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Dever ético e legal do anestesiologista frente ao paciente testemunha de Jeová: protocolo de atendimento

Resumo

Justificativa e objetivos:

Os pacientes testemunhas de Jeová recusam transfusão sanguínea por motivos religiosos. O anestesiologista deve dominar conhecimentos jurídicos específicos para atender esses pacientes. Entender como o direito e o Conselho Federal de Medicina tratam essa questão é fundamental para saber agir dentro desse contexto. O objetivo deste artigo foi estabelecer um protocolo de atendimento do paciente testemunha de Jeová com ênfase no dever ético e legal do anestesiologista.

Conteúdo:

O artigo analisa a Constituição, o Código Penal, resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), pareceres e jurisprudência para entender os limites do conflito entre a autonomia de vontade da testemunha de Jeová em recusar transfusão e a obrigação do médico em transfundir. Baseado nessas evidências um protocolo de atendimento é sugerido.

Conclusões:

A resolução do CFM 1021/1980, o Código Penal no artigo 135, que classifica como crime a omissão de socorro, e a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o processo HC 268.459/SP impõem ao médico a obrigação de transfusão quando houver risco de vida. Não é necessário concordância do paciente ou de seu responsável, pois não é proibida a manifestação de vontade do paciente testemunha de Jeová ao recusar transfusão sanguínea para si e seus dependentes, mesmo em emergências.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesiologia; Bioética; Direito; Transfusão; Hemoderivados; Sangue

Abstract

Background and objectives:

Jehovah's Witnesses patients refuse blood transfusions for religious reasons. Anesthesiologists must master specific legal knowledge to provide care to these patients. Understanding how the Law and the Federal Council of Medicine treat this issue is critical to know how to act in this context. The aim of this paper was to establish a treatment protocol for the Jehovah's Witness patient with emphasis on ethical and legal duty of the anesthesiologist.

Content:

The article analyzes the Constitution, Criminal Code, resolutions of the Federal Council of Medicine, opinions, and jurisprudence to understand the limits of the conflict between the autonomy of will of Jehovah's Witnesses to refuse transfusion and the physician's duty to provide the transfusion. Based on this evidence, a care protocol is suggested.

Conclusions:

The Federal Council of Medicine resolution 1021/1980, the penal code Article 135, which classifies denial of care as a crime and the Supreme Court decision on the HC 268,459/SP process imposes on the physician the obligation of blood transfusion when life is threatened. The patient's or guardian's consent is not necessary, as the autonomy of will manifestation of the Jehovah's Witness patient refusing blood transfusion for himself and relatives, even in emergencies, is no not forbidden.

KEYWORDS
Anesthesiology; Bioethics; Rights; Transfusion; Blood products; Blood

Introdução e justificativa

Os pacientes testemunhas de Jeová recusam transfusão sanguínea.11 Silva LA, de Carli D, Cangiani LM, Gonçalves Filho JBM, da Silva IF. Tampão sanguíneo peridural em pacientes testemunhas de Jeová: relato de dois casos. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:633-9. Alegam impedimento religioso, fruto de uma interpretação literal da Bíblia. Afeitos à propagação de suas crenças, esse movimento americano cresce de forma importante. Dessa maneira, atendemos cada vez mais membros dessa denominação nos hospitais,22 Imbelloni LE, Beato L, Ornellas A, Borges CRJ. Manuseio de grave diminuição de hemoglobina em paciente jovem, testemunha de Jeová, submetido à proctocolectomia total: relato de caso. Rev Bras Anestesiol. 2005;55:538-45. alguns em situação de emergência necessitados de transfusão de hemoderivados. Com base em decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro, na Constituição, no Código Penal, no Código de Ética Médica e em resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) elaboramos protocolo de atendimento anestesiológico de testemunhas de Jeová que necessitam de transfusão.

Inicialmente abordaremos conceitos de bioética importantes para a compreensão do tema. Na sequência analisaremos a jurisprudência e por fim apresentaremos sugestão de protocolo para essa situação.

