba, Loureiro avalia que seu livro Atualidade Indígena

é a obra de maior valor etnográfico publicada no Paraná até o presente. Suas páginas encerram o fruto de conscienciosas observações pessoais, pacientemente coligidas no trato de dezenas de anos com o elemento selvagem [...]. Graças aos seus escrúpulos de observador em não alterar os fatos observados, pôde prestar aos estudiosos de nossos índios um serviço inestimável. [...]. As lendas Caingangue foram por ele registradas fielmente. (Loureiro Fernandes, 1946LOUREIRO FERNANDES, José. (1946), “Telêmaco Borba. O etnógrafo paranaense”. Revista da Academia Paranaense de Letras, 4, 12: 248-251., p. 250)

A contrapartida a esta ciência objetiva e respeitadora dos “fatos observados”, tão valorizada por Loureiro, surge em seu comentário seguinte:

[essas lendas] constituem vasto manancial onde buscaram elementos para seus lavores literários indianistas os nossos homens de letras. Das penas [desses homens] brotaram essas lendas e mitos engalanados pela fantasia, mas assim desvirtuadas, perderam para o etnógrafo o valor especulativo para o estudo da mentalidade primitiva, que lhe soube conservar Telêmaco Borba. (Loureiro Fernandes, 1946LOUREIRO FERNANDES, José. (1946), “Telêmaco Borba. O etnógrafo paranaense”. Revista da Academia Paranaense de Letras, 4, 12: 248-251., p. 250)

Ao mencionar os “homens de letras” que se utilizaram dos materiais coletados por Borba, Loureiro se referia a Romário Martins (1874-1948), historiador e intelectual paranaense, que foi objeto de outro de seus textos biográficos – desta vez, produzido a pedido do presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, em 1948, por ocasião da morte de Martins. Em um texto que deveria ser um necrológio de Romário Martins, mas constitui majoritariamente uma crítica aguda de sua produção intelectual, Loureiro elogiou sua preocupação com o progresso do estado, mas não fez muitos comentários abonadores à obra. Ele escolheu destacar como, na primeira versão do livro História do Paraná, Romário

sent[iu]-se, [como] jovem historiador, influenciado pela alma do artista, deixando muitas vezes a própria fantasia infiltrar o argumento. Não houve grande preocupação das fontes, dos testemunhos que contam os fatos históricos. (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 19)

Conforme Loureiro, “nos domínios da etnografia” Martins

deixou um livro de mitos e lendas – Paiquerê. Não lhe quis Romário conservar o rigorismo do texto primitivo, só útil para um grupo de eruditos pelo valor especulativo que tem para o estudo da mentalidade primitiva. [...]. Mas, se de sua pena brotaram essas lendas e mitos engalanados pela fantasia e perderam para o etnógrafo o valor especulativo, lucraram em expressão, possibilitando assim ampla difusão por todas as nossas camadas sociais de leitores. (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 21)

Assim, encontramos nesses textos biográficos um primeiro eixo fundamental, que Loureiro valorizava na produção de sua própria obra intelectual: a concepção de uma ciência objetiva, fiel aos fatos – a ciência com a qual ele teve contato em sua formação médica.4 4 A tese de doutoramento de Loureiro, defendida em 1927 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tratou das novas tecnologias óticas para exames urológicos. Como epígrafe, Loureiro cita um estudioso da área que afirma que “sem exame visual acurado, não se faz diagnóstico acurado, e não se pode tratar adequadamente a uretrite crônica”. O texto, inteiramente construído com base nesta exigência da precisão científica, também conta com momentos em que ela é explicitada: “Defendendo o emprego racional e precisamente indicado da endoscopia, não podemos nos esquivar de citar o trecho do trabalho do Dr. Browdy, o qual parece explicar científica e racionalmente os modos pelos quais essas lesões locais repercutem sobre o estado geral”. (Loureiro Fernandes, 1927, p. 89). Para podermos falar mais acerca do saber que esta sua ciência buscava construir, é necessário que retomemos a leitura que ele fez das memórias de Frei Luiz de Cimitille. Ali, ele busca mostrar como o frei organizou seus dados etnográficos de forma sistemática, separando-os sob a rubrica “costumes”, na qual registrou elementos da cultura material dos Kaingang (descrição de suas habitações, alimentação, domesticação de animais, produção de adornos e armas, roupas, instrumentos de sopro, e divisão de trabalho por sexo); e “religião”, na qual abordou sua “cultura espiritual”. Loureiro justificou, assim, os motivos pelos quais acreditava que as descrições da vida dos Kaingang feitas por Frei Luiz de Cimitille deviam ser tomadas como informações de fato etnográficas:

são observações objetivas, descrição de cenas da vida indígena ou registro de fatos e coisas colhidos nessa convivência permanente de longos anos com os Kaingangue. Material aproveitável para estudos, pois remonta a uma época em que os índios eram numerosos, e fartos no seio das suas coletividades os documentos da primitiva vida indígena. (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 65 a 67)

Mais uma vez, Loureiro nos falava de si próprio. Os dados de Frei Luiz de Cimitille lhe forneciam as informações que ele mesmo, em suas idas ao aldeamento de São Jerônimo, no fim dos anos 1930, lamentava não poder obter, devido à mudança nas condições de vida dos indígenas. Em sua etnografia dos Kaingang (Loureiro Fernandes, 1941LOUREIRO FERNANDES, José. (1941), “Os caingangues de Palmas”. Arquivos do Museu Paranaense, 1: 161-209.), a referência a este passado e às transformações devidas ao contato são constantes, provavelmente graças a sua leitura da obra de Herbert Baldus (1899-1970):5 5 No texto sobre Frei Luiz de Cimitille (Loureiro Fernandes, [1950], p. 65), Loureiro destaca como em certo momento o missionário reconhece que a denominação “kamé”, que utiliza para se referir aos Kaingang, tinha sido por ele adotada a partir da leitura de textos de historiadores, mas que sua etimologia era desconhecida. Baldus é citado como a referência que, “em etnografia feita na década de 1930” (Loureiro refere-se aos Ensaios de Etnologia Brasileira), teria descoberto que kamé era a denominação de um dos grupos exogâmicos Kaingang. (De fato, contudo, Curt Nimuendajú foi o pioneiro nesta questão, falando sobre a questão Kamé, em 1913, em suas “Notas sobre a organização religiosa e social dos índios Kaingang” – cf. Nimuendajú, 1993). o eixo de seu texto é construído a partir da confrontação entre os dados que ele “colheu entre as populações indígenas de Palmas” e os “depoimentos fidedignos de pessoas contemporâneas de fatos culturais já extintos” (Loureiro Fernandes, 1941LOUREIRO FERNANDES, José. (1941), “Os caingangues de Palmas”. Arquivos do Museu Paranaense, 1: 161-209., p. 204) – ou seja, da contraposição entre o presente, em que ele observava a “aculturação” dos indígenas (um conceito importante na obra de Baldus), e o passado, conforme relatado por Frei Luiz de Cimitille e Telêmaco Borba: “as antigas habitações”; “a epilação outrora praticada”; “a colheita em outros tempos”; “as derrubadas [para cultivo] em tempos idos”; “os arcos antigamente fabricados”; “os primitivos adornos, utensílios e instrumentos musicais”; “a frequente poligamia entre os primitivos caingangues”; “o ritual fúnebre de antigamente”. (Loureiro Fernandes, 1941LOUREIRO FERNANDES, José. (1941), “Os caingangues de Palmas”. Arquivos do Museu Paranaense, 1: 161-209., passim).

Por fim, a figura de Frei Luiz de Cimitille aparecia como importante para Loureiro, neste texto biográfico, não apenas pelo caráter exemplar da ciência que aquele praticava, ou pelos dados que constavam de suas memórias, mas pelo próprio conteúdo de seu projeto de conhecimento. Em certo momento de seu texto, Loureiro citou a seguinte nota explicativa que Frei Luiz de Cimitille fez a seu leitor:

algumas pessoas talvez pensem que é em pura perda o tempo gasto em coligir estas notícias, e que eu poderia ter empregado mais vantajosamente as minhas horas desocupadas. Mas cada um procede como entende a esse respeito, porque aquilo que a uns parece supérfluo, aos outros não só parece útil, como também necessário para poder civilizar os índios ainda bravios; e mesmo tudo o que se puder colher acerca dos costumes destes primogênitos do solo americano será de grande utilidade para a história futura. Tempo virá em que os nossos descendentes duvidarão da existência de uma raça de homens que viviam em um estado de natureza a mais completa. (apud Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 63)

Marta Amoroso (2002AMOROSO, Marta. (2002), “Entre os Selvagens do Brasil”. Ensaios e Memórias dos Frades Capuchinhos sobre os Aldeamentos Indígenas do Império (1844-1889)”, in Anais do 26º Encontro da ANPOCS, Caxambu (MG), p. 1-16., p. 7) destaca que este trecho configura as memórias de Frei Luiz de Cimitille enquanto “uma peça datada sobre um tema caro ao século XIX – o registro etnográfico sobre o homem-em-estado-de-natureza”. Para Loureiro, no entanto, assim como para vários antropólogos contemporâneos a ele, a ciência antropológica calcava-se justamente em um tal olhar evolucionista cultural. Loureiro relacionou este trecho de Frei Luiz de Cimitille aos escritos “magistrais” de um naturalista brasileiro do final do século XVIII, Alexandre Rodrigues Ferreira, que respondeu a críticas similares àquelas que Frei Luiz de Cimitille previa que poderiam surgir entre seus leitores. Loureiro citou a resposta que Ferreira formulou àqueles que o criticavam por empregar seu tempo colhendo dados sobre os indígenas:

quaisquer que sejam as armas de que usam os gentios desta parte da América, eu as tenho remetido, no intuito de completar algum dia a História da Indústria Americana; sendo certo que, para se chegar a adquirir um perfeito conhecimento do seu princípio e progresso, é preciso mostrar o Americano em todas as situações em que a Natureza o tem colocado: seguir os seus passos nos diferentes graus da sociabilidade por onde ele tem passado. (apud Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 63)

