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Aplicação sistêmica de fármacos para reestenose: eficácia, toxicidade e outras implicações

Systemic drug delivery for restenosis: efficacy, toxicity and everything in between

EDITORIAL

Aplicação sistêmica de fármacos para reestenose: eficácia, toxicidade e outras implicações

Systemic drug delivery for restenosis: efficacy, toxicity and everything in between

Yoram Richter

Biorest Ltd. - Yavneh, Israel

Correspondência Correspondência: Yoram Richter 42 Hayarkon St - Northern Industrial Park Yavneh 81227 - Israel E-mail: yrichter@biorest.co.il

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Chamié et al.1 relatam o primeiro estudo que avalia a administração intracoronária de nanopartículas de paclitaxel para supressão de hiperplasia intimal após implante de stent não-farmacológico. Apesar do uso de doses relativamente elevadas, esse método foi bem tolerado por todos os pacientes, sem relatos de efeitos tóxicos significativos. Infelizmente, a hiperplasia intimal não pareceu ser suprimida; a perda tardia (objetivo primário) e o porcentual de obstrução volumétrica intrastent, obtido pelo ultrassom intracoronário, foram de 0,84 mm e 38,4%, respectivamente, compatíveis com o que se espera dos stents metálicos convencionais. A falta de um grupo controle para referência e o pequeno tamanho da amostra do estudo (n = 11) são limitações óbvias, mas mesmo tendo essas observações em mente a conclusão de que esse método não é muito promissor parece inevitável.

O que devemos fazer com esse insucesso? Que conclusões podemos tirar em relação ao uso do paclitaxel para a supressão da hiperplasia neointimal? O que esse estudo implica para o conceito mais generalizado de administração sistêmica de fármacos para prevenção de reestenose? E, finalmente, o que podemos concluir disso em relação aos stents farmacológicos? Não há dúvida de que, com base em uma pequena e única experiência como essa, não se deva supervalorizar as conclusões, embora algumas ideias interessantes nos venham à mente.

Os autores citam a farmacocinética da administração sistêmica única, em comparação com a liberação lenta do stent, como possível desvantagem. Entretanto, o recente sucesso da administração de paclitaxel por balões farmacológicos2 parece demonstrar que uma única administração de paclitaxel pode dar certo. O paclitaxel é um composto altamente hidrofóbico. Como tal, tende a "permanecer onde é colocado".3 Por essa razão, diferentes métodos de administração de paclitaxel dentro da parede do vaso parecem apresentar eficácia semelhante. No caso relatado, entretanto, o composto não foi administrado diretamente na parede do vaso, como acontece com os stents farmacológicos ou até mesmo com os balões farmacológicos, e sim de forma sistêmica. Isso nos leva a questionar quais seriam os níveis reais do fármaco na parede do vaso? A dose total do paclitaxel administrada nesse estudo foi de 70 mg/m2, aproximadamente três vezes maior que a observada com o stent Taxus. Fica evidente que, ao se utilizar a administração sistêmica, os níveis totais de medicamento podem diferir muito, dependendo de clearance, absorção, ligação, convecção, etc. Ao se administrar paclitaxel utilizando nanopartículas, isso se torna ainda mais complicado. Existem fortes indícios de que mesmo com a administração sistêmica as concentrações tissulares sejam simplesmente inadequadas para gerar a eficácia desejada.

Isso nos leva a uma discussão mais generalizada sobre a aplicação sistêmica. Qual deve ser a ênfase ao se administrar medicamentos dessa forma? Deve ser a dose total ou os valores tissulares locais? A resposta depende do alvo do fármaco. Paclitaxel é um potente antiproliferativo. Sua eficácia na inibição de hiperplasia neointimal resulta de sua capacidade para evitar a migração e a proliferação de células musculares lisas. Portanto, o alvo do paclitaxel, quando administrado para essa indicação específica, é necessariamente localizado na região da lesão vascular gerada durante a angioplastia. Por outro lado, seu perfil de toxicidade, que pode ser considerável, é determinado pela exposição sistêmica. A disparidade entre o mecanismo localizado de eficácia e o mecanismo sistêmico de toxicidade nos faz questionar se esse seria o candidato ideal para inibição da hiperplasia intimal.

