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As emoções na luta política: um debate mais que necessário

Emotions in political struggle: a fundamental debate

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão teórica sobre o papel das emoções na ação coletiva, em especial, nos protestos políticos. O trabalho retoma, primeiramente, os estudos sobre a sociologia das emoções que surgem nos Estados Unidos na década de 1970 e que buscam recolocar as emoções como objeto de estudo das ciências sociais. Assim, são apresentadas importantes abordagens teóricas e autores, entre eles Hochschild, Collins, Kemper, que construíram parte desse campo de estudos e ajudaram a fundamentar os trabalhos sobre ação coletiva e emoções. A partir daí, buscou-se apresentar como as emoções podem ser importantes para a luta política e como elas podem ser centrais nas ações de protestos, uma vez que emoções podem ser criadas e transformadas para mobilizar pessoas a ação coletiva.

Palavras-chave:
emoções; ação coletiva; protestos

Abstract:

This paper undertakes a theoretical review of the role of emotions in collective action, especially political protests. The article begins by presenting the sociological literature on emotions that arose in the United States in the 1970s. This literature returned emotions to the social sciences as an object of study. The theoretical approaches of authors such as Hochschild, Collins, and Kemper were the basis of later scholarship exploring the relation between emotions and collective action. The article goes on to discuss the role of emotions in political struggle and especially for protests, since emotions can be created and transformed to mobilize people to engage in collective action.

Keywords:
emotions; collective action; protests

Introdução

A busca pelo entendimento das emoções, sentimentos e paixões tem despertado o interesse de pesquisadores em várias áreas do conhecimento. Já existem, hoje, muitos estudos que tentam entender e explicar a natureza emocional dos indivíduos. Esses trabalhos, porém, englobam uma gama de abordagens diversas e multidisciplinares, passando desde o campo de estudos da neurociência, ligadas aos estudos da mente, à psicanálise e à filosofia até as perspectivas socioculturais e socioestruturais que levam em conta os contextos sociais no qual as emoções se manifestam.

Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão teórica sobre o papel das emoções na ação coletiva, em especial os protestos políticos. O texto parte de uma perspectiva sociológica e se concentra nos estudos desenvolvidos nos Estados Unidos desde a década de 1970. Parte-se do entendimento de emoções enquanto categoria social e em contraponto à dicotomia razão x emoção. Ou seja, a ideia, muitas vezes difundida, de que emoção seria algo somente da natureza e, por isso, antagônica ao uso da razão (GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2001GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26.; MARCUS, 2002MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002.; PAPACHARISSI, 2015PAPACHARISSI, Zizi. Affective publics: sentiment, technology and politics. Oxford: Oxford University Press, 2015.). É na década de 1970, nos Estados Unidos, que esse entendimento começa a mudar, quando surgem trabalhos que colocam as emoções como categoria analítica sociológica (BARBALET, 1998BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29.; COLLINS, 1975COLLINS, Randall. Conflict sociology: toward an explanatory science. New York: Academic Press, 1975.; KEMPER, 1978KEMPER, T. D. A social interactional theory of emotions. New York: Wiley, 1978.; HOCHSCHILD, 1983HOCHSCHILD, Arlie Russell. The managed heart: commercialization of human feeling. Berkeley: University of California Press, 1983.). Assim, retomaremos as ideias de importantes autores da sociologia norte-americana e procuraremos apresentar as principais vertentes dos estudos sobre as emoções nessa área, a saber: teorias dramatúrgicas; teorias interacionistas; teorias do ritual de interação; teoria de poder e status e teorias sobre trocas. Essas teorias foram base para os estudos sobre as emoções nos movimentos sociais e ação coletiva.

Após isso, o trabalho busca discutir o papel do componente emocional na luta política, principalmente nas ações de protestos, e como esse componente ocupou um lugar periférico também nos estudos de movimentos sociais e ação coletiva. No entanto, o surgimento de abordagens teóricas que inserem um elemento cultural para entender os movimentos e ações políticas coletivas traz um entendimento de que as emoções ocupam um lugar importante nessas ações (MELUCCI, 1996MELUCCI, A. The process of collective identity. In: Challenging codes: collective action in the information age. New York: University of Cambridge, 1996. p. 68-86.; JASPER, 1998JASPER, J.M. The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p.397-424, 1998.). Com o chamado “giro emocional”, as emoções tornam-se elementos centrais na análise e são importantes para entender diversas fases e aspectos da ação política. Por fim, abordaremos as principais contribuições e limites desse debate e como esse diálogo pode no auxiliar a entender a luta política contemporânea.

A emoção como categoria analítica das ciências sociais

De acordo com Thamm (2006)THAMM, Robert A. The classification of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 11-37., ao longo da história, filósofos e pensadores sempre falaram sobre emoções humanas. Paixões e afetos são discutidos desde Aristóteles (com a discussão sobre ethos, pathos e logos) e são centrais no discurso moral e ético da vida pública. A temática esteve presente em importantes obras de pensadores do século XVII e XVIII, como Hobbes, Spinoza e Locke (GRECO; STENNER, 2008GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008.). Barbalet (1998)BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29. ainda destaca que autores como Adam Smith e Adam Ferguson deram importância à emoção em suas obras como forma de entendimento das relações sociais e base para teorias sociais maiores.

Pode se afirmar que, durante um certo período, as emoções ocuparam lugar de destaque nas teorias sociológicas (BARBALET, 1998BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29.). A temática das emoções apareceu nos trabalhos de importantes autores como Durkheim, Mead e Parsons. De acordo com Scheff (2001)SCHEFF, Thomas J. Três pioneiros na sociologia das emoções. Política & Trabalho, v. 17, p. 115-127, 2001., Durkheim utilizou em sua obra o termo “emoção social”. Já Mead colocou a emoção como um importante conceito para a psicologia social e Parsons colocou a emoção como um dos quatro elementos básicos do seu esquema teórico da ação social. Mas, apesar disso, Scheff (2001)SCHEFF, Thomas J. Três pioneiros na sociologia das emoções. Política & Trabalho, v. 17, p. 115-127, 2001. aponta que essas abordagens ainda foram superficiais e periféricas nas obras desses autores. Segundo Scheff, eles não desenvolveram conceitos sobre emoções, nem coletaram dados ou investigaram sobre o papel das emoções na vida cotidiana (SCHEFF, 2001SCHEFF, Thomas J. Três pioneiros na sociologia das emoções. Política & Trabalho, v. 17, p. 115-127, 2001.).

No entanto, o papel das emoções na vida social desaparece dos estudos sociológicos durante o século XIX sendo negligenciada até meados do século XX pelos teóricos das ciências sociais. Greco e Stenner (2008)GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008. ressaltam que, no século XIX, o componente emocional desaparece da dimensão política, ética e moral e se torna conceito específico da psicologia e da biologia. Isso porque as emoções foram entendidas como algo intratável da natureza humana e antagônicas ao uso da razão (MARCUS, 2002MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002.; PAPACHARISSI, 2015PAPACHARISSI, Zizi. Affective publics: sentiment, technology and politics. Oxford: Oxford University Press, 2015.; NEUMAN et al., 2007NEUMAN, R. et al. The affect effect - dynamics of emotion in political thinking and behaviour. Chicago: The University Chicago Press, 2007.; GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2001GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26.; JASPER, 2011JASPER, James M. Emotions and social movements: twenty years of theory and research. Annual Review of Sociology, v. 37, p. 285-303, 2011.). Esse falso antagonismo entre razão e emoção foi aceito pela sociologia e explica o fato de as emoções desaparecerem das explicações dos fenômenos sociais (BARBALET, 1998BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29.). Emoções foram vistas como sinônimo da irracionalidade do indivíduo e, por isso, importantes apenas para entender as ações que ocorriam fora da esfera social e política. No contexto político, por exemplo, essa dicotomia de razão e emoção fez com que os apelos emocionais fossem colocados de lado pois, uma vez que a emoção refletia a irracionalidade, a relação com a política seria prejudicial (MARCUS, 2002MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002.).

É a partir de meados do século XX que as ciências sociais retomam o interesse pelas emoções, reconhecendo o componente emocional como elemento central para análise sociológica (SCHEFF, 2001SCHEFF, Thomas J. Três pioneiros na sociologia das emoções. Política & Trabalho, v. 17, p. 115-127, 2001.). De acordo com Koury (2014)KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Pela consolidação da sociologia e da antropologia das emoções no Brasil. Revista Sociedade e Estado, v. 29, n. 3, p. 841-866, set./dez. 2014., as emoções começam a se destacar como categoria analítica a partir da década de 1970 nos Estados Unidos. Barbalet (1998)BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29. destaca o trabalho de Randall Collins, Conflict Sociology (1975), como grande obra que abre o debate sobre as emoções. Barbalet também destaca a publicação, nesse período, de três obras sobre as emoções: A Social Interactional Theory of Emotions (1978), de Theodore Kemper’s; The Managed Heart (1983), de Arlie Hochschild; e On Understanding Emotion (1984), de Norman Denzin. Para o autor, os trabalhos não mostram apenas a importância do debate sobre as emoções na sociologia, mas que o tema pode ser debatido a partir de perspectivas teóricas distintas.

O retorno do componente emocional nas ciências sociais tem se dado devido ao entendimento de muitos pesquisadores de que as emoções têm se tornado mais notáveis nas formas de interação das chamadas sociedades pós-modernas (GRECO; STENNER, 2008GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008.). A emoção é, de fato, significativa na constituição das relações sociais, instituições e processos (BARBALET, 1998BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29.). E, por isso, é necessário que seja entendida como categoria analítica das ciências sociais. De acordo com Vidrio (2016)VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440., as emoções fazem parte de um sistema de sentidos e valores que são próprios de um conjunto social: para que um sentimento seja expresso e experimentado por um indivíduo, ele deve fazer parte do repertório comum de um grupo social.