Este foi justamente o fundamento principal do projeto que Loureiro Fernandes desenvolveu desde os anos 1950, a partir de seus estudos com Paul Rivet (1875-1958) e André Leroi-Gourhan (1911-1986), no Musée de l´Homme de Paris:6 6 Em 1952, Loureiro partiu em “missão ao exterior”, cujo objetivo inicial, como afirmou em entrevista, era participar como delegado da UFPR, no Congresso de Americanistas da Universidade de Cambridge; de um Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnográficas, em Viena; e realizar contatos para um convênio com a Universidade de Coimbra. Além disso, “valendo-me da oportunidade fui com a intenção de seguir cursos especializados no Instituto de Etnologia da Universidade de Paris e na Escola de Antropologia de Paris”. (CEBDOC3759, 2020). Assim, durante o ano acadêmico de 1952-1953, Loureiro frequentou, no Musée de L´Homme, os cursos de Etnografia, de Marcel Maget, de Tecnologia Comparada, de Leroi-Gourhan, e de Paleontologia Humana, de Antonin Lanquine; e, na École d´Anthropologie, polo de concentração dos Antropólogos Físicos racialistas parisienses, os cursos de Antropologia Anatômica, Pré-História e Etnografia, de Louis Marin, Henri-Victor Vallois e J. L. Baudet. “adquirir um perfeito conhecimento do princípio e do progresso” da indústria do homem das Américas – realizar um estudo de antropologia das técnicas, de caráter evolucionista cultural.

Uma marca distintiva de suas produções antropológicas, se tomadas em conjunto, é a amplitude histórica e temática de suas discussões: elas envolvem uma descrição do panorama geológico dos habitats dos povos que estuda (para traçar as possibilidades de suas relações com o meio ambiente), uma abordagem da história natural da espécie (pelo estudo de crânios, ou de perfis hematológicos), uma história do desenvolvimento das técnicas (através da arqueologia ou do estudo das “artes populares”), e uma etnografia das atuais manifestações de “remanescentes de indígenas” e negros no Paraná, vistas, em geral, a partir do ponto de vista de suas transformações e “perdas”, ao longo de um processo evolutivo e de “aculturação”.

Loureiro estudou a obra de Frei Luiz de Cimitille, portanto, com um olhar atento, a partir do qual buscou construir seu próprio projeto de conhecimento: ao escrever a biografia desse autor, falou, diagonalmente, desta Antropologia que buscava compor, uma Antropologia de uma abrangência muito ampla – histórica (no sentido evolutivo), etnográfica e científica, simultaneamente. O escopo deste projeto nos aponta para uma Antropologia cientificamente ambiciosa, mas que, para além da ausência de uma reflexão política sobre o tipo de relação que estabelecia com os povos que tomava como objeto (algo hoje evidente), padecia da impossibilidade de contemplar todas as exigências que ela própria colocava.

Os dilemas religiosos

O segundo tema recorrente nos escritos biográficos de Loureiro Fernandes, que nos informam acerca de suas posturas intelectuais e políticas, é talvez o que mais estranhamento causa em leitores contemporâneos de Antropologia: a religião.

Loureiro tampouco era uma exceção no que diz respeito a este assunto. O próprio Thales de Azevedo, ao revisar as obras antropológicas dos médicos que ocuparam cátedras na área no Brasil, destacava que, se

a mentalidade médica da época [...] inclinava melhor os espíritos para as indagações e as respostas da Antropologia [...] isto, contudo, não isentava os primeiros antropologistas docentes da dificuldade em tomarem lugar coerente entre as opções teóricas e de compatibilizarem suas opções filosóficas ou religiosas com as hipóteses e as teses que a incursão pelos domínios das Ciências Sociais e Culturais lhes requeriam. (Azevedo, 1979AZEVEDO, Thales de. (1979), “Os médicos e a Antropologia Brasileira”. Anaes da Academia de Medicina da Bahia, 2: 139-178., p. 177)7 7 O livro de Timothy Larsen (2016), sobre a relação entre a Antropologia e o cristianismo na produção de antropólogos ingleses, alerta para o fato de que a presença do pensamento cristão, oscilações e crises religiosas não são apanágio das vidas e obras dos médicos-antropólogos brasileiros, sendo, no entanto, amplamente desconsideradas na história da disciplina – que naturaliza essa distinção entre o antropológico e o religioso. No caso de Loureiro, como veremos, tal relação sempre foi problemática – o que não ocorreu, por exemplo, com autores como Evans-Pritchard ou Mary Douglas, para quem havia aí uma continuidade de pensamento. (Agradeço a um dos pareceristas anônimos da RBCS pela indicação dessa estimulante leitura).

O único antropólogo advindo do meio médico e citado nominalmente por Azevedo quanto à forte marca religiosa de seus escritos é Osvaldo Rodrigues Cabral, de Santa Catarina, apresentado como um pensador que “segue orientação criacionista inspirada em Teilhard de Chardin” (Azevedo, 1979AZEVEDO, Thales de. (1979), “Os médicos e a Antropologia Brasileira”. Anaes da Academia de Medicina da Bahia, 2: 139-178., p. 173). Mas, conforme desenvolvido em artigo anterior (Guérios, 2017GUÉRIOS, Paulo. (2017), “Trajetórias intelectuais marcadas entre a ciência e a religião: José Loureiro Fernandes e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná”. Campos, 18, (1-2): 117-138. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/59623>. Acesso em: 05/02/2021. doi:http://dx.doi.org/10.5380/cra.v18i1-2.59623.
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, p. 130 a 133), a formação religiosa pessoal de Loureiro Fernandes, oriundo de família tradicional portuguesa intimamente envolvida com a igreja católica, colocou-lhe difíceis dilemas ao longo de sua vida profissional e de sua produção intelectual. Seu avô era proprietário da maior casa comercial de Curitiba e, como era esperado de alguém que ocupava uma posição social de preeminência na sociedade curitibana, participou de obras de caridade e irmandades religiosas de sua época. Já na época de Loureiro, a Igreja buscou converter seus fiéis pertencentes à elite em lideranças intelectuais, esperando propagar os ideais católicos com um projeto de restauração que visava formar lideranças laicas que reafirmassem a importância e a centralidade da filosofia cristã no mundo moderno do início do século XX – a já citada Ação Católica (Guérios, 2017GUÉRIOS, Paulo. (2017), “Trajetórias intelectuais marcadas entre a ciência e a religião: José Loureiro Fernandes e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná”. Campos, 18, (1-2): 117-138. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/59623>. Acesso em: 05/02/2021. doi:http://dx.doi.org/10.5380/cra.v18i1-2.59623.
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, p. 133). Loureiro participou, então, da criação de instituições culturais que seguiam este projeto de origem neotomista, das quais a principal foi o Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB), em cujo âmbito teve acesso a uma formação filosófica e religiosa guiada por padres lazaristas.

Desde o final da década de 1920, Loureiro se viu assim dividido entre duas linhas de pensamento: um pensamento científico, do qual falamos no item anterior, e um pensamento católico, que buscava subsumir qualquer saber científico à filosofia cristã. Assim, em várias de suas produções científicas, encontramos observações sobre o papel e o valor da religião católica como elemento civilizador.

O que a leitura atenta de seus textos biográficos nos aporta são as manifestações da diversidade de suas relações com a religião ao longo do tempo. Durante toda a sua carreira intelectual, Loureiro oscilou entre o pensamento católico e o científico. Em suas primeiras palestras no Círculo de Estudos Bandeirantes, Loureiro contrapunha-se à ideia tomista, partilhada por vários de seus “consócios”, de que qualquer ciência devia antes submeter-se à Verdade Divina, constante das Escrituras. Após sua formação filosófica tomista, ocorrida no CEB, entre 1935 e 1937, ele passou a incorporar elementos do discurso religioso acerca de vários assuntos. Em 1948, por exemplo, ao destacar o que via como as falhas da primeira versão da História do Paraná, de Romário Martins, ele abordou “o famigerado caso dos padres da Companhia de Jesus”. Ele destacou como Martins, nessa primeira versão do texto, escreveu:

O selvagem era por toda parte sacrificado em proveito dos portugueses. (...) os padres da Companhia de Jesus, esquecidos de sua missão de amor e desprendimentos pelas coisas mundanas, escravizavam aos milhares essas infelizes criaturas e à custa delas enriqueciam-se os conventos. (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 19)

Loureiro censurou o uso de fontes de segunda mão, que embasariam tais afirmações. Mas, em um dos poucos trechos elogiosos de sua apreciação em relação à obra de Martins, ele comparou a citação acima a seu correspondente na edição definitiva da História do Paraná, na qual o autor se referiu às missões jesuítas como “essa formidável empresa de superior idealismo religioso”: as ruínas das Missões atestariam, então, “a vastidão e a beleza das conquistas da fé e da civilização”. Segundo Loureiro,

