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YouTube como fonte informativa sobre bloqueios do plexo braquial: avaliação de conteúdo e valor educativo

Resumo

Justificativa e objetivos:

O YouTube, site de compartilhamento de vídeos mais popular, contém um número significativo de vídeos médicos, incluindo bloqueios do plexo braquial. Apesar do uso generalizado dessa plataforma como fonte de informação médica, não há regulamentação para a qualidade ou o conteúdo dos vídeos. O objetivo deste estudo é avaliar o conteúdo do material no YouTube relevante para o desempenho do bloqueio do plexo braquial e sua qualidade como fonte de informação visual digital.

Métodos:

A pesquisa no YouTube foi realizada usando palavras-chave associadas ao bloqueio do plexo braquial e, de 374 vídeos, 86 foram incluídos na lista de observação. Os avaliadores classificaram os vídeos separadamente, de acordo com os questionários. O questionário-1 (Q1) foi preparado de acordo com as diretrizes da ASRA/Miller's Anesthesia como livro de referência e o Questionário-2 (Q2) foi formulado usando uma modificação dos critérios em Avaliação de Diretrizes para Mídia de Vídeo.

Resultados:

No total, 72 vídeos sobre bloqueios guiados por ultrassom e 14 vídeos sobre bloqueios com estimulador de nervos foram avaliados. No Q1, para os vídeos apresentando bloqueios guiados por ultrassom, os menores escores foram para Q1–5 (1,38) em relação às complicações e os maiores escores foram para Q1–13 (3,30) em relação à imagem sonoanatômica. Nos vídeos que apresentaram bloqueios com estimulador de nervos, os menores e os maiores escores foram dados para Q1–7 (1,64) em relação ao equipamento e Q1–12 (3,60) em relação à explicação das contrações musculares, respectivamente. No Q2, 65,3% dos bloqueios guiados por ultrassom e 42,8% dos bloqueios com estimulador de nervos apresentaram escores abaixo de satisfatórios.

Conclusões:

A maioria dos vídeos examinados para este estudo carece da abordagem abrangente necessária para orientar com segurança as pessoas que buscam informações sobre o bloqueio do plexo braquial.

PALAVRAS-CHAVE
YouTube; Anestesia; Bloqueios do plexo braquial

Abstract

Background and objectives:

YouTube, the most popular video-sharing website, contains a significant number of medical videos including brachial plexus nerve blocks. Despite the widespread use of this platform as a medical information source, there is no regulation for the quality or content of the videos. The goals of this study are to evaluate the content of material on YouTube relevant to performance of brachial plexus nerve blocks and its quality as a visual digital information source.

Methods:

The YouTube search was performed using keywords associated with brachial plexus nerve blocks and the final 86 videos out of 374 were included in the watch list. The assessors scored the videos separately according to the Questionnaires. Questionnaire-1 (Q1) was prepared according to the ASRA guidelines/Miller's Anesthesia as a reference text book, and Questionnaire-2 (Q2) was formulated using a modification of the criteria in Evaluation of Video Media Guidelines.

Results:

72 ultrasound-guided and 14 nerve-stimulator guided block videos were evaluated. In Q1, for ultrasound-guided videos, the least scores were for Q1–5 (1.38) regarding the complications, and the greatest scores were for Q1–13 (3.30) regarding the sono-anatomic image. In videos with nerve stimulator, the lowest and the highest scores were given for Q1–7 (1.64) regarding the equipment and Q1–12 (3.60) regarding the explanation of muscle twitches respectively. In Q2, 65.3% of ultrasound-guided and 42.8% of blocks with nerve-stimulator had worse than satisfactory scores.

Conclusion:

The majority of the videos examined for this study lack the comprehensive approach necessary to safely guide someone seeking information about brachial plexus nerve blocks.