Jasper (2011)JASPER, James M. Emotions and social movements: twenty years of theory and research. Annual Review of Sociology, v. 37, p. 285-303, 2011. denomina essa maior importância às emoções de “giro afetivo” ou “giro emocional”. Dentro desta perspectiva, a ideia é tentar compreender o contexto social, levando em conta emoções e afetos como parte da experiência humana (WOLFF, 2015WOLFF. Cristina Scheibe. Pedaços de alma: emoções e gênero nos discursos da Resistência. Estudos Feministas, v. 23, n. 3, p. 975-989, 2015.). Dessa forma, o dualismo entre emoção e razão tem sido colocado em xeque. Autores como Marcus (2002)MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002., apontam que as pessoas são racionais porque são emocionais, pois são as emoções que permitem a racionalidade. O autor cita o argumento de Hume de que a razão por si só não permite ações morais. A razão ajuda a compreensão, mas é a paixão que possibilita a ação (HUME, 1984 apudMARCUS, 2002MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002.).

Dessa forma, a sociologia tem incorporado as emoções em suas abordagens, a fim de estabelecer modelos teóricos de como os indivíduos pensam e sentem (MASSEY, 2002MASSEY, Douglas S. 2001 presidential address: a brief history of human society: the origin and role of emotion in social life. American Sociological Review, v. 67, p. 1-29, 2002.; TURNER, 2007TURNER, Jonathan H. Human Emotions. A sociological theory. Abingdon: Routledge, 2007.; SILVA, 2016SILVA, E.P.B. Para além da razão utilitária: moralidade e emoções na luta social. BIB, São Paulo, n. 82, p. 41-56, 2º sem. 2016.). No Brasil, trabalhos como os de Torres (2009)TORRES, M. R. Hóspedes incômodas? Emoções na sociologia norte-americana. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009., Silva (2016)SILVA, E.P.B. Para além da razão utilitária: moralidade e emoções na luta social. BIB, São Paulo, n. 82, p. 41-56, 2º sem. 2016. e Koury (2014)KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Pela consolidação da sociologia e da antropologia das emoções no Brasil. Revista Sociedade e Estado, v. 29, n. 3, p. 841-866, set./dez. 2014., têm reconhecido a importância das emoções nas relações sociais e feito esforços para trabalhar com importantes conceitos para esse campo de estudos. Em seu trabalho, Torres faz uma importante revisão teórica do papel das emoções nos estudos da sociologia norte-americana. Koury apresenta como a sociologia e a antropologia das emoções têm se desenvolvido no Brasil a partir da década de 1990 com influência dos estudos norte-americanos. Já Silva (2016)SILVA, E.P.B. Para além da razão utilitária: moralidade e emoções na luta social. BIB, São Paulo, n. 82, p. 41-56, 2º sem. 2016. mostra como os trabalhos de Honnett e Jasper têm englobado os conceitos de emoções e moralidade em suas análises, auxiliando no entendimento da luta política.

Há também que se destacar trabalhos empíricos que analisam as emoções e a luta em diversos contextos, como é o caso dos trabalhos de Siqueira e Víctora (2016) SIQUEIRA, M. D.; VÍCTORA, C. G. O corpo no espaço público: emoções e processos reivindicatórios no contexto da “Tragédia de Santa Maria”. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 25, p. 166-190, 2017.e Peixoto, Borges e Siqueira (2016)PEIXOTO, P. S.; BORGES, Z. N.; SIQUEIRA, M. D. A despedida anunciada: emoções e espiritualidade entre familiares das vítimas da Boate Kiss. Ciencias Sociales y Religión, v. 18, p. 71-89, 2016. [online]., que mostram como as emoções foram importantes para construir redes de apoio e luta por justiça no caso do incêndio da boate Kiss.3 3 No dia 27 de janeiro de 2013, houve um incêndio em uma boate na cidade de Santa Maria (RS). O acidente matou 242 jovens e deixou mais de 600 feridos. O incêndio na Boate Kiss foi amplamente divulgado pela mídia brasileira, gerando uma grande comoção pública. O trabalho de Losekann (2018)LOSEKANN, Cristiana. “Não foi acidente!”. O lugar das emoções na mobilização dos afetados pela ruptura da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no Brasil. In: ZHOURI, A. Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. Marabá: Editorial iGuana - ABA, 2018. p. 65-110. também mostra como as emoções foram importantes para mobilizar os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Samarco na luta pelos seus direitos. Há, ainda, os recentes trabalhos de Ferreira (2021)FERREIRA, M. A. S. Emoções, protestos e mídias sociais: a dinâmica da luta política em ações digitalmente mediadas. 2021. 255p. Tese (Doutorado em Ciência Política). Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. e Penteado et. al. (2022)PENTEADO, et. al. #Vacinar ou não, eis a questão! As emoções na disputa discursiva sobre a aprovação das vacinas contra a Covid-19 no Twitter. Política & Sociedade; Florianópolis, v. 20, n. 49, p. 104-133, 2022. que buscam analisar e identificar o papel das emoções dentro das mídias sociais em contextos de lutas políticas e discursivas.

Na perspectiva sociológica, o entendimento é de que a maior parte das emoções humanas fazem sentido a partir das relações sociais (VIDRIO, 2016VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440.). Os atores constroem suas emoções a partir das normas sociais, da linguagem e das especificidades do contexto social em que os indivíduos vivem e se expressam e isso permite explicar, por exemplo, porque emoções podem ser mais ou menos sentidas por grupos sociais distintos. Thamm (2006)THAMM, Robert A. The classification of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 11-37. aponta que as emoções dizem respeito a como o corpo responde às condições do ambiente em que os indivíduos vivem. Por isso, elas devem ser definidas de acordo com essas condições. Essa perspectiva, por sua vez, é uma avaliação cognitiva de pré-condições e estados sociais relevantes para a emoção (THAMM, 1992; 2004 apudTHAMM, 2006THAMM, Robert A. The classification of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 11-37.).

Antes de avançarmos no debate, seria importante pontuar aqui que, ao longo deste trabalho, trataremos emoções e afetos como intercambiáveis. Sabe-se, no entanto, que, em alguns campos de estudo, essa definição pode ser problemática e pode haver um debate mais profundo sobre a necessidade de distinguir esses conceitos (em áreas como a Psicologia e a Psicanálise, por exemplo). Greco e Stenner (2008)GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008. afirmam, porém, que essa distinção terminológica para as ciências sociais não é útil, e mais atrapalha do que ajuda na definição conceitual. Segundo os autores, muitos pesquisadores utilizam o termo “afeto” para falar sobre experiências que se encaixam como emoções, como vergonha, raiva, medo, entre outras e não fazem uma diferenciação clara sobre isso. Muitas vezes escolhem um termo a outro porque a matriz teórica que trabalham abordam daquela forma.

Dessa forma, seguiremos a ideia dos autores de que essa diferenciação não é útil para os objetivos deste trabalho. Isso porque, apesar de reconhecermos o caráter biológico e psicológico das emoções e a importância dos estudos nessas áreas, nosso foco aqui se concentra na dimensão emotiva, entendida como algo público e construído socialmente (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, W.M. O uso público das emoções: o papel do choro em contexto deliberativo. 2016. Dissertação. (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.). Assim, a discussão aqui proposta foca no caráter social desse objeto, a partir da leitura de abordagens teóricas que buscam entender como emoções são construídas, sentidas e expressadas nas relações políticas e sociais. Outros trabalhos sobre emoções e política também seguem entendimento semelhantes sobre esses termos (MARCUS, 2002MARCUS, G. The sentimental citizen - emotion in democratic politics. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2002.; 2000; OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, W.M. O uso público das emoções: o papel do choro em contexto deliberativo. 2016. Dissertação. (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.).

As abordagens sobre emoções na sociologia norte-americana

Greco e Stenner (2008)GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008. apontam que trazer as emoções de volta para o centro do debate das ciências sociais levanta questões relativas à maneira com que o conhecimento sobres emoções pode entrar nas configurações de poder do nosso tempo e como isso contribui para caminhos em que indivíduos e coletividades possam afetar e ser afetadas por essas emoções. Os autores afirmam que, apesar das diversas abordagens dos estudos sobre emoções nas ciências sociais, um ponto em comum entre essas abordagens é a ligação entre a vida afetiva e as relações de poder (GRECO; STENNER; 2008GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008.). Ao fazer esse link entre emoções e a dimensão política, as ciências sociais reestabelecem assim uma continuidade com debates antigos sobre paixões e emoções.

Como foi dito, o interesse de estudar as emoções nas ciências sociais, surge na década de 1970, principalmente nos EUA. Em artigo publicado em 2006, Turner e Stets pontuaram que cinco abordagens na sociologia norte-americana se destacaram para trabalhar o componente emocional. São elas: teorias Dramatúrgicas, teorias Interacionistas, teorias de Rituais de Interação, teorias de Poder e Status e teorias de Troca. A seguir tentaremos apresentar, de forma resumida, um pouco dos principais pontos de cada uma delas.

Teorias Dramatúrgicas

As teorias Dramatúrgicas ou teorias Culturais sobre emoções consideram que os indivíduos estão sempre fazendo encenações e se envolvendo em ações estratégicas que são guiadas por um roteiro cultural (TURNER; STETS, 2006TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006.). Dentre os principais autores dessa abordagem destacam-se os trabalhos de Thoits, Rosenberg e Hochschild (apudSTETS; TURNER, 2006STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. Introduction. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 1-7.). Segundo os autores, esse roteiro cultural pode incluir ideologias, normas, regras, vocabulários e conhecimentos implícitos sobre quais emoções devem ser experimentadas e expressas nas interações face a face. Dessa forma, os atores vão se expressar de forma estratégica, com emoções que são ditadas por ideologias e pelas regras da emoção e, quando necessário, recorrem a vocabulários e lógicas culturais que definem como essas emoções devem ser expressas.

Stets e Turner (2006)STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. Introduction. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 1-7. também apontam que, nessas teorias, o entendimento é de que a cultura tem o poder de restringir as experiências emocionais e isso faz com que os indivíduos fiquem sob estresse quando as expectativas culturais e os sentimentos reais entram em conflito. Assim, eles devem muitas vezes adotar uma variedade de estratégias cognitivas e comportamentais para lidar com a disjunção entre as exigências das regras de sentimento, de um lado, e os sentimentos e demonstrações emocionais das pessoas, de outro.

