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O ensino de lutas/artes marciais como uma prática de educação libertadora: entremeando círculos de cultura, situações-problema e jogos

The teaching of fights/martial arts as a liberating education practice: interspersing crop circles, situational issues, and games

La enseñanza de lucha/artes marciales como práctica de educación liberadora: intercalando círculos en las cosechas, problemas situacionales y juegos

RESUMO

A inserção das Lutas/Artes Marciais no campo escolar tem sido tema frequente no campo da Educação Física. As obras de Paulo Freire emergem como possibilidade para atuação pedagógica nesse tema. Realizou-se uma pesquisa-formação qualitativa, com observação, análise e reflexão sobre a experiência com três turmas de Ensino Médio de uma escola pública do município de Lavras (Brasil), somando-se 44 horas/aula. Recorreu-se a um diário de bordo para registro. Os resultados apontaram para uma vasta bagagem cultural dos estudantes sobre o assunto. Concluiu-se que o ensino de práticas como essa, numa perspectiva de educação libertadora, pode contribuir com a formação de sujeitos autônomos, com visões ampliadas de mundo.

Palavras-chave:
Lutas; Artes marciais; Pedagogia do esporte; Paulo Freire

ABSTRACT

The insertion of Fights/Martial Arts in the school field has been a frequent theme in the field of Physical Education. Paulo Freire's works emerge as a possibility for pedagogical action in this theme. A qualitative research was carried out, with observation, analysis and reflection on the experience with three high school classes from a public school in the municipality of Lavras (Brazil), adding up to 44 hours/class. A logbook was used for recording. The results pointed to a vast cultural baggage of students on the subject. It was concluded that the teaching of practices like this, in a perspective of liberating education, can contribute to the formation of autonomous subjects, with expanded views of the world.

Keywords:
Fighting styles; Martial arts; Sport pedagogy; Paulo Freire

RESUMEN

La inserción de las Luchas/Artes Marciales en el ámbito escolar ha sido un tema frecuente en el campo de la Educación Física. Las obras de Paulo Freire emergen como una posibilidad de acción pedagógica en esta temática. Se realizó una investigación cualitativa, con observación, análisis y reflexión sobre la experiencia con tres clases de secundaria de una escuela pública del municipio de Lavras (Brasil), sumando 44 horas/clase. Para el registro se utilizó un cuaderno de bitácora. Los resultados apuntaron a un vasto bagaje cultural de los estudiantes sobre el tema. Se concluyó que la enseñanza de prácticas como ésta, en una perspectiva de educación liberadora, puede contribuir a la formación de sujetos autónomos, con visiones ampliadas del mundo.

Palabras-clave:
Luchas marciales; Artes marciales; Pedagogía del deporte; Paulo Freire

INTRODUÇÃO

Este texto traz reflexões sobre a Educação Libertadora de Paulo Freire em diálogo com a Educação Física no Ensino Médio Integral Integrado, especificamente em uma disciplina de Lutas/Artes Marciais (L/AM), em três turmas de uma escola pública de Lavras, Minas Gerais (MG), Brasil. Em busca de uma base forte para pautar nossa ação pedagógica, fomos ao encontro da obra de um dos maiores e mais renomados educadores de nosso país, o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire (1921-1997). Instigados pela sua perspectiva de Educação Libertadora, nos sentimos firmes para ousar, transformar e ressignificar nossas práticas pedagógicas. Caminhando pelas trilhas da educação problematizadora e dialógica, percorremos pelas manifestações das L/AM junto com os e as estudantes do Ensino Médio de uma Escola Pública de Lavras-MG.

Partimos da concepção de que as L/AM se inserem no âmbito da cultura corporal, ou seja, são práticas historicamente importantes e que acompanham os seres humanos ao longo do tempo. Neste contexto, essa perspectiva cultural para a educação física escolar (Betti, 1991Betti M. Educação Física e sociedade: a Educação Física na escola brasileira. São Paulo: Hucitec; 1991.; Coletivo de Autores, 1992Coletivo de Autores. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez; 1992.; Kunz, 1994Kunz E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí; 1994. ; Rufino e Darido, 2013Rufino LGB, Darido SC. Possíveis diálogos entre a educação física escolar e o conteúdo das lutas na perspectiva da cultura corporal. Conexões. 2013;11(1):144-70. http://dx.doi.org/10.20396/conex.v11i1.8637635.
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; So et al., 2020So MR, Rodrigues GS, Prodócimo E. As lutas na educação física escolar: ensaio sobre as práticas das lutas e o discurso de um conteúdo de lutas. Refise. 2020;3:69-84.), aliada ao conhecimento marcial, podem revelar inúmeros benefícios, ampliando a apropriação crítica da cultura dessas práticas.