Autonomia da vontade e manifestação de vontade

Em seu artigo 5° a Constituição33 Brasil. Constituição. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out 1988; 1988. garante plena liberdade ao cidadão brasileiro. Essa garantia constitucional traduz-se no princípio da autonomia da vontade. Entende-se vontade, no contexto clínico, como a opção do paciente por uma forma de tratamento ou mesmo pelo não tratamento.44 Godinho AM, Lanziotti LH, Morais BS. Termo de consentimento informado: a visão dos advogados e tribunais. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:207-14. São exemplos de autonomia a decisão do paciente de continuar fumando, apesar de enfrentar um problema pulmonar, ou a opção de uma paciente engravidar, mesmo com doenças coexistentes que implicam em risco de morte durante a gestação ou o parto.55 Barroso LR. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro. 2010;65:327-57.

A manifestação de vontade torna pública a decisão do paciente. Nesse sentido o artigo 22 do Código de Ética Médica66 Brasil. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. 24 set 2009;(183, seção I):90-2; 2009. estabelece: “É vedado ao médico: deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. Como expresso, o consentimento é uma exigência para a prática médica eletiva.44 Godinho AM, Lanziotti LH, Morais BS. Termo de consentimento informado: a visão dos advogados e tribunais. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:207-14. Usualmente, o paciente assina um termo em que declara ciência da natureza da intervenção médica e dos correspondentes riscos e os assume livremente. Essa é a manifestação de Vontade mais empregada rotineiramente. Outra forma é a recusa dos Testemunhas de Jeová de receber transfusões sanguíneas.

A doutrina jurídica relaciona como requisitos de validade da manifestação de vontade: agente capaz, objeto não proibido pelo direito e forma prescrita em lei.77 Bastos CR. Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas, vol. 787. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 90; 2001. p. 499-510. Respeitados esses critérios, a manifestação do paciente testemunha de Jeová de recusar transfusão sanguínea é absoluta. Esse direito fundamenta-se na Constituição brasileira33 Brasil. Constituição. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out 1988; 1988. (artigo 5°, Inciso II) que garante: “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei”. Como não há no ordenamento jurídico dispositivo legal que obrigue alguém a consentir com qualquer tipo de tratamento, ninguém necessita concordar em ser submetido à transfusão sanguínea.77 Bastos CR. Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas, vol. 787. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 90; 2001. p. 499-510.

Regulação jurídica da transfusão sanguínea

Estritamente falando, lei refere-se à norma emanada do poder legislativo. Dentro desse conceito não há norma legal ou constitucional que regule a obrigatoriedade da transfusão sanguínea no Brasil88 Willeman F. Recusa a tratamento da saúde com fundamento em crença religiosa e o dever do estado de proteger a vida humana. O caso da transfusão de sangue em testemunha de Jeová. Rev da Emerj. 2010;13:155-90. Entretanto, o Conselho Federal de Medicina, bem como o Conselho Regional do Rio de Janeiro (Cremerj), editou resolução sobre o assunto. Por ter previsão constitucional, alguns autores ponderam que o poder normativo e regulador dos conselhos médicos emergem da própria Constituição.99 Willeman F. Parecer n°09/2009. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. 2010;65:327-57. Suas resoluções não são leis no sentido estrito, mas têm força de lei. Assim, a resolução do CFM 1021/801010 Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.021/80. Diário oficial da União (Seção I - Parte II) de 22/10/80. afirma em sua conclusão:

“Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta:

  1. Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis.

  2. Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis”’.

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), na mesma linha do CFM, editou a Resolução n° 136/991111 Brasil. Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro - Resolução CREMERJ N (136/1999. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 19/02/1999. para regular o assunto, da qual citamos os seguintes artigos:

Art. 1° - O médico, ciente formalmente da recusa do paciente em receber transfusão de sangue e/ou seus derivados, deverá recorrer a todos os métodos opcionais de tratamento ao seu alcance.

Art. 3° - O médico, ao verificar a existência de risco de morte para o paciente, em qualquer circunstância, deverá fazer uso de todos os meios ao seu alcance para garantir a saúde do mesmo, inclusive a transfusão de sangue e/ou seus derivados, e comunicar, se necessário, à autoridade policial competente sua decisão, caso os recursos usados sejam contrários ao desejo do paciente ou de seus parentes.

