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Pneumomediastino e edema agudo de pulmão pós tratamento cirúrgico de ginecomastia

RESUMO

Introdução:

O edema pulmonar secundário à obstrução das vias aéreas é uma condição incomum. Apesar da fisiopatologia do edema ser ainda obscura, é provável que o mecanismo predominante seja a inspiração forçada contra a glote fechada, gerando um gradiente intrapulmonar e transpleural negativos, o que favorece a transudação de fluidos dos capilares pulmonares para o interstício.

Relato de Caso:

Os autores relatam um caso de barotrauma e edema agudo de pulmão em um paciente jovem após ter sido submetido a tratamento cirúrgico de ginecomastia, sob anestesia geral.

Descritores
Edema agudo de pulmão; Ginecomastia; Laringoespasmo; Complicações pós-operatórias

ABSTRACT

Introduction:

Secondary pulmonary edema causing airway obstruction is an uncommon condition. Although the physiopathology of edema is still unclear, the predominant mechanism is likely forced inspiration against a closed glottis, generating a negative intrapulmonary and transpleural gradient, which favors fluid transudation from the pulmonary capillaries into the interstitium.

Case Report:

We report a case of barotrauma and acute pulmonary edema in a young patient after undergoing surgical treatment for gynecomastia under general anesthesia.

Keywords:
Acute pulmonary edema; Gynecomastia; Laryngospasm; Postoperative complications

INTRODUÇÃO

O edema pulmonar secundário à obstrução das vias aéreas é uma condição pouco comum, com incidência estimada de 11%, porém muito bem descrita, podendo ser observada em uma grande variedade de situações clínicas. Como qualquer condição médica, é essencial que o profissional de saúde esteja ciente dessa condição, reconheça os sinais e sintomas precocemente e institua o quanto antes o tratamento1-55.

Apesar de a fisiopatologia do edema ser ainda obscura, é provável que o mecanismo predominante seja a inspiração forçada contra a glote fechada, gerando um gradiente intrapulmonar e transpleural negativos, o que favorece a transudação de fluidos dos capilares pulmonares para o interstício11 Oswalt CE, Gates GA, Holmstron FM. Pulmonary edema as a complication of acute airway obstruction. JAMA.1977;38:1833-1835..

O objetivo deste trabalho é descrever o caso de um paciente que desenvolveu um quadro de barotrauma e edema agudo de pulmão após ter sido submetido à anestesia geral para tratamento cirúrgico de ginecomastia.

RELATO DO CASO

F.M.X., 21 anos, sexo masculino, portador de ginecomastia glandular e lipodistrófica bilateral, sem outras comorbidades. Não fazia uso de medicamentos e não apresentava histórico de alergia medicamentosa, e esteve acima do peso ideal até os 21 anos.

Em maio de 2009, foi admitido para tratamento cirúrgico. Realizado infiltração do tecido subcutâneo pré-peitoral com solução de soro fisiológico com adrenalina (1:500.000) e, a seguir, lipoaspiração pré-peitoral e exérese da glândula mamária por incisão de Webster. O procedimento foi conduzido sob anestesia geral, sem intercorrências, com duração de 50 minutos.

Ao término da cirurgia, apresentou agitação importante, dificultando a extubação pela mordedura da cânula orotraqueal, que não estava protegida pela cânula oral tipo Guedel. Optado por recurarização e ventilação sob pressão, que promoveu melhora do quadro. Após a recuperação anestésica, apresentava-se estável clinicamente, sem queixas. No entanto, seis horas depois, evoluiu com dispnéia e desconforto cervical. Ao exame, apresentava leves crepitações cervicais, murmúrio vesicular diminuído à ausculta bilateralmente, tosse com secreção rósea e esforço respiratório, principalmente em decúbito dorsal, saturando 85% em ar ambiente. Encaminhado para avaliação em serviço especializado, onde foi realizado radiografia de tórax, que evidenciou Infiltrado intersticial, notadamente, nas regiões peri-hilares (figura. 1), e tomografia computadorizada de tórax, que evidenciou opacidade pulmonar tipo vidro fosco peribroncovascular bilateral, pneumomediastino e enfisema subcutâneo na parede torácica (figura 2).