O processo de ensino e aprendizagem inspirado nas obras de Paulo Freire, que nos dedicamos a apresentar neste texto, não se reduz a um método de ensino de L/AM cuja finalidade seja ensinar a aplicar técnicas e golpes, mas apresentar-se-á como um projeto de reflexão crítica sobre o fenômeno numa sociedade em que todos podem buscar ser mais.

A reflexão na prática pedagógica libertadora, proposta pelo educador Paulo Freire (2005)Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005., compreende que, primeiramente, devemos nos atentar para as peculiaridades dos sujeitos, aqui, educandos e educandas do Ensino Médio. Afinal, esses(as) estudantes são sujeitos históricos, carregam para a escola inúmeros saberes e conhecimentos significativos, apropriados e construídos ao longo de sua trajetória de vida. A valorização desses saberes dialoga com a compreensão freiriana, sobre o “ser mais” e a humanização como vocação verdadeira do ser humano, revelada no anseio por liberdade (Araújo et al., 2017Araújo AC, Nascimento EM, Silva FRA. A perspectiva da formação humana integral de Paulo Freire e suas contribuições para a educação de jovens e adultos. Arq Bras Educ. 2017;5(10):65-84. http://dx.doi.org/10.5752/P.2318-7344.2017v5n10p65.
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).

Freire abraça uma prática educativa cujo intuito é a libertação, a humanização, e se contrapõe à concepção de uma educação bancária que se apoia na contradição educando-educador, oprimido-opressor (Araújo et al., 2017Araújo AC, Nascimento EM, Silva FRA. A perspectiva da formação humana integral de Paulo Freire e suas contribuições para a educação de jovens e adultos. Arq Bras Educ. 2017;5(10):65-84. http://dx.doi.org/10.5752/P.2318-7344.2017v5n10p65.
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). Portanto, o processo de ensino e aprendizagem das L/AM de inspiração freiriana tem como ponto de partida os saberes dos(as) educandos(as), mas não se estagna neles, extrapola-os no sentido de o Ser Humano interpretar essas práticas de forma significativa, de ler o mundo e sua historicidade através do fenômeno das L/AM, ou seja, uma educação que se baseia e se dá pela construção do conhecimento pela dialogicidade e pela práxis (Araújo et al., 2017Araújo AC, Nascimento EM, Silva FRA. A perspectiva da formação humana integral de Paulo Freire e suas contribuições para a educação de jovens e adultos. Arq Bras Educ. 2017;5(10):65-84. http://dx.doi.org/10.5752/P.2318-7344.2017v5n10p65.
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). A “pedagogia do oprimido é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele”, como afirma Freire (2005, pFreire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.. 34).

Na busca de uma prática educativa libertadora, nos pautamos em Álex Pereira, Fábio Reis, Kleber Carneiro e Alcides Scaglia (2021), que, inspirados em Deleuze e Guattari (1980)Deleuze G, Guattari F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34; 1980. , propõem a interação das L/AM como um rizoma. Esses autores propõem refletir e problematizar as várias L/AM atuais, na direção de concebê-las como subprodutos de uma constituição histórica, fruto de várias transformações. Em alguns casos, por fusões de duas ou mais formas de lutar, como, por exemplo, o caso do Ninjutsu Bujinkan, que surgiu da junção de nove Artes Marciais tradicionais japonesas de cultura Samurai e Ninja (Hatsumi, 1988Hatsumi M. Essência do Ninjutsu. Nova York: McGraw-Hill; 1988.), criando uma forma de lutar diferente das anteriores, no entanto, apresentando as nove características, forjando um elemento novo no seio de um rizoma.

O que os autores advogam é que o fenômeno das L/AM não pode ser pensado e ensinado como se suas manifestações fossem estanques e fechadas. Pois os(as) educandos(as) têm conhecimentos e experiências sobre elas, seja pela prática em clubes e academias, seja em razão do acesso pelos múltiplos canais midiáticos, ou mesmo pelos jogos eletrônicos (Anastácio et al., 2022Anastácio BS, Savonitti GA, Oliveira MA, Mocarzel RCS. Jogos eletrônicos, E-Sports e Educação Física: aproximações e distanciamentos. Licere UFMG. 2022;25(1):459-86. http://dx.doi.org/10.35699/2447-6218.2022.39115.
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; Oliveira et al., 2018Oliveira MA, Arakaki E, Savonitti G, Rubio K. O karate nos jogos eletrônicos/digitais: aproximações e distanciamentos. In: Congresso Brasileiro de Jogos Eletrônicos e E-Sports. Anais. Lavras: UFLA; 2018 [citado em 2019 Ago 10]. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/333754894_Karate_in_Electronic_Games_approximations_and_distancing_O_Karate_nos_Jogos_EletronicosDigitais_aproximacoes_e_distanciamentos
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). Ora, se os sujeitos da escola desfrutam de múltiplos conhecimentos e trazem incontáveis experiências, logo, a construção do planejamento e do desenvolvimento das propostas também deve seguir essa perspectiva (Pereira et al., 2021Pereira AS, Reis FPG, Carneiro KT, Scaglia AJ. Pedagogia das Lutas/Artes Marciais: do ambiente de jogo a sistematização do ensino. Curitiba: Publishing Brazil; 2021.). Compreendemos que a imagem do rizoma das L/AM se converte numa poderosa ferramenta para pensarmos um processo de ensino e aprendizagem que subverta a educação bancária.