Confrontando esses textos, não podemos admitir contradição, mas sim lealdade de historiador. Romário Martins, face a posterior informação idônea que teve em mãos, não hesitou em refazer o caminho palmilhando as veredas da verdade histórica. [...] outra não poderia ter sido a atitude de sua lúcida inteligência e de seu nobre espírito, face à abundância de documentário publicado sobre a obra civilizadora da Companhia de Jesus em terras brasileiras. Só raríssimos historiógrafos pirronicamente8 8 Pirronismo, termo cujo emprego por Loureiro advém de sua formação filosófica no Círculo de Estudos Bandeirantes, é uma atitude cética fundamentada na ideia de que nada pode ser conhecido com certeza. (Smith, 2007: 249). No campo da História, especificamente, refere-se a uma crítica em relação aos documentos primários, não os tomando como verdades positivas em relação ao passado. Essas críticas se aplicaram de forma intensa à história religiosa, feitas por anticlericais, como Diderot. ainda permanecem apegados a velhos conceitos, como se forças pudessem ter, de mágicos talismãs, capazes de mistificar a luz da verdade que brota perene dos fiéis documentos históricos. [...] Face à Verdade, não foi como outros espíritos do liberalismo racionalista de sua geração,9 9 Loureiro refere-se, aqui, aos intelectuais anticlericais paranaenses da época de Romário Martins. A este respeito, ver Bega (2013). que contristados, vimos morrer com o travo amargo da sua falida incredulidade. (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 20, 21)

Já em 1950, ao falar de Frei Luiz de Cimitille, Loureiro adotou um tom diferente em relação à religião: “a obra de catequese cristã figura na história social do Paraná como um processo que, no século passado, procurou intensificar a assimilação do elemento indígena. Não o podemos desprezar, sem incorrer em omissão histórica”. (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 52). Nesse momento, parecia-lhe menos relevante afirmar o caráter sagrado e moral da obra apostólica dos catequistas do que afirmar o valor que o trabalho religioso teria tido, ao possibilitar a integração do elemento indígena à formação da nossa nacionalidade: “Do contingente de sangue índio que enriquece os nossos quadros étnicos das mais altas expressões nativas, muito se deve à obra da catequese cristã nas selvas brasileiras”. (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 52).

Na medida em que a década de 1950 avançava, Loureiro deixava de referir-se à catequese como elemento civilizador e, como outros materiais indicam (cf. Guérios, 2017GUÉRIOS, Paulo. (2017), “Trajetórias intelectuais marcadas entre a ciência e a religião: José Loureiro Fernandes e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná”. Campos, 18, (1-2): 117-138. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/59623>. Acesso em: 05/02/2021. doi:http://dx.doi.org/10.5380/cra.v18i1-2.59623.
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), sentia em si o crescimento de uma crise religiosa. De fato, todos os textos biográficos aqui citados foram escritos antes de seu contato direto com a etnologia francesa, da circulação mais intensa que ele teve nos meios antropológicos a partir dos anos 1950 e, de modo fundamental, de sua participação no processo de contato com os Xetá, iniciado em 1955. Até então, Loureiro apenas tinha tido contato com populações indígenas em aldeamentos organizados pelo Estado brasileiro. Os materiais de arquivo acerca dos esforços políticos de Loureiro para articular a transferência dos Xetá para uma reserva a ser delimitada pelo governo – especialmente as cartas que escreveu a Heloísa Alberto Torres (1895-1977), diretora do Conselho Nacional de Proteção ao índio (CNPI), ao governador Moysés Lupion e a intelectuais de sua rede acadêmica sobre a situação dos Xetá – parecem mostrar que essa exposição direta às dinâmicas e às consequências destruidoras do contato dos povos indígenas com a sociedade englobante, à qual ele se referia até então de forma idealizada, podem ter alterado suas convicções:10 10 Essa hipótese coaduna-se com a leitura de Marisa Peirano (1999: 233) de que a Antropologia Brasileira “se insere em um quadro geral em que conhecimento e comprometimento político estão unidos em uma configuração única, situação distinta da que se pode encontrar, por exemplo, nas ´humanidades´ e nos four fields americanos”. ao vivenciar de maneira direta esse processo, Loureiro deixou aos poucos de referir-se positivamente ao progresso e à civilização, intimamente relacionados, em seu pensamento, à religião.11 11 Sobre o genocídio dos Xetá e a memória dos sobreviventes, ver por exemplo Silva (1998), Lima & Pacheco (2017) e Lima (2018). Recentemente, diversas pesquisas realizadas por Edilene Lima e Laura Gil e seus orientandos na UFPR têm tratado da recomposição das populações Xetá, a partir dos sobreviventes do contato – assim como da participação de Loureiro Fernandes nesse processo de contato. Quanto a esta última, Loureiro nunca deixou de se autodefinir como católico; entretanto, em suas produções realizadas a partir da segunda metade da década de 1950, a filosofia cristã deixa de ser acionada como um elemento explicativo dos fenômenos que ele abordou em seus textos (Guérios, 2017GUÉRIOS, Paulo. (2017), “Trajetórias intelectuais marcadas entre a ciência e a religião: José Loureiro Fernandes e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná”. Campos, 18, (1-2): 117-138. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/59623>. Acesso em: 05/02/2021. doi:http://dx.doi.org/10.5380/cra.v18i1-2.59623.
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, p. 130).

Educação, engajamento e progresso: um intelectual no mundo da política

Se na produção intelectual e nas ações de Loureiro Fernandes, como vimos, o estatuto do pensamento religioso se alterou com o passar do tempo, outras ideias permaneceram presentes, contudo, ao longo de toda a sua carreira: por um lado, o valor da verdade científica, de que falamos anteriormente; por outro, uma atitude convicta de engajamento, relacionada à percepção de uma missão a cumprir como intelectual. Para examinar como ele ligava esses dois pontos, iniciaremos pela análise de sua apreciação biográfica sobre a vida do francês Jean Maurice Faivre (Loureiro Fernandes, 1945LOUREIRO FERNANDES, José. (1945), “João Maurício Faivre”. Revista Médica do Paraná, 14, 5: 159-164.).

Em 1847, Faivre, que atuava como médico no Rio de Janeiro desde 1826, propôs a criação de uma colônia no interior do Paraná, organizada segundo os ideais utópicos do pensador francês Charles Fourier. Vendendo seus próprios bens, angariando recursos junto a seus pares e buscando o apoio pessoal da imperatriz Thereza Cristina, ele tinha o projeto de implementar uma rede de comunidades igualitárias e socialistas (os “falanstérios” de Fourier), conseguindo recrutar 63 imigrantes franceses para iniciar seu trabalho.12 12 Acerca do início da atração de colonos europeus para o Paraná, ver Guérios (2012: 97,98). Para uma compreensão do projeto utópico de Fourier, consultar o trabalho de Laurent Vidal sobre um segundo falanstério implementado na Barra do Saí, no litoral norte de Santa Catarina na mesma época (Vidal, 2014). Sobre a colônia Thereza Cristina, cf. Fernandes (1996), livro que, apesar de limitado pela preocupação de seu autor em fazer um elogio a Faivre, conta com uma pesquisa histórica cuidadosa.

O interesse de Loureiro por Faivre ligou-se, em um primeiro momento, ao elogio de sua postura profissional e moral. No campo da medicina, ele destacou, para além de sua excelência técnica, que o tornou clínico da corte e organizador da Academia Nacional de Medicina e da Escola de Medicina, a sua “benemerência”: “conhecido como médico hábil e nada ambicioso de dinheiro, de quem a pobreza tirava grande proveito”. (Loureiro Fernandes, 1945LOUREIRO FERNANDES, José. (1945), “João Maurício Faivre”. Revista Médica do Paraná, 14, 5: 159-164., p. 160).13 13 Como vimos anteriormente, o avô de Loureiro Fernandes foi um dos fundadores da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, obra de benemerência ligada à saúde, que era apenas uma das suas ações de caridade – características da religiosidade portuguesa de sua época. (Guérios, 2017: 133). Mesmo que, na geração de Loureiro, a Igreja Católica tenha alterado suas expectativas e projetos para os líderes comunitários laicos, ele não deixou de atuar como Irmão Provedor da Santa Casa, e como membro de seu corpo clínico. Por outro lado, Faivre foi apresentado a partir de sua “obra meritória, realizada pelo ilustre médico francês em prol do progresso de nossa terra”, tendo sido o introdutor de tecnologias agrícolas no estado, bem como o responsável pela abertura de estradas em seu interior (Loureiro Fernandes, 1945LOUREIRO FERNANDES, José. (1945), “João Maurício Faivre”. Revista Médica do Paraná, 14, 5: 159-164., p. 159, 163).

O texto sobre Faivre nos coloca, assim, em contato com o modo como Loureiro compreendia o engajamento pessoal e moral de um intelectual, relacionando-o à necessidade de ação em prol do “progresso” de sua comunidade. Em seus textos de caráter biográfico, as personagens de que ele trata são elogiadas neste sentido: nas ações de Romário Martins, “vislumbramos a cada instante os interesses supremos da terra e da gente do Paraná” (Loureiro Fernandes, [1948]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33., p. 18);14 14 Sempre atento à significação dos atos dos diferentes agentes em seu próprio momento histórico, Loureiro se preocupa em reconhecer o esforço de Martins em criar, com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, um espaço de reflexão que inexistia até então no estado: “Aos fundadores e primeiros sócios deste Instituto [...[ devemos um dia fazer justiça, focalizando em estudo de conjunto o ambiente em que viveram e a sua atuação, assinalando um sentido de progresso na diretriz dos estudos. [...[ o meio, se não era hostil ao empreendimento, não lhe podia dar, contudo, as necessárias condições de viabilidade”. (Loureiro Fernandes, 1948: 26, 28). Frei Luiz de Cimitille teria contribuído, através de seu trabalho com os povos indígenas, “para a civilização e o progresso das fertilíssimas terras de nosso setentrião”. (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 74). E todos eles, como ressaltou Loureiro, teriam contribuído de modo altruísta para tal “progresso”.

