Acessibilidade / Reportar erro

Resenhas

Berk, Gerald; Galvan, Dennis C.; Hattam, Victoria. Political creativity: reconfiguring institutional order and change. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2013

As instituições assumiram centralidade inquestionável na ciência política contemporânea. Embora Pierson e Skocpol (2002 apudMarch e Olsen, 2006MARCH, James G. & OLSEN, Johan P. (2006). "Elaborating The New 'Institutionalism'", em RHODES, R. A. W, BINDER, S. A. & ROCKMAN, B. A. (eds.) The Oxford handbook of political institutions. Oxford: Oxford University Press., p. 5) tenham afirmado que "agora somos todos institucionalistas", não é verdade que as abordagens neoinstitucionalistas na disciplina padeçam de homogeneidade. No final da década de 1990, Guy (Peters, 1999PETERS, Guy B. (1999) Institutional theory in political science: the new institutionalism. London: Pinter., p. 17) identificou sete tipos de institucionalismos, o que revela a pluralidade de olhares existente sobre o papel das instituições na política. Mais recentemente, uma nova corrente, chamada de institucionalismo construtivista ou discursivo (Hay, 2006HAY, Colin (2006). "Constructivist institutionalism", em RHODES, R. A. W; BINDER, S. A. & ROCKMAN, B. A. (eds.). The Oxford handbook of political institutions. Oxford: Oxford University Press.; Schmidt, 2008SCHMIDT, Vivien (2008). "Discursive institutionalism: the explanatory power of ideas and discourse". Annual Review of Political Science, n. 11, p. 303-26.), tem ganhado força no interior da disciplina. Baseados na ideia de que é impossível falar de instituições como algo estático, externo às pessoas, como faz grade parte das abordagens atualmente, os representantes desse novo institucionalismo priorizam a análise das instituições como um tipo de construção humana.

O livro Political creativity: reconfiguring institutional order and change, organizado por Gerald Berk, Dennis Galvan e Vitoria Hattam, é uma excelente contribuição à recente literatura sobre mudança institucional na ciência política. Desde uma perspectiva construtivista, a obra é um convite explícito a uma nova agenda de pesquisa preocupada com as fontes da mudança e da estabilidade das instituições. A coletânea traz artigos elaborados em torno do conceito de criatividade política, e é dividida em três partes. Os fios condutores de cada uma delas são as dimensões que compõem o instrumental analítico utilizado pelos autores para analisar a interação constitutiva entre pessoas e instituições: a agência como relacionalidade, a ordem como assemblagem, e a mudança como política enraizada no tempo. Diferentemente de abordagens que ora superestimam o papel da agência política, ora exageram o papel condicionante dos constrangimentos institucionais aos processos de mudança ou estabilidade, os autores apresentam uma abordagem que concilia ambos os aspectos. Seu objetivo é trazer para o centro da discussão o papel mutuamente constitutivo da agência e das estruturas nos processos de construção da ordem e da mudança das instituições.

O argumento que permeia a coletânea é que a melhor maneira de pensar processos de mudança e estabilidade institucionais é superar a falsa dualidade entre estrutura e agência, muitas vezes reproduzida por correntes dominantes na ciência política contemporânea. Nesse sentido, os autores utilizam o conceito de criatividade política como um processo contínuo de perturbação que não somente causa mudanças, mas que, sobretudo, produz a permanência das instituições. O objetivo é captar simultaneamente a onipresença da mudança e a natureza profundamente enraizada da ação social no tempo. A novidade do argumento é a noção de que a ordem institucional não resulta meramente de um processo inercial, sendo também fruto do contínuo trabalho de pessoas em interação com seu ambiente institucional. Dessa maneira, a criatividade política não seria simplesmente determinada pelas regras e papéis herdados da cultura e da memória, mas informada pelo contexto, como um guia, uma matéria-prima para a improvisação. Em suma, o que importa do conceito é a valorização de um tipo de ação situada capaz de produzir tanto a mudança quanto a permanência, por meio de recomposições, rearranjos de regras e modos de agir, sem que dependa necessariamente de qualquer autorização, ocorrendo de maneira inesperada. O referencial teórico é fortemente influenciado pela obra de autores como John Dewey, Hans Joas, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu e Bruno Latour.