Para Freire (2005), aFreire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005. libertação, a busca pela humanização e a emancipação acontecem pela comunhão dos seres humanos mediatizados pelo mundo. Dessa forma, há, nessa proposta de ensino de L/AM, uma relação dialógica permanente, em que educador(a) e educando(a), juntos, atuam para desvelar e recriar a realidade. Essa prática pedagógica humanizadora contrapõe-se à educação bancária, em que o(a) professor(a) se empenha para demonstrar as técnicas e golpes de forma desconectada e descontextualizada, objetivando, em última instância, “encher” corporalmente de movimentos os(as) educandos(as), fazendo-os(as) memorizar, de forma mecânica, o que foi demonstrado.

Compreendemos que o conteúdo programático para o ensino das L/AM na Educação Básica deve, então, refletir as aspirações dos educandos e educandas, partindo de uma perspectiva rizomática que nos permite construir um conteúdo programático aberto, sobretudo, por ser uma aposta na multiplicidade (Pereira et al., 2021Pereira AS, Reis FPG, Carneiro KT, Scaglia AJ. Pedagogia das Lutas/Artes Marciais: do ambiente de jogo a sistematização do ensino. Curitiba: Publishing Brazil; 2021.).

O ensino de L/AM torna-se significativo, pois também contribui para que educandos e educandas reflitam não apenas sobre as Lutas/Artes Marciais, mas sobre sua posição no mundo. Sobre o mundo mesmo, na medida em que esse saber se torna um significado permanente do conhecimento do mundo deflagrado pelo movimento (Saura, 2014Saura SC. O imaginário do lazer e do lúdico anunciado em práticas espontâneas do corpo brincante. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2014;28(1):163-75. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-55092013005000015.
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). Então, vê-se o poder de transformar as L/AM e o mundo. Sobre o encontro das várias manifestações de L/AM com o mundo. Reflexão sobre o próprio aprendizado nas L/AM, que deixa de ser algo externo ao ser humano, para ser dele mesmo. Para sair de dentro de si, em relação com o mundo, como uma criação (Brandão, 2017Brandão CR. O que é o método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense; 2017.; Pereira, 2023Pereira AS. Por uma educação física da pergunta: um curso de formação encorajador de voos pelas lutas/artes marciais e Paulo Freire [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2023.). Compreendemos, assim como Paulo Freire, que a leitura do mundo precede à leitura da palavra, e a leitura da palavra só faz sentido se ampliar a visão de mundo (Freire, 1989Freire P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados - Cortez; 1989.). Logo, o aprendizado de L/AM faz sentido se essas ampliarem a visão de mundo e de sociedade que os(as) estudantes têm pertencimento.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Neste estudo sobre a integração do ensino de lutas e artes marciais em uma abordagem educacional libertadora, inspirada na filosofia de Paulo Freire, adotou-se uma metodologia qualitativa com ênfase na observação participante, análise reflexiva e engajamento dialógico. O objetivo foi compreender como a incorporação dessas práticas no contexto educativo pode fomentar a formação de indivíduos autônomos e críticos. Como procedimento metodológico dessa investigação, adotamos como enfoque a pesquisa-formação. Com origem na pesquisa-ação, a pesquisa-formação almeja o engajamento efetivo dos(as) pesquisadores(as) na transformação tanto individual quanto coletiva. Essa perspectiva encontra embasamento na dialética histórica e no conceito de práxis, proposto por Marx. Essa abordagem filosófica não se limita à interpretação do mundo, mas busca sua transformação, estabelecendo uma intrincada relação entre prática-teoria-prática (Bragança, 2012Bragança IFS. Histórias de vida e formação de professores: diálogos entre Brasil e Portugal. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2012. 312 p. http://dx.doi.org/10.7476/9788575114698.
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).

A observação participante constituiu um elemento-chave da metodologia, envolvendo uma imersão direta no ambiente escolar. Em um total de 44 horas de aula, distribuídas em três turmas do Ensino Médio, o pesquisador participou ativamente do processo de ensino-aprendizagem. Durante a análise das aulas, recorreu-se a um diário de bordo, no qual foram registradas as percepções obtidas. Esse procedimento é corroborado por Porlán e Martín (1997, pPorlán R, Martín J. El diário del profesor. Sevilla: Díada Editora; 1997.. 20), afirmando-nos que: “O diário de bordo é um guia para reflexão que favorece ao professor a consciência sobre seu processo de evolução e sobre seus modelos de referência”. Os autores destacam, ainda, que o diário é uma fonte em que se reconhecem os problemas e, por eles, a compreensão da complexidade da realidade.