O elogio da ação desinteressada desses personagens vem acompanhado de uma condenação irrestrita ao que Loureiro chamava de “política”. Sempre que este termo aparece em seus textos, diz respeito à defesa de interesses próprios por parte dos ocupantes de cargos de poder. Neste sentido, Faivre foi para ele exemplar mesmo em seu fracasso como diretor da colônia de Thereza Cristina: Loureiro avaliou de modo positivo a seguinte apreciação de um dos autores que citou em seu texto: “o Doutor Faivre era filósofo e sincero demais para levar a cabo empresas que, como essa, demandam uma tática particular baseada em certa experiência da maldade humana” (Loureiro Fernandes, 1945LOUREIRO FERNANDES, José. (1945), “João Maurício Faivre”. Revista Médica do Paraná, 14, 5: 159-164., p. 164).

João Cândido Ferreira (1864-1948), médico e ex-prefeito da cidade da Lapa, que foi presidente do estado em 1908, foi apresentado da mesma forma:

São os pendores médicos que avultam nessa fase da vida de João Cândido, e nenhum traço encontramos, na história política, que revele entusiasmo no exercício dos mandatos que lhe foram conferidos em pleitos eleitorais no Paraná. Parece aceitá-los como cumprimento de um dever cívico e neles se mantém, com dignidade, por insistência de chefes políticos, sem pessoalmente se empolgar pelo fastígio das altas investiduras partidárias. [...]. Antes de tudo era médico, amava a glória de sua profissão, a única que lhe parecia digna de ser aspirada. (Loureiro Fernandes, [1947]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1947]), “Traços biográficos. Professor João Cândido Ferreira.”. Revista Médica do Paraná, 9: 1-14., p. 8, 10)

Ao escrever sobre João Cândido, em 1947, Loureiro (1947, p.8) via-se justamente envolvido na necessidade, a ele reputada, de aceitar mandatos “como cumprimento de um dever cívico”. No arquivo pessoal de Loureiro Fernandes, pertencente ao Círculo de Estudos Bandeirantes, encontramos os primeiros documentos nos quais ele aceita participar de funções políticas. Em outubro de 1947, o presidente do Diretório Municipal do Partido Social Democrático enviou uma carta convidando-o a concorrer pela legenda ao cargo de vereador. O aceite de Loureiro veio condicionado à restrição de sua colaboração aos setores da Educação, Saúde e Cultura, indicando seu vínculo com o Partido e o interesse mais imediato que o movia:

Nestes setores, o programa do Partido Social Democrático nos proporciona larga margem de trabalhos e realizações. Neste particular, podemos também acentuar o compromisso publicamente assumido pelo Snr. Governador, no meio universitário, de construir em Curitiba o edifício do Museu Paranaense, e a honrosa deferência que teve S. Excia para conosco, expondo-nos particularmente o plano de realizações de seu governo. Face a essas circunstâncias, cabia-me o dever moral de colaborar mais ativamente para a concretização dessa obra de cultura projetada quando orientava os destinos do PSD o nosso saudoso amigo Manoel Ribas [interventor do Paraná durante o período Vargas]. (CEBDOC2217, 2020; Cf. também CEBDOC2254, CEBDOC2218, CEBDOC2323, 2020)15 15 Manoel Ribas propiciava, com frequência, apoio financeiro do Estado para as iniciativas institucionais de Loureiro Fernandes, segundo o registro de seus contemporâneos (ver, por exemplo, o depoimento de Rudolph Lange, na Revista de Arqueologia do CEPA/UFPR (Lange, 2005: 31, 32)).

Diretor do Museu Paranaense desde 1936, Loureiro buscava há anos garantir o financiamento das atividades científicas da instituição, e via como um gargalo fundamental a precariedade de suas instalações físicas. Apesar de sua grande proximidade com Manoel Ribas, Loureiro não tinha ainda logrado obter recursos para a obra. Reconhecia então, na atuação política direta, um caminho para viabilizá-la.

No entanto, ainda antes de assumir a legislatura para a qual foi eleito, Loureiro aceitou outro convite: ocupar o cargo de Secretário de Educação e Cultura do Estado do Paraná, oferecido a ele pelo governador Moysés Lupion. Seu objetivo ao assumir este cargo, em março de 1948, era ainda o mesmo: conforme indica a pesquisa de Ardigó (2011ARDIGÓ, Fabiano. (2011), “Uma ciência improvável: o Museu Paranaense entre 1940 e 1960”, in F. ARDIGÓ (org.), Histórias de uma ciência regional. Cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960), São Paulo, Contexto, p. 101-176., p.143-144) nas atas de reunião da diretoria do Museu Paranaense, Loureiro afirmou a seus conselheiros que “havia hesitado em aceitar a posição na Secretaria de Educação e Cultura devido a sua agenda lotada, mas no fim o fez porque queria garantir a construção do novo prédio [do Museu]”. Um de seus primeiros atos enquanto secretário foi elaborar e articular a aprovação da Lei Estadual 170/1948, que alterava o estatuto do Museu Paranaense para constituí-lo como órgão oficial do governo ligado à sua pasta. Deste modo, ele garantia uma fonte de recursos para a instituição e estabilidade de emprego para seus funcionários (Ardigó, 2011ARDIGÓ, Fabiano. (2011), “Uma ciência improvável: o Museu Paranaense entre 1940 e 1960”, in F. ARDIGÓ (org.), Histórias de uma ciência regional. Cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960), São Paulo, Contexto, p. 101-176., p.144). Cabe aqui analisar mais detidamente sua permanência frente à Secretaria de Educação, pois os arquivos relativos à sua gestão nos propiciam um acesso privilegiado a suas práticas políticas efetivas. Podemos, assim, confrontá-las às suas concepções do trabalho intelectual, expostas mais acima.

A Secretaria de Educação do Paraná havia assumido o estatuto de órgão independente apenas em 1947, primeiro ano da gestão de Lupion.16 16 Até então, a Instrução Pública era objeto apenas de diretorias ligadas, normalmente, à Secretaria do Interior e Justiça. Para uma descrição mais detalhada sobre a história da Secretaria de Educação no Paraná, e sobre algumas das ações de Loureiro em seu período como secretário, ver Barlatti (2019). Loureiro foi o segundo secretário a assumir o cargo; seu principal trabalho, ao longo de sua gestão, constou então da criação de uma estrutura institucional para a Secretaria. Os eventos ligados a essa estruturação nos informam não apenas sobre suas concepções e práticas políticas enquanto intelectual, mas também sobre suas ideias acerca da educação.

A estrutura criada por Loureiro para o órgão previa a presença do Museu Paranaense (e, portanto, das funções científica e educacional do Museu) junto a seus Departamentos de Educação, Administração e Cultura, como também a criação de um Conselho Estadual de Educação e Cultura. A ideia para a criação deste Conselho partiu de uma discussão feita em consultoria junto ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do Ministério da Educação, então dirigido por Murilo Braga. A proposta era de que o Conselho constituísse um “órgão técnico por excelência”, cujas principais funções seriam tanto “elaborar as propostas de reformas escolares que julgar necessárias para melhor solução dos problemas educativos”, quanto dar parecer “sobre a proposta orçamentária da Secretaria” e “sobre concessões de auxílios financeiros a entidades culturais privadas e sobre a concessão ou cassação de licença ou mandato para o ensino particular”. (CEBDOC2143, 2020). Ele teria, assim, forte papel decisório, centralizando a definição das políticas educativas, de emprego de recursos e de fiscalização.

Ao longo da tramitação da proposta de estruturação da Secretaria na Assembleia Legislativa, foram, entretanto, incluídas na composição do Conselho as posições para representantes de classe – “um representante das classes conservadoras e mais um representante da indústria e um do comércio”, seguidas da admissão de um “representante da classe operária”. (CEBDOC2146, 2020). Em novembro de 1948, Loureiro enviou um “memorial” ao governador Lupion, rejeitando estas alterações. Neste “memorial”, texto político ao mesmo tempo em que acadêmico, crítico das ingerências ao mesmo tempo em que confiante na ilustração de certas frações intelectualizadas das elites dirigentes, Loureiro afirma:

O conceito de “classe” é um conceito definido sociologicamente, ao passo em que o de “conservador”, na multiplicidade de suas acepções, passou na política a ser aceito pela maioria num sentido reacionário, de reposição dum estado de coisas anteriores, mas de acordo com as velhas tradições a que se apegou. Vê-se nesse termo relutâncias às inovações políticas e sociais e consequentemente uma falsa garantia à vida familiar tradicional e aos velhos hábitos econômicos. São atitudes de espírito que tanto podem ser assumidas pelos ricos ou pobres, desde que se desprendam da influência exercida pela classe.

A “classe conservadora” foi sempre no conceito popular identificada com as classes produtoras, as classes possidentes, classes outrora consideradas como infensas às inovações políticas e sociais, pois outro não podia ser seu conceito, presas que eram à rotina dos processos tradicionais comerciais e industriais. Parece que têm razão os tratadistas, quando criticam os conservadores face à experiência histórica, pois só dão relevo aos fatos que favorecem suas tendências particulares.

É estranho, Senhor Governador, que esta expressão, que em face ao progresso da humanidade tende a desaparecer no nosso próprio país, fique perpetuada num órgão oficial. [...].

