Acessibilidade / Reportar erro

Transtorno dismórfico corporal sob a perspectiva do cirurgião plástico

▪ RESUMO

O transtorno dismórfico corporal é encontrado com uma certa frequência nos atendimentos relacionados à estética. Entretanto, permanece subdiagnosticado devido à dificuldade de diferenciar uma insatisfação pessoal natural com a imagem corporal de uma queixa patológica. Para os pacientes com TDC, o incômodo gerado pelo seu “defeito” costuma ser desproporcional ao que observamos no exame físico. Além disso, na tentativa de corrigir aquilo que não lhe agrada, ele se submete a diversos procedimentos cirúrgicos que, em grande parte das vezes, considerará insuficiente para a resolução do seu problema. Nesse sentido, buscamos, com este trabalho, ampliar as discussões já existentes na literatura especializada. Assim, assumindo a escassa bibliografia, tencionamos, além de construir discussões acerca dessa afecção, o que pode contribuir para a identificação dos traços desse transtorno, evitando, por conseguinte, a realização de procedimentos cirúrgicos desnecessários e nortear as ações do especialista no que diz respeito à possibilidade de uma disputa judicial.

Descritores:
Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Psi-quiatria; Imagem corporal; Transtornos dismórficos corporais; Estética.

▪ ABSTRACT

Body dysmorphic disorder (BDD) is found with a certain frequency in aesthetic-related care. Howeve r, it is underdiagnosed due to the difficulty in differentiating a personal dissatisfaction with body image of a pathological complaint. For BDD patients, the discomfort generated by their “defect” is often disproportionate to that observed on physical examination. In addition, in an attempt to correct their “defect”, the patients undergoes various surgical procedures, which are often considered insufficient by the patients to solve their problem. Hence, this study aimed to expand the already existing discussions in the specialized literature. Since there are only a few studies on the topic, we plan to discuss this condition so as to contribute towards identification of the characteristics of this disorder, thus, avoiding unnecessary surgical procedures and guiding the specialist’s actions in case of a legal dispute.

Keywords:
Reconstructive surgical procedures; Psychiatry; Body image; Body dysmorphic disorders; Aesthetics.

INTRODUÇÃO

A procura pela beleza ou pela aparência atrativa ao outro parece ser objeto de fascínio da humanidade. Embora envolva estereótipos que variam de acordo com padrões culturais, a noção de beleza, um conceito dinâmico de busca pela perfeição, pode, em algum momento, como já descrito por estudos conduzidos pela área da psiquiatria, aproximar-se do que se tem denominado por transtorno psíquico.

Ao realizarmos uma incursão histórica, per- cebemos que, enquanto doenças endêmicas e pestes dizimavam um grande número de pessoas, a obesidade prevalecia, contudo, como sinônimo de saúde e de bem-estar. Atualmente, o que observamos é um mo- vimento contrário a essa percepção, cujos pressupostos evidenciam a supremacia da ditadura da magreza, em que ser belo é ser esguio. Nesse novo contexto, delimitar a tênue linha que separa desejo pessoal, na busca por uma melhoria estética, de dismorfia corporal pode ser uma tarefa difícil11. Renshaw DC. Body dysmorphia, the plastic surgeon and the psychiatrist. Psychiatr Times. 2003;20(7):64-6..

No âmbito da literatura especializada, o primeiro registro de dismorfofobia aparece em 1886, descrito por Morsellini22. Morsellini E. Sulla dismorfofobia e sulla tafefobia. Boll Accad Sci Med Genova. 1886;6:110-9.. No entanto, nos estudos brasileiros, somente em 1976 Pitanguy et al.33. Pitanguy I, Jaimovich CA, Schvartz S. Avaliação de aspectos psicológicos e psiquiátricos em cirurgia plástica. Rev Bras Cir. 1976;66(3/4):115-25. fazem referência a esse termo. Conhecida, ainda, como epônimo de Complexo de Quasímodo44. D’Assumpção EA. Dismorfofobia ou Complexo de Quasímodo. Rev Bras Cir Plást. 2007;22(3):183-7., e, mais recentemente, como transtorno dismórfico corporal (TDC), a dismorfofobia foi estabelecida como doença, no volume III do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders de 1987 (DSM-III-R) e permanece, no atual DSM V, publicado em 2013, como “Body Dismorphic Disorder55. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed. Washington: American Psychiatric Publishing; 2013. PMID: 29261891.