Figura 1
Infiltrado intersticial notadamente nas regiões peri-hilares.

Figura 2
Opacidade pulmonar tipo vidro fosco peribroncovascular bilateral, pneumomediastino e enfisema subcutâneo na parede torácica.

Após avaliação, o paciente foi internado com o diagnóstico de edema agudo de pulmão e submetido a tratamento conservador, com oxigênio por cateter nasal a 3L/min. Evoluiu com melhora progressiva do quadro, tendo recebido alta hospitalar no 4º DPO, assintomático.

DISCUSSÃO

O primeiro caso de edema pulmonar secundário à obstrução de vias aéreas foi descrito por Oswalt et al. em 197711 Oswalt CE, Gates GA, Holmstron FM. Pulmonary edema as a complication of acute airway obstruction. JAMA.1977;38:1833-1835.. O laringoespasmo durante a intubação orotraqueal, ou após a anestesia, é descrito como a causa mais comum dessa condição, respondendo por aproximadamente 50% dos casos. Outras causas incluem estrangulamento, epiglotite, aspiração de corpo estranho, hipotireoidismo, soluços, hematomas cervicais, intubação difícil, bócio tireóideo, croup, neoplasias, obesidade, entre outros11 Oswalt CE, Gates GA, Holmstron FM. Pulmonary edema as a complication of acute airway obstruction. JAMA.1977;38:1833-1835.,22 Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.,33 Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review..

A fisiopatologia que explica o desenvolvimento do edema ainda é incerta, sendo dois mecanismos propostos. Uma teoria é a de que o edema seria causado por deslocamentos importantes de fluidos devido a alterações da pressão intratorácica.

A pressão intratorácica negativa é gerada durante a inspiração forçada contra resistência - nesse caso, a obstrução das vias aéreas. A queda da pressão provoca um aumento do retorno venoso para o ventrículo direito que, por sua vez, aumenta a pressão venosa pulmonar. Esse aumento da pressão venosa pulmonar gera um gradiente hidrostático transpulmonar que provoca o deslocamento de fluido de zonas de alta pressão (sistema venoso pulmonar) para zonas de baixa pressão (interstício pulmonar)22 Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.. O segundo mecanismo proposto envolve a ruptura da integridade dos alvéolos capilares e das membranas da microvasculatura pulmonar devido a um estresse mecânico intenso, levando a um aumento da permeabilidade capilar e, finalmente, a um edema com alto teor de proteínas. Outro fator envolvido na gênese do edema agudo pulmonar é a falta de ventilação alveolar durante o período obstrutivo, o que resulta em hipoxemia e hipercarbia, que associados ao estado de ansiedade do paciente levam à liberação de catecolaminas.

Esse estado hiperadrenérgico acarreta elevação da resistência vascular sistêmica (RVS) e, em consequência, aumento da pós-carga do ventrículo esquerdo(VE). O somatório da diminuição na complacência ventricular esquerda (pelo desvio do septo interventricular) e o aumento na pós-carga determinam redução do volume de ejeção do VE, o que resulta em aumento de ambos os volumes ventriculares, sistólico e diastólico finais22 Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.,33 Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review.,44 Mulkey Z, Yarbrough S, Guerra D, Roongsritong C, Nugent K, Phy MP. Postextubation pulmonary edema: a case series and review. Respiratory Medicine. 2008;102(11):15591659-1662.,77 Jackson FN, Rowland V, Corssen G. Laryngospasm -induced pulmonary edema. Chest. 1980;78(6):8119-8121.,88 Halow KD, Ford EG. Pulmonary edema following post-operative nlaryngospasm: a case report and review of the literature. Am Surg. 1993;59(7):443-447..