De uma forma geral, Stets e Turner (2006)STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. Introduction. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 1-7. destacam que, nessas teorias, a cultura é elemento-chave na definição de quais emoções devem ser experimentadas ou expressas em cada situação. Essa cultura pode restringir a ação dos indivíduos diante de um determinado público, mas também permite que esses mesmos indivíduos se engajem em ações estratégicas.

O trabalho de Arlie Hochschild e as regras de sentimentos

Cabe destacar aqui o trabalho de Arlie Hochschild (1979)HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979. e sua contribuição para os estudos das emoções na sociologia, em especial, sua influência nos estudos sobre movimentos sociais e a ação coletiva. Hochschild (1979)HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979. parte de uma perspectiva construcionista sobre as emoções.4 4 Corrente teórica que surge a partir de uma crítica ao empirismo e ao racionalismo. Nessa perspectiva, Gergen (2009) aponta que o que consideramos como experiência do mundo não vai determinar os termos em que o mundo vai ser compreendido. Segundo o autor, a teoria propõe explicar “os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas)” (GERGEN, 2009). De acordo com Barbalet (1998) a abordagem se concentra na “construção social” da emoção. Ou seja, a emoção é consequência de processos culturais e cognitivos, em oposição aos processos socioestruturais e relacionais. A partir das obras de Goffman e Freud, a autora elabora um sistema de classificação das emoções que relaciona as regras de sentimentos, estrutura social, gerenciamento emocional e experiência emotiva.

Em seu trabalho, Hochschild aponta que sentimentos como raiva, luto, inveja, alegria, culpa, entre tantos outros, estão ligados a fatores e contextos sociais. Para a autora, as emoções não são resultado apenas de respostas biológicas, mas são também frutos das interações sociais entre os indivíduos. Elas podem ser provocadas ou reprimidas a partir de processos cognitivos (VIDRIO, 2016VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440.). Isso faz com que esses sentimentos adquiram características externas, para além do interior dos indivíduos. A forma como os indivíduos tentam diminuir a distância entre o que estão sentindo e o que deveriam sentir em um determinado contexto é chamado de trabalho emocional ou gerenciamento das emoções (BONELLI, 2003BONELLI, Maria da Gloria. Arlie Russell Hochschild e a sociologia das emoções. Cadernos Pagu, v. 21, p. 357-372, 2003.). Este trabalho está relacionado ao esforço, e não ao resultado das emoções. Segundo Hochschild, o trabalho emocional pode se dar de duas formas: por evocação, quando o sentimento desejado é inicialmente ausente, ou por supressão, quando há um sentimento indesejado presente.

As regras de sentimentos estão ligadas a contextos socialmente compartilhados que nos direcionam a como devemos sentir. A autora cita exemplos de como essas regras de sentimentos são comuns no nosso cotidiano, como quando dizemos que temos o “direito de sentir raiva de alguém ou de algo”, ou alguém nos diz que deveríamos ser gratos a alguém. Ou mesmo reprimir sentimentos como a inveja, por exemplo. Para a autora, há uma distinção da forma como as regras de sentimentos são conhecidas em nossos sentidos, do que nós esperamos sentir em uma determinada situação e do que nós devemos sentir numa situação.

Hochschild ainda afirma que as regras que gerenciam os sentimentos estão em um lugar ideológico. E quando um indivíduo muda de posição ideológica, ele vai deixar algumas regras e assumir outras novas para reagir em determinadas situações. A autora cita, como exemplo, como o movimento feminista traz novas regras familiares e para a lógica de trabalho, uma vez que as mulheres começam a ocupar outros espaços na sociedade, além do doméstico. A relação entre ideologia, regras de sentimento e gerenciamento emocional pode trazer à tona o processo de troca social, entendido pela autora como atos de exibição com base em um entendimento prévio compartilhado de direitos padronizados.

A autora ainda destaca que os sentimentos podem ser “comoditizados”, ou seja, transformado em bens e serviços. Essa comoditização, no entanto, se dá de forma diferente de acordo com as classes sociais. Segundo Hochschild, a classe média e classe trabalhadora educam emocionalmente seus filhos de formas distintas. Isso se reproduz na estrutura de classe.

Dessa forma, o trabalho de Hochschild (1979)HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979. mostra que sentir e expor as regras, assim como as ideologias de emoção de uma sociedade, sempre definem quais emoções podem e devem ser sentidas e expressas em distintas situações. O poder da cultura de restringir as experiências emocionais geralmente coloca os indivíduos sob estresse quando as expectativas culturais e os sentimentos reais entram em conflito. Nessas condições, os indivíduos devem muitas vezes adotar uma variedade de estratégias cognitivas e comportamentais para lidar com a disjunção entre as exigências das regras de sentimento e outras prescrições e proscrições culturais, de um lado, e os sentimentos e demonstrações emocionais das pessoas, de outro lado.

Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]. aponta que o trabalho de Hochschild traz grandes contribuições para a análise das emoções em três sentidos. A primeira delas é que as emoções são, muitas vezes, exibidas de forma autoconsciente para ter um efeito sob o público. A segunda é que pode haver lutas (e às vezes muito intensas) sobre quais emoções serão exibidas. E, por fim, que o dinheiro pode ser utilizado para comprar exibições emocionais.

Teorias interacionistas

Se, por um lado, as teorias dramatúrgicas se preocupam com o gerenciamento e comportamento das emoções para estar em conformidade com um roteiro cultural, as teorias interacionistas sobre as emoções veem o self5 5 Importante conceito do interacionismo simbólico criado por Mead. O self diz respeito a si mesmo em uma tradução literal. Ele pode ser entendido como um processo de ver e responder seu próprio comportamento. (RIBEIRO; BREGUNCI, 1986 apudSILVA, 2012) Para Mead, o self se constitui a partir de dois aspectos: o eu e a mente. O “eu” experimenta as coisas sem a reflexão, mas a mente, denominada pelo autor como o “mim”, permite a reflexão sobre si mesmo. E é o “mim” que diz respeito a interação do indivíduo com outras pessoas (SILVA, 2012). O self então, seria fruto da interação social. e a identidade como elementos centrais para a expressão emocional (STETS; TURNER, 2006STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. Introduction. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 1-7.). Essa abordagem surge a partir de forte influência de teóricos do interacionismo simbólico6 6 Perspectiva teórica que surgiu na década de 1930 na Escola Sociológica de Chicago. No interacionismo simbólico, o foco da análise se concentra nos processos de interação social entre indivíduos, que estão sempre mediados por relações simbólicas. como Erving Goffman e Hebert Blumer, que buscaram dar continuidade ao trabalho de George Herbert Mead. No trabalho de Mead e no interacionismo simbólico, o comportamento dos indivíduos é entendido como algo autodirigido, ou seja, os atores ajustam seus comportamentos de acordo com determinadas situações (MEAD, 1934MEAD, George H. Mind, self, and society. Chicago: University of Chicago Press, 1934.).

O argumento básico dessas teorias é que os indivíduos vão procurar confirmar suas concepções mais gerais e suas identidades em todos os episódios de interação. Assim, quando o self7 7 Gonçalves-Neto e Lima (2017) discutem os conceitos de self e identidade na obra Mind, Self and Society, de Mead. Os autores apontam que, para Mead, o self se forma com uso da linguagem, por meio de diálogo com gestos significantes. Assim, esses gestos provocam reações em quem recebem a mensagem. Nesse sentido, Mead também afirma que nesse processo também ocorre o autorreconhecimento, pois os indivíduos também reagem ao emitido para outra pessoa. Isso gera a autoconsciência, proporcionando, assim, um senso de identidade. e a identidade são confirmados por outros em determinadas situações, os indivíduos experimentam emoções positivas, como orgulho e satisfação. No entanto, quando o self e a identidade não são confirmados, há uma incongruência entre o comportamento autodirigido e a resposta do outro e isso gera emoções negativas, como angústia, ansiedade, raiva, vergonha e culpa.

Cabe aqui ainda mencionar a Teoria do Controle do Afeto (ACT, sigla em inglês) e a Teoria do Controle da Identidade, que surgem dessa tradição e que podem indicar caminhos de como as emoções podem influenciar na ação política (JASPER, 2014aJASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a.; 2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.). Para Jasper (2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.; 2018)JASPER, James M. A sociologia das emoções face a face. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 17, n. 51, p. 13-26, dez. 2018., a Teoria do Controle do Afeto entende que as pessoas têm emoções quando estão expostas a eventos que não correspondem às suas expectativas. Essas expectativas, por sua vez, são baseadas em expectativas culturais sobre outras pessoas, em diferentes interações e papéis sociais. De acordo com Jasper, nós procuramos confirmar nossos sentimentos mais implícitos por meio de interpretações ao nosso redor. Para isso, às vezes é preciso agir, seja reunindo informações ou intervindo de alguma forma. Quanto maior a distância entre nossas expectativas e o que vemos, maior será a emoção.

Os pesquisadores da ACT criaram catálogos de significados que diferentes culturas podem ter para papéis e ações (embora Jasper critique o fato de que essa pesquisa esteja fortemente centrada nos EUA). Segundo Jasper (2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.; 2018)JASPER, James M. A sociologia das emoções face a face. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 17, n. 51, p. 13-26, dez. 2018., essas expectativas sobre os papéis e ações são caracterizadas pela ACT em três dimensões: 1) avaliação - se a ação a qual o indivíduo é exposto é boa ou ruim; 2) potência - se essa ação é forte ou fraca; e 3) nível de atividade - se o indivíduo é ativo ou passivo. Para a ACT, os indivíduos fazem um trabalho interpretativo para confirmar seus sentimentos, avaliando as ações expostas de acordo com as três dimensões. Às vezes, é preciso agir ou buscar mais informações sobre aquela ação ou intervir de alguma forma. Esse trabalho interpretativo, afirma Jasper, não se dá apenas em interações face a face, ele pode ser feito quando recebemos notícias e/ou propagandas mediadas.

A Teoria do Controle da Identidade se baseia nas premissas da ACT, porém, se concentra na própria identidade do indivíduo. De acordo com essa perspectiva, nós procuramos reafirmar nossa identidade quando não somos tratados da forma que esperamos. Por exemplo, se pensarmos que somos pessoas boas e generosas, mas fizermos algo que não condiz com essa imagem, poderemos nos engajar em ações generosas que buscam recuperar essa autoimagem. Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. ainda aponta que, embora a teoria seja voltada para análise dos indivíduos, as identidades coletivas podem trabalhar de maneira semelhante quando, por exemplo, indivíduos apoiam ações para restaurar a honra de uma nação (LEBOW, 2009 apudJASPER, 2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.).