KEYWORDS
YouTube; Anesthesia; Brachial plexus blocks

Introdução

O YouTube (YouTube©www.youtube.com, YouTubeLLC, San Bruno, EUA) é uma das fontes de informação digital mais populares atualmente disponíveis como guia visual de referência, com mais de 4 bilhões de vídeos assistidos todos os dias. A listagem de mídias sociais da área de saúde da Mayo Clinic cita > 700 organizações relacionadas à saúde somente nos Estados Unidos da América que estão presentes no YouTube. Alguns dos vídeos foram preparados para os profissionais de saúde como um guia visual educativo para novas intervenções.11 Knight E, Intzandt B, MacDougall A, et al. Information seeking in social media: a review of youtube for sedentary behavior content. Interact J Med Res. 2015;4:e3. Porém, não há regulamentos ou padrões relacionados aos aspectos educacionais dos vídeos disponíveis no YouTube. Informações enganosas têm sido compartilhadas no YouTube, o que pode representar um risco para os profissionais de saúde ou seus pacientes.22 Azer SA, Algrain HA, AlKhelaif RA, et al. Evaluation of the educational value of YouTube videos about physical examination of the cardiovascular and respiratory systems. J Med Internet Res. 2013;15:e241. Por outro lado, os métodos de E-Learning (aprendizagem por meio eletrônico), como as gravações de vídeo, tornaram-se uma parte importante da educação médica.33 Romanov K, Nevgi A. Do medical students watch video clips in eLearning and do these facilitate learning? Med Teach. 2007;29:484-8.

4 Mathis S, Schlafer O, Abram J, et al. Anesthesia for medical students: a brief guide to practical anesthesia in adults with a web-based video illustration. Anaesthesist. 2016;65:929-39.

5 DelSignore LA, Wolbrink TA, Zurakowski D, et al. Test-enhanced E-learning strategies in postgraduate medical education: a randomized cohort study. J Med Internet Res. 2016;18:e299.
-66 Tackett S, Slinn K, Marshall T, et al. Medical education videos for the world: an analysis of viewing patterns for a YouTube channel. Acad Med. 2018;93:1150-6. Já foi comprovado em muitos estudos que a aprendizagem através de fontes visuais tem muitas vantagens sobre os métodos convencionais de treinamento didático, tanto para estudantes de medicina quanto para outras áreas da formação médica, inclusive a anestesia regional.77 Das Adhikary S, Karanzalis D, Liu WR, et al. A prospective randomized study to evaluate a new learning tool for ultrasound-guided regional anesthesia. Pain Med. 2017;18:856-65.

Na educação e no treinamento da anestesiologia regional, em particular, há valor em oferecer uma orientação visual precisa que esclareça as interações complexas de anatomia, habilidades manuais, fisiologia e julgamento clínico. Várias instituições de anestesia regional publicam regularmente materiais multimídia educacionais abrangentes para tais intervenções avançadas; esses materiais proprietários podem não alcançar o impacto de disseminação do YouTube. Cada vez mais, o YouTube tem sido reconhecido como uma fonte potencialmente útil de material educativo e de treinamento em saúde.88 Godwin HT, Khan M, Yellowlees P. The educational potential of YouTube. Acad Psychiatry. 2017;41:823-7. No YouTube, é possível acessar facilmente informações sobre uma ideia complexa transmitida por meio de um formato visual básico. Contudo, atualmente também é possível exibir informações precisas no YouTube de maneira desorganizada, desarticulada ou até mesmo enganosa.11 Knight E, Intzandt B, MacDougall A, et al. Information seeking in social media: a review of youtube for sedentary behavior content. Interact J Med Res. 2015;4:e3.

