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Insuficiência renal aguda em pacientes com infarto agudo do miocárdio submetidos a angioplastia primária: uma combinação inquietante

EDITORIAL

Insuficiência renal aguda em pacientes com infarto agudo do miocárdio submetidos a angioplastia primária: uma combinação inquietante

Eugenia Nikolsky; Roxana Mehran

Columbia University Medical Center and the Cardiovascular Research Foundation - New York, NY, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Roxana Mehran, MD Columbia University Medical Center and The Cardiovascular Research Foundation 161 Fort Washington Avenue - 5 th Floor New York, NY, USA - 10032 E-mail: rmehran@crf.org

Nos últimos anos, ocorreu enorme progresso na compreensão do modo como a função renal afeta a evolução de pacientes com doença arterial coronária. A insuficiência renal crônica emergiu como um dos mais fortes fatores de risco para mortalidade em pacientes submetidos a intervenções coronárias percutâneas (ICP)1,2. Além disso, o desenvolvimento da insuficiência renal aguda após cateterismo cardíaco e intervenção está associado a sobrevivência marcantemente reduzida e a aumento de eventos adversos3.

Atualmente, é de consenso geral que a ICP primária realizada em hospitais com instalações adequadas é a estratégia de reperfusão mais efetiva para pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM)4. Entretanto, a evolução desses pacientes ainda está fortemente relacionada a várias características clínicas. O estudo de Passos et al.5, publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, enfoca o impacto da função renal no prognóstico de pacientes submetidos a ICP primária no IAM. Utilizando dados colhidos em um período de cinco anos consecutivos, os autores analisaram a incidência, os preditores e o prognóstico de pacientes que desenvolveram falência renal aguda após ICP primária. Esse estudo desencadeou uma série de reações.

Um dos achados mais importantes do estudo é a alta incidência de insuficiência renal aguda em pacientes com IAM tratados com ICP primária na prática clínica diária. Especificamente, cerca de 15% da população estudada desenvolveu falência renal aguda. Explicações plausíveis incluem a alta prevalência de insuficiência renal crônica e de diabetes melito nessa população de pacientes, ambos conhecidos preditores de piora da função renal em pacientes expostos aos meios de contraste. Quando esses dois fatores são combinados, existe uma influência adicional no desenvolvimento de insuficiência renal aguda. Aproximadamente um terço dos pacientes desse estudo era de diabéticos e um décimo tinha creatinina sérica basal superior a 1,5 mg/dl. Se o clearance de creatinina ou a taxa de filtração glomerular tivessem sido utilizados para estimar a função renal basal nesse estudo, o porcentual de pacientes com insuficiência renal teria sido ainda maior. Dada a logística particular da ICP primária em pacientes com IAM, que impede hidratação pré-procedimento adequada - única maneira confiável conhecida de diminuir o dano renal relacionado à exposição aos meios de contraste -, devem ser realizados esforços no sentido de minimizar o volume de contraste usado no procedimento.

Uma observação importante e interessante do referido estudo é o achado de que a ventilação mecânica foi, de fato, o preditor independente mais poderoso de falência renal aguda. Essa constatação nos ajuda a dar um passo à frente na compreensão da patogênese da insuficiência renal aguda em pacientes com IAM. Notadamente, reforça o fato de que a instabilidade respiratória e/ou hemodinâmica é atualmente o mecanismo mais importante de deterioração da função renal nesse grupo de pacientes. Conseqüentemente, o desafio nesses pacientes é alcançar um estado hemodinâmico e respiratório estável dentro de um intervalo o mais curto possível para minimizar o risco de piora da função renal. Embora não analisadas no estudo de Passos et al.5, as complicações hemorrágicas ocorrem com freqüência crescente nas populações de alto risco, especialmente em pacientes com insuficiência renal, causando ou agravando a instabilidade hemodinâmica.

Como esperado, a idade avançada foi preditora independente de falência renal aguda. Isso faz sentido ao levarmos em consideração mudanças da função renal relacionadas à idade, que incluem taxa de filtração glomerular, secreção tubular e habilidade de concentração diminuídas. Além disso, pacientes idosos tipicamente têm uma anatomia vascular e coronária mais complexa, que resulta em volumes de contraste maiores em cada caso.

Em concordância com estudos prévios, a análise de Passos et al.5 chama a atenção para a importante correlação entre desenvolvimento de insuficiência renal aguda e evolução clínica a longo prazo2,6. Especificamente, quase um terço dos pacientes que desenvolveram falência renal aguda na fase hospitalar morreu ou evoluiu com reinfarto. Além disso, o achado de taxas muito altas de diálise (5%) e a relativa baixa sobrevivência livre de eventos no acompanhamento de seis anos são impressionantes.

Apesar de avanços notáveis no tratamento de pacientes com IAM, ainda não existem métodos confiáveis para proteger a função renal nesses pacientes. Dada a grande importância prognóstica negativa da insuficiência renal aguda, futuras investigações devem avaliar novos fármacos e dispositivos capazes de impedir a piora da função renal e melhorar a evolução de pacientes com IAM.

Recebido em: 17/12/2008

Aceito em: 18/12/2008

  • 1. Best PJ, Lennon R, Ting HH, Bell MR, Rihal CS, Holmes DR, et al. The impact of renal insufficiency on clinical outcomes in patients undergoing percutaneous coronary interventions. J Am Coll Cardiol. 2002;39(7):1113-9.
  • 2. Gruberg L, Dangas G, Mehran R, Mintz GS, Kent KM, Pichard AD, et al. Clinical outcome following percutaneous coronary interventions in patients with chronic renal failure. Catheter Cardiovasc Interv. 2002;55(1):66-72.
  • 3. Dangas G, Iakovou I, Nikolsky E, Aymong ED, Mintz GS, Kipshidze NN, et al. Contrast-induced nephropathy after percutaneous coronary interventions in relation to chronic kidney disease and hemodynamic variables. Am J Cardiol. 2005;95(1):13-9.
  • 4. Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Comparison of primary and facilitated percutaneous coronary interventions for ST-elevation myocardial infarction: quantitative review of randomised trials. Lancet. 2006;367(9510):579-88.
  • 5. Passos RL, Siqueira DAA, Silva JFA, Sá FCF, Costa Junior JR, Feres F, et al. Insuficiência renal aguda após intervenção coronária percutânea primária no infarto agudo do miocárdio: preditores e evolução clínica a longo prazo. Rev Bras Cardiol Invas. 2008;16(4):422-8.
  • 6. Sadeghi HM, Stone GW, Grines CL, Mehran R, Dixon SR, Lansky AJ, et al. Impact of renal insufficiency in patients undergoing primary angioplasty for acute myocardial infarction. Circulation. 2003;108(22):2769-75.
  • Correspondência:

    Roxana Mehran, MD
    Columbia University Medical Center and The Cardiovascular Research Foundation
    161 Fort Washington Avenue - 5
    th Floor
    New York, NY, USA - 10032
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008
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