Teorias do ritual de interação

Nas teorias de rituais, a interação também é central para o entendimento das emoções. De acordo com Summers-Effler (2006)SUMMERS-EFFLER, Erika. Ritual theory. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 135-154., o ritual é entendido como uma interação focada e é central para a dinâmica social. Esses rituais geram emoções em grupos e essas emoções estão relacionadas a símbolos, formando base para crenças, pensamentos, moralidade e cultura. Existe, portanto, um ciclo de interação entre emoções e símbolos que forma padrões ao longo do tempo e geram a forma estrutural que organiza a sociedade. Um dos primeiros autores a utilizar a teoria do ritual e emoção foi Durkheim ao estudar o comportamento ritual dos aborígenes na Austrália Central. Em sua obra As formas elementares da vida religiosa ele mostra como o ritual religioso é importante para manter a sociedade unida.

Cabe aqui destacar a importante contribuição de Randall Collins (2004)COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004. como um dos principais proponentes dessa abordagem e nos estudos sobre emoções na ação coletiva. O autor utiliza dos argumentos de Émile Durkheim e Erving Goffman para criar uma teoria que explique como as emoções são despertadas durante o curso da interação. Na teoria de Collins (2004)COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004. ele identifica um ritual de interação duradouro, que se desenvolve a partir de co-presença de indivíduos e atenção mútua, um foco comum, gerando um estado emocional compartilhado. Nesses rituais de interação, a energia emocional é construída sobre e é sustentada através de encontros que são amarrados juntos no tempo e no espaço (COLLINS, 2004COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004.). Quando os indivíduos são co-presentes, revelam um foco comum de atenção e humor e a energia emocional positiva é construída. Por outro lado, quando essas condições de co-presença não se sustentam, a energia emocional declina ou até se torna negativa.

Nesse sentido, Collins (2001)COLLINS, Randall. Social movements and the focus of emotional attention. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 27-44. sugere que para entender o surgimento e crescimento de uma ação coletiva ou um movimento social é importante olhar para a dinâmica emocional que existe dentro de um espaço social. A dinâmica emocional é entendida pelo autor como um “ritual de alta intensidade”, que é formado por: 1) agrupamento físico de pessoas, tendo a co-presença da consciência corporal; 2) foco compartilhado da ação; e 3) foco mútuo de atenção, ou seja, cada participante se torna consciente da consciência do outro. Segundo o autor, esse foco mútuo é que permite o trabalho conjunto, formando um senso compartilhado de grupo. São esses elementos da dinâmica emocional que geram o sentimento de solidariedade, a energia emocional, os símbolos do grupo e o sentimento de moralidade.

De acordo com Collins (2001)COLLINS, Randall. Social movements and the focus of emotional attention. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 27-44., o processo de mobilização pode começar com uma emoção, que, ao ser compartilhada e ampliada, transforma-se em um foco de atenção. Para o autor, existem dois tipos de transformação emocional no que ele chama de ritual coletivo. O primeiro é a ampliação de uma emoção inicial. Ou seja, se o sentimento inicial é uma indignação moral e o foco do grupo é fazer aumentar essa indignação, deixando-a mais forte.

O segundo tipo diz respeito à transformação de uma emoção inicial em algo a mais, é a emoção que nasce da consciência de fazer parte de um grupo. Essa emoção pode gerar outros sentimentos, como o de solidariedade, fazendo o indivíduo se sentir mais forte como um membro do grupo. Isso é que o autor denomina de energia emocional.

O sucesso do ritual coletivo seria então a transformação de uma emoção em outra. O encontro de indivíduos e suas primeiras emoções dá lugar a outros coletivos de sentimentos, como solidariedade, entusiasmos e moralidade. Para o autor, é essa energia emocional que move a ação coletiva. Collins também aponta que a dinâmica emocional dos movimentos possui efeitos externos. E isso é importante para que os movimentos sociais possam determinar o apelo para os cidadãos que estão fora do grupo.

Teorias de Poder e Status

Outra abordagem teórica desenvolvida no campo da sociologia das emoções são as teorias de Poder e Status. Destaca-se o trabalho de Theodore Kemper, que elabora uma teoria sobre emoções de acordo com a estrutura e as relações sociais, onde o poder e o status ou a expectativa de poder e status dos indivíduos vão determinar suas experiências emocionais. Assim, o argumento básico dessa abordagem é de que as expectativas, seja por ganhos ou perdas de poder e status, são centrais para prever quais emoções serão experimentadas. Dessa forma, quando o indivíduo tem poder ou poder de ganho, ele vai experimentar sentimentos como satisfação, confiança e segurança, ao passo que, quando ele perde poder, vai sentir ansiedade, medo e perda de confiança.

A dinâmica emocional nessa abordagem, então, vai girar em torno do espaço em que os indivíduos vão atender aos estados de expectativa associados à sua classificação no grupo e ao grau em que os outros aceitam como legítimo essa classificação. Os estados de expectativa variam em diferentes níveis (TURNER; STETS, 2006TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006.).

A teoria de poder e status de Kemper

Vale a pena fazer alguns apontamentos sobre o trabalho de Theodore Kemper (2006)KEMPER, Power and status and the power-status theory of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 87-111.. A partir de uma perspectiva estrutural, Kemper entende que as emoções estão relacionadas com as estruturas e relações sociais e elas vão mudar de acordo com essas estruturas (KEMPER, 2006KEMPER, Power and status and the power-status theory of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 87-111.; VIDRIO, 2016VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440.; THAMM, 2006THAMM, Robert A. The classification of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 11-37.). Kemper entendia as emoções como um fenômeno psicofisiológico e estava mais interessado em entender as causas das emoções do que elas em si (GRECO; STENNER, 2008GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008.).

Para Kemper (2006)KEMPER, Power and status and the power-status theory of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 87-111., as relações entre os indivíduos vão se caracterizar por duas dimensões centrais: as relações de poder e status. O autor parte do entendimento de poder de Max Weber, que é quando um ator pode realizar a sua vontade mesmo com a resistência de outros. “Ter poder em um relacionamento é ser capaz de coagir os outros a fazer o que se quer que eles façam, mesmo quando não querem fazê-lo” (KEMPER, 2006KEMPER, Power and status and the power-status theory of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 87-111., p. 89). O processo do poder pode estar relacionado às formas de superar a resistência do outro, e isso pode se dar de várias formas, por meio de ameaças, ataques físicos ou verbais, privações, entre outras.

O status para Kemper diz respeito a uma adesão voluntária. Ou seja, um cumprimento voluntário que os atores concedem aos desejos do outro. Para o autor, o status implica o alcance de um indivíduo a um comportamento amistoso, agradável, gratificante e até amoroso. Um ator com alto status é aquele que recebe muitos benefícios e recompensas dos outros atores. Ele ocupa um lugar central no grupo, enquanto os atores que recebem menos recompensas são periféricos.

A partir dessas premissas, o autor elabora uma teoria onde as dimensões de poder e status são as principais condições estruturais que afetam as emoções (TURNER; STETS, 2006TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006.). Para Kemper, há um vínculo sistemático entre as emoções e as posições dos indivíduos numa hierarquia de status e poder e, a partir dessas diferenças entre os atores sociais, pode-se caracterizar quase todas as emoções (VIDRIO, 2016VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440.; GRECO; STENNER, 2008GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008.). Nas relações sociais, a distribuição de poder e status varia bastante e a quantidade de poder ou status dado a um indivíduo pode predizer uma emoção (THAMM, 2006THAMM, Robert A. The classification of emotions. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 11-37.). Dessa forma, o poder relativo e o status dos indivíduos, bem como suas expectativas e seu ganho ou perda de poder relativo e status em interações, determinam suas experiências emocionais em todos os ambientes sociais. Jasper (2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.; 2018)JASPER, James M. A sociologia das emoções face a face. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 17, n. 51, p. 13-26, dez. 2018. aponta que emoções que ele chama de positivas, como confiança e segurança, são resultantes de alto nível de status e poder e emoções negativas, como medo e ansiedade, resultam do baixo nível ou queda desses elementos.

Jasper (2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.; 2018)JASPER, James M. A sociologia das emoções face a face. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 17, n. 51, p. 13-26, dez. 2018. ainda pontua a questão da atribuição da culpa e como sua dinâmica emocional pode ser útil nos estudos sobre ação política. Por exemplo, se acreditarmos que perdemos poder ou status por nossa culpa, ficamos tristes e envergonhados. No entanto, se atribuímos a culpa a alguém ficamos indignados ou zangados. A atribuição da culpa a algo ou a alguém pode levar à ação política (JASPER, 2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.).

Na sua análise, Kemper estabelece três tipos de emoções: estrutural, antecipatória e consequente. As emoções estruturais dizem respeito àquelas que resultam de relações mais ou menos estáveis de status e poder. Ele cita, como exemplo, as relações entre cônjuges e entre pais e filhos. É claro que, afirma Kemper, essas estruturas não são estáticas e podem se modificar com as interações entre os atores. As emoções antecipatórias resultam da ponderação de futuros resultados de interação. Essa ponderação, por sua vez, leva em conta interações similares entre os atores no passado e seus resultados. Já as emoções consequentes estão relacionadas a resultados imediatos de interação contínua em termos de status e poder. Essas emoções, no entanto, constituem o fluxo superficial da vida emocional, porque muitas vezes são de curto prazo e mais suscetíveis a mudanças e variações com o fluxo contínuo de interação.

Teorias sobre trocas

As teorias de Trocas sobre as emoções apontam que, de uma forma geral, os indivíduos estão sempre motivados a receber recompensas e evitar custos e punições (TURNER; STETS, 2006TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006.). Dessa forma, entende-se que os indivíduos têm custos e fazem investimentos para receber recursos. Assim, o argumento central nessa teoria é que quando as recompensas excedem os custos e investimentos, os indivíduos vão experimentar emoções positivas, ao passo que, quando as recompensas e os investimentos não excedem os custos, eles vão experimentar emoções negativas. Turner e Stets ainda pontuam que a natureza e a intensidade das emoções experimentadas vão variar de acordo com uma série de condições: o tipo e as estruturas da troca, a dependência dos atores uns pelos outros ou por recursos, a expectativa por esses recursos, o padrão de justiça e as atribuições que os atores fazem pelo sucesso ou fracasso em receber recompensas lucrativas.