Até o momento, os vídeos de técnicas de bloqueios neuraxiais e punções lombares no YouTube foram avaliados em relação à segurança do paciente, sua qualidade e consistência com uma abordagem científica.99 Tulgar S, Selvi O, Serifsoy TE, et al. YouTube as an information source of spinal anesthesia, epidural anesthesia and combined spinal and epidural anesthesia. Rev Bras Anestesiol. 2017;67:493-9.,1010 Rössler B, Lahner D, Schebesta K, et al. Medical information on the Internet: quality assessment of lumbar puncture and neuroaxial block techniques on YouTube. Clin Neurol Neurosurg. 2012;114:655-8. O objetivo deste estudo foi avaliar os vídeos do YouTube relevantes para o desempenho e a preparação de bloqueios do plexo braquial, com o uso das diretrizes ASRA e dos textos do Miller's Anesthesia como referência.1111 Americana Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine. Available at: https://www.asra.com/pain-resource/category/9/upper-extremity-blocks.
https://www.asra.com/pain-resource/categ...
,1212 Miller RD. Miller's anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Elsevier/Churchill Livingstone; 2010. p. 1639-703.

Métodos

Seleção dos vídeos

Os procedimentos para bloqueios de nervos periféricos (BNP) foram selecionados como o grupo-alvo para os vídeos do YouTube a serem avaliados com o consenso dos autores. A busca no YouTube por vídeos que abordem bloqueios de nervos axilares, infraclaviculares, interescalênicos e supraclaviculares (extensivamente usados para cirurgias de ombro, braço e mão) foi concluída em 10-06-2017 pelo investigador principal, um anestesiologista com oito anos de experiência em anestesia. As palavras-chave selecionadas foram: "bloqueio interescalênico guiado por ultrassom", "bloqueio interescalênico com estimulador de nervos", "bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom", "bloqueio supraclavicular com estimulador de nervos", "bloqueio infraclavicular guiado por ultrassom", "bloqueio infraclavicular com estimulador de nervos", "bloqueio axilar guiado por ultrassom", "bloqueio axilar com estimulador de nervos".

Estabelecimento da equipe de avaliadores

Um anestesiologista consultor e três anestesiologistas com mais de sete anos de experiência em anestesia foram selecionados para compor a equipe de avaliadores. Todos hábeis a praticar com segurança os bloqueios mencionados acima em sua rotina diária e também a ensiná-los como parte de um programa de treinamento. Dois deles com certificado em treinamento de anestesia regional guiada por ultrassom conferido pela Sociedade Turca de Anestesia Regional. O investigador principal, como líder da equipe, organizou um workshop. Nesse workshop, vídeos aleatórios de anestesia regional para extremidades inferiores foram selecionados do YouTube e foi pedido aos avaliadores que classificassem os vídeos de uma forma especificamente preparada para a entrada dos dados. As informações coletadas durante o workshop foram usadas para determinar quaisquer pontos ambíguos sobre o registro dos dados, sistema de pontuação e critérios de exclusão que levassem ao esclarecimento dos objetivos do estudo. Quaisquer tópicos controversos relacionados a esses elementos foram determinados por consenso.

Lista de exibição

O investigador principal pré-selecionou os primeiros 100 vídeos, mais recentes e populares, para criar uma "lista de exibição" a respeito de cada palavra-chave, enquanto outros trechos não foram incluídos na pesquisa devido à frequência de materiais obsoletos, irrelevantes ou repetidos. A busca foi limitada aos primeiros 100 vídeos, já que não era objetivo dos pesquisadores avaliar todos os vídeos, mas apenas aqueles com mais possibilidade de serem visualizados. Devido ao algoritmo de pesquisa do YouTube, os resultados da busca foram listados em uma única sessão antes que qualquer alteração ocorresse na contagem de visualizações, o que altera automaticamente a classificação do vídeo na lista de exibição e sua popularidade. Os endereços URL (localizador padrão de recursos) dos vídeos foram copiados em uma planilha do Excel para formar a lista de exibição. A lista final foi avaliada por quatro assessores que chegaram a um consenso sobre a mesma de acordo com os critérios de exclusão. Os vídeos em outros idiomas além do inglês, com conteúdo não relacionado ou com menos de um minuto foram excluídos. Os vídeos com duração superior a 15 minutos foram excluídos porque a duração do vídeo poderia prejudicar a precisão da avaliação devido ao tamanho.