Essa discussão não pode e não deve ser generalizada para todos os medicamentos sistêmicos. Embora seja um processo localizado, a hiperplasia neointimal tem uma complexa interação com vários fatores sistêmicos que podem afetar o resultado final. Consideremos, por exemplo, os níveis lipídicos, a imunossupressão e a atividade plaquetária, entre outros. Esses fatores, que demonstraram ter efeito sobre a hiperplasia neointimal, são sistêmicos e, portanto, por sua própria natureza, somente podem ser afetados por medicamentos sistêmicos, embora até o momento sejam ineficazes em termos de resultado clínico final.

Existem ainda outros fatores com manifestações sistêmicas e locais. A inflamação é um exemplo clássico. A presença de diferentes ondas de células inflamatórias no local da lesão vascular tem sido tema de pesquisa intensa há muitos anos. Na verdade, supostas propriedades anti-inflamatórias de alguns medicamentos utilizados nos stents farmacológicos já foram analisadas em profundidade. Ao mesmo tempo, a inflamação causada pelo uso do stent também demonstrou claramente ter um componente sistêmico, com ativação da imunidade sistêmica inata como resposta à lesão vascular local.4 Portanto, qualquer medicamento que procure inibir a hiperplasia neointimal por meio de suas propriedades anti-inflamatórias também deve levar em conta o componente sistêmico. Uma interessante combinação é representada pelos medicamentos de administração sistêmica, mas com capacidade de localizar o sítio de lesão. Isso pode decorrer das diferentes propriedades que esses medicamentos especiais possuem, como a "busca" por superfícies endoteliais alteradas, proteínas de ligação ou, até mesmo, superfície dos stents.5

O que podemos, por fim, aprender com essa experiência com stents farmacológicos? Como Chamié et al.1 corretamente indicam, há muito interesse, atualmente, por polímeros alternativos, por novos materiais para a confecção de stents e até mesmo por desenhos inovadores de stents como forma de reduzir a toxicidade. Isso é compreensível, já que esses parâmetros podem ser alterados com relativa facilidade, sem ônus aparente para a eficácia. Ao mesmo tempo, devemos considerar o papel do medicamento em si. Esses medicamentos, e certamente o paclitaxel, em sua maioria, têm indicações oncológicas clássicas. Nessas indicações oncológicas, eficácia quer dizer toxicidade. Assim, se nos concentrarmos nessas classes de medicamentos, isso significa que toxicidade e eficácia andarão lado a lado. Quando a administração for local, como acontece com o stent ou o balão, a toxicidade será localizada, podendo ser superada, à custa de prolongar significativamente a terapia antiplaquetária dupla e os raros (embora frequentemente catastróficos) casos de trombose tardia do stent. Quando a administração for sistêmica, a toxicidade será sistêmica, que, em geral, é dose-limitante, e, nesse caso, a dose deverá ser diminuída, com possibilidade de redução da eficácia.

O equilíbrio dessas questões provavelmente determinará o futuro da terapia sistêmica para reestenose, assim como das próximas gerações de stents farmacológicos.

CONFLITO DE INTERESSES

O autor é vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento da Biorest, companhia que desenvolve tratamentos anti-inflamatórios sistêmicos para a reestenose.

Recebido em: 25/4/2010

Aceito em: 26/4/2010

  • 1. Chamié D, Abizaid A, Costa Junior JR, Feres F, Gama GT, Belzares O, et al. Aplicação intracoronária de nanopartículas de paclitaxel durante intervenção percutânea para supressão da hiperplasia intimal após implante de stents não-farmacológicos. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2010;18(2):140-50.
  • 2. Waksman R, Pakala R. Drug-eluting balloon: the comeback kid? Circ Cardiovasc Interv. 2009;2(4):352-8.
  • 3. Creel CJ, Lovich MA, Edelman ER. Arterial paclitaxel distribution and deposition. Circ Res. 2000;86(8):879-84.
  • 4. Danenberg HD, Golomb G, Groothuis A, Gao J, Epstein H, Swaminathan RV, et al. Liposomal alendronate inhibits systemic innate immunity and reduces in-stent neointimal hyperplasia in rabbits. Circulation. 2003;108(22):2798-804.
  • 5.Chorny M, Fishbein I, Levy RJ. Stent-targeted delivery of paclitaxel-loaded biodegradable nanoparticles mediated by a uniform field induced magnetization effect inhibits restenosis in the rat carotid model. Circulation. 2008;118:S960-1.
  • Correspondência:

    Yoram Richter
    42 Hayarkon St - Northern Industrial Park
    Yavneh 81227 - Israel
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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