Na prática clínica, observamos que os pacientes acometidos pelo TDC apresentam insatisfação extrema com sua aparência, o que se traduz em sofrimento intenso. Encontramos, também, relatos de prejuízos funcionais na vida social e no trabalho, elevado grau de estresse e comorbidades. Tais fatores contribuem para a constante procura por procedimentos estéticos, que culminam em resultados majoritariamente pobres44. D’Assumpção EA. Dismorfofobia ou Complexo de Quasímodo. Rev Bras Cir Plást. 2007;22(3):183-7.,66. Jakubietz M, Jakubietz RJ, Kloss DF, Gruenert JJ. Body dysmorphic disorder: diagnosis and approach. Plast Reconstr Surg. 2007;119(6):1924-30. PMID: 17440376 DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000259205.01300.8b
https://doi.org/10.1097/01.prs.000025920...
,77. Crerand CE, Menard W, Phillips KA. Surgically minimally invasive cosmetic precedures among persons with body dysmorphic disorder. Ann Plast Surg. 2010;65(1):11-6. DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bba08f
https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bb...
.

Assim, no que diz respeito ao papel do especialista, entendemos que ao proceder o exame físico, notamos, muitas vezes, alteração mínima ou inexistente. Por esse ângulo, cabe ao cirurgião a busca pelo reconhecimento do tipo de transtorno de seu paciente com intuito de referenciá-lo, se necessário, ao psiquiatra. Frisamos, contudo, que, em grande parte dos casos, o diagnóstico desse tipo de psicopatologia pode passar desapercebido, devendo, então, o profissional buscar meios de se proteger judicialmente contra possíveis litígios judiciais88. Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-...
. É nesse sentido que este texto encontra sua razão de ser.

Assim, apoiados em uma vasta investigação teórica e em nossa experiência clínica, nas próximas seções b u scaremo s desenvo lver as id eias aqui apresentadas, com o intuito de colaborar com o mosaico de estudos realizados no âmbito das pesquisas em cirurgia plástica.

OBJETIVO

Neste texto, pretendemos demonstrar a relevância do TDC em pacientes que procuram serviços de Cirurgia Plástica e reforçar a atenção do médico quanto a este diagnóstico, muitas vezes esquecido. Buscamos, ainda, reiterar a importância do rastreio correto para que a equipe possa encaminhar os pacientes ao tratamento adequado, evitando que sejam submetidos a procedimentos de cunho estético desnecessários. Propomos, também, no caso de incerteza diagnóstica do TDC, sugerir caminhos possíveis para que o cirurgião possa se resguardar, mediante a possibilidade de futuros problemas legais.

MÉTODOS

Com o objetivo de construir este trabalho, realizamos uma investigação de cunho qualitativo e quantitativo, na qual buscamos artigos, dissertações, capítulos de livros e teses, que enfocam o transtorno dismórfico corporal, dismorfofobia e síndrome de Quasimodo. Com o intuito de ampliar nosso escopo teórico, no que diz respeito, mais especificamente, às bases de dados, destacamos: PubMed, SciELO, Lilacs e Bireme.

DISCUSSÃO

Tendo como ponto de partida a atual expansão de procedimentos cirúrgicos estéticos, que ultrapassaram 10 milhões, em 2005, segundo Crerand et al.99. Crerand CE, Franklin ME, Sarwer BD. Body dysmorphic disorder and cosmetic surgery. Plast Reconstr Surg. 2006;118(7):167e-80e., e atingiram 629 mil só no Brasil, em 20091010. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Cirurgia Plástica no Brasil [Internet] [acesso 2014 Jun 29]. Disponível em: http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-content/uploads/2012/11/pesquisa2009.pdf
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-c...
, fica evidente o culto exagerado à forma física. Entre os fatores que motivam a busca pelos procedimentos encontra-se o senso comum de que, para atingir sucesso profissional e interpessoal, é necessário um corpo escultural. De forma análoga, a preocupação estética, cada vez mais precoce entre os jovens, a busca infindável pela perfeição (facilitada pelas vastas ferramentas da Cirurgia Plástica), as constantes discussões sobre dieta, exercícios e moda, que corroboram certos padrões de beleza, podem alimentar, entre outros fatores, a experiência vivenciada no TDC. Tal cenário tende a propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento dessa afecção, tornando-a, assim, mais evidente.