A nosso ver, para que a estruturação da Secretaria não seja ainda mais retardada, o caso seria solucionado, conforme a própria sugestão de V. Excia., com o veto parcial sanando as inconveniências apontadas. (CEBDOC2146, 2020)

Percebe-se claramente que o que incomodava Loureiro é que as “classes conservadoras” – entendidas por ele independentemente de seu estatuto econômico – seriam, por definição, contrárias ao “progresso” e às inovações; esse “progresso”, pedra fundamental de sua produção científica, era assim igualmente central em sua atuação em prol da sociedade englobante. Deste modo, era-lhe inaceitável institucionalizar a existência conceitual, a presença e a agência das “classes conservadoras” dentro de seu projeto para a educação. Se o “progresso” era para ele um valor inegociável, a negação da “política” que tentava se imiscuir em seu projeto também o era.

Assim, Loureiro declarava claramente a Lupion que não aceitaria ingerências em sua gestão – que pretendia “técnica” – da educação no estado, solicitando, via veto do governador, a exclusão dos “representantes classistas, cuja inclusão só viria alterar os planos elaborados para o funcionamento da Secretaria” (CEBDOC2146, 2020). Percebemos, assim, que a concepção de Loureiro sobre a gestão da educação era contrária a um viés democrático, que incluísse um debate acerca de seu funcionamento com representantes das diferentes partes envolvidas; ela baseava-se efetivamente em um viés técnico, segundo o qual os especialistas tomariam todas as decisões pertinentes.17 17 Evidentemente, isso não significa que as inclusões feitas em seu anteprojeto na Assembleia Legislativa visassem a uma gestão mais democrática da educação. A proposta apresentada, um ano mais tarde, para a estrutura institucional da Secretaria de Educação do Paraná, pelo sucessor de Loureiro Fernandes, Erasmo Pilotto, seria também recusada pela Assembleia. Este segundo anteprojeto não teria sido aprovado, assim como o de Loureiro, por tentar isolar o Conselho Estadual de Educação (assim como os Conselhos Municipais) de ingerências políticas externas. Este novo texto, no entanto, havia sido elaborado sob a inspiração de Anísio Teixeira, que viria a assumir a direção do INEP em 1952, e não de Murilo Braga. Deste modo, propunha que os Conselhos fossem compostos por membros da comunidade. Tinha assim um caráter político democrático, e não “técnico por excelência”, como o projeto de Loureiro, e teria sido recusado justamente por este motivo. (Sobre a proposta de Pilotto, cf. Miguel, 1997: 140 a 142).

Lupion não acatou a sugestão de Loureiro, que, para pressioná-lo, colocou o cargo à disposição em 15 de dezembro de 1948. A 3 de janeiro de 1949, Lupion enviou carta a Loureiro aceitando seu pedido de exoneração – e fazendo-o em meio a uma grande manobra política. Tendo sido eleito governador por uma coligação partidária entre o PSD e a UDN, Lupion rompeu oficialmente com a UDN nesta data, e exonerou, além de Loureiro, mais três Secretários, buscando recompor seu secretariado com aliados mais próximos. Segundo a percepção de analistas da época, o governador buscava afastar de seu governo todos os membros que não se submetiam a suas ordens (cf. Silva, 2014SILVA, Rossano. (2014), Educação, arte e política: a trajetória intelectual de Erasmo Pilotto. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPR, Curitiba., p. 118 a 129).

Indignado, Loureiro fez então publicar na Revista Médica do Paraná, que dirigia, um artigo não assinado, que buscava justificar sua passagem pelo governo Lupion e sua exoneração:

A 3 de janeiro deste ano, resignou do cargo de Secretário de Estado dos Negócios de Educação o Dr. José Loureiro Fernandes, membro ilustre da classe médica paranaense. [...]. Não nos deteremos naturalmente na feição política do fato, mas dele nos aproveitaremos para ressaltar de público a elevação de vistas com que soube se conduzir na gestão daquela pasta um de nossos confreires. [...]. Uma das iniciativas do Dr. Loureiro Fernandes – talvez a mais exaustiva, mas também a de maior alcance e de mais amplos resultados – foi a reestruturação da Secretaria que lhe fora confiada. [...]. Uma vez esboçada a estruturação definitiva, foi obtida a colaboração do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, do Ministério de Educação e Saúde. [...]. Esta proposta inicial sofreu, até ser convertida em lei, uma série de modificações e alterações, que trouxeram como consequência final a inclusão de mais cinco membros no Conselho. [...]. Publicando [o organograma proposto para a Secretaria] como ora o publicamos, com os comentários que fizemos, guia-nos apenas o intuito de dar maior divulgação, no seio de uma classe de intelectuais como é a classe médica, o empreendimento de alta significação levado a cabo por um de seus membros. (“A passagem do Dr. Loureiro Fernandes pela Secretaria de Educação e Cultura”, 2020)

Confirmando as razões de sua rejeição em relação à “política” e a seus membros, Loureiro buscava assim guarida junto a uma “classe de intelectuais”, da qual acreditava fazer parte.

Dois anos mais tarde, entretanto, em circunstâncias ainda não esclarecidas na pesquisa, Loureiro viria a assumir o ano final de seu mandato de vereador. Na Câmara Municipal, participaria da Comissão de Educação e Cultura, em que julgou projetos de doações de terrenos para instituições culturais, impediu que fossem construídas obras “estranhas às atividades universitárias” nos terrenos em que pretendia construir a sede do Museu Paranaense, defendeu a permanência dos prédios da Universidade no centro da cidade, julgou processos de atribuição de nomes a ruas escrevendo pequenos ensaios sobre seus personagens, e, em um momento de racionamento de energia, solicitou que os hospitais fossem poupados de colaborar com estas ações para manter suas atividades normais. (CEBDOC2202, CEBDOC2195, CEBDOC2204, CEBDOC2192, CEBDOC2193, 2020). Em relação a este último assunto, percebendo que o Clube Curitibano, clube de elite a cujos quadros pertencia, parecia estar mantendo suas atividades sociais normalmente, a despeito do racionamento, Loureiro inquiriu a Câmara acerca da hesitação em eximir os hospitais dos cortes de energia, dado que uma sociedade recreativa prosseguia com suas atividades normais. Ameaçado de expulsão dos quadros do clube pela direção, que exigiu que ele se retratasse “por sua atitude demagógica ao querer indispor a opinião pública contra o Clube”, Loureiro defendeu sua posição em tribuna, reafirmando explicitamente seu credo político, que se unia a seu credo científico: “comporto-me neste cargo [de vereador] [...] como me comporto em todos os atos de minha vida, como homem de estudo que enfrenta os problemas, analisando suas particularidades e procurando neste sentido uma solução racional”. (CEBDOC2210, 2020; Cf. também CEBDOC2207 a CEBDOC2213, CEBDOC2241 e CEBDOC2243, 2020).

Em 3 de dezembro de 1951, a duas semanas do fim de seu mandato, Loureiro pediu novamente resignação de seu cargo, ao testemunhar uma manobra política em que uma sessão fora suspensa para angariar quórum para a aprovação de um processo que já havia sido rejeitado em plenário. Nesta ocasião, reafirmou em ofício ao presidente da Câmara que, “como simples homem de estudos, que sempre me prezei de ser, sem ambições políticas, não desejo ver repetidas idênticas situações”. (CEBDOC2252, 2020). Depois desse episódio, ele deixou definitivamente de exercer cargos políticos e restringiu seu campo de ação à Universidade, voltando a focar seus esforços em seu trabalho científico e na institucionalização de espaços de ciência. A manifestação mais clara em que ele resumiria seu olhar negativo em relação à “política” é encontrada em um artigo de jornal escrito em 1956, após ter passado por todas essas experiências. Neste artigo, ao comentar a situação do Museu Paranaense, ele afirmou:

nos [últimos 25 anos] os diretores das diferentes seções [científicas do Museu] se sucederam periodicamente na direção do Museu Paranaense, dentro da boa norma democrática – que se em política, atualmente, não se ajusta muito bem, é inegavelmente a norma ideal para as instituições nas quais o padrão científico ou ao menos a fibra intelectual dos homens que as assistem tenham superado os pequenos complexos a propósito de domínio hierárquico. (“O governo comemora condignamente o octagésimo aniversário de fundação do Museu Paranaense”, 2020)

Conclusão: A ciência como caminho para o progresso

Como o demonstra a discussão sobre o engajamento político de Loureiro Fernandes, ele não defendia em seus textos as oligarquias de seu estado: não escrevia em nome da afirmação de uma classe social, da qual fazia parte. Ao contrário, criticava continuamente os membros da elite que atuavam em proveito próprio. Seu elogio atingia apenas aqueles que demonstravam o mesmo desinteresse que ele julgava adotar em suas ações. Uma abordagem analítica que o associasse de modo estrutural a seu meio de origem poderia, assim, dificultar a compreensão dos sentidos que ele próprio emprestava a seus atos. Nosso ponto de partida metodológico não buscou, portanto, constituir analiticamente um habitus de classe de que Loureiro seria portador, como membro das elites intelectuais paranaenses dos anos 1920 a 1940, para entender suas ações; consequentemente, nosso ponto de chegada também é outro.18 18 Neste sentido, há uma diferença de perspectiva entre o estudo aqui proposto e aqueles relativos ao projeto História das Ciências Sociais no Brasil, dirigido por Sérgio Miceli. O autor e seu grupo declaram também trabalhar “com um tipo de história intelectual muito mais caudatária dos problemas herdados da tradição de história social e da cultura de feitio weberiano”. (Miceli, 1989: 9). Tal inspiração redunda em uma pesquisa direcionada a uma análise de corte institucional, atentando para uma topografia das posições ocupadas pelos agentes em um sistema estruturado, e não emprestando estatuto epistemológico às concepções de ciência empregadas pelos grupos tomados por objeto. Essa linha de análise demonstrou amplamente seu valor e suas potencialidades, tornando-se força central no campo de estudos acerca da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Porém, minha perspectiva remete ao aspecto explicativo e compreensivo da sociologia weberiana, ou seja, à escuta atenta dos sentidos das ações para os próprios atores. Tenho, assim, desenvolvido pesquisas que remetem não apenas a Weber, como referência epistemológica e heurística fundamental, mas que se inspiram nos desenvolvimentos de autores como Norbert Elias, Fredrik Barth e Giovanni Levi. Nesse caso, o caminho da análise institucional deixa de ser central, sendo instrumentalizadas noções como a de redes ou de escalas, e emprestando maior espaço a uma leitura atenta que busca levar a sério o que os atores têm a dizer em seus próprios termos.