Na introdução, Berk, Galvan e Hattam apresentam um conjunto coerente de conceitos que estrutura as análises empreendidas nos onze capítulos da coletânea. Além disso, os autores discutem as contribuições de seus "vizinhos intelectuais" - como, por exemplo, Thelen e Steimo (estruturalismo versus comportamentalismo), March e Olsen (racionalidade versus rotina), DiMaggio e Powell (estruturas organizacionais versus esquemas cognitivos), Collier e Collier e Pierson (trajetórias dependentes), Orren e Skowronek (mudança endógena) - e contrastam sua própria contribuição teórica com a de (Mahoney e Thelen, 2009MAHONEY; James & THELEN, Kathleen (2009). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. Cambridge: Cambridge University Press.) da seguinte maneira: "Enquanto este volume teoriza a inter-relação entre estrutura e agência, a tradição em que trabalham Mahoney e Thelen subordina a agência e a perturbação à explicação estruturalista" (p. 14).

A primeira parte do livro é composta por quatro capítulos que exploram a criatividade política como elemento central de processos relacionais, destacando como instituições e identidades são mutuamente constituídas. As contribuições nessa seção mostram processos complexos e criativos de negociação nos quais sobressaem estratégias de aprendizagem, coevolução, recomposição e alinhamento, empreendidas por atores situados no tempo e em relação ativa com as estruturas sociais.

No primeiro capítulo, Berk e Galvan apresentam sua teoria do sincretismo criativo, cuja hipótese central é a de que as instituições são sempre internamente diversas, compostas por uma quantidade indefinida de regras e rotinas, sempre em relações de negociação. Baseados na filosofia pragmatista de John Dewey, os autores valorizam a deliberação sem perder de vista a influência do hábito. Nesse sentido, apresentam três elementos constitutivos da ação criativa: 1) seu enraizamento em contextos que fornecem repertórios de hábitos como matérias-primas sobrepostas para a ação; 2) sua capacidade de transformar tais matérias-primas e contextos por meio de recombinações deliberativas, que podem transformar velhos hábitos e criar novos; 3) sua constituição como processo social dotado de qualidade narrativa, ressaltando a capacidade de reflexão individual como filtro das interações sociais.

O segundo capítulo também é teórico. Nele, Chris Ansell apresenta a explicação ecológica, uma maneira de interpretar as mudanças institucionais como processos ocorridos em múltiplos níveis e múltiplas escalas. As explicações ecológicas, segundo o autor, consideram três níveis de análise - um contextual, um sistêmico e um intermediário -, nos quais são importantes quatro dimensões relativas aos atores, significados e recursos existentes: 1) sua distribuição; 2) sua diversidade; 3) sua interrelação; 4) seu processo, formado por atividades, eventos e fluxos. Enquanto o sincretismo criativo de Berk e Galvan se concentra nas características da ação que produzem a mudança e a estabilidade das instituições, a abordagem ecológica descreve o ambiente social mais amplo em que o sincretismo criativo floresce.

O terceiro capítulo é um estudo de caso sobre as dinâmicas de aprendizado e inovação existentes entre empresas locais e internacionais na China. Seus autores, Herrigel, Wittke e Voskamp, argumentam que, em vez do que se pensava sobre a ausência de dinamicidade do mercado interno chinês, o país tem passado por um processo ativo de atualização de seus manufaturados. Essa atualização se dá por um mútuo aprendizado entre companhias chinesas e corporações estrangeiras, no interior de suas cadeias produtivas (intrafirm e interfirm). A conclusão é de que reflexão, experimentação e criatividade marcam o processo de aprendizado organizacional de companhias multinacionais chinesas, ao contrário do que muitos imaginavam.

O quarto capítulo é um estudo de caso sobre as consequências das intervenções do governo Obama na indústria de automóveis nos Estados Unidos, após a crise econômica de 2008. Diferentemente do que dizem as tradicionais críticas contra o intervencionismo estatal, Amberg argumenta que o resgate bem-sucedido da indústria automobilística no país gerou inovação e propiciou a diversos atores o poder de viabilizar seus objetivos, como um processo adaptativo às novas condições do mercado. A conclusão é de que o sistema político estadunidense pode empoderar o presidente a agir de maneira criativa quando sua liderança é realçada pelo apoio de trabalhadores, corporações e cidadãos em geral.