Questionário 1 (Q1)

O Q1 continha 18 perguntas sobre a técnica em si em relação à segurança, higiene, anatomia, às referências anatômicas, complicações, ao uso de anestésico local e aos equipamentos. Cada avaliador atribuiu uma pontuação a cada pergunta, graduou de 1 a 5 (1 = muito ruim e 5 = excelente). A pergunta 10 foi feita para determinar o uso de estimulador de nervos e as perguntas 11 e 12 apenas para avaliar os vídeos com uso exclusivo de estimulador de nervos. No Q1 as últimas seis perguntas foram respondidas apenas para os bloqueios guiados por ultrassom em relação às imagens ultrassonográficas, manipulação das agulhas e interpretação das imagens. O Q1 (tabela 1) foi elaborado de acordo com o método Delphi, baseado nas definições de procedimentos-padrão da Sociedade Americana de Anestesia Regional (American Society of Regional Anesthesia – ASRA) e no livro Miller's Anesthesia. 1111 Americana Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine. Available at: https://www.asra.com/pain-resource/category/9/upper-extremity-blocks.
https://www.asra.com/pain-resource/categ...
,1212 Miller RD. Miller's anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Elsevier/Churchill Livingstone; 2010. p. 1639-703. Os quatro avaliadores completaram o Q1 para cada vídeo individualmente.

Tabela 1
Questionário 1

Questionário 2 (Q2)

O Q2 (tabela 2) incluiu 14 itens referentes à preparação e à qualidade em geral de cada vídeo e foi respondido individualmente. Nessa segunda parte, os pesquisadores avaliaram os vídeos de acordo com as Diretrizes da National Career Development Association (NCDA) Guidelines for the Preparation and Evaluation of Video Career Media.1313 National Career Development Association (NCDA) Guidelines for the Preparation and Evaluation of Video Career Media. Available at: https://www.ncda.org/aws/NCDA/asset_manager/get_file/3401 [accessed 17 May 2017].
https://www.ncda.org/aws/NCDA/asset_mana...
Os vídeos foram pontuados de 0 a 5 (0 = não aplicado, 1 = insatisfatório, 2 = ruim, 3 = satisfatório, 4 = bom, 5 = excelente). As pontuações finais de cada vídeo foram calculadas e agrupadas da seguinte forma: 0–13: insatisfatório; 14–27: ruim; 28–41: satisfatório; 42–54: bom; 56–70: excelente.

Tabela 2
Questionário 2

Reunião final de avaliação dos vídeos contestados

Uma pontuação consensual foi obtida em uma reunião do grupo destinada aos vídeos com escores kappa de Fleiss < 0,20 no Q1. O anestesiologista consultor foi selecionado como moderador durante a reunião. Caso as ambiguidades sobre um vídeo não pudessem ser reconciliadas, uma "votação" era feita para atingir uma pontuação final para o vídeo em questão.

Análise estatística

O programa R 3.4.3 (R Core Team; 2017) foi usado para todos os processos de limpeza, análise e visualização dos dados e cálculo da confiabilidade entre avaliadores.1414 R Core Team (2017). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. https://www.R-project.org/ [accessed 3 July 2017].
https://www.R-project.org/...
,1515 Matthias Gamer, Jim Lemon and Ian Fellows Puspendra Singh (2012). irr: Various Coefficients of Interrater Reliability and Agreement. R package version 0.84. https://CRAN.R-project.org/package=irr [accessed 3 July 2017].
https://CRAN.R-project.org/package=irr...
A concordância entre avaliadores para cada vídeo foi definida de acordo com os escores kappa de Fleiss: nenhuma concordância (< 0,20); concordância insignificante (0,0-0,20), concordância moderada (0,21-0,40); concordância na maior parte (0,41-0,60); concordância significativa (0,61-0,80); concordância excelente (0,81-1,00).