No presente artigo, optamos por partir de uma leitura dos textos biográficos escritos por Loureiro Fernandes. Ao lê-los, não nos interessou tanto saber mais sobre personagens como Faivre, Telêmaco Borba ou Frei Luiz de Cimitille, mas sim buscar compreender o olhar construído sobre eles. Ao lançar luz sobre suas vidas, Loureiro nos permitiu captar, como que pela refração da luz em um prisma, os componentes de seu próprio pensamento e de seus valores. Ao descrever suas vidas e argumentar sobre o caráter modelar de suas existências, ele nos permitiu entrever os valores que lhe eram caros e que ele levava em consideração em sua própria trajetória.

Partindo da leitura dos textos biográficos de Loureiro Fernandes e explorando, a seguir, pistas dispersas em arquivos diversos, podemos compreender com mais clareza como se deu seu engajamento político e intelectual com o mundo, com base nos projetos em que se engajou e nas visões que exprimiu. Podemos, portanto, falar sobre suas ações a partir dos sentidos que atribuía a elas e que, assim, constituíam-nas. No campo da ciência, ele agiu através de seu interesse em criar um corpus de conhecimento sobre o homem paranaense em sua evolução natural (através dos estudos de antropologia física e de arqueologia) e de suas técnicas (através de seu estudo das “artes populares”); no campo da política, agiu pelo esforço na criação de espaços institucionais para o desenvolvimento científico do estado – e aqui a lista é extensa, se pensarmos em suas participações essenciais na criação e gestão de instituições científicas e culturais.

Seu interesse pela ciência esteve, assim, indissociavelmente ligado a seu interesse e ações em prol do progresso do Paraná. Ambos os aspectos são inseparáveis, pois, ao praticar sua ciência, Loureiro se colocava também como um agente civilizador: ao construir um conhecimento sobre o Paraná, fazia-o para explicá-lo, para conhecê-lo, e para saber bem traçar seu futuro; ao mesmo tempo, esforçava-se em constituir as condições institucionais necessárias para que esta ciência fosse desenvolvida. Seu olhar evolutivo dentro da ciência espelhava-se em suas ações pelo desenvolvimento do estado em que vivia.

Esta compreensão foi resumida por ele próprio nas palavras que proferiu em seu discurso como paraninfo dos bacharéis formados pela FFCLPR, em 1943:

Nas circunstâncias atuais do mundo, a função dessas elites intelectuais, carreadoras da verdadeira cultura, é sobrestimada como uma das forças líderes capazes de se contrapor à anarquia social. [...]. No desempenho da sua função cultural, abre a Faculdade de Filosofia novas e promissoras perspectivas, pois na ordem científica, ao conduzir a interpretação erudita dos fatos, vai desvendar às futuras gerações a nossa realidade e despertar a consciência nacional [...] para as nossas singularidades regionais, fazendo-a desvendar com a falência do ‘ufanismo’ e a perfeita interpretação da natureza íntima dos fatos, normas seguras e ritmos novos de ação. (Loureiro Fernandes, 1944LOUREIRO FERNANDES, José. (1944), “Discurso aos bacharéis de 1943”. Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná: 1-11., p. 5)

Deste modo, tanto em seu projeto de conhecimento, quanto em seu engajamento com a sociedade englobante, Loureiro aparece como partícipe de um panorama mais amplo das elites intelectuais do Brasil, nos anos 1920 a 1940. Seu caso demonstra que afirmar a inexistência de facto das Ciências Sociais, fora dos grandes centros do país à época, equivale a defender uma compreensão finalista, que olha para o passado tomando como pressupostos definições contemporâneas da área, e que faz perder de vista a história das vicissitudes da configuração destes saberes no país. Os arquivos de Loureiro documentam, de forma contundente, as relações imediatas que ele entretinha com outros acadêmicos e pesquisadores brasileiros, configurando-o como um participante ativo nestes meios. Ele era, assim, parte de uma rede de intelectuais que arrogavam para si próprios o papel de líderes e construtores da nação, através de sua ciência e de seu esclarecimento.

Ao fazer um apanhado geral dos projetos dessas redes de intelectuais, Daniel Pécaut (1990)PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática. descreve-os em termos que nos remetem diretamente ao que percebemos em Loureiro Fernandes, indicando que este partilhava efetivamente de ideias e valores dos intelectuais de sua época. Segundo Pécaut (1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p.6), os membros dessas redes acreditavam que “o intelectual tinha que estar à altura da construção da nação, portador que era da identidade nacional, e, além disso, detentor do saber relativo às leis da evolução histórica”; viam a realidade nacional como objeto incontornável, que deveria ser explicado pela ciência a partir do estudo dos “princípios imanentes que regem o desdobramento de suas sucessivas formas históricas” (Pécaut, 1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p. 6); “não tardavam em se posicionar contra a política e suas instituições”, “sempre ressurg[indo] a tentação de uma recusa radical do político”, mas ao mesmo tempo “se entrega[ndo] à política sem hesitações, e como se tivessem qualificação especial para fazê-lo” (Pécaut, 1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p. 7); entendiam a si próprios como “os únicos a se subtraírem à imperfeição e ao atraso e, consequentemente, a formar uma camada social com vocação para conduzir a nação ao encontro de si mesma” (Pécaut, 1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p. 8); reivindicavam a ciência “a partir da crença de que ela poderia fundamentar uma administração científica dos homens e da natureza” (Pécaut, 1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p. 21); e, assim, atribuíam a si próprios uma vocação para elite dirigente (Pécaut, 1990PÉCAUT, Daniel. (1990), Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática., p. 22), pois acreditavam deter o saber legítimo sobre o funcionamento da nação. Nesse sentido, não se viam como representantes do povo – não operavam com um viés democrático de representatividade –, mas consideravam-se líderes devido a seus conhecimentos, a partir dos quais seriam capazes de civilizar o Brasil.

Em contrapartida, Loureiro ocupava uma posição particular nesse universo. Se destacarmos aí apenas os médicos que ocuparam as cadeiras de Antropologia a partir dos anos 1940, a que nos referimos no início do presente artigo, veremos que Thales de Azevedo, Arthur Ramos e René Ribeiro viriam a associar-se mais diretamente à Antropologia enquanto Ciência Social (em sua versão culturalista norte-americana), enquanto Osvaldo Cabral, Armando Bordalo e Theo Brandão ficariam mais restritos, em suas cátedras, a suas vinculações com a Antropologia Biológica e o folclore. A trajetória intelectual de Loureiro Fernandes não poderia ser associada plenamente nem a um caso nem a outro. Próximo aos folcloristas até a década de 1950, assim como os últimos citados, ele rompeu com o Movimento Folclórico Brasileiro em 1954, afirmando que “o Folclore, quando estudado por homens de ciência, é capítulo da Etnografia” (apud Vilhena, 1997VILHENA, Luís Rodolfo. (1997), Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro (1947-1964), Rio de Janeiro, Funarte / FGV., p.142), e buscando publicar trabalhos etnográficos (no sentido emprestado ao termo na época). Ele circulou, também, muito mais amplamente, tanto em âmbito nacional quanto internacional, tornando-se membro de várias associações científicas no Brasil e no exterior, com participação ativa na formação da ABA nos anos 1950. Porém, ao contrário dos primeiros mencionados, ele não chega a praticar a Antropologia enquanto Ciência Social, mantendo sua vinculação preferencial com o evolucionismo social, a Antropologia Física e a Arqueologia.19 19 Dentre os cientistas ligados à Ação Católica, sua posição é ainda mais particular, dado seu progressivo afastamento em relação ao projeto tomista.

Como conclusão mais geral, podemos retomar uma afirmativa que fizemos no início do presente texto. Se nos aproximarmos do estudo de intelectuais como Loureiro Fernandes guiados exclusivamente por pressupostos contemporâneos do conhecimento antropológico, procurando explorar em suas produções apenas suas diferenças em relação aos modos como a Antropologia é realizada hoje, suas opiniões e práticas parecem ter pouco interesse. Em uma discussão clássica sobre esse tema, Stocking Jr. (1965STOCKING JR., George. (1965), “On the limits of ‘presentism’ and ‘historicism’ in the historiography of the behavioral sciences”. Journal of the History of the Behavioral Sciences, 1, 3: 211-218., p.211) diferenciou, no estudo de intelectuais do passado, uma perspectiva historicista (que entende o passado for the sake of the past) de uma postura presentista (que entende o passado for the sake of the present). Stocking argumentou que uma postura presentista é limitada, pois busca no passado apenas os fenômenos que se assemelham às preocupações do presente, e, construindo um olhar anacrônico,

é informada por um comprometimento normativo, seu modo interpretativo característico é o julgamento e não a compreensão, e a história se torna o campo de uma luta dramática entre os filhos da luz e os filhos da escuridão”. (Stocking Jr. 1965STOCKING JR., George. (1965), “On the limits of ‘presentism’ and ‘historicism’ in the historiography of the behavioral sciences”. Journal of the History of the Behavioral Sciences, 1, 3: 211-218., p.215)

No entanto, um ponto pouco explorado em seu texto diz respeito ao fato de que Stocking tampouco defendeu a adoção de uma postura historicista, que buscaria apenas entender as pessoas em seu “contexto”. Para ele, essa atitude poderia recair em uma busca quimérica, servindo apenas a uma ilustração acadêmica do pesquisador. Sua proposta é entender os pensadores do passado em seus próprios termos, mas ao mesmo tempo explorar suas produções de um modo que nos permita refletir sobre nossas próprias práticas de conhecimento. Stocking Jr. (1965STOCKING JR., George. (1965), “On the limits of ‘presentism’ and ‘historicism’ in the historiography of the behavioral sciences”. Journal of the History of the Behavioral Sciences, 1, 3: 211-218., p.215) se refere a essa postura como um “presentismo esclarecido” (“enlightened presentism”), em que o estudo contextualizado do passado possa ser conjugado aos interesses do presente.