Em seu estudo, Bellino et al.1111. Bellino S, Zizza M, Paradiso E, Rivarossa A, Fulcheri M, Bogetto F. Dysmorphic concern symptoms and personality disorders: a clinical investigation in patients seeking cosmetic surgery. Psychiatry Res. 2006;144(1):73-8. PMID: 16914206 DOI: https://doi.org/10.1016/j.psychres.2005.06.010
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2005....
apontam que 0,7% da população geral sofre da doença, podendo chegar até 1 a 2%, segundo Macley1212. Mackley CL. Body dysmorphic disorder. Dermatol Surg. 2005;31(5):553-8. DOI: https://doi.org/10.1097/00042728-200505000-00011
https://doi.org/10.1097/00042728-2005050...
. Entre as pessoas que procuram cirurgia cosmética, encontramos dados que podem chegar a um percentual de 9,1%, de acordo com Aouizerate et al.1313. Aouizerate B, Pujol H, Grabot D, Faytout M, Suire K, Braud C, et al. Body dysmorphic disorder in a sample of cosmetic surgery applicants. Eur Psychiatric. 2003;18(7):365-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02.001
https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02...
. Embora existam vários fatores sociais envolvidos, a etiologia, no entanto, ainda não é completamente esclarecida. Acredita-se que ela poderia estar vinculada a um modelo psicológico próprio de sua imagem, construído desde a infância e que sofre influências do meio externo, durante o desenvolvimento1414. D’Assumpção EA. Convivendo com perdas e ganhos. Belo Horizonte: Fumarc; 2004.,1515. D’Assumpção EA. Auto-imagem & auto-estima. Belo Horizonte: Fumarc; 2006.. Além disso, aqueles pacientes que apresentam uma autocrítica exagerada com sua aparência estética podem ter maiores chances de evoluir para esse quadro patológico1616. Kalaf J, Fontenelle LF, Mendlowicz MV, Miotto RR, Versiani M. Obsessão ou delírio? Descrição fenomenológica de um paciente com transtorno dismórfico corporal. J Bras Psiquiatr. 2004;53(5):281-5..

Estudos mais recentes sugerem a participação de anormalidades neurobiológicas. Pela ressonância magnética funcional, por exemplo, é possível detectar alterações de neurotransmissores. Ademais, apontam, ainda, para ativações anormais de áreas especializadas em processamento visual analítico e detalhista nestes pacientes, mais intensa naqueles com sintomas severos77. Crerand CE, Menard W, Phillips KA. Surgically minimally invasive cosmetic precedures among persons with body dysmorphic disorder. Ann Plast Surg. 2010;65(1):11-6. DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bba08f
https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bb...
.

Para além disso, vale ressaltar também as situações em que o indivíduo se identifica com a imagem de determinada pessoa ou personagem, levando -o a buscar formas que o façam parecer em imagem e semelhança com a figura com a qual se identifica. Essa identificação de personalidade pode estar relacionada com aquilo que se produz como um ideal de beleza, muitas vezes corporificado em pessoas famosas, familiares, ou até mesmo em figuras inanimadas, como bonecas e bonecos1717. Gruber M, Jahn R, Stolba K, Ossege M. “Das Barbie Syndrom”. Ein Fallbericht über die Körperdysmorphe Störung. Neuropsychiatrie. 2018;32(1):44-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-2
https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-...
.

Frequentemente, o aparecimento do transtorno dismórfico corporal situa-se na adolescência, deevolução paulatina, com preocupações iniciais consideradas “normais”, degenerando - se para patológicas, no decorrer do tempo (meses a anos). Não obstante, encontramos casos subitamente desencadeados por eventos emocionais importantes. Nesse ponto, entendemos ser relevante destacar que o grau de insight envolvido, isto é, a autopercepção da doença, é variável. Assim, o nível percepção do paciente acerca da existência da sua doença não é nada se comparado ao incômodo gerado pelo defeito. Deste modo, em termos objetivos, os locais envolvidos nas queixas são semelhantes àqueles de quadros não patológicos. Entretanto, pontuamos que o nível de sofrimento gerado é intensificado, o que pode conduzir a um grau de estresse extremo, obsessão e tortura emocional.

Nesse contexto patológico, a presença de outra comorbidade, como a fobia social, torna-se menos importante do que era no passado, quando se sabia muito pouco sobre a doença1818. Savoia MG. Diagnóstico diferencial entre fobia social e transtorno dismórfico corporal. Rev Psiq Clín. 2000;27(6):[aproximadamente 4 p.]..

