Acessibilidade / Reportar erro

Comparação entre morfina subaracnoidea e bloqueio do nervo femoral para analgesia após reconstrução ligamentar de joelho: estudo clínico randomizado

Resumo

Justificativa e objetivos

Não há consenso sobre qual é a técnica ideal para prover analgesia em reconstruções ligamentares de joelho. Objetivou‐se comparar a intensidade da dor pós‐operatória desses pacientes sob diferentes modalidades de analgesia.

Método

Ensaio clínico randomizado e controlado de pacientes submetidos à reconstrução do ligamento cruzado anterior com tendões flexores entre dezembro de 2013 e 2014. Todos os pacientes foram submetidos a raquianestesia e analgesia de resgate com tramadol. Compararam‐se os grupos C, M, R0,375 e R0,25; aos quais se ofertou apenas a técnica anteriormente descrita, morfina subaracnóidea (100 µg) ou bloqueio de nervo femoral com 25 mL de ropivacaína 0,375% e 0,25%, respectivamente. Avaliou‐se intensidade da dor em 6, 12 e 24 horas, idade, sexo, analgesia de resgate, reações adversas e satisfação.

Resultados

Entre os 83 pacientes elegíveis, observou‐se predomínio do sexo masculino (85,7%) entre 28 e 31 anos. O Grupo C solicitou mais opioide (27,3%) do que os demais grupos, sem significância quando comparados. Não houve diferenças significativas na intensidade da dor em 6, 12 e 24 horas. Houve maior incidência de retenção urinária no Grupo M (23,8%) do que no R0,375 (0%) e de bloqueio motor prolongado do quadríceps no Grupo R0,375 (30%) do que nos Grupos M e C (0%), com significância estatística (p < 0,05).

Conclusão

Não houve diferença na intensidade da dor pós‐operatória nos pacientes submetidos à reconstrução de ligamento cruzado anterior com tendões flexores sob as modalidades analgésicas avaliadas, apesar do predomínio de retenção urinária no Grupo M e bloqueio motor no Grupo R0,375.

Palavras-chave
Dor aguda; Reconstrução do ligamento cruzado anterior; Bloqueio do nervo femoral; Anestesia espinhal

Abstract

Background and objectives

There are no consensus of the ideal technique to provide analgesia in knee ligament reconstructions. The aim of this study was to compare the intensity of postoperative pain in these patients under different modalities of analgesia.

Method

Randomized and controlled clinical trial of patients undergoing reconstruction of the Anterior Cruciate Ligament (ACL) with flexor tendons between December 2013 and 2014. All patients underwent spinal anesthesia and rescue analgesia with tramadol. The groups C, M, R0,375 and R0,25 was compared with only the previously described technique, subarachnoid morphine (100░µg), or Femoral Nerve Block (BNF) with 25░mL of 0.375% ropivacaine and 0.25%, respectively. Pain intensity at 6, 12 and 24░hours, age, sex, rescue analgesia, adverse reactions and satisfaction were evaluated.

Results

Among the 83 eligible patients, a predominance of males (85.7%) was observed, between 28 and 31 years. The group C requested more opioid (27.3%) than the other groups, without significance when compared. There were no significant differences in pain intensity at 6, 12 and 24░hours. There was a higher incidence of urinary retention in the M group (23.8%) than in the R0,375 (0%) and prolonged quadriceps motor block in the R0,375 group (30%) than in the M and C groups (0%), with statistical significance (p░<░0.05).

Conclusion

There was no difference in the intensity of postoperative pain in patients submitted to ACL reconstruction with flexor tendons under the analgesic modalities evaluated, despite the predominance of urinary retention in the M group and motor block in the R0,375 group.

Keywords
Acute pain; Anterior cruciate ligament reconstruction; Femoral nerve block; Spinal anesthesia

Introdução

A reconstrução cirúrgica do ligamento cruzado anterior (LCA) consiste na substituição do ligamento nativo por um autoenxerto, os tendões patelar e flexores são os mais comumente usados.11 Pinheiro A, Sousa CV. Lesão do ligamento cruzado anterior: apresentação clínica, diagnóstico e tratamento. Rev Port Ortop Traum. 2015;23:320-329.

Apesar de ser um tema controverso, alguns autores relatam que o uso de enxerto dos tendões flexores, quando comparado ao enxerto do tendão patelar, relaciona‐se à redução da morbidade cirúrgica, pode contribuir para uma menor intensidade de dor pós‐operatória.11 Pinheiro A, Sousa CV. Lesão do ligamento cruzado anterior: apresentação clínica, diagnóstico e tratamento. Rev Port Ortop Traum. 2015;23:320-329.

Considera‐se associar alguma técnica analgésica complementar devido à evidência de dor à incisão das cápsulas suprapatelar e meniscal, do coxim gorduroso infrapatelar e do local de inserção e retirada do enxerto.22 Law BKY, Yung PSH, Ho EPY, et al. Review of knee arthroscopy performed under local anesthesia. Sports Med Arthrosc Rehabil Ther Technol. 2009;1:1-3.

Postula‐se que a abordagem do nervo femoral na região inguinal confira analgesia à região da incisão cutânea, à inserção tibial do enxerto33 Sehmbi H, Brull R, Shah UJ, et al. Evidence basis for regional anesthesia in ambulatory arthroscopic knee surgery and anterior cruciate ligament reconstruction: part II: adductor canal nerve block—a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2019;128:223-238. e, pela possibilidade de dispersão de anestésico local até o nervo obturatório, poderia superar a analgesia da morfina administrada no espaço subaracnóideo.44 Fonseca NM, Ruzi RA, Ferreira FX, et al. Analgesia pós-operatória em cirurgia ortopédica: estudo comparativo entre o bloqueio do plexo lombar por via perivascular inguinal (3 em 1) com ropivacaína e analgesia subaracnoidea com morfina. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:188-197. Apesar da fácil execução, a administração da morfina associa‐se a efeitos colaterais indesejáveis.44 Fonseca NM, Ruzi RA, Ferreira FX, et al. Analgesia pós-operatória em cirurgia ortopédica: estudo comparativo entre o bloqueio do plexo lombar por via perivascular inguinal (3 em 1) com ropivacaína e analgesia subaracnoidea com morfina. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:188-197.,55 Bujedo BM, Santos SG, Aspiazu AU. A review of epidural and intrathecal opioids used in the management of postoperative pain. J Opioid Manag. 2012;8:177-192.

Há divergências na literatura quanto à técnica ideal para o controle da dor pós‐operatória desse grupo de pacientes. O objetivo deste trabalho foi avaliar a intensidade da dor pós‐operatória dos pacientes submetidos à reconstrução de LCA com tendões flexores e comparar a analgesia endovenosa com opioide à administração de morfina subaracnóidea e ao bloqueio do nervo femoral (BNF) com ropivacaína em diferentes concentrações.

Métodos

Fez‐se um ensaio clínico, randomizado e controlado cujo enfoque principal foi avaliar a intensidade da dor pós‐operatória dos pacientes submetidos à reconstrução de LCA com enxerto dos tendões flexores, no Hospital Universitário Cajuru em Curitiba/PR, entre dezembro de 2013 e dezembro de 2014. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC‐PR), parecer 495.780, e registrado no ClinicalTrials.gov. Não há conflitos de interesse de caráter financeiro, pessoal, acadêmico, institucional, político ou religioso.

Avaliou‐se a intensidade da dor pós‐operatória em 6, 12 e 24 horas do pós‐operatório por meio da escala visual numérica (EVN) entre 0 e 10 e conforme a intensidade leve (EVN 1‐2), moderada (EVN 3‐6) e intensa (EVN 8‐10), idade, sexo, necessidade de opioide de resgate no pós‐operatório, reações adversas, ocorrência de quedas e satisfação do paciente quanto à técnica proposta.

Foram incluídos os pacientes entre 18 e 65 anos e estado físico I e II, conforme classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA). Excluiu‐se da análise os pacientes com déficit neurológico do membro operado, diabéticos, coagulopatas, com sinais de infecção nos sítios de punção e alterações da técnica cirúrgica inicial.

Para o cálculo do tamanho amostral mínimo usou‐se o software OpenEpi 3.0, que solicita valores referentes à média e ao desvio‐padrão da variável analisada em dois grupos distintos. Com base no estudo feito por Guirro et al.,66 Guirro UBP, Tambara EM, Munhoz FR. Femoral nerve block: assessment of postoperative analgesia in arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