Esta abordagem permitiu um entendimento aprofundado das interações, comportamentos e percepções dos educandos e educandas em relação ao conteúdo das L/AM. Complementando a observação e o diário de bordo, foram realizados diálogos e círculos de cultura, espaços de discussão e reflexão coletiva. Nesses encontros, os educandos e educandas compartilharam suas experiências e perspectivas sobre as L/AM, promovendo um rico intercâmbio de ideias. Esse método dialógico fortaleceu a compreensão mútua e incentivou uma aprendizagem mais significativa, alinhada com os princípios da educação libertadora.

A análise de conteúdo dos dados coletados nas observações e nos círculos de cultura foi outro passo crucial. Esta análise buscou identificar padrões, temas recorrentes e mudanças na compreensão dos estudantes, visando entender como o processo educativo influenciava suas capacidades de pensamento autônomo e crítico, além de sua compreensão cultural. Por fim, a reflexão e autoavaliação contínua, tanto por parte dos estudantes quanto do pesquisador, foram fundamentais. Este aspecto permitiu ajustes e aprimoramentos nas práticas pedagógicas, assegurando alinhamento com os princípios da educação libertadora e a relevância para as necessidades e interesses dos educandos e educandas. A integração do conteúdo com o contexto local e as representações midiáticas das L/AM também desempenhou um papel vital, proporcionando uma abordagem educacional holística e contextualizada.

PROCESSO DE ENSINO

A disciplina de L/AM faz parte do Ensino Médio Integral Integrado, no qual o currículo é composto por algumas disciplinas a mais que as tradicionais do Ensino Médio. A disciplina de L/AM se iniciou em fevereiro de 2018, teve duração de um ano em três turmas do Ensino Médio Integral Integrado, sendo realizados dois encontros semanais de 50 minutos com cada turma. O presente trabalho traz um recorte do trabalho em que a primeira ação realizada foi um Círculo de Cultura, que para Brandão (2017, pBrandão CR. O que é o método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense; 2017.. 81),

A partir da crítica formulada por Paulo Freire a respeito do que ele denominou de “educação bancária”, o círculo de cultura dispõe as pessoas ao redor de uma “roda de pessoas”, em que visivelmente ninguém ocupa um lugar proeminente.

Esse foi o ponto de partida para a construção de uma metodologia problematizadora, criando um espaço centrado na possibilidade de participações livres e igualitárias e buscando a autonomia dos sujeitos de forma crítica, criativa e consciente de se refletir sobre as manifestações das L/AM. As conversas do Círculo constituem a investigação temática e têm como objetivo o levantamento dos conhecimentos dos grupos sobre o assunto, ou sobre como a realidade é codificada pelo coletivo (Freire, 2005Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.).

Logo nas primeiras discussões, percebemos que os educandos e educandas se expressavam livremente, e que compreendiam as L/AM de forma ampla, ou seja, não entendiam essas práticas apenas como aplicação de técnicas e golpes de forma descontextualizada. Ao questionarmos sobre o que eram as L/AM, tivemos uma discussão muito diversa. Foram levantados pontos sobre as filosofias, a história, relações de gênero e sexualidade, comparação entre briga (violência) e as lutas (respeito), dentre outros. Observamos que os(as) educandos(as) compreendiam o conteúdo como uma manifestação cultural ampla e diversa. Após os debates iniciais, algumas temáticas emergiram como interesse de discussão dos grupos: “Lutas/Artes Marciais em Lavras” e “Métodos de Ensino das Lutas/Artes Marciais”.

Assim, compreender como as L/AM se desenvolviam social e culturalmente na cidade de Lavras foi o próximo passo da discussão. Para tanto, separamos as turmas em quatro grupos para que pudessem buscar informações da cidade e depois compararmos e discutimos as informações encontradas. Essa ação teve como objetivo descodificar a realidade, ou seja, desvelar o que estava oculto sobre o assunto, a fim de ampliar a leitura de mundo (Freire, 2005Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.).

Decorrido o tempo de pesquisa, os grupos retornaram com as informações para debatermos em um novo Círculo de Cultura e para que, juntos, realizássemos uma leitura de mundo ampliada a partir dos diferentes olhares (Freire, 1992Freire P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992.). Nesse novo espaço de discussão, com as novas informações recolhidas, buscamos problematizar o tema a partir da compreensão dos educandos e educandas sobre as manifestações das L/AM em Lavras-MG, sobre os espaços disponíveis, os(as) professores(as), questões econômicas que interferem na realização (ou não) dessas práticas corporais, dentre outros. Baseados nas informações adquiridas pelos(as) educandos(as), o debate nos direcionou para a compreensão da existência de alguns Projetos Sociais em Lavras em relação às L/AM: projeto “Karatê para Todos” realizado no Campus da Universidade Federal de Lavras (UFLA), gratuito e realizado em formato de Projeto de Extensão da Universidade; projetos de Karatê e de Capoeira organizados em alguns CRAS – Centro de Referência de Assistência Social – da prefeitura, que também poderiam ser acessados gratuitamente.