Os estudos especializados indicam que uma parcela significativa, de 12 a 15% dos pacientes, apresenta correlação com o transtorno obsessivo comp u lsi vo (TOC)66. Jakubietz M, Jakubietz RJ, Kloss DF, Gruenert JJ. Body dysmorphic disorder: diagnosis and approach. Plast Reconstr Surg. 2007;119(6):1924-30. PMID: 17440376 DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000259205.01300.8b
https://doi.org/10.1097/01.prs.000025920...
, marcad o pela presença d e estereótipos do comportamento compulsivo e repetitivo como, por exemplo, o ato de olhar-se demoradamente no espelho ou maquiar-se em demasia, fator, inclusive, que pode levar a uma confusão na distinção entre o TDC e o TOC. Ressalta-se, ainda, depressão, ansiedade, uso abusivo de substâncias psicoativas e até idealização suicida, em 22 a 28% dos casos1919. Phillips KA. What a physicians need to know about body dismor-phic disorder. Med Health R I. 2006;89(5):175-7..

Não raros, associados ao transtorno obsessivo compulsivo e a outras afecções psiquiátricas, observamos relatos de distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia, que também estão associados ao quadro de dismorfofobia1717. Gruber M, Jahn R, Stolba K, Ossege M. “Das Barbie Syndrom”. Ein Fallbericht über die Körperdysmorphe Störung. Neuropsychiatrie. 2018;32(1):44-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-2
https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-...
. No que concerne aos graus de severidade, podemos dizer que variam da quase normalidade, em formas leves, até prejuízo severo da funcionalidade, em pacientes que só saem de casa à noite para evitar exposições públicas.

Em casos graves, já descritos pela literatura, estão eventos de violência contra o médico, incluindo assassinatos, frutos do “insucesso” alcançado66. Jakubietz M, Jakubietz RJ, Kloss DF, Gruenert JJ. Body dysmorphic disorder: diagnosis and approach. Plast Reconstr Surg. 2007;119(6):1924-30. PMID: 17440376 DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000259205.01300.8b
https://doi.org/10.1097/01.prs.000025920...
,88. Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-...
,1313. Aouizerate B, Pujol H, Grabot D, Faytout M, Suire K, Braud C, et al. Body dysmorphic disorder in a sample of cosmetic surgery applicants. Eur Psychiatric. 2003;18(7):365-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02.001
https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02...
. Portanto, devemos desconfiar de TDC em pacientes que procuram atendimento de cunho estético e trazem histórias de diversos procedimentos realizados, sendo esses insatisfatórios ou desnecessários.

Dessa forma, mesmo naqueles que tenham realizado pouca ou nenhuma cirurgia prévia, cabe ao especialista realizar uma anamnese cuidadosa, com o objetivo de suscitar o diagnóstico, pelas queixas infundadas dos defeitos mínimos ou inaparentes, do exame físico refinado e até da aplicação de questionário2020. Veale D, Ellison N, Werner TG, Dodhia R, Serfaty MA, Clarke A. Development of a Cosmetic Procedure Screening Questionnaire (COPS) for Body Dysmorphic Disorder. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2012;65(4):530-2. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2011.09.007
https://doi.org/10.1016/j.bjps.2011.09.0...
, investigando o grau de incômodo gerado pela “deformidade”. Se assim achar necessário, o médico pode entrar em contato com cirurgiões que realizaram atendimentos prévios, ou até mesmo buscar o histórico médico88. Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-...
.

No que tange ao tratamento, propomos que ele seja conduzido majoritariamente pelo psiquiatra e pelo psicólogo, envolvendo medidas cognitivo - comportamentais e mudança do estilo de vida, inclinando-se à vida mais ativa. Entendemos, também, que se pode usar de medicação como, por exemplo, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e antidepressivos tricíclicos, que podem produzir resultados satisfatórios. Após esse acompanhamento, o paciente pode retornar ao ambulatório de cirurgia plástica para ser reavaliado2121. Amâncio EJ, Magalhães CCP, Santos ACG, Peluso CM, Pires MFC, Peña-Dias AP. Tratamento do transtorno dismórfico corporal com venlafaxina: relato de caso. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(3):141-3. DOI: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000300008
https://doi.org/10.1590/S1516-4446200200...
.

Frente ao que discutimos até aqui, interpretamos que, do ponto de vista legal, o cirurgião plástico precisa se resguardar de possíveis litígios judiciais. Nessa perspectiva, o uso de documentações pré- operatórias é de grande valia no caso do TDC. Frisamos, também, a possibilidade de um questionário como, por exemplo, o COPS22.