Os autores explicam que são quatro os tipos básicos das trocas: 1) produtivas - quando os indivíduos coordenam seus comportamentos para receber recompensas; b) negociadas - quando os indivíduos negociam ativamente ao longo do tempo com ofertas e contraofensivas, tentando estabelecer quais recursos devem ser abandonados para receber outros recursos; c) recíproca - quando uma parte dá recursos para outra com a expectativa implícita de que essa doação de recursos seja retribuída pelo recebedor em algum ponto subsequente no tempo; e d) generalizada - quando os indivíduos não trocam recursos diretamente e, em vez disso, repassam recursos para os atores que, por sua vez, os transmitem em cadeias de troca que eventualmente retornam a um indivíduo (LAWLER, 2001LAWLER, Edward J. An affect theory of social exchange! American Journal of Sociology, v. 107, n. 2, p. 321-352, 2001.). De acordo com os autores, Lawler aponta que a principal força por trás da capacidade de vários tipos de trocas de despertar emoções está relacionada à inseparabilidade dos atores envolvidos na troca. Nas trocas produtivas, onde os atores coordenam esforços para receber recompensas, a inseparabilidade é alta, já que os atores não conseguem determinar facilmente suas contribuições relativas. Nesse caso, as reações emocionais serão mais intensas. Sejam elas positivas ou negativas. As trocas negociadas revelam um nível médio de inseparabilidade, e por isso as reações emocionais serão um pouco menores do que nas trocas produtivas. As trocas recíprocas já envolvem uma maior separabilidade dos atores devido a defasagem de tempo entre a doação e o recebimento de recursos. E as trocas generalizadas separam a doação e o recebimento de recursos em cadeias prolongadas de fluxos de recursos.

As trocas ocorrem dentro de diferentes tipos de estruturas e o poder relativo dos atores em uma troca e as expectativas também influenciam as emoções experimentadas. Quanto mais altas são as expectativas dos indivíduos por uma recompensa que não se concretiza, maior será a intensidade de emoções sentidas como medo, raiva e frustação. Mas se as recompensas atendem às expectativas, os indivíduos experimentam emoções positivas como satisfação.

O quadro abaixo (Quadro I) busca mostrar de forma sintética as principais ideias de cada teoria citadas anteriormente. É importante destacar aqui que as abordagens citadas acima não esgotam os estudos sobre a sociologia das emoções. Este artigo faz um recorte desse campo de estudos, focando nos trabalhos desenvolvidos pela sociologia norte-americana, a partir da segunda metade do século XX. Para além disso, cabe ressaltar também que as abordagens são modelos teóricos e que os limites entre cada uma delas nem sempre será bem delineado. Como afirma Torres (2009)TORRES, M. R. Hóspedes incômodas? Emoções na sociologia norte-americana. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009., os trabalhos teóricos sobre emoções são tão complexos que fica difícil enquadrá-los em uma perspectiva teórica de forma rígida. A autora, por exemplo, reconhece a obra de Hochschild com forte influência do Interacionismo Simbólico. Ao passo que Stets e Turner (2006)STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. Introduction. In: STETS, Jan; TURNER, Jonathan H. (eds.). Handbook of the sociology of emotions. New York: Springer Science + Business Media, 2006. p. 1-7., citados acima, colocam o trabalho da autora dentro das teorias dramatúrgicas, como foi visto.

Quadro I.
Abordagens Teóricas

Limites das abordagens sociológicas

Turner e Stets (2006)TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006. apontam que, apesar dos avanços no campo de estudos, a sociologia das emoções ainda possui limitações para entender um fenômeno tão complexo. Segundo os autores, essa visão excessivamente construcionista, que predominou nos estudos e abordagens sobre emoções como produto da cultura, ignora seu caráter biológico. Ou seja, não levando em conta aspectos que vão além das relações sociais, como a base neurológica das emoções.

Outros pontos importantes são apresentados por Turner e Stets (2006)TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006. sobre as limitações da abordagem sociológica. Um deles é que a maioria das teorias se concentrou na percepção consciente do afeto. No entanto, os autores apontam que nem sempre as emoções são conscientes. Outro é que, ao falar sobre motivações humanas, os estudos sociológicos acabaram se concentrando em uma faixa de emocionalidade, colocando que certas emoções são mais importantes do que outras para entender as motivações. Turner e Stets (2006)TURNER, Jonathan H.; STETS, Jan. Sociological theories of human emotions. Annual Review of Sociology, v. 32, n. 1, p. 25-52, 2006. também acrescentam que essas teorias muitas vezes se concentraram num conjunto limitado de estruturas, como status, poder e redes. Essas estruturas são importantes, mas não são únicas para entender a dinâmica emocional.

Jasper (2014bJASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line].; 2016)JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79. apresenta uma importante questão sobre os desafios para a sociologia das emoções numa sociedade globalizada e com relações mediadas pela televisão, jornais e, mais recentemente, internet e mídias sociais. Segundo o autor, a abordagem sociológica sobre emoções concentrou suas análises nas interações face a face, de onde os sentimentos podem ser gerados e gerenciados. Essa abordagem, porém, parece ser um pouco limitada para entender fenômenos políticos globais e contemporâneos. Segundo Jasper, a mídia pode mudar a dinâmica das emoções ao ter um alcance global e transmitir mensagens para todo o mundo. Ela é capaz de abrir novas arenas de contestação (JASPER, 2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.; 2018)JASPER, James M. A sociologia das emoções face a face. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 17, n. 51, p. 13-26, dez. 2018. ao trazer mensagens e histórias que estimulam as emoções.

Jasper (2016)JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79. também afirma que existem muitas confusões nos estudos sobre emoções na política. Isso porque as emoções se tornam um guarda-chuva, englobando diversos tipos de sentimentos que interagem entre si. Muitas vezes experimentamos emoções combinadas e que divergem pela combinação. A raiva com vergonha é diferente da raiva com indignação e tem diferentes implicações para a ação política (JASPER, 2016JASPER, James M. The sociology of face-to-face emotions. In: COICAUD et. al. On emotions and passions in international politics: beyond mainstream international relations. Cambridge: Cambridge University Press. 2016. p. 65-79.). Na próxima seção, falaremos um pouco sobre as emoções na luta política e o lugar que ela ocupa para entender a ação coletiva.

Componente emocional na luta política: o papel das emoções na ação coletiva

Assim como outras áreas das ciências sociais, o campo de estudos sobre Ação Coletiva e Movimentos Sociais relegou as emoções a um lugar periférico durante muitos anos (GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2001GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26.). Isso porque o debate acadêmico se concentrou no dualismo entre irracionalidade, das teorias de mobilização coletiva da década de 1950/1960, e racionalidade, vinda das teorias de Mobilização de Recursos e da Teoria do Processo Político.8 8 Sobre a Teoria de Mobilização de Recursos ver McCarthy e Zald (1973; 1977); Olson (1965); Edwards e McCarthy (2006). Sobre a Teoria do Processo Político ver Tilly (1978); Tarrow (2009). Assim, analisar as emoções envolvidas no processo político nessas teorias seria negar a racionalidade e estratégia desses movimentos. Ao negar um componente emocional na ação, a literatura sobre movimentos sociais e ação coletiva colocou de lado as emoções no entendimento da luta política.

No entanto, essa compreensão também tem mudado nesse campo. Com o surgimento de abordagens teóricas que inserem um elemento cultural para entender os movimentos e ações políticas coletivas, fica difícil negar que as emoções ocupem um lugar importante nessas ações (MELUCCI, 1996MELUCCI, A. The process of collective identity. In: Challenging codes: collective action in the information age. New York: University of Cambridge, 1996. p. 68-86.; JASPER, 1998JASPER, J.M. The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p.397-424, 1998.. No campo da sociologia das emoções, Vidrio (2016)VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440. destaca a importância dos trabalhos de Theodore Kemper, Arlie Hochschild e Randall Collins, citados anteriormente, que inauguraram uma nova fase de estudos sociológicos sobre emoções e movimentos sociais. Assim, os estudos de movimentos sociais e ação coletiva se ancoram na sociologia das emoções e suas principais vertentes para buscar entender o papel de sentimentos nessas ações políticas.

No livro Passionate Politics (2001), Goodwin, Jasper e Poletta trazem de volta um debate sobre o papel das emoções nos movimentos sociais e na ação coletiva. Os autores destacam a importância de sentimentos como medo, raiva, indignação, alegria e amor dentro desse tipo de ação. Para os autores, “emoções, devidamente entendidas, podem se revelar como preocupação central na análise política” (GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2001GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26., p. 2, tradução nossa). Segundo eles, apesar de terem sido muitas vezes negligenciadas pela teoria, as emoções estão presentes em conceitos bastante trabalhados por estudiosos de movimentos sociais como enquadramentos, oportunidades políticas e identidade coletiva (TILLY, 2008TILLY, Charles. Claims as performances. In: TILLY, Charles. Contentious performances. New York: Cambridge University Press, 2008. p. 1-30.; TARROW, 2009TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.; MELUCCI, 1996MELUCCI, A. The process of collective identity. In: Challenging codes: collective action in the information age. New York: University of Cambridge, 1996. p. 68-86.). Para Goodwin, Jasper e Poletta (2001)GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26. é difícil entender esses conceitos sem levar em conta os sentimentos, crenças e emoções dos indivíduos.

Os enquadramentos, por exemplo, podem carregar uma grande quantidade de emoções. Como Tarrow (2009)TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009. afirma, eles se formam a partir da transformação das emoções em objetivos de luta. Para o autor, emoções diferentes podem ser estimuladas com a percepção de desigualdades. A percepção de injustiça, por exemplo, é fundamental para o surgimento de um quadro interpretativo. Pois, ao se apontar uma injustiça ou descontentamento, é possível identificar um inimigo e procurar soluções.