Sobre o assunto dos espaços, a discussão no Círculo de Cultura levantou uma questão relevante: a quase inexistência de espaços públicos para prática de L/AM na cidade fora desses projetos de maneira gratuita. Essa reflexão foi imperativa para chegarmos à percepção da ausência de espaços públicos e gratuitos para práticas corporais de qualquer espécie na cidade. Em Lavras, existe a SELT (Secretaria de Esporte Lazer e Turismo), que administra uma praça de esporte e lazer com várias quadras esportivas, entretanto, em análise, os educandos e educandas afirmaram que ela é pouco frequentada por eles(as), pois a localidade na cidade, somada aos horários de ônibus, impossibilitam que possam usufruir do espaço, ou seja, para poderem participar de alguma prática corporal para o lazer, para saúde e outros, é necessário pagar para ter acesso a algum clube ou academia privada da cidade.

Após essa constatação, a problematização se estabeleceu em relação aos investimentos (ou a falta deles) do poder público em quanto às questões estruturais voltadas à realização de práticas corporais, mais especificamente as esportivas. Os educandos e educandas manifestaram sua indignação ao perceberem essa característica da cidade. Nesse momento da discussão em que começamos a perceber o descontentamento e a construção de uma tomada de consciência coletiva, vamos ao encontro de Paulo Freire, quando o autor afirma que:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade de libertação? (Freire, 1974, pFreire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1974.. 32).

Os e as estudantes da escola em questão são da classe trabalhadora, estão em uma escola que fica na periferia da cidade. As reflexões no Círculo de Cultura transcenderam os locais de prática de Lutas/Artes Marciais de sua cidade para o tratamento dispensado aos cidadãos e cidadãs da classe trabalhadora no contexto das periferias dessa cidade. A análise profunda do “tecido social” e das relações opressivas que dele emergem, no contexto da prática educativa, parece o início de uma nova perspectiva para os rumos da educação libertadora (Brandão, 2017Brandão CR. O que é o método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense; 2017.).

Além desse assunto, os educandos e educandas demonstraram interesse em compreender formas de aprender as Lutas/Artes Marciais, o segundo tema levantado, que fossem além dos treinamentos tradicionais. Em suas compreensões, esses treinamentos necessitariam de espaços e equipamentos adequados, os quais, nesse momento, não vislumbravam que conseguiriam obter para essa prática.

Construímos em comunhão uma sequência de aulas com o objetivo de tematizar e problematizar algumas perspectivas de ensino de L/AM. As aulas que se seguiram foram desenvolvidas em unidades de três encontros e aconteceram da seguinte forma: Primeiro Encontro: apresentação e problematização de uma L/AM específica escolhida pelos educandos e educandas em diálogo com o professor. Foram elas: Jiu-Jítsu, Karatê-do e Esgrima; Segundo Encontro: jogos de oposição de acordo com situações-problema que ajudassem a direcionar aprendizados para a Luta/Arte Marcial que havia sido tematizada na aula anterior; Terceiro Encontro: Círculo de Cultura com abordagem de temas que emergiram das duas aulas realizadas anteriormente.

Essa organização de encontros foi necessária devido à pouca compreensão que alguns(mas) estudantes tinham em relação à lógica tática e técnica das L/AM. Na investigação temática realizada no início do semestre, percebemos que uma quantidade considerável dos educandos e educandas não havia vivenciado ou estudado L/AM de forma efetiva o suficiente para compreender como se dá a lógica dessas práticas corporais. Sendo assim, foi importante apresentar e discutir com os(as) aprendentes as diferentes formas de lutar.

Também consideramos o grande pipocar de questões e temas geradores que emergiam das discussões dentro dos dois primeiros encontros, para os diálogos no terceiro encontro, que foi organizado de forma que não deixasse que as discussões fugissem totalmente dos objetivos da aula, mas também que essas questões que emergiam não se perdessem, não fossem desconsideradas para serem refletidas e debatidas pelo grupo. Sendo assim, quando um tema surgia nas duas primeiras aulas e percebíamos que merecia um espaço de reflexão mais aprofundada, nós o capturávamos e levávamos para o Círculo de Cultura do terceiro encontro.