Clinicamente, essa condição acomete, com mais frequência, adultos jovens e crianças, e apresentam melhor prognóstico do que ao surgirem em pacientes mais velhos. São considerados fatores potenciais para o desenvolvimento do edema pulmonar por pressão negativa intrapleural (EPPN): pacientes jovens, do sexo masculino, tipo musculoso, pescoço curto, com classificação Malampatti 3 ao exame físico e aqueles com história de apnéia22 Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.,33 Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review..

Classicamente, o EPPN inclui secreção serossanguinolenta ou rósea, o que demonstra que realmente há extravasamento de células dos capilares, em decorrência de falha mecânica da membrana alveolocapilar, resultando em edema alveolar ou hemorragia franca. O diagnóstico é feito com base no desenvolvimento súbito de dispneia, taquipnéia, hipoxemia, hipercapnia ou a produção de secreção rosada após o alívio da obstrução das vias aéreas. A radiografia de tórax geralmente revela pedículos vasculares aumentados com infiltrados intersticiais bilaterais. O início do EPPN é rápido (dentro de minutos), mas pode retardar-se em até 4 horas após a ocorrência de um fenômeno obstrutivo33 Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review..

A literatura sugere que, a rapidez de instalação do edema se relaciona com o início da obstrução e à sua gravidade. É autolimitado, em geral resolvendo-se em 12 a 24 horas e, na maioria dos casos, o tratamento é apenas de suporte. Em cerca de 85% dos pacientes, tanto em crianças quanto em adultos, a intubação traqueal se faz necessária para que seja mantida a permeabilidade das vias aéreas, seguida de ventilação com pressão positiva expiratória. Estando o diagnóstico esclarecido, não é necessária a monitoração hemodinâmica agressiva nem a utilização de fármacos vasoativos. Entretanto, pode ocorrer grave morbimortalidade, variando de 11% a 40% dos casos relatados22 Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.,33 Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review..

CONCLUSÃO

O edema agudo de pulmão associado à obstrução das vias aéreas superiores é uma condição clínica que pode agravar procedimentos cirúrgicos considerados de baixa morbidade e que aparecem principalmente em pacientes jovens. Seu reconhecimento e, sobretudo, a sua prevenção são de grande importância. A extubação do paciente com bloqueio neuromuscular totalmente revertido e responsivo a comandos simples parece ser a melhor forma de prevenção, onde à utilização rotineira da Cânula de Guedel no momento da extubação evita a obstrução inadvertida do tubo orotraqueal por mordedura, principalmente em pacientes mais jovens. Quando presente, o tratamento deve ser instituído precocemente, pois a resolução também é rápida e na maioria dos casos sem sequelas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Oswalt CE, Gates GA, Holmstron FM. Pulmonary edema as a complication of acute airway obstruction. JAMA.1977;38:1833-1835.
  • 2
    Louis PJ, Fernandes R. Negative pressure pulmonary edema. Oral Surgery Oral Medicine Oral Pathol Oral Radiol Endodogy. 2002;93(1):4-6. Review.
  • 3
    Scarbrough FE, Wittenberg JM, Smith BR, Adcock DK. Pulmonary edema following postoperative laryngospasm: case reports and review of the literature;. Anesth Prog. 1997;44(3): 110-116. Review.
  • 4
    Mulkey Z, Yarbrough S, Guerra D, Roongsritong C, Nugent K, Phy MP. Postextubation pulmonary edema: a case series and review. Respiratory Medicine. 2008;102(11):15591659-1662.
  • 5
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  • 6
    Lang SA, Duncan PG, Shephard DA, Ha HC. Pulmonary edema associated with airway obstructuion. Can J Anaesth.1990;37(2):210-218. Review.
  • 7
    Jackson FN, Rowland V, Corssen G. Laryngospasm -induced pulmonary edema. Chest. 1980;78(6):8119-8121.
  • 8
    Halow KD, Ford EG. Pulmonary edema following post-operative nlaryngospasm: a case report and review of the literature. Am Surg. 1993;59(7):443-447.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2011
  • Aceito
    18 Ago 2011
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