É patente que ambas as resoluções impõem ao médico o dever de transfundir sangue quando a vida do paciente estiver em risco. Acerca do poder coercitivo dessas resoluções, a Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, em parecer que envolveu o Hospital Universitário Pedro Ernesto do Rio de Janeiro e paciente testemunha de Jeová que recusava transfusão de sangue, afirmou: “... certo é que não será tranquila, ao ângulo disciplinar, a situação dos médicos que, nessa mesma perspectiva, não observarem a resolução n° 136/99 do Cremerj - Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, que trata especificamente da recusa em receber transfusão de sangue e hemoderivados. Esse ato determina que os médicos tentem evitar a necessidade de transfusões, mas prevê a feitura forçada em caso de risco iminente à vida (destaque do parecer). Daí sugerir-se o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”.1212 Tavares LLG. Parecer n° 01/2009. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. 2010;65:357-9. O posicionamento do parecer é o de respeito à vontade da paciente. Entretanto, reconhece que ao médico se impõe o dever de transfundir pela resolução 136/99 do Cremerj. Por não concordar com o seu conteúdo, a Procuradoria sugere o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade dessa resolução, admite a obrigação de inconstitucionalidade desta resolução e admite a obrigação dever que é imposta aos médicos quando sugere sua anulação.

O desrespeito a uma resolução do conselho admite sanção administrativa. O médico que não transfundir sangue quando necessário corre esse risco. Entretanto, essa não é a única punição a que o médico pode estar sujeito.88 Willeman F. Recusa a tratamento da saúde com fundamento em crença religiosa e o dever do estado de proteger a vida humana. O caso da transfusão de sangue em testemunha de Jeová. Rev da Emerj. 2010;13:155-90. Há a possibilidade de experimentar consequências civis (com ações indenizatórias e/ou ações regressivas do poder público caso seja o Estado condenado pela omissão médica) e administrativas perante as comissões disciplinares do poder público a que estiver vinculado, na hipótese de médicos servidores públicos, e, de forma preocupante, processo penal, caso se entenda omissão de socorro (artigo 135 do Código Penal).1313 Brasil. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dedezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva; 2013.

Limites

O limite entre a autonomia de vontade do paciente e o dever de agir do médico é o risco de morte. O Código Penal,1313 Brasil. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dedezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva; 2013. no artigo 146, estabelece como crime contra a liberdade pessoal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”. A exceção diretamente relacionada à atuação médica está no parágrafo 3 do mesmo artigo: “Não se compreendem na disposição deste artigo: a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de morte”. Logo, se a transfusão sanguínea for necessária para salvar a vida do paciente, não pode ser considerada uma violação da autonomia de vontade da testemunha de Jeová

Em algumas circunstâncias o médico, ao antever sangramento importante antes de uma grande cirurgia, solicita ao Judiciário autorização para transfusão profilática de hemoderivados em pacientes testemunhas de Jeová. Alguns juízes negam esse pedido.88 Willeman F. Recusa a tratamento da saúde com fundamento em crença religiosa e o dever do estado de proteger a vida humana. O caso da transfusão de sangue em testemunha de Jeová. Rev da Emerj. 2010;13:155-90. Outros esclarecem que não é responsabilidade do Judiciário autorizar ou prescrever tratamento médico. Confirmam a autoridade do ato médico e ressaltam a necessária independência que a situação de emergência impõe. Afirmam que o médico tem a obrigação de tomar as condutas necessárias para tratar os pacientes. Qualquer quadro clínico que demande transfusão sanguínea deve ser tratado sem intermediação judiciária.

Jurisprudência

Há um grande número de processos que envolvem testemunhas de Jeová e médicos.88 Willeman F. Recusa a tratamento da saúde com fundamento em crença religiosa e o dever do estado de proteger a vida humana. O caso da transfusão de sangue em testemunha de Jeová. Rev da Emerj. 2010;13:155-90. Destaca-se decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em processo (HC 268.459/SP)1414 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus no 268.459/SP, da 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, DF, 2 de setembro de 2014. que tramitou na Justiça por mais de 20 anos acerca de uma adolescente de 13 anos, filha de testemunhas de Jeová.

A paciente era portadora de anemia falciforme. Em uma crise vásculo-oclusiva severa, os pais levaram sua filha à emergência de um hospital no Estado de São Paulo. O quadro era grave. O exame clínico e os dados laboratoriais apontavam a necessidade de transfusão de concentrado de hemácias para tratamento da paciente. Os pais não autorizaram o procedimento. Trouxeram um médico de sua confiança, também testemunha de Jeová, que ameaçou os médicos assistentes de processá-los se a menina fosse transfundida. A transfusão não foi feita e a menina morreu horas após a entrada no hospital.