Em algumas das unidades, o número de encontros foi diferente de três, pois em diálogo com os educandos e educandas, decidimos ampliar para atender aos interesses e necessidades dos grupos. Para não ficarmos presos ao método e termos liberdade para transformação das possibilidades de aprendizado, o número de aulas em cada encontro pôde ser alterado, por exemplo, quando chegávamos ao fim de uma das aulas de jogos de oposição, conversávamos e decidíamos se faríamos mais uma aula de jogos ou se partiríamos para o Círculo de Cultura. Assim também eram os Círculos de Cultura: se ao fim do encontro os grupos acreditassem que a discussão deveria continuar para mais um momento, assim o fazíamos.

OS PRIMEIROS ENCONTROS

Nos Primeiros Encontros, os educandos e educandas expunham as pesquisas que haviam sido solicitadas anteriormente sobre as compreensões que haviam constituído sobre a historicidade e a lógica de luta das L/AM estudadas uns para os outros. Em conjunto com o professor, os educandos e educandas apresentavam as ações técnicas e táticas básicas da modalidade em gestos e por meio de vídeos.

Os educandos e educandas eram incentivados a fazer perguntas uns para os outros, e o professor construía problematizações para que, em comunhão com os sujeitos estudantes, desvelassem algumas características das L/AM apresentadas. Ressaltamos, assim como Pereira (2023), aPereira AS. Por uma educação física da pergunta: um curso de formação encorajador de voos pelas lutas/artes marciais e Paulo Freire [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2023. necessidade de o professor ter intenção pedagógica, ou seja, sistematizar os ambientes de aprendizagem junto aos educandos e educandas, considerando suas motivações e desejos, levar em conta o que os eles e elas já conheciam sobre L/AM, as especificidades de cada faixa etária e segmento de ensino, diversidade, sexualidade, bem como os aspectos históricos, culturais, técnico-táticos, assim como aspectos socioeducativos.

OS SEGUNDOS ENCONTROS

Os Segundos Encontros objetivavam a compreensão da lógica de luta e as possibilidades de construção de conhecimentos utilizando situações-problema com jogos de oposição. As “situações-problema” referem-se a um processo de ensino que coloca os educandos e educandas diante de desafios ou problemas práticos a serem resolvidos através das práticas corporais. Inspiramo-nos em Pereira (2023)Pereira AS. Por uma educação física da pergunta: um curso de formação encorajador de voos pelas lutas/artes marciais e Paulo Freire [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2023. e Pereira et al. (2021)Pereira AS, Reis FPG, Carneiro KT, Scaglia AJ. Pedagogia das Lutas/Artes Marciais: do ambiente de jogo a sistematização do ensino. Curitiba: Publishing Brazil; 2021., que quando discutem sobre a ideia de uma Educação Física da pergunta, os autores afirmam que o trato das L/AM por jogos de oposição e situações-problema está alinhado com abordagens educacionais mais interativas, que enfatizam o aprendizado baseado em experiências, a resolução de problemas e o pensamento crítico, o que se alinha à pedagogia freiriana, que constrói a ideia de uma Educação Problematizadora e Emancipatória.

Dessa forma, refletimos sobre várias possibilidades de se praticar as L/AM e seus gestos como forma de expressão da linguagem com a utilização de problematizações por parte do professor e por parte dos(as) aprendentes. Para Paulo Freire (1985, pFreire P. Extenção ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1985.. 51), “A existência humana é, porque se faz perguntando, a raiz da transformação do mundo. Há uma radicalidade na existência, que é a radicalidade do ato de perguntar”. Segundo o autor, a problematização da situação concreta permite compreender a “estrutura profunda” da realidade pela forma como é codificada, ou seja, possibilita a descodificação da realidade, ultrapassando a “estrutura superficial” por meio de uma análise mais crítica da realidade estudada (Freire, 1981Freire P. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1981.).

As aulas seguintes foram construídas nessa perspectiva problematizadora, partindo da premissa de que as L/AM não precisam ser aprendidas especificamente a partir de suas técnicas sistematizadas, mas também de processos que possibilitem uma construção mais crítica e criativa sobre a lógica de luta. Nas aulas utilizamos o material de Pereira et al. (2021)Pereira AS, Reis FPG, Carneiro KT, Scaglia AJ. Pedagogia das Lutas/Artes Marciais: do ambiente de jogo a sistematização do ensino. Curitiba: Publishing Brazil; 2021., que, baseados no trabalho de Rufino (2012)Rufino LGB. A pedagogia das lutas: caminhos e possibilidades. Jundiaí: Paco Editorial; 2012. e Scaglia e Gomes (2011)Scaglia AJ, Gomes MSP. Projeto de extensão crescendo com as lutas. Limeira: FCA/UNICAMP; 2011. , desenvolveram uma classificação de lutas pautada no contato entre os oponentes, a saber: Lutas de contato contínuo; Lutas de contato intermitente ; Lutas de contato mediado por implemento fixo; Lutas de contato mediado por implementos de lançamento; e Lutas de contatos mistos.