Resultados

Seleção dos vídeos

De 374 vídeos no YouTube, 86 foram avaliados: 72 de bloqueios guiados por ultrassom e 14 de bloqueios com o uso de estimulador de nervos. Foram excluídos 288 vídeos pelos seguintes motivos: oito não eram em inglês, 288 não eram sobre o tópico, 36 eram repetidos e 16 eram muito longos/curtos. Os critérios e números de exclusão para todo o processo de avaliação podem ser vistos na tabela 3 e fig. 1.

Tabela 3
Seleção dos vídeos

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Resultados do Q1

As pontuações finais do Q1 para os 14 vídeos de bloqueios com estimulador de nervos periféricos (ENP) e os 72 vídeos de bloqueios guiados por ultrassom são apresentados nas figs. 2 e 3, respectivamente. Como pode ser observado nos gráficos dos mapas de calor, os primeiros vídeos em cada lista de exibição para cada técnica de bloqueio obtiveram pontuações maiores do que os vídeos subsequentes e os últimos vídeos das listas de exibições obtiveram as pontuações menores.

Figura 2
Distribuição das pontuações dos vídeos de bloqueio do nervo do plexo braquial feito com estimulador de nervo.
Figura 3
Distribuição das pontuações dos vídeos de bloqueio do nervo do plexo braquial guiado por ultrassom.

Quando avaliamos as pontuações médias para cada questão do Q1, a pontuação mínima para os vídeos guiados por ultrassom foi de 1,38 (mediana = 3; percentil 25º percentil = 1; 75º percentil = 1) no Q1–05 relacionada a informações sobre possíveis complicações e o maior valor foi de 3,30 (mediana = 3, 25º percentil = 2, 75º percentil = 5) no Q1–13 relacionado à sonoanatomia (tabela 4). Para os vídeos com estimulador de nervos, a menor pontuação foi de 1,64 (mediana = 1; 25º percentil = 1; 75º percentil = 2) no Q1–07 relacionada ao estimulador de nervos e à escolha da agulha e a pontuação mais alta foi de 3,60 (mediana = 4, 25º percentil = 3, 75º percentil = 5) no Q1–12 relacionada às informações sobre contrações musculares (tabela 5).

Tabela 4
Avaliação com base nas pontuações das questões do Q1 para os vídeos de bloqueio do plexo braquial guiado por ultrassom (GUS)
Tabela 5
Avaliação com base nas pontuações das questões do Q1 para os vídeos de bloqueio do plexo braquial com estimulador de nervo (EN)

De acordo com o resultado da questão 10 no Q1, que avalia o uso de estimulador de nervos, em 11 de 72 vídeos guiados por ultrassom o estimulador de nervos foi combinado com o ultrassom para demonstrar os espasmos musculares; porém, apenas quatro vídeos continham informações sobre o limiar de segurança para impulsos elétricos. Dos vídeos, 26 continham explicação "apenas escrita" e sete não forneceram descrição (escrita ou verbal) do procedimento a ser feito. Em relação aos vídeos guiados por ultrassom, 36 registros ultrassonográficos de intervenções bem-sucedidas foram compartilhados e três vídeos eram de animação. Apenas 17 vídeos mencionaram se o bloqueio foi feito com a técnica no plano ou fora do plano.

No Q1, os vídeos de bloqueio interescalênico guiado por ultrassom obtiveram pontuações maiores em comparação com os outros bloqueios guiados por ultrassom. Os bloqueios axilares guiados por ultrassom obtiveram as menores pontuações no Q1. Os vídeos de bloqueio axilar com estimulador de nervos obtiveram as maiores pontuações, enquanto os de bloqueio supraclavicular com estimulador de nervos obtiveram as menores pontuações no Q1 (tabela 6).

Tabela 6
Média das pontuações dos vídeos no Q1

O escore kappa para a confiabilidade entre avaliadores no Q1 ficou entre 0,81–1,00 para 28 vídeos (concordância excelente), 0,61–0,80 para oito vídeos (concordância significativa), 0,41–0,60 para 32 vídeos (concordância na maior parte) e 0,21–0,40 para 18 vídeos (concordância moderada). Os maiores e menores escores kappa para o Q1 foram 1,00 e 0,23, respectivamente. Dez vídeos foram classificados como "insatisfatórios" para todas as questões que resultaram em escores kappa de 1,0 para esses vídeos.