A promotoria indiciou os pais da adolescente por homicídio doloso. Esse tipo de crime é julgado por um tribunal de júri. Nesse caso específico o dolo foi caracterizado como eventual, no qual os acusados adotaram uma conduta sabidamente de risco. Exemplo similar seria o do motorista embriagado que atropela e mata um pedestre. Ao ingerir bebida alcoólica acima do permitido, o acusado assume a responsabilidade de causar um potencial acidente e matar alguém. Segundo a acusação, ao recusar a transfusão de sangue, os pais contribuíram diretamente para a morte da filha. O advogado recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e alegou que os pais não poderiam ser acusados por homicídio. O pedido foi indeferido. A defesa recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça com um pedido de habeas corpus com a mesma tese. O caso foi julgado pela 6ª Turma do STJ. A relatora, em seu relatório e voto, afirmou que os pais não poderiam ser responsabilizados pela morte da filha. Em sua opinião, a recusa dos pais não poderia ser motivo para a não transfusão da adolescente. A culpa seria dos médicos, que deveriam ter transfundido a paciente, mesmo contra a vontade dos responsáveis. Não haveria crime em recusar transfusão de sangue para si ou seus dependentes, pois a liberdade religiosa e a manifestação da vontade são direitos constitucionais. Consta em seu relatório a Resolução do CFM 1021/1980.

Cabe destacar que o voto da relatora, ao concordar com a argumentação da defesa, foi aceito pelo STJ. Os pais seriam inocentes, porque a manifestação de vontade é livre e absoluta, não constitui crime. Não haveria necessidade de concordância para a transfusão. O médico tem uma obrigação de dever que o paciente ou responsável legal não tem. A transfusão deve acontecer apesar de a manifestação de vontade do paciente ou responsável ser contrária.

Essa decisão é considerada fundamental, pois, como tramitou na esfera penal, e não na civil, delimitou a tutela do Estado sobre o tema. Quando transfundir for necessário, o médico tem uma obrigação de agir, sobrepujar a vida sobre a liberdade. O Estado, ao manter total liberdade de atuação em relação à religião, deve efetivar a proteção aos direitos fundamentais, determinar aos profissionais responsáveis pela saúde pública e privada todos os procedimentos necessários à preservação da vida.1515 Moraes A. Estado deve tutelar direito à vida independentemente de questões religiosas Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2014. Available at: http://www.conjur.com.br/2014-ago-20/justica-comentada-estado-tutelar-direito-vida-independentemente-questoes-religiosas [accessed 19 Feb 2015].
http://www.conjur.com.br/2014-ago-20/jus...

Protocolo de atendimento

Com base no estudo feito sobre o tema, desenvolvemos o seguinte protocolo anestesiológico para pacientes testemunhas de Jeová:

  1. Identificação da situação de emergência e necessidade de transfusão.

    Documentar fielmente o quadro clínico, os sinais vitais e os exames complementares. A necessidade de transfusão deve ser evidente.

  2. Não tentar mudar a vontade ou a manifestação de vontade do paciente ou parentes.

    O paciente ou seus parentes passam por situação difícil. Em um momento no qual a fé e a religião servem como apoio, confirmar o compromisso de não transfusão é muito importante para a testemunha de Jeová. Não é aconselhável discutir ou pedir autorização para transfusão. É desnecessário. A assistente social, psicóloga ou mesmo a enfermeira podem conversar com os parentes e afirmar que a equipe de emergência entende e apoia integralmente a decisão de não transfundir, mas que a transfusão será feita para salvar a vida do paciente. Tal posição é ainda mais importante com crianças e adolescentes.

  3. Em caso de resistência física de parentes ou pacientes.

    Se houver resistência física por parte de paciente ou responsáveis que impeçam transfusão, chamar autoridade policial se necessário.

  4. Transfusão

    Em caso de risco de morte a transfusão é um dever médico. Compromisso prévio com o paciente assegurando que não irá transfundir hemoderivados durante cirurgia, bem como documento assinado por paciente ou responsável não isentam o anestesiologista de sua responsabilidade.

Conclusão

A resolução do CFM 1021/1980, o Código Penal no artigo 135, que classifica como crime a omissão de socorro, e a decisão do STJ sobre o processo HC 268.459/SP impõem ao médico a obrigação de transfusão quando houver risco de morte. Não é necessário concordância do paciente ou de seu responsável, pois não é proibida a manifestação de vontade do paciente testemunha de Jeová ao recusar transfusão sanguínea para si e seus dependentes, mesmo em emergências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2015
  • Aceito
    24 Mar 2015
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