Outra forma de se resg u ard ar seria pela assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por meio do qual o paciente pode autorizar que o seu atual médico contate outros especialistas já procurados, permitindo a busca por informações valiosas que poderão revelar a existência do transtorno. Por fim, cremos que o paciente deverá concordar que o resultado final da cirurgia poderá não ser exatamente como ele espera, estando o processo sujeito a variações biológicas e intercorrências inerentes ao cirurgião88. Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-...
.

No que toca ao último objeto de discussão deste trabalho, isto é, a possibilidade de uma disputa jurídica, pontuamos que não encontramos na literatura especializada referências que orientam os caminhos que um cirurgião plástico deve percorrer. No entanto, assumindo a existência de casos já descritos, entendemos que esses podem servir de referência para que o especialista possa se orientar em sua conjuntura.

Em casos de disputa judicial, entendemos, ainda, que o advogado de um paciente poderia questionar em juízo a validade do TCLE assinado, embasado no transtorno dismórfico, o que, à luz da legalidade, comprometeria o juízo do seu cliente. Não obstante, acreditamos que tal argumento poderia ser invalidado, uma vez que não há, na história médica desse paciente, um diagnóstico fechado de transtorno dismórfico corporal. Assim, embora este documento seja uma prática legal para garantir que o paciente esteja ciente de todos os riscos envolvidos em um procedimento cirúrgico, defendemos que o médico tem o dever de informar os possíveis riscos materiais, as possíveis complicações, esclarecendo que o resultado final sofre interferência por motivos não relacionados à conduta médica, evitando, pois, o questionamento da validade do documento e a possível alegação de negligência88. Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-...
.

CONCLUSÃO

Considerando a importante prevalência do TDC e a sua relevância entre pacientes que procuram cirurgias estéticas, salientamos essa possibilidade diagnóstica nos casos de queixas infundadas e distorcidas. Pelo caráter desafiador da doença, a abordagem por parte do cirurgião precisa ser cuidadosa, incluindo anamnese ade quada e o bse rv ação caut elo sa. Acredit amo s que demonstrar receptividade e compreensão seja fundamental, mais do que meramente encaminhar o paciente ao psiquiatra.

Reiteramos que a cirurgia nestes casos frequentemente acarretará resultados insatisfatórios para ambas as partes, podendo, inclusive, gerar desfechos judiciais.

No que tange aos tratamentos adequados, estão indicados os inibidores da recaptação de serotonina e terapia cognitivo comportamental, de acordo com a gravidade do quadro.

Como outras considerações, defendemos que mais estudos sejam necessários com o objetivo de facilitar o diagnóstico e padronizar as condutas. Além disso, acreditamos que seja necessário estimar a real prevalência da psicopatologia na população, o que poderia implicar redução de procedimentos cirúrgicos desnecessários, bem como redução dos desfechos judiciais.

Finalmente, do ponto de vista legal, cabe ao médico se resguardar de possíveis problemas envolvendo o resultado de sua cirurgia e da insatisfação de um paciente com TDC. Para tanto, deverá lançar mão dos mais variados recursos, considerando que não há leis e nem condutas bem definidas que orientam uma disputa judicial entre o paciente com TDC e seu médico.

COLABORAÇÕES

MTD Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, conceitualização, redação - preparação do original, redação - revisão e edição. MPDC Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, gerenciamento do projeto, redação - preparação do original, redação - revisão e edição. LDC Redação - preparação do original, redação - revisão e edição. GVD Redação - preparação do original, redação - revisão e edição. AAS Redação - preparação do original, redação - revisão e edição. LVD Redação - preparação do original, redação - revisão e edição. LDC Redação - preparação do original, redação - revisão e edição. YMO Redação - preparação do original, redação - revisão e edição.