O processo de ensino trabalhado parte de situações-problema e busca dar “escuta” aos aprendizados e conhecimentos que crianças e jovens trazem às aulas. Ao invés de, “já de cara”, ensinar como se faz uma torção no Jiu-Jítsu, um soco do Karatê ou um ataque de espada da Esgrima, o objetivo é que os próprios educandos e educandas construam técnicas e táticas eficazes para solucionar os problemas colocados nos jogos de oposição – isso acaba por ser uma maneira eficaz para motivar os educandos e educandas a virem praticar L/AM fora do campo escolar (Oliveira et al., 2017Oliveira MA, Santos SLC, Zimmermann AC. A influência dos jogos de oposição na motivação de escolares a virem praticar lutas/esportes de combate. In: XIV Seminário de Educação Física Escolar. Anais. São Paulo: USP; 2017.; Oliveira e Santos, 2017Oliveira MA, Santos SLC. Educação com jogos de oposição: uma análise sobre sua influência na motivação de alunos a virem a praticar lutas/esportes de combate. Educ Ling. 2017;20:95-105.; Pereira, 2023Pereira AS. Por uma educação física da pergunta: um curso de formação encorajador de voos pelas lutas/artes marciais e Paulo Freire [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2023.).

Ou seja, eles(as) não absorvem simplesmente uma técnica de uma ou outra modalidade, mas constroem esse elemento em conjuntos com os(as) colegas e o professor. É possível que as técnicas construídas e desenvolvidas por eles(as) tenham um significado em suas aprendizagens muito mais significativo do que apenas reproduzir o que já existe (Pereira, 2018Pereira AS. Livro-experiência para o ensino-aprendizagem das lutas na educação física do ensino fundamental e ensino médio [dissertação]. Lavras: Universidade Federal de Lavras; 2018. ) e, assim, sentem-se também parte ativa no processo de ensino e aprendizado, que é construído conjuntamente entre educador(a) e educando(a). Ampliar a visão sobre esse tema ajuda na incorporação dessas práticas (Rufino e Darido, 2013Rufino LGB, Darido SC. Possíveis diálogos entre a educação física escolar e o conteúdo das lutas na perspectiva da cultura corporal. Conexões. 2013;11(1):144-70. http://dx.doi.org/10.20396/conex.v11i1.8637635.
http://dx.doi.org/10.20396/conex.v11i1.8...
).

OS TERCEIROS ENCONTROS

Com o tema decidido nos encontros anteriores, definíamos um material que podia ser filme, documentário, vídeo, texto acadêmico, texto narrativo, poesia, música, dentre outras possibilidades, para nos ajudar a direcionar a problematização e a reflexão. As discussões buscavam ampliar a leitura de mundo dos(as) educandos(as) e superar as situações-limites, que são aquelas que impedem a pessoa de ser mais, levantadas pelo professor na busca de inéditos viáveis e da conscientização crítica. Trazemos para a reflexão três Círculos de Cultura realizados.

Um deles tratou sobre “O lugar da mulher nas Lutas/Artes Marciais”. Esse tema emergiu no encontro de Jiu-Jítsu e de Jogos de Contato Contínuo, quando foi mencionado algumas vezes sobre mulheres que praticam essa modalidade e sobre a defesa pessoal para mulheres. Para descodificarmos e problematizarmos o tema, foi escolhido o filme Menina de Ouro1 1 Filme dirigido por Clint Eastwood, com lançamento em 2005. , que apresenta a história de uma mulher que começa a praticar o Boxe em um ambiente extremamente machista.

Outro Círculo de Cultura foi constituído sobre a “Cultura Midiática e as Lutas/Artes Marciais”. Esse tema apareceu no encontro de Karatê, em que o professor trouxe as controvérsias dos treinamentos apresentados nos filmes Karatê Kid2 2 Filme dirigido por John G. Avildsen, com lançamento em 1984. e a realidade dos treinamentos e formas de lutar dos vários estilos de Karatê. Para realizarmos as discussões desse tema, utilizamos um texto adaptado pelo professor, da monografia Filmes de Artes Marciais e a Construção da Realidade, de Guilherme Latini Alonso (2016)Alonso GL. Filmes de luta e a construção da realidade. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2016., que desenvolve uma reflexão sobre as representações midiáticas das L/AM. O autor analisou os movimentos e mudanças que se desdobraram com representações durante o desenvolvimento desse nicho cinematográfico e suas repercussões nas práticas de L/AM.