A segunda parte também é formada por quatro capítulos, nos quais se destaca a natureza heterogênea e cumulativa da ordem institucional. A ênfase está no trabalho político de atores criativos que se apoiam em repertórios ecléticos de ação, capazes de utilizar a cultura e as instituições tanto como matérias-primas para promover mudanças quanto como meio de configurar novos arranjos institucionais. Destaca-se também a importância dessas reconfigurações como condição para a mudança e método para trazer legitimidade à origem de novas instituições.

No quinto capítulo, Ato Onoma apresenta um estudo de caso sobre instituições ambíguas que se mantêm ao longo do tempo por meio do trabalho criativo dos membros do conselho de terras de Botsuana. Baseado em dados coletados em cinco meses de pesquisa de campo, o autor argumenta que a ambiguidade e a incompletude das regras formais não necessariamente favorecem sua subversão por atores oportunistas, mas, ao contrário, contribuem para sua manutenção. Segundo os autores, a continuidade institucional é compatível com a exploração criativa das ambiguidades das regras. Isso significa que artesãos institucionais podem usar a incompletude criativamente como recurso para construir instituições longevas.

No sexto capítulo, Adam Sheingate desenvolve um estudo de caso baseado em pesquisa documental sobre a institucionalização da influência de consultores no sistema político dos Estados Unidos. O autor analisa a trajetória profissional de Edward Bernays e identifica a influência desse consultor político tanto na consolidação de uma nova profissão quanto no protagonismo estratégico que os consultores políticos ganharam no país, trazendo ferramentas analíticas científicas para a política do dia a dia. Sua conclusão é de que a mudança institucional é um processo adaptativo e a agência deve ser uma categoria central da análise institucional, mas não meramente residual, como em análises mais estáticas.

No sétimo capítulo, Yoshiko Herrera apresenta um estudo de caso sobre como o sistema estadunidense de contas (System of National Accounts - SNA) se tornou uma instituição global. O autor argumenta que, até a década de 1990, existiam vários sistemas estatísticos alternativos para medir diferentes aspectos das economias nacionais no mundo. No entanto, a reunião de contribuições dadas por membros de diversas nações gerou um processo de aprendizado mútuo que levou à formalização de um novo modelo institucional. Para o autor, mais que um processo de simples tradução dos interesses dos estados mais poderosos, a institucionalização global do SNA teria sido um processo de sincretismo criativo.

No oitavo capítulo, Rudra Sil apresenta seu estudo sobre a política trabalhista na Rússia como um caso de assemblagem, em contraposição a leituras que analisam a evolução da política trabalhista no país como uma trajetória dependente. O autor destaca três pontos centrais: primeiro, a importância de se repensar a suposta passividade da classe trabalhadora na Rússia pós-comunismo. Segundo, a constatação de que a história não é suficiente para a compreensão sobre como têm se dado as dinâmicas entre os atores protagonistas na política trabalhista ao longo dos anos. Terceiro, a necessidade de se distinguir entre o período imediatamente posterior ao desmantelamento da União Soviética, cujo cenário era de incertezas e radical fluidez institucional, e os anos mais recentes, em que o ambiente institucional se tornou mais estável.

A terceira parte do livro é dedicada a tratar o tempo como dimensão política das instituições. O fio condutor dessa seção é a ideia de que há profundas consequências políticas em narrativas históricas e argumentos de sequência causal.

O nono capítulo é um estudo de caso baseado na comparação entre discursos de Condoleezza Rice e Martin Luther King. Os autores, Hattam e Lowndes, argumentam que Rice utilizou argumentos dos direitos civis para promover um rearranjo discursivo com o intuito de legitimar a agenda de política externa do Partido Republicano durante o governo de George W. Bush. Nesse sentido, o tempo e a ação criativa da secretária de Estado promoveram um tipo de inovação dramática, por meio de atos de repúdio parcial e incorporação seletiva de algumas ideias antes mobilizadas exclusivamente pelo Partido Democrata. A estratégia utilizada foi bem-sucedida na medida em que abalou a noção historicamente consolidada no país de que o discurso dos direitos civis seria tipicamente democrata.

O décimo capítulo é um estudo de caso sobre como o tempo é uma força estruturadora das identidades individuais e coletivas. Kevin Bruyneel analisa a formação do calendário estadunidense, com destaque para a origem de feriados como o Dia da Independência, em 4 de julho, o Dia de Ação de Graças, em novembro, e o 11 de Setembro, e argumenta que a memória coletiva de um povo depende da produção política da temporalidade. Esse é o capítulo que mais destoa do espírito da coletânea, pois enfatiza mais o papel limitador da memória coletiva do que o potencial transformador da criatividade política sobre a formação das subjetividades no interior dos territórios nacionais.