Resultados do Q2

Os resultados do Q2, que refletem a preparação e a qualidade do vídeo em geral como material educativo, podem ser observados na tabela 7, 65,3% dos vídeos para bloqueios guiados por ultrassom e 42,8% dos vídeos para bloqueios com estimulador de nervos apresentaram escores piores do que satisfatórios. Apenas cinco vídeos de bloqueios guiados por ultrassom e um vídeo de bloqueio com o uso do clássico estimulador de nervos obtiveram resultados notáveis.

Tabela 7
Preparação e qualidade em geral dos vídeos (Q2)

Discussão

Como o aspecto central do ensino do bloqueio de nervos guiado por ultrassom é de natureza "visual", o uso de vídeos para o ensino da anestesia regional pode ser crucialmente benéfico para os treinandos. Como produzir materiais visuais confiáveis e incorporá-los ao ensino da anestesia regional é, em si, uma questão importante para a prática médica. Portanto, existem vídeos de anestesia regional criados por instituições profissionais com alta precisão, qualidade e credibilidade para uso em treinamento de anestesia regional, que exige planejamento extensivo e execução cuidadosa. Como parte complementar dessa orientação visual, registrar intervenções de anestesia regional e usá-las para recriar vídeos de feedback visual também pode ser extremamente útil para autoavaliações no ensino da anestesia regional. Mesmo os residentes qualificados em anestesia regional podem usar qualquer um desses vídeos como fonte de informação quando perdem a familiaridade com uma técnica de bloqueio específica da anestesia regional, mas ainda precisam prosseguir com a técnica.77 Das Adhikary S, Karanzalis D, Liu WR, et al. A prospective randomized study to evaluate a new learning tool for ultrasound-guided regional anesthesia. Pain Med. 2017;18:856-65.,88 Godwin HT, Khan M, Yellowlees P. The educational potential of YouTube. Acad Psychiatry. 2017;41:823-7.,1616 Pedersen K, Moeller MH, Paltved C, et al. Students' learning experiences from didactic teaching sessions including patient case examples as either text or video: a qualitative study. Acad Psychiatry. 2018;42:622-9.

17 Sainsbury JE, Telgarsky B, Parotto M, et al. The effect of verbal and video feedback on learning direct laryngoscopy among novice laryngoscopists: a randomized pilot study. Can J Anaesth. 2017;64:252-9.
-1818 Beard HR, Marquez-Lara AJ, Hamid KS. Using wearable video technology to build a point-of-view surgical education library. JAMA Surg. 2016;151:771-2.

De acordo com os resultados do presente estudo, os vídeos mais conceituados foram preparados por instituições profissionais e, nesses vídeos, a imagem sonográfica e o posicionamento da sonda de ultrassom compartilhavam a mesma tela para que o espectador pudesse observar a relação entre o alinhamento, a inclinação, a pressão e as manobras de rotação relacionadas às janelas ultrassonográficas. Esses vídeos com as classificações mais altas incluíram muitos dos aspectos recomendados pela nova ferramenta básica de avaliação simulada. Essa ferramenta prometeu melhorar as habilidades necessárias para o sucesso da inserção precisa da agulha em bloqueios de nervos guiados por ultrassom, tais como "abordagem", "alinhamento", "movimento", "localização" e "destinação". Todas essas habilidades exigem pensamento dimensional, interpretação de uma tela bidimensional e coordenação mão-olho. Basicamente, esse novo dispositivo de treinamento em anestesia regional baseado em vídeo enfatiza o valor de rastrear simultaneamente a posição da mão e a imagem de ultrassom na mesma tela.77 Das Adhikary S, Karanzalis D, Liu WR, et al. A prospective randomized study to evaluate a new learning tool for ultrasound-guided regional anesthesia. Pain Med. 2017;18:856-65. Portanto, ao criar materiais visuais educativos para a anestesia regional guiada por ultrassom, essa abordagem técnica pode potencializar o valor dos vídeos. Esses vídeos, que são sistemáticos em sua abordagem, precisam demonstrar a localização do nervo-alvo, o posicionamento da agulha em direção ao nervo-alvo e o método correto de administrar o anestésico local na área-alvo.