Um terceiro Círculo de Cultura se desenvolveu em relação ao “Fenômeno Esportivo e as Lutas/Artes Marciais”, tema que foi levantado no encontro de Esgrima, em que os(as) estudantes estavam apresentando a historicidade da modalidade e todas as transformações que sofreu até estar nos moldes atuais, como uma modalidade esportiva de combate. Como ponto de partida para as discussões, assistimos ao documentário Os Gracies e o Nascimento do Vale-Tudo, que apresenta a criação do Jiu-Jítsu brasileiro com os patriarcas Carlos e Hélio, do auge do esporte até a criação do UFC (Ultimate Fighting Championship) por Rorion Gracie. O documentário perpassa as glórias, derrotas, brigas, polêmicas, divisões familiares, filosofia e tradição que reinventaram algumas características das L/AM no mundo.

A jornada pedagógica abrangida pelos Primeiros, Segundos e Terceiros Encontros ilustra uma abordagem educacional rica e multifacetada no ensino das L/AM. Desde a partilha de pesquisas iniciais até a imersão em discussões críticas e problematizações mais profundas, os educandos passaram por um processo de aprendizado significativo.

Nos Primeiros Encontros, a base do conhecimento foi estabelecida com trocas iniciais de pesquisas e experiências. A evolução para os Segundos Encontros introduziu a prática reflexiva e crítica através de situações-problema e jogos de oposição. Esta fase foi essencial para incentivar um pensamento crítico e a criatividade dos educandos e educandas. Os Terceiros Encontros ampliaram ainda mais a experiência educativa, integrando recursos como filmes e textos para explorar contextos sociais, culturais e históricos relacionados às L/AM. Isso incentivou os(as) estudantes a ir além do aspecto técnico, considerando também as implicações socioculturais de suas práticas.

Essa progressão metodológica exemplifica um compromisso com uma educação que é ao mesmo tempo emancipadora e engajadora. O diálogo contínuo entre educador(a) e educandos(as) enfatiza a coconstrução do conhecimento, valorizando as experiências e perspectivas dos(as) estudantes. Este processo não somente aprofunda a compreensão técnica das L/AM, mas também pode fomentar uma consciência crítica e a aplicação do aprendizado em contextos mais amplos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo, embasado na filosofia educacional de Paulo Freire e permeado pela rica tapeçaria das L/AM, delineou um cenário educativo que transcende os limites tradicionais da pedagogia. Ao integrar as práticas de L/AM no contexto escolar, este trabalho não apenas apresentou uma nova dimensão para o ensino dessas temáticas, mas também iluminou possíveis caminhos para uma educação verdadeiramente libertadora. Através da observação, análise e reflexão nas experiências com turmas do Ensino Médio, emergiu uma compreensão profunda do papel vital que o conhecimento prévio dos educandos e educandas desempenham no processo de aprendizagem. Ao valorizar e construir em cima desse conhecimento, a abordagem adotada neste estudo não só respeitou a bagagem cultural deles e delas, mas também os/as incentivou a se tornarem indivíduos autônomos, críticos e reflexivos.

O ensino das L/AM, quando entrelaçado com metodologias dialógicas e problematizadoras, demonstrou ser uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento de uma consciência crítica. Os educandos e educandas não apenas aprenderam técnicas e movimentos, mas também embarcaram numa jornada de autoconhecimento e compreensão cultural, refletindo sobre as representações midiáticas e o papel dessas práticas no contexto social e histórico. A utilização de Círculos de Cultura e situações-problema como estratégias pedagógicas mostrou-se eficaz na promoção de uma aprendizagem significativa, em que o educando e a educanda se tornaram protagonistas de seu próprio processo educativo. Essa abordagem, inspirada no pensamento freiriano, reafirmou a importância de uma educação que seja ao mesmo tempo emancipatória e enraizada na realidade e cultura dos sujeitos da escola.

Ao considerar as L/AM como um rizoma, reconhecemos a complexidade e a interconexão dessas práticas ao longo da história, desafiando perspectivas simplistas e estereotipadas. Este reconhecimento reforça a necessidade de abordagens educativas que sejam flexíveis, integrativas e capazes de adaptar-se às diversas realidades e contextos. Em suma, este trabalho reitera a relevância da educação libertadora e seu potencial transformador quando aplicada ao ensino de L/AM. Compreendemos que este estudo não só contribui para o campo pedagógico, mas também oferece perspectivas valiosas para a prática educativa, destacando a importância de um ensino que seja ao mesmo tempo reflexivo, crítico e profundamente conectado com a cultura e a história dos educandos e educandas. Assim, abre-se um horizonte promissor para futuras investigações e práticas educativas que visem uma formação integral e emancipatória.

AGRADECIMENTOS

Às escolas públicas que contribuíram para a concretização desta pesquisa, bem como a seus agentes sociais.

  • 1
    Filme dirigido por Clint Eastwood, com lançamento em 2005.
  • 2
    Filme dirigido por John G. Avildsen, com lançamento em 1984.
  • FINANCIAMENTO

    Não houve financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2023
  • Aceito
    06 Dez 2023
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