Segundo Tarrow (2009)TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009., não há uma transformação significativa das reivindicações em ação sem que haja uma energia emocional. Os eixos emocionais criados dentro do confronto é que direcionam a ação dos movimentos. Por exemplo, um quadro de injustiça em comum pode trazer a solidariedade entre os manifestantes. A ação coletiva “é feita de quadros interpretativos e emoções que visam tirar as pessoas de sua submissão, mobilizando-as para a ação em cenários conflituosos” (Tarrow, 2013TARROW, Sidney. The language of contention. Revolution in words, 1688-2012. Cambrigde University Press, 2013., p. 146).

Alberto Melucci (1996)MELUCCI, A. The process of collective identity. In: Challenging codes: collective action in the information age. New York: University of Cambridge, 1996. p. 68-86., por sua vez, ao falar sobre emoções e sentimentos, afirma que esses elementos fazem parte de uma experiência coletiva. Para o autor, o entendimento de uma dinâmica emocional é fundamental para se entender a formação da ação. Além disso, a formação de uma identidade coletiva, ou seja, “o nós”, precisa também de uma energia emocional (COLLINS, 2004COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004.) dos atores envolvidos no conflito.

Assim, o trabalho de Collins (2004)COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004., ajuda a entender esse importante conceito da obra de Melucci. O trabalho emocional, para Collins (2004)COLLINS, Randall. Interaction rituals. Princeton: Princeton University Press, 2004., é fruto de interações sociais, sendo contruídas por meio de encontros com indivíduos dentro de um espaço físico e temporal. A identidade coletiva, por sua vez, é entendida por Melucci como “uma definição interativa e compartilhada produzida por indivíduos sobre as orientações de sua ação e o campo de oportunidades e restrições em que essa ação deve ocorrer” (MELUCCI, 1996MELUCCI, A. The process of collective identity. In: Challenging codes: collective action in the information age. New York: University of Cambridge, 1996. p. 68-86., p. 70, tradução nossa). Dessa forma, o processo de construção de uma identidade coletiva está relacionada a uma rede de relações entre atores que interagem, comunicam-se, compartilham emoções, influenciam-se e tomam decisões.

As formas de organização dos movimentos, os canais e as tecnologias de comunicação fazem parte dessa rede. Para definir uma identidade coletiva, é fundamental um investimento emocional. Segundo ele, a participação na ação coletiva não deve ser reduzida ao simples cálculo custo-benefício, pois emoções são mobilizadas neste processo. Essas paixões e sentimentos fazem parte da forma coletiva e entender essa parte da ação coletiva como irracional é um absurdo, pois não há cognição sem sentimento, nem sentido sem emoção.

Nesse sentido, Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. acredita que a sociologia das emoções é uma chave analítica importante para os estudos de ação coletiva, uma vez que ela pode ajudar a resolver questões importantes desse campo, como: Quando o individual acaba e o grupo começa? Os participantes guardam interesses específicos para fazer sacrifícios pelos grupos? Nós somos definidos pelos membros do grupo desde o começo? As abordagens teóricas citadas acima, então, foram fundamentais para trabalho de importantes autores dessa área, como Jasper (2009)JASPER, James M. The emotions of protest. In: GOODWIN, Jeff; JASPER, James M. The social movements reader: cases and concept. 2 ed. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2009. p. 175-184. e Goodwin, Jasper e Polleta (2004)GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Emotional dimensions of social movements. In: SNOW, D.; SOULE, S. A.; KRIESI, H. The blackwell companion to social movements. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2004. p. 413-432.. Além disso, conceitos como trabalho e energia emocional, por exemplo, são importantes para entender como emoções são mobilizadas e transformadas dentro de uma luta política. Assim, ao permitir um estudo sobre a distribuição das emoções e interações em estruturas amplas, regras e expectativas culturais, a sociologia das emoções traz questões de como grupos organizados, movimentos sociais, promovem emoções em seus membros.

Jasper (2009)JASPER, James M. The emotions of protest. In: GOODWIN, Jeff; JASPER, James M. The social movements reader: cases and concept. 2 ed. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2009. p. 175-184. diferencia emoções em primárias e secundárias. As emoções primárias, como raiva ou surpresa, podem estar mais ligadas ao estado corporal, enquanto as emoções mais complexas ou secundárias, estariam ligadas a um contexto cultural, como compaixão ou vergonha. Essas emoções, por sua vez, não são isoladas e uma emoção primária pode construir uma emoção secundária. A indignação, por exemplo, é a raiva moralmente fundamentada (JASPER, 2014aJASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a.). Desta forma, as emoções muitas vezes vão estar relacionadas aos aspectos cognitivos e valores morais. Elas envolvem crenças e pressupostos abertos à convicção cognitiva. Isso, segundo Jasper, permite um aprendizado e uma adaptação. Assim, o entendimento de um determinado contexto de regras e obrigações é fundamental ao se analisar uma emoção.

Com os movimentos sociais e ação coletiva não seria diferente. Sem as emoções, seria difícil ter uma ação política. Nesse sentido, Jasper (2009)JASPER, James M. The emotions of protest. In: GOODWIN, Jeff; JASPER, James M. The social movements reader: cases and concept. 2 ed. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2009. p. 175-184. aponta que as emoções fazem parte da cultura tanto como os entendimentos cognitivos e visão moral de mundo. As emoções, assim como outros aspectos da cultura, são aprendidas e controladas por meio de interação social, como já apontam as teorias interacionistas, debatidas na seção anterior. Elas não só acompanham nossos sonhos, como também permeiam nossas ideias, identidades e interesses. Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. ainda afirma que quando vemos as emoções como um aspecto da interação, qualquer contraste nítido entre as emoções individuais e coletivas começa a se dissolver. Os indivíduos têm sentimentos, em contextos sociais, físicos e corporais.

As emoções tanto coletivas quanto individuais são importantes para a ação política e podem ser utilizadas como estratégia de um movimento social. De acordo com Gould (2015)GOULD, D. The emotion work of movements. In: GOODWIN, J.; JASPER, J. M. The social movements reader: cases and concepts. United Kingdom: John Wiley & Sons, 2015. p. 254-265., cada expressão de sentimento pode ser vista como uma tentativa de mobilizar emoções específicas para uma determinada luta. Os ativistas, muitas vezes, tentam induzir sentimentos que são considerados mobilizadores para a luta política, ao passo que tentam afastar sentimentos que podem desmobilizar a ação.

Eyerman (2005)EYERMAN, Ron. How social movements move: emotions and social movements. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p. 41-56. aponta que as emoções fazem parte da dinâmica interna do movimento, estimulando sensações como raiva, amor, podendo gerar até mesmo outro movimento. Para o autor, os movimentos sociais transformam as identidades e emoções, focando a atenção, direcionando e coordenando a ação coletiva.

Para Gould (2015)GOULD, D. The emotion work of movements. In: GOODWIN, J.; JASPER, J. M. The social movements reader: cases and concepts. United Kingdom: John Wiley & Sons, 2015. p. 254-265., os movimentos sociais são capazes de providenciar aprendizados afetivos entre seus participantes e apoiadores, autorizando caminhos para sentir emoções que vão contra as normas emocionais dominantes da sociedade. Nesse sentido, Flam (2005)FLAM, H. Emotion’s map: a research agenda. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p.19-40. aponta que existem emoções cimentadas, que fazem parte da relação de dominação da sociedade e que a tarefa dos movimentos sociais é enfraquecer ou neutralizar essas emoções para que o protesto surja. Para isso, é necessário o trabalho emocional, como afirma Hochschild (1979)HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979., pois é a partir dele que os líderes de um grupo vão procurar despertar determinado sentimento em comum entre seus membros. Para Flam (2005)FLAM, H. Emotion’s map: a research agenda. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p.19-40., emoções como lealdade e gratidão são emoções que firmam as relações sociais, transformando essas relações em instituições permanentes. A raiva é vista como um sentimento de superioridade, isso porque obediência está tão enraizada que, muitas vezes, os indivíduos perdem a capacidade de sentir raiva. A vergonha é utilizada para fortalecer sistemas de dominação e estratificação. Ela é usada pelas elites para afastar os indesejados. “Fazer com que uma pessoa se sinta ridícula ou envergonhada é um dos meios mais eficazes de intimidação” (FLAM, 2005FLAM, H. Emotion’s map: a research agenda. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p.19-40., p. 23).

No entanto, Flam (2005)FLAM, H. Emotion’s map: a research agenda. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p.19-40. afirma que esses sentimentos podem ser ressignificados na luta política. A raiva pode ser transformada em indignação e ser capaz de mobilizar as pessoas. Da mesma forma, lealdade e gratidão são importantes para a união e fortalecimento de movimentos. A vergonha pode ser transformada em orgulho pela sua identidade ou por fazer parte de uma comunidade. Esses sentimentos, então, tornam-se mobilizadores na luta política. No entanto, os gatilhos para despertar esses sentimentos vão variar de acordo com cada grupo e o seu lugar ideológico, como bem afirma Hochschild (1979)HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979. na seção anterior.