Regulamentações sobre a segurança do paciente e os padrões de qualidade trouxeram novas questões para o ensino da anestesia regional.1919 Smith HM, Kopp SL, Jacob AK, et al. Designing and implementing a comprehensive learner-centered regional anesthesia curriculum. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:88-94. Para superar essas dificuldades no ensino do bloqueio regional, métodos de treinamento baseados em simulação foram descritos nos últimos anos e permitem aos treinandos adquirir habilidades como rotação, alinhamento, inclinação e destinação antes de praticar em pacientes reais.2020 Adhikary SD, Hadzic A, McQuillan PM. Simulator for teaching hand–eye coordination during ultrasound-guided regional anesthesia. Br J Anaesth. 2013;111:844-5. Mostrou-se que essas habilidades ultrassonográficas foram feitas com mais sucesso por treinandos de anestesia quando foram fornecidas com o feedback de especialistas.2121 Ahmed OMA, Niessen T, O'Donnell BD, et al. The effect of metrics-based feedback on acquisition of sonographic skills relevant to performance of ultrasound-guided axillary brachial plexus block. Anesthesia. 2017;72:1117-24. Embora não recomendemos os vídeos do YouTube como uma ferramenta de aprendizado, conforme nossas descobertas, a publicação das gravações desses vídeos modernos de treinamento em anestesia regional, juntamente com pontos de feedback explicativos, pode ajudar os observadores a entender as etapas e os erros cometidos pelos treinandos. Esses vídeos, quando feitos por institutos médicos de renome, podem ser bastante benéficos para residentes ou treinandos em anestesia regional. Esses profissionais podem atualizar seus conhecimentos sobre bloqueios de nervos guiados por ultrassom simplesmente ao assistir aos vídeos do YouTube facilmente disponíveis. Além disso, os institutos e seus seguidores podem facilmente se encontrar na plataforma social do YouTube com a ajuda desses vídeos educacionais de alta qualidade. Dessa forma, os praticantes de anestesia regional podem se encontrar e interagir em uma plataforma opcional amplamente usada para compartilhar e expandir suas experiências.

O padrão de segurança da aplicação do procedimento nos vídeos também foi ambíguo. Nos vídeos de bloqueios guiados por ultrassom, a pontuação média mais baixa foi na questão 5, que aborda o nível de informação sobre as possíveis complicações dos bloqueios, e esse fato reduz a confiabilidade dos vídeos em termos de segurança. Entre esses mesmos vídeos, 19 foram gravados sem som, contaram com instruções escritas e sinais para fazer a apresentação e, portanto, deixaram de fornecer informações adequadas sobre equipamento, preparação, doses dos medicamentos, posicionamento do paciente e esterilização. Essas informações são uma parte contingente do método de treinamento nesse estilo de aprendizado, um tipo de abordagem educacional que pode ser considerada responsável por evitar que os residentes de anestesia regional recebam educação padronizada.1919 Smith HM, Kopp SL, Jacob AK, et al. Designing and implementing a comprehensive learner-centered regional anesthesia curriculum. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:88-94.

Infelizmente, os vídeos curtos não conseguiram uma boa pontuação na maioria das perguntas do Q1 e Q2. Apenas seis de 86 obtiveram pontuações de qualidade excepcional e a duração desses vídeos foi superior a sete minutos. Portanto, pode-se postular que qualquer material de educação visual preparado para o ensino de anestesia regional não deve ser muito curto. Embora alguns vídeos curtos contenham informações e dicas valiosas, geralmente são difíceis de entender para alguém que é novo na técnica. Além disso, em estudos similares futuros baseados em análise de material visual, um limite mais longo para o "tempo mínimo" pode ser aplicado como critério de exclusão, depende do resultado visado.