REFERÊNCIAS

  • 1.
    Renshaw DC. Body dysmorphia, the plastic surgeon and the psychiatrist. Psychiatr Times. 2003;20(7):64-6.
  • 2.
    Morsellini E. Sulla dismorfofobia e sulla tafefobia. Boll Accad Sci Med Genova. 1886;6:110-9.
  • 3.
    Pitanguy I, Jaimovich CA, Schvartz S. Avaliação de aspectos psicológicos e psiquiátricos em cirurgia plástica. Rev Bras Cir. 1976;66(3/4):115-25.
  • 4.
    D’Assumpção EA. Dismorfofobia ou Complexo de Quasímodo. Rev Bras Cir Plást. 2007;22(3):183-7.
  • 5.
    American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed. Washington: American Psychiatric Publishing; 2013. PMID: 29261891
  • 6.
    Jakubietz M, Jakubietz RJ, Kloss DF, Gruenert JJ. Body dysmorphic disorder: diagnosis and approach. Plast Reconstr Surg. 2007;119(6):1924-30. PMID: 17440376 DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000259205.01300.8b
    » https://doi.org/10.1097/01.prs.0000259205.01300.8b
  • 7.
    Crerand CE, Menard W, Phillips KA. Surgically minimally invasive cosmetic precedures among persons with body dysmorphic disorder. Ann Plast Surg. 2010;65(1):11-6. DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bba08f
    » https://doi.org/10.1097/SAP.0b013e3181bba08f
  • 8.
    Sweis IE, Spitz J, Barry DR Jr, Cohen M. A Review of Body Dysmorphic Disorder in Aesthetic Surgery Patients and the Legal Implications. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(4):949-54. DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
    » https://doi.org/10.1007/s00266-017-0819-x
  • 9.
    Crerand CE, Franklin ME, Sarwer BD. Body dysmorphic disorder and cosmetic surgery. Plast Reconstr Surg. 2006;118(7):167e-80e.
  • 10.
    Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Cirurgia Plástica no Brasil [Internet] [acesso 2014 Jun 29]. Disponível em: http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-content/uploads/2012/11/pesquisa2009.pdf
    » http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-content/uploads/2012/11/pesquisa2009.pdf
  • 11.
    Bellino S, Zizza M, Paradiso E, Rivarossa A, Fulcheri M, Bogetto F. Dysmorphic concern symptoms and personality disorders: a clinical investigation in patients seeking cosmetic surgery. Psychiatry Res. 2006;144(1):73-8. PMID: 16914206 DOI: https://doi.org/10.1016/j.psychres.2005.06.010
    » https://doi.org/10.1016/j.psychres.2005.06.010
  • 12.
    Mackley CL. Body dysmorphic disorder. Dermatol Surg. 2005;31(5):553-8. DOI: https://doi.org/10.1097/00042728-200505000-00011
    » https://doi.org/10.1097/00042728-200505000-00011
  • 13.
    Aouizerate B, Pujol H, Grabot D, Faytout M, Suire K, Braud C, et al. Body dysmorphic disorder in a sample of cosmetic surgery applicants. Eur Psychiatric. 2003;18(7):365-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02.001
    » https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2003.02.001
  • 14.
    D’Assumpção EA. Convivendo com perdas e ganhos. Belo Horizonte: Fumarc; 2004.
  • 15.
    D’Assumpção EA. Auto-imagem & auto-estima. Belo Horizonte: Fumarc; 2006.
  • 16.
    Kalaf J, Fontenelle LF, Mendlowicz MV, Miotto RR, Versiani M. Obsessão ou delírio? Descrição fenomenológica de um paciente com transtorno dismórfico corporal. J Bras Psiquiatr. 2004;53(5):281-5.
  • 17.
    Gruber M, Jahn R, Stolba K, Ossege M. “Das Barbie Syndrom”. Ein Fallbericht über die Körperdysmorphe Störung. Neuropsychiatrie. 2018;32(1):44-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-2
    » https://doi.org/10.1007/s40211-017-0241-2
  • 18.
    Savoia MG. Diagnóstico diferencial entre fobia social e transtorno dismórfico corporal. Rev Psiq Clín. 2000;27(6):[aproximadamente 4 p.].
  • 19.
    Phillips KA. What a physicians need to know about body dismor-phic disorder. Med Health R I. 2006;89(5):175-7.
  • 20.
    Veale D, Ellison N, Werner TG, Dodhia R, Serfaty MA, Clarke A. Development of a Cosmetic Procedure Screening Questionnaire (COPS) for Body Dysmorphic Disorder. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2012;65(4):530-2. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2011.09.007
    » https://doi.org/10.1016/j.bjps.2011.09.007
  • 21.
    Amâncio EJ, Magalhães CCP, Santos ACG, Peluso CM, Pires MFC, Peña-Dias AP. Tratamento do transtorno dismórfico corporal com venlafaxina: relato de caso. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(3):141-3. DOI: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000300008
    » https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000300008

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2018
  • Aceito
    10 Fev 2019
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Rua Funchal, 129 - 2º Andar / cep: 04551-060, São Paulo - SP / Brasil, Tel: +55 (11) 3044-0000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbcp@cirurgiaplastica.org.br