Com o objetivo de diferenciar os diversos recursos e desafios que as emoções podem oferecer aos movimentos, Goodwin, Jasper e Polleta (2004)GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Emotional dimensions of social movements. In: SNOW, D.; SOULE, S. A.; KRIESI, H. The blackwell companion to social movements. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2004. p. 413-432. fazem uma definição de tipos de emoções nos movimentos. Nesse sentido, eles diferenciam as emoções em:

1) emoções reflexivas: são emoções que surgem de repente e de curto prazo, de forma involuntária, sem um processo cognitivo. Elas também desaparecem mais rapidamente. São exemplos dessas emoções: medo, surpresa, raiva, desgosto, alegria e tristeza. Emoções reflexivas são, muitas vezes, equivocadamente entendidas como todos os tipos de emoções;

2) laços afetivos: amor, ódio, respeito e confiança são exemplos de emoções afetivas. Essas emoções são mais duradouras do que as emoções reflexivas. Segundo os autores, os afetos são compromissos e investimentos positivos e negativos que temos em relação a pessoas, lugares, ideias e coisas. Eles ressaltam que um compromisso com um grupo ou causa, por exemplo, pode ser baseado em cálculos instrumentais e morais, mas também pode se basear no afeto com aquele grupo;

3) humores/disposição: são tipo de emoções modulares ou transportáveis. Segundo Goodwin, Jasper e Polletta, a maioria das emoções são direcionadas a alguma coisa (temos medo de algo, amamos alguém), mas os humores não são direcionados. Eles podem ser levados de uma situação para a outra. O humor contagia. “O humor formado em um contexto pode afetar como pensamos e agimos com o outro. O bom humor nos torna mais otimistas e nos dá sentimentos mais positivos sobre os outros. O mau humor faz o oposto” (GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2004GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Emotional dimensions of social movements. In: SNOW, D.; SOULE, S. A.; KRIESI, H. The blackwell companion to social movements. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2004. p. 413-432.). Otimismo, esperança são exemplos desse tipo de emoção. Eles podem ser entendidos como “estado de espírito”;

4) emoções morais: essas emoções surgem de compreensões cognitivas complexas e consciência moral. Elas refletem nossa compreensão de mundo, bem como nossas variações e construções culturais. Algumas dessas emoções morais refletem julgamentos, muitas vezes implícitos, sobre nossas próprias ações. Orgulho, vergonha, culpa, indignação, por exemplo, são sentimentos que envolvem julgamento sobre as nossas ações ou ações dos outros.

Emoções e protestos

De acordo com Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. nas ações de protestos é possível observar os processos que moldam sentimentos e performances. Os estudos sobre protestos e emoções, assim como os estudos de movimentos sociais, concentraram-se, em sua maioria, numa abordagem cultural, refletindo o construcionismo dominante da sociologia como um todo (JASPER, 2014aJASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a.). De acordo com Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a., a sociologia das emoções e dos movimentos sociais geraram uma série de insights paralelos sobre os mecanismos sociais que estabelecem o alinhamento emocional. O que desencadeia as emoções, como as exibimos e o que sentimos são moldados pelas expectativas estabelecidas pelo contexto social, incluindo a estrutura social, a hierarquia, a socialização e as representações culturais. As principais abordagens discutidas anteriormente procuram analisar o papel das emoções a partir desses aspectos mencionados. Indivíduos que estão em situações semelhantes podem compartilhar muitos dos mesmos sentimentos. As emoções também surgem em parte das interações sociais e o impacto dessas interações pode ser diferente em cada indivíduo.

Assim, Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. aponta que o protesto provou ser um bom espaço para o estudo de emoções, isso porque os organizadores usam exibições de emoção de forma consciente para coordenar ações, atrair, reter participantes e pressionar outros atores estratégicos com os quais interagem. Eles “experimentam” imagens e palavras emocionais. Para o autor, emoções como raiva e indignação, por exemplo, são cruciais para as ações de protesto. Além de motivar a participação, elas são capazes de eleger um culpado, criar simpatia e admiração pelos protestantes e guiar as escolhas dos grupos. No entanto, a raiva pode ser às vezes pode gerar agressão e a violência, o que pode gerar uma desaprovação dos indivíduos.

Dessa forma, entende-se que o componente emocional está presente em todos os estágios do protesto (JASPER, 2009JASPER, James M. The emotions of protest. In: GOODWIN, Jeff; JASPER, James M. The social movements reader: cases and concept. 2 ed. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2009. p. 175-184.) e algumas emoções ajudam a explicar por que os indivíduos entram no protesto (sentimentos mobilizadores), ou porque eles não se mantêm na ação coletiva (sentimentos desmobilizadores). Outras emoções surgem durante as atividades do protesto, gerando laços afetivos entre os membros de um grupo, ou mesmo sentimentos com relação a instituições, práticas e pessoas dentro e fora do grupo. Há tanto afetos preexistentes quanto respostas emocionais de curto prazo a eventos, descobertas e decisões (JASPER, 1998JASPER, J.M. The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p.397-424, 1998.). Nesse sentido, Jasper (1998)JASPER, J.M. The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p.397-424, 1998. elabora um quadro que mostra algumas das emoções relevantes para levar os indivíduos ao protesto (Quadro II). Ele divide as emoções por laços afetivos primários, emoções reativas ou reflexivas e humores. Em muitos casos, afirma o autor, as mesmas emoções que em um determinado contexto podem levar as pessoas a participarem do protesto, podem também fazer com que elas deixem o movimento.

Quadro II.
Emoções potencialmente relevantes para o protesto

Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. ainda afirma que os participantes desenvolvem emoções compartilhadas (em relação a pessoas, objetos e ideias fora do grupo) e emoções recíprocas (em direção ao outro), e isso ajuda na criação e no fortalecimento de uma identidade coletiva. Podemos adotar uma perspectiva retórica, na qual as exibições emocionais visam persuadir vários públicos, incluindo os próprios participantes.

Sobre as emoções compartilhadas, Jasper (2014) aponta que um grande número de pessoas em uma mesma situação pode sentir as mesmas emoções ao mesmo tempo. Isso ocorre porque os mesmos mecanismos estão operando nesses indivíduos dentro de um grupo. Apesar disso, Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]. ressalta que não é possível afirmar que todas as pessoas sintam exatamente as mesmas emoções, pois a intensidade desses sentimentos varia de indivíduo para indivíduo. No entanto, há razões que levam esses indivíduos a se reunirem no mesmo lugar ou grupo para sentirem emoções semelhantes.

Nesse sentido, Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]. identifica quatro categorias de emoções que é possível compartilhar. A primeira delas diz respeito às reações dos outros. O medo do opositor, a indignação sobre uma decisão com a qual não concordamos e a confiança nos líderes são exemplos de sentimentos que se encaixam nessa categoria. A segunda categoria está relacionada a sentimentos frutos de nossas próprias ações, como orgulho, confiança, esperança ou também vergonha ou culpa, quando agimos mal. A terceira, são os sentimentos devidos a nossos compromissos afetivos e morais e de longo prazo, como orgulho de um grupo ao qual pertencemos ou ansiedade e repulsa por outros grupos. Esses compromissos, afirma Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]., são relativamente estáveis e nos orientam. Por fim, a quarta categoria diz respeito ao compartilhamento de emoções de médio prazo, como esperança, excitação e resignação.

Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]. ainda destaca a importância dos choques morais para o compartilhamento de emoções. Por choques morais, o autor entende como “reação às ações injustas de outros, quando informações ou eventos sugerem para as pessoas que o mundo não é como eles pensavam, seu desconforto visceral pode ocasionalmente levar à ação política como uma forma de reparação” (JASPER, 2014bJASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]., p. 348). A repressão violenta a protestos pacíficos também pode ser uma fonte de choque moral. Os choques morais também podem chegar a indivíduos já comprometidos com o grupo, de forma a radicalizar e reforçar seus compromissos (GOULD, 2009GOULD, D. Moving politics. Chicago, IL: University of Chicago Press, 2009.).

As emoções também podem ser compartilhadas a partir das respostas dos manifestantes às “forças de ordem” que tentam intimidá-los (JASPER, 2014bJASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line].). O medo, por exemplo, é uma emoção que pode ser paralisante. Mas ela pode ser transformada em confiança ou fonte do processo de início de uma ruptura. Sobre o medo, Castells (2013)CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013. também afirma que, em um primeiro momento, os indivíduos são tomados por esse sentimento. O medo paralisa, não permitindo que os atores se articulem e criem uma rede de mobilização. Mas, num segundo momento, quando os indivíduos percebem uma situação de injustiça contra eles e contra os outros, vão se sentir indignados. A indignação, segundo Castells (2013)CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013., é capaz de agregar os indivíduos que compartilham o mesmo sentimento sobre uma determinada situação considerada injusta. E é a partir da indignação e da agregação dos indivíduos que surge a esperança. A esperança da mudança de uma determinada situação é que move os atores na luta por uma determinada causa.

Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]. ainda destaca o papel do contágio no compartilhamento das emoções. Tendemos a imitar as expressões faciais dos que nos rodeiam e tendemos a sentir as emoções que são associadas a essas expressões (HATFIELD; CACIOPPO; RAPSON, 1994HATFIELD, E.; CACIOPPO, J. T.; RAPSON, R. L. Emotional contagion. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.). Papacharissi (2015)PAPACHARISSI, Zizi. Affective publics: sentiment, technology and politics. Oxford: Oxford University Press, 2015. aponta que os estados afetivos compartilhados podem ser entendidos como uma espécie de contágio emocional. De acordo com Gerbaubo (2016), o contágio emocional é caracterizado pela transferência de humores - “reações afetivas difusas aos estímulos ambientais gerais” (BARSADE, 2002, p. 664 apudGERBAUDO, 2016GERBAUDO, P. Rousing the Facebook crowd: digital enthusiasm and emotional contagion in the 2011 protests in Egypt and Spain. International Journal of Communication, v. 10, p. 254-273, 2016., tradução nossa) - entre pessoas em um grupo. Dessa forma, Gerbaudo (2016)GERBAUDO, P. Rousing the Facebook crowd: digital enthusiasm and emotional contagion in the 2011 protests in Egypt and Spain. International Journal of Communication, v. 10, p. 254-273, 2016. aponta que o contágio emocional está inteiramente ligado ao trabalho emocional (HOCHSCHILD, 1979HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules and social structure. American Journal of Sociology, v. 85, n. 3, p. 551-575, 1979.) e, ao ser compartilhado vai funcionar como o processo de tentativa de mudança em grau ou qualidade de uma emoção.

Jasper ainda aponta que os mecanismos para compartilhar emoções de curto prazo, ou emoções reflexivas (JASPER, 2011JASPER, James M. Emotions and social movements: twenty years of theory and research. Annual Review of Sociology, v. 37, p. 285-303, 2011.; GOODWIN; JASPER; POLETTA, 2001GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Introduction: why emotions matter. In: GOODWIN, J.; JASPER, J.; POLLETTA, F. Passionate politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 1-26.) como surpresa, choque, raiva, medo, repulsa e alegria são reforçados quando as pessoas também compartilham emoções de longo prazo, como lealdades afetivas a (ou também contra) grupos ou idéias, e compromissos morais para fontes de orgulho, vergonha e justiça. Essas emoções de curto prazo, afirma Jasper, podem ser construídas e reforçadas por meio de símbolos, argumentos, memórias coletivas e outras ajudas cognitivas. A propaganda é planejada para que os participantes estejam devidamente preparados para reagir da mesma maneira aos eventos.