No capítulo 11, Deborah Harrold apresenta uma comparação entre os partidos islâmicos na Argélia e na Turquia, considerando suas relações com o mercado no sentido de aproveitar a oportunidade política de abertura em seus respectivos Estados nacionais. A autora argumenta que os partidos islâmicos nesses países construíram uma ampla articulação de interesses e que a corrida eleitoral os incentivou a adotar uma postura mais flexível em direção ao pragmatismo econômico. Nesse sentido, a moralidade islâmica teria legitimado as atividades econômicas não somente como uma articulação que remodelou o formato anterior, mas, sobretudo, como um remodelamento identitário.

Ao lançar uma nova agenda de pesquisa, o livro traz consigo dois objetivos ambiciosos: superar a fragmentação de abordagens existente dentro do neoinstitucionalismo; e aproximar as disciplinas das ciências sociais, artificialmente divididas durante o século XX. A principal contribuição da obra é apresentar um instrumental analítico que supera a dicotomia entre visões mais estruturalistas e interpretações mais individualistas sobre os processos que levam à mudança e à estabilidade das instituições. A ideia de que a permanência das instituições ao longo do tempo, mais do que um processo inercial, pode ser fruto de intensivo trabalho criativo de agentes políticos é uma contribuição relevante.

Apesar da contribuição teórica trazida pelo livro, é preciso ter cuidado para que a valorização da agência não se traduza em um novo tipo de individualismo metodológico que acabe por apelar para explicações voluntaristas, quase heroicas, sobre o papel de pessoas nas dinâmicas de mudança e permanência das instituições. Alguns dos capítulos parecem carregar demais os tons da agência sobre as dinâmicas institucionais, como se reconhecer as possibilidades de abertura provocadas pela ação política criativa fosse suficiente para neutralizar o papel estruturante de determinados constrangimentos institucionais enraizados no tempo.

A riqueza do instrumental analítico apresentado pelos autores pode ser constatada pela variedade de temas estudados no decorrer do livro. Fica claro que um amplo leque de opções empíricas pode ser analisado pela perspectiva da criatividade política. Uma virtude dos autores, explícita na conclusão, é o reconhecimento dos limites da obra. Berk, Galvan e Hattam reconhecem a ausência de três grupos de pesquisadores que certamente poderiam ter dado contribuições valiosas para o volume: teóricos políticos, metodólogos e pesquisadores multidisciplinares. A ausência de teóricos, entretanto, foi compensada pela excelente introdução da coletânea, pelo primeiro capítulo, de Berk e Galvan, e pelo segundo, de Chris Ansell. A ausência de pesquisadores multidisciplinares também foi mitigada pela variedade de abordagens que compõem a obra. A ausência de metodólogos, no entanto, de fato pode ser percebida como um ponto fraco do livro. Poucos dos quinze autores presentes na coletânea deixam explícitos os procedimentos metodológicos que utilizaram para conectar a coleta de dados com as análises empreendidas em cada capítulo, o que fragiliza algumas de suas conclusões. Seria uma ótima contribuição para a agenda da criatividade política se próximos trabalhos se dedicassem a deixar mais claros os procedimentos metodológicos utilizados pelos autores tanto na coleta dos dados quanto na operacionalização dos conceitos centrais em cada análise.

Referências

  • HAY, Colin (2006). "Constructivist institutionalism", em RHODES, R. A. W; BINDER, S. A. & ROCKMAN, B. A. (eds.). The Oxford handbook of political institutions. Oxford: Oxford University Press.
  • MAHONEY; James & THELEN, Kathleen (2009). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. Cambridge: Cambridge University Press.
  • MARCH, James G. & OLSEN, Johan P. (2006). "Elaborating The New 'Institutionalism'", em RHODES, R. A. W, BINDER, S. A. & ROCKMAN, B. A. (eds.) The Oxford handbook of political institutions. Oxford: Oxford University Press.
  • PETERS, Guy B. (1999) Institutional theory in political science: the new institutionalism. London: Pinter.
  • SCHMIDT, Vivien (2008). "Discursive institutionalism: the explanatory power of ideas and discourse". Annual Review of Political Science, n. 11, p. 303-26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2015
  • Aceito
    13 Mar 2015
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbcp@unb.br