As questões finais da avaliação do Q2, referentes aos vídeos que tinham ou não os detalhes necessários para a reaplicação exata do procedimento em um cenário clínico, receberam as pontuações mais baixas dos avaliadores. Apenas dois vídeos receberam pontuações máximas no Q2. Mais uma vez, isso confirma que os vídeos do YouTube têm um preparo geral ruim e podem ser inadequados como material de atualização para as quatro intervenções selecionadas de bloqueios de nervos periféricos da parte superior do corpo.

De acordo com os resultados deste estudo, houve cinco vezes mais vídeos de BNP guiado por ultrassom no YouTube do que de bloqueio convencional com estimulador de nervos entre os examinados para este estudo. Isso mostra a tendência crescente da feitura de bloqueios de nervos guiados por ultrassom e também indica o nível de demanda por eles como ferramentas de aprendizado/compartilhamento em plataformas sociais. Instituições de saúde, universidades ou associações de anestesia regional podem contribuir para a disseminação de vídeos mais idôneos e confiáveis no YouTube para anestesia regional que priorizem a segurança do paciente em detrimento de preocupações comerciais, de modo que as instituições comerciais e os provedores individuais de saúde possam se inspirar na configuração desses vídeos para reproduzir vídeos semelhantes de alta qualidade. Dessa forma, a qualidade geral dos vídeos de anestesia regional no YouTube, uma plataforma de grande impacto e popularidade pública, pode fornecer informações mais precisas e confiáveis.

Limitações

As limitações deste estudo devem ser consideradas durante a revisão de nossos dados. Primeiro, cada avaliador assistiu aos vídeos selecionados na mesma ordem, de acordo com a lista de exibição predeterminada – idealmente, os avaliadores poderiam ter revisado os vídeos em ordem aleatória. Embora os avaliadores tenham assistido aos vídeos de forma independente, a randomização dos vídeos teria evitado que o efeito repetido de um vídeo no julgamento do próximo distorcesse os resultados. Por fim, não examinamos o número de visualizações para cada vídeo, o que pode ser visto como um bom preditivo da qualidade e do "impacto de disseminação" do vídeo.2222 Trueger NS, Thoma B, Hsu CH, et al. The altmetric score: a new measure for article-level dissemination and impact. Ann Emerg Med. 2015;66:549-53. No entanto, estudos anteriores não revelaram correlação entre a qualidade dos vídeos e as visualizações/mês e esse fato nos dissuadiu de analisar dados sobre a contagem de visualizações.66 Tackett S, Slinn K, Marshall T, et al. Medical education videos for the world: an analysis of viewing patterns for a YouTube channel. Acad Med. 2018;93:1150-6.,99 Tulgar S, Selvi O, Serifsoy TE, et al. YouTube as an information source of spinal anesthesia, epidural anesthesia and combined spinal and epidural anesthesia. Rev Bras Anestesiol. 2017;67:493-9.

Conclusão

A utilidade, o rigor científico e a responsabilidade dos vídeos sobre o BNP no YouTube não se correlacionam com a modernidade e disponibilidade em massa do YouTube. A maioria dos vídeos carece da abordagem sistemática necessária para orientar com segurança alguém que busca informações sobre os BNP examinados para este estudo. Se as instituições profissionais e as universidades publicarem mais vídeos com competências predefinidas em plataformas de mídia social, como o YouTube, elas podem ser um bom exemplo de intervenções seguras e bem-sucedidas.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Dr. George Shorten, membro do Departamento de Anestesiologia e Cuidados Intensivos da Universidade Collage Cork, por suas valiosas contribuições para este estudo.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2018
  • Aceito
    5 Nov 2018
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