As emoções recíprocas também podem ajudar manter um grupo unido (JASPER, 2014aJASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a., 2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line].. Essas emoções fazem parte dos compromissos afetivos que assumimos com os outros nas nossas interações. Ou seja, são o que os membros de um grupo sentem uns pelos outros, pode ser amor, respeito e confiança, mas também inveja, traição ou ciúme. As emoções compartilhadas, citadas anteriormente, reforçam as emoções recíprocas. O medo, por exemplo, pode gerar emoções recíprocas de solidariedade (EYERMAN, 2005EYERMAN, Ron. How social movements move: emotions and social movements. In: FLAM, H.; KING, D. Emotions and social movements. New York: Routledge, 2005. p. 41-56.; WHITTIER, 2009 apudJASPER, 2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line].. As emoções recíprocas formam padrões de confiança que podem canalizar a atividade de protesto. Se essas conexões de sentimentos motivam os participantes, elas também os mantém naquele grupo, afirma Jasper (2014b)JASPER, James M. Emotions, sociology and protest. In: VON SCHEVE, Christian; SALMELA, Mikko. Collective emotions: perspectives from psychology, philosophy, and sociology. Oxford University Press, p. 341-355, 2014b. [on-line]..

Jasper (2014a)JASPER, James M. Constructing indignation: anger dynamics in protest movements. Emotion Rewiew, v. 6, n. 3, p. 208-213, 2014a. ainda aponta que raramente experimentamos uma única emoção de cada vez e é importante estar atentos às combinações das emoções no protesto. Ele sugere analisar o que ele chama de “baterias morais”. Ou seja, pares de emoções positivas e negativas e a tensão ou o contraste entre elas que pode motivar a ação. Uma emoção pode ser reforçada quando explicitamente ou implicitamente são colocados com seu oposto, assim como uma bateria funciona através da tensão entre seus pólos positivo e negativo. Essas baterias morais indicam uma direção para a ação, longe do estado pouco atrativo e em direção ao atrativo. Um exemplo dessas baterias morais é a combinação de esperança com um futuro melhor com o medo e a ansiedade da situação atual (JASPER, 2011JASPER, James M. Emotions and social movements: twenty years of theory and research. Annual Review of Sociology, v. 37, p. 285-303, 2011.). Os líderes, muitas vezes, exageram na promessa de futuro e na situação do presente (nesse caso, ruim). Esse contraste da situação atual com o futuro melhor motiva o protesto e ação política (JASPER, 2011JASPER, James M. Emotions and social movements: twenty years of theory and research. Annual Review of Sociology, v. 37, p. 285-303, 2011.).

Considerações finais

Neste trabalho, procuramos fazer uma discussão sobre o papel das emoções na luta política e como elas podem ser importantes para entender as ações de protestos. Para isso, procuramos mostrar como as emoções, enquanto objeto de estudo, foram negligenciadas pelas ciências sociais durante um tempo e como a sociologia das emoções, em especial a escola norte-americana, tentou retomar esse debate a partir de diversas abordagens teóricas. Como Greco e Stenner (2008)GRECO, Monica; STENNER, Paul. Emotions: a social science reader. New York: Routledge, 2008. apontam, trazer as emoções de volta ao centro do debate das ciências sociais pode ajudar a entender as configurações de poder no mundo atual e como isso contribui para os caminhos de indivíduos e coletividades. Como os autores apontam, apesar das diversas abordagens dos estudos sobre emoções nas ciências sociais, um ponto em comum entre essas abordagens é a relação entre a vida afetiva e as relações de poder.

A sociologia das emoções, por sua vez, parece ser uma chave analítica importante para os estudos de ação coletiva e protestos políticos, uma vez que pode nos ajudar a entender questões importantes nos estudos de ação coletiva, sobre a relação entre individual e coletivo e as relações construídas no grupo. Há ainda que chamar atenção para os trabalhos empíricos sobre a análise de emoções em diversos contextos de luta política (GERBAUDO, 2016GERBAUDO, P. Rousing the Facebook crowd: digital enthusiasm and emotional contagion in the 2011 protests in Egypt and Spain. International Journal of Communication, v. 10, p. 254-273, 2016.; FERREIRA, 2021FERREIRA, M. A. S. Emoções, protestos e mídias sociais: a dinâmica da luta política em ações digitalmente mediadas. 2021. 255p. Tese (Doutorado em Ciência Política). Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.; PENTEADO, et. al, 2022PENTEADO, et. al. #Vacinar ou não, eis a questão! As emoções na disputa discursiva sobre a aprovação das vacinas contra a Covid-19 no Twitter. Política & Sociedade; Florianópolis, v. 20, n. 49, p. 104-133, 2022.), bem como esforços em desenvolver metodologias de análises para trabalhar com esse objeto de estudos (VIDRIO, 2016VIDRIO, Silvia Gutierrez. El papel de las emociones en la conformación y consolidación de las redes y movimentos sociales. In: ARIZA, Marina (org.). Emociones, afectos y sociologia: diálogos desde la investigación social y la interdisciplina. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016. p. 399-440.; FLAM; KLERES, 2015FLAM, H.; KLERES, J. Methods of exploring emotions. New York: Routledge, 2015.). Por fim, acredita-se que o debate sobre emoções na vida política se faz mais do que necessário para tentarmos compreender as novas dinâmicas da ação coletiva como manifestações em larga escala e ações políticas mediadas pelas tecnologias.

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  • WOLFF. Cristina Scheibe. Pedaços de alma: emoções e gênero nos discursos da Resistência. Estudos Feministas, v. 23, n. 3, p. 975-989, 2015.
  • 3
    No dia 27 de janeiro de 2013, houve um incêndio em uma boate na cidade de Santa Maria (RS). O acidente matou 242 jovens e deixou mais de 600 feridos. O incêndio na Boate Kiss foi amplamente divulgado pela mídia brasileira, gerando uma grande comoção pública.
  • 4
    Corrente teórica que surge a partir de uma crítica ao empirismo e ao racionalismo. Nessa perspectiva, Gergen (2009)GERGEN, Kenneth J. O movimento do construcionismo social na psicologia moderna. Revista Internacional Interdisciplinar InterThesis. v. 6, n. 1, 2009. p. 299-235. aponta que o que consideramos como experiência do mundo não vai determinar os termos em que o mundo vai ser compreendido. Segundo o autor, a teoria propõe explicar “os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas)” (GERGEN, 2009GERGEN, Kenneth J. O movimento do construcionismo social na psicologia moderna. Revista Internacional Interdisciplinar InterThesis. v. 6, n. 1, 2009. p. 299-235.). De acordo com Barbalet (1998)BARBALET, J.M. Emotion in social life and social theory. In: Emotion, social theory and social structure: a macrosociological approach. United Kingdom: University Press Cambridge, 1998. p. 8-29. a abordagem se concentra na “construção social” da emoção. Ou seja, a emoção é consequência de processos culturais e cognitivos, em oposição aos processos socioestruturais e relacionais.
  • 5
    Importante conceito do interacionismo simbólico criado por Mead. O self diz respeito a si mesmo em uma tradução literal. Ele pode ser entendido como um processo de ver e responder seu próprio comportamento. (RIBEIRO; BREGUNCI, 1986 apudSILVA, 2012SILVA, Carme L. da. Interacionismo simbólico: história, pressupostos e relação professor e aluno; suas implicações. Revista Educação por Escrito - PUCRS, v. 3, n. 2, dez. 2012.) Para Mead, o self se constitui a partir de dois aspectos: o eu e a mente. O “eu” experimenta as coisas sem a reflexão, mas a mente, denominada pelo autor como o “mim”, permite a reflexão sobre si mesmo. E é o “mim” que diz respeito a interação do indivíduo com outras pessoas (SILVA, 2012SILVA, Carme L. da. Interacionismo simbólico: história, pressupostos e relação professor e aluno; suas implicações. Revista Educação por Escrito - PUCRS, v. 3, n. 2, dez. 2012.). O self então, seria fruto da interação social.
  • 6
    Perspectiva teórica que surgiu na década de 1930 na Escola Sociológica de Chicago. No interacionismo simbólico, o foco da análise se concentra nos processos de interação social entre indivíduos, que estão sempre mediados por relações simbólicas.
  • 7
    Gonçalves-Neto e Lima (2017)GONÇALVES-NETO, J. U.; LIMA, A. F. Usos e significados de “self” e “identidade” em “Mind, Self and Society”. Revista Guillermo de Ockham, v. 15, n. 1, p, 43-50, 2017. discutem os conceitos de self e identidade na obra Mind, Self and Society, de Mead. Os autores apontam que, para Mead, o self se forma com uso da linguagem, por meio de diálogo com gestos significantes. Assim, esses gestos provocam reações em quem recebem a mensagem. Nesse sentido, Mead também afirma que nesse processo também ocorre o autorreconhecimento, pois os indivíduos também reagem ao emitido para outra pessoa. Isso gera a autoconsciência, proporcionando, assim, um senso de identidade.
  • 8
    Sobre a Teoria de Mobilização de Recursos ver McCarthy e Zald (1973McCARTHY, J D. and ZALD, M. N. The trend of social movements in America: professionalization and resource mobilization. Morristown: General Learning Press, 1973.; 1977)McCARTHY, J D. and ZALD, M. N. Resource mobilization and social movements: a partial theory. American Journal of Sociology, v. 82, n. 6, p.1212-1241, 1977.; Olson (1965)OLSON, M. The logic of collective action. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1965.; Edwards e McCarthy (2006)EDWARDS, B.; MCCARTHY, J. D. Resources and social movement mobilization. In: SNOW, D. A.; SOULE, Sarah A.; KRIESI, Hanspeter. The blackwell companion to social movements. United Kingdom: Blackwell Publishing, 2006. p. 116-152.. Sobre a Teoria do Processo Político ver Tilly (1978)TILLY, Charles. From mobilization to revolution. New York: Newbery Award Records, 1978.; Tarrow (2009)TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    19 Mar 2023
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
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