Muitas das ideias de Loureiro Fernandes nos parecem definitivamente datadas. Mas, se buscarmos entendê-lo a partir da diferença que lhe é própria, ou seja, se o tomarmos enquanto portador de um ponto de vista externo capaz de oferecer um contraste em relação a nossos pontos de vista, teremos uma oportunidade de enxergar com maior clareza a especificidade de nossas próprias práticas e conhecimentos. A abrangência de suas propostas científicas, a interlocução que buscava estabelecer com outras áreas de conhecimento e seu modo próprio de engajamento com a sociedade abrangente – testemunha da ligação orgânica entre sua especialização acadêmica e sua ação no mundo – podem assim, entendidas em perspectiva, ajudar-nos a desnaturalizar nossas próprias práticas acadêmicas e políticas.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos pareceristas da RBCS, cujas contribuições foram fundamentais para a consolidação do presente artigo em sua forma final (suas limitações, evidentemente, permanecem sendo de minha responsabilidade). Agradeço também o apoio, para o acesso a materiais de arquivo utilizados nesta pesquisa, do professor Fabio Parenti, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da UFPR, e de Kátia Biesek, Coordenadora do Círculo de Estudos Bandeirantes.

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    Há vários documentos de sua interlocução com a IUAES presentes nos arquivos do Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB) e do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (CEPA/UFPR). Além destes arquivos, há materiais de Loureiro Fernandes dispersos em outras instituições de Curitiba, especialmente no Museu Paranaense e no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR.
  • 2
    Thales de Azevedo formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia e ocupou a primeira cátedra de Antropologia e Etnografia de Salvador, na década de 1940 (Azevedo, op. cit.); Arthur Ramos formou-se também na Bahia e ocupou a cátedra de Antropologia e Etnografia, na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro (Oliveira, 2019OLIVEIRA, Amurabi. (2019), “Arthur Ramos e a rotinização da Antropologia através de seu ensino”. Civitas, 19, 3: 659-674.); René Ribeiro formou-se em medicina em Recife, em 1934 e, a partir de sua convivência com Gilberto Freyre e seu contato com Donald Pierson, pós-graduou-se em Antropologia nos Estados Unidos, sob a orientação de Melville Herskovitz (Motta, 1993MOTTA, Roberto. (1993), “René Ribeiro (1914-1990)”. Anuário Antropológico, 90: 233-246.); Osvaldo Cabral formou-se dois anos após Loureiro Fernandes, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e veio a assumir a cátedra de Antropologia e Etnografia na Universidade Federal de Santa Catarina (Maluf e Brizola, 2020MALUF, Sônia & BRIZOLA, Ana Lídia. (2020), Oswaldo Rodrigues Cabral: memória e atualidade, Florianópolis, Edições do Bosque UFSC/CFH/NUPPE.); Armando Bordalo da Silva, formado em 1930 na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, dirigiu a seção de Antropologia Biológica do Museu Goeldi, foi um dos fundadores do Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, e assumiu, mais tarde, a cátedra de Antropologia na UFPA (Arnaud, 1981ARNAUD, Expedito. (1981), “Os estudos de Antropologia no Museu Emílio Goeldi”. Supl. Acta Amazonica, 11 (1): 137-148., p.137,138); Theo Brandão formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 1927, na mesma turma de Arthur Ramos; doutorou-se no ano seguinte no Rio de Janeiro, e dedicou-se ao folclore e à criação de um museu antes de, já na década de 1960, lecionar Antropologia e Etnografia do Brasil, na Universidade Federal de Alagoas (Brandão, 1988BRANDÃO, Theotônio. ([1979] 1988), “Theo Brandão, por ele próprio”, in J. ROCHA, Theo Brandão, mestre do folclore brasileiro, Maceió, EDUFAL, p. 23-39.).
  • 3
    A Universidade do Paraná foi criada originalmente em 1912. Em 1915, no entanto, foi separada em suas Faculdades componentes (Direito, Engenharia e Medicina), devido à Lei Maximiliano, que impedia a constituição de universidades em cidades com menos de cem mil habitantes. Campos (2008CAMPOS, Névio. (2008), Intelectuais paranaenses e as concepções de universidade (1892-1950), Curitiba, Editora da UFPR.: 151) entende que a proposta de criação da FFCLPR, em meados dos anos 1930, partiu dos membros das faculdades tradicionais, que consideravam a presença de uma Faculdade de Filosofia como um elemento que daria força ao projeto de restauração da Universidade do Paraná. Tal entendimento é expresso por um dos membros da Faculdade de Engenharia à época, Ildefonso Puppi, que afirma que “a convicção [do grupo] era de que o objetivo [da restauração da Universidade do Paraná] seria mais facilmente alcançado se viesse a ser criada uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, para, incorporando-se às três existentes, constituir-se o núcleo de agregação. Logo a seguir, era instaurada essa unidade considerada de importância fundamental [...]”. (Puppi, 1986PUPPI, Ildefonso. (1986), Fatos e reminiscências da Faculdade. Retrospecto da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, FUNPAR., p.42). A Universidade do Paraná foi efetivamente restaurada em 1946, e federalizada em 1952.
  • 4
    A tese de doutoramento de Loureiro, defendida em 1927 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tratou das novas tecnologias óticas para exames urológicos. Como epígrafe, Loureiro cita um estudioso da área que afirma que “sem exame visual acurado, não se faz diagnóstico acurado, e não se pode tratar adequadamente a uretrite crônica”. O texto, inteiramente construído com base nesta exigência da precisão científica, também conta com momentos em que ela é explicitada: “Defendendo o emprego racional e precisamente indicado da endoscopia, não podemos nos esquivar de citar o trecho do trabalho do Dr. Browdy, o qual parece explicar científica e racionalmente os modos pelos quais essas lesões locais repercutem sobre o estado geral”. (Loureiro Fernandes, 1927LOUREIRO FERNANDES, José. (1927), Da endoscopia nas afecções urethraes. These inaugural apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 8/11/1927, Rio de janeiro, Typographia Coelho., p. 89).
  • 5
    No texto sobre Frei Luiz de Cimitille (Loureiro Fernandes, [1950]LOUREIRO FERNANDES, José. ([1950] 1956), “Frei Luiz de Cimitille”. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, 3, 1: 52-75., p. 65), Loureiro destaca como em certo momento o missionário reconhece que a denominação “kamé”, que utiliza para se referir aos Kaingang, tinha sido por ele adotada a partir da leitura de textos de historiadores, mas que sua etimologia era desconhecida. Baldus é citado como a referência que, “em etnografia feita na década de 1930” (Loureiro refere-se aos Ensaios de Etnologia Brasileira), teria descoberto que kamé era a denominação de um dos grupos exogâmicos Kaingang. (De fato, contudo, Curt Nimuendajú foi o pioneiro nesta questão, falando sobre a questão Kamé, em 1913, em suas “Notas sobre a organização religiosa e social dos índios Kaingang” – cf. Nimuendajú, 1993NIMUENDAJÚ, Curt. ([1913] 1993), “Notas sobre a organização religiosa e social dos índios Kaingang”, in M. A. Gonçalves (org.), Curt Nimuendajú: etnografia e indigenismo, sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os índios do Pará, Campinas, Ed. da Unicamp, p. 57-66.).
  • 6
    Em 1952, Loureiro partiu em “missão ao exterior”, cujo objetivo inicial, como afirmou em entrevista, era participar como delegado da UFPR, no Congresso de Americanistas da Universidade de Cambridge; de um Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnográficas, em Viena; e realizar contatos para um convênio com a Universidade de Coimbra. Além disso, “valendo-me da oportunidade fui com a intenção de seguir cursos especializados no Instituto de Etnologia da Universidade de Paris e na Escola de Antropologia de Paris”. (CEBDOC3759, 2020). Assim, durante o ano acadêmico de 1952-1953, Loureiro frequentou, no Musée de L´Homme, os cursos de Etnografia, de Marcel Maget, de Tecnologia Comparada, de Leroi-Gourhan, e de Paleontologia Humana, de Antonin Lanquine; e, na École d´Anthropologie, polo de concentração dos Antropólogos Físicos racialistas parisienses, os cursos de Antropologia Anatômica, Pré-História e Etnografia, de Louis Marin, Henri-Victor Vallois e J. L. Baudet.
  • 7
    O livro de Timothy Larsen (2016)LARSEN, Thomas. (2016), The slain God: Anthropologists & the christian Faith, Oxford, Oxford University Press., sobre a relação entre a Antropologia e o cristianismo na produção de antropólogos ingleses, alerta para o fato de que a presença do pensamento cristão, oscilações e crises religiosas não são apanágio das vidas e obras dos médicos-antropólogos brasileiros, sendo, no entanto, amplamente desconsideradas na história da disciplina – que naturaliza essa distinção entre o antropológico e o religioso. No caso de Loureiro, como veremos, tal relação sempre foi problemática – o que não ocorreu, por exemplo, com autores como Evans-Pritchard ou Mary Douglas, para quem havia aí uma continuidade de pensamento. (Agradeço a um dos pareceristas anônimos da RBCS pela indicação dessa estimulante leitura).
  • 8
    Pirronismo, termo cujo emprego por Loureiro advém de sua formação filosófica no Círculo de Estudos Bandeirantes, é uma atitude cética fundamentada na ideia de que nada pode ser conhecido com certeza. (Smith, 2007SMITH, Plínio Junqueira. (2007), “Bayle e o ceticismo antigo”. Kriterion, 115: 249-271.: 249). No campo da História, especificamente, refere-se a uma crítica em relação aos documentos primários, não os tomando como verdades positivas em relação ao passado. Essas críticas se aplicaram de forma intensa à história religiosa, feitas por anticlericais, como Diderot.
  • 9
    Loureiro refere-se, aqui, aos intelectuais anticlericais paranaenses da época de Romário Martins. A este respeito, ver Bega (2013)BEGA, Maria Tarcisa. (2013), Letras e Política no Paraná: simbolistas e anticlericais na República Velha, Curitiba, Editora da UFPR..
  • 10
    Essa hipótese coaduna-se com a leitura de Marisa Peirano (1999PEIRANO, Marisa. (1999), “Antropologia no Brasil (alteridade contextualizada)”, in S. MICELI (ed.), O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), São Paulo, Sumaré, p. 225-266.: 233) de que a Antropologia Brasileira “se insere em um quadro geral em que conhecimento e comprometimento político estão unidos em uma configuração única, situação distinta da que se pode encontrar, por exemplo, nas ´humanidades´ e nos four fields americanos”.
  • 11
    Sobre o genocídio dos Xetá e a memória dos sobreviventes, ver por exemplo Silva (1998)SILVA, Carmen Lucia da. (1998), Os Xetá: sobreviventes do extermínio. Dissertação de Mestrado. PPGA/Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis., Lima & Pacheco (2017)LIMA, Edilene & PACHECO, Rafael. (2017), “Povos indígenas e justiça de transição: reflexões a partir do caso Xetá”. Aracê. Direitos Humanos em Revista, 4: 219-241. e Lima (2018)LIMA, Edilene. (2018), “De documentos etnográficos a documentos históricos: a segunda vida dos registros sobre os Xetá (Paraná, Brasil)”. Sociologia e Antropologia, 8, 2: 571-597.. Recentemente, diversas pesquisas realizadas por Edilene Lima e Laura Gil e seus orientandos na UFPR têm tratado da recomposição das populações Xetá, a partir dos sobreviventes do contato – assim como da participação de Loureiro Fernandes nesse processo de contato.
  • 12
    Acerca do início da atração de colonos europeus para o Paraná, ver Guérios (2012GUÉRIOS, Paulo. (2012), A imigração ucraniana ao Paraná: memória, identidade e religião, Curitiba, Ed. da UFPR.: 97,98). Para uma compreensão do projeto utópico de Fourier, consultar o trabalho de Laurent Vidal sobre um segundo falanstério implementado na Barra do Saí, no litoral norte de Santa Catarina na mesma época (Vidal, 2014VIDAL, Laurent. (2014), Ils ont rêvé d’un autre monde, Paris, Ed. Flammarion.). Sobre a colônia Thereza Cristina, cf. Fernandes (1996)FERNANDES, José Carlos. (1996), Saga da Esperança. Trajetória de Jean-Maurice Faivre, Ponta Grossa, Gráfica Planeta., livro que, apesar de limitado pela preocupação de seu autor em fazer um elogio a Faivre, conta com uma pesquisa histórica cuidadosa.
  • 13
    Como vimos anteriormente, o avô de Loureiro Fernandes foi um dos fundadores da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, obra de benemerência ligada à saúde, que era apenas uma das suas ações de caridade – características da religiosidade portuguesa de sua época. (Guérios, 2017GUÉRIOS, Paulo. (2017), “Trajetórias intelectuais marcadas entre a ciência e a religião: José Loureiro Fernandes e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná”. Campos, 18, (1-2): 117-138. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/59623>. Acesso em: 05/02/2021. doi:http://dx.doi.org/10.5380/cra.v18i1-2.59623.
    https://revistas.ufpr.br/campos/article/...
    : 133). Mesmo que, na geração de Loureiro, a Igreja Católica tenha alterado suas expectativas e projetos para os líderes comunitários laicos, ele não deixou de atuar como Irmão Provedor da Santa Casa, e como membro de seu corpo clínico.
  • 14
    Sempre atento à significação dos atos dos diferentes agentes em seu próprio momento histórico, Loureiro se preocupa em reconhecer o esforço de Martins em criar, com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, um espaço de reflexão que inexistia até então no estado: “Aos fundadores e primeiros sócios deste Instituto [...[ devemos um dia fazer justiça, focalizando em estudo de conjunto o ambiente em que viveram e a sua atuação, assinalando um sentido de progresso na diretriz dos estudos. [...[ o meio, se não era hostil ao empreendimento, não lhe podia dar, contudo, as necessárias condições de viabilidade”. (Loureiro Fernandes, 1948LOUREIRO FERNANDES, José. ([1948] 1950), “Romário Martins. O fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 4, 1: 17-33.: 26, 28).
  • 15
    Manoel Ribas propiciava, com frequência, apoio financeiro do Estado para as iniciativas institucionais de Loureiro Fernandes, segundo o registro de seus contemporâneos (ver, por exemplo, o depoimento de Rudolph Lange, na Revista de Arqueologia do CEPA/UFPR (Lange, 2005LANGE, Rudolf. (2005), “Depoimento”. Arqueologia. Revista do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, 3: 31-36.: 31, 32)).
  • 16
    Até então, a Instrução Pública era objeto apenas de diretorias ligadas, normalmente, à Secretaria do Interior e Justiça. Para uma descrição mais detalhada sobre a história da Secretaria de Educação no Paraná, e sobre algumas das ações de Loureiro em seu período como secretário, ver Barlatti (2019)BARLATTI, Júlia. (2019), Política, instituições e educação: a atuação de José Loureiro Fernandes na Secretaria de Educação e Cultura do estado do Paraná e a institucionalização da educação no Paraná. Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais. Departamento de Antropologia/UFPR, Curitiba..
  • 17
    Evidentemente, isso não significa que as inclusões feitas em seu anteprojeto na Assembleia Legislativa visassem a uma gestão mais democrática da educação. A proposta apresentada, um ano mais tarde, para a estrutura institucional da Secretaria de Educação do Paraná, pelo sucessor de Loureiro Fernandes, Erasmo Pilotto, seria também recusada pela Assembleia. Este segundo anteprojeto não teria sido aprovado, assim como o de Loureiro, por tentar isolar o Conselho Estadual de Educação (assim como os Conselhos Municipais) de ingerências políticas externas. Este novo texto, no entanto, havia sido elaborado sob a inspiração de Anísio Teixeira, que viria a assumir a direção do INEP em 1952, e não de Murilo Braga. Deste modo, propunha que os Conselhos fossem compostos por membros da comunidade. Tinha assim um caráter político democrático, e não “técnico por excelência”, como o projeto de Loureiro, e teria sido recusado justamente por este motivo. (Sobre a proposta de Pilotto, cf. Miguel, 1997MIGUEL, Maria Elizabeth. (1997), A formação do professor e a organização social do trabalho, Curitiba, Ed. da UFPR.: 140 a 142).
  • 18
    Neste sentido, há uma diferença de perspectiva entre o estudo aqui proposto e aqueles relativos ao projeto História das Ciências Sociais no Brasil, dirigido por Sérgio Miceli. O autor e seu grupo declaram também trabalhar “com um tipo de história intelectual muito mais caudatária dos problemas herdados da tradição de história social e da cultura de feitio weberiano”. (Miceli, 1989MICELI, Sérgio. (1989). “Por uma Sociologia das Ciências Sociais”, in S. MICELI (org.), História das Ciências Sociais no Brasil / VOL.1, São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais: IDESP, p. 5-19.: 9). Tal inspiração redunda em uma pesquisa direcionada a uma análise de corte institucional, atentando para uma topografia das posições ocupadas pelos agentes em um sistema estruturado, e não emprestando estatuto epistemológico às concepções de ciência empregadas pelos grupos tomados por objeto. Essa linha de análise demonstrou amplamente seu valor e suas potencialidades, tornando-se força central no campo de estudos acerca da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Porém, minha perspectiva remete ao aspecto explicativo e compreensivo da sociologia weberiana, ou seja, à escuta atenta dos sentidos das ações para os próprios atores. Tenho, assim, desenvolvido pesquisas que remetem não apenas a Weber, como referência epistemológica e heurística fundamental, mas que se inspiram nos desenvolvimentos de autores como Norbert Elias, Fredrik Barth e Giovanni Levi. Nesse caso, o caminho da análise institucional deixa de ser central, sendo instrumentalizadas noções como a de redes ou de escalas, e emprestando maior espaço a uma leitura atenta que busca levar a sério o que os atores têm a dizer em seus próprios termos.
  • 19
    Dentre os cientistas ligados à Ação Católica, sua posição é ainda mais particular, dado seu progressivo afastamento em relação ao projeto tomista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    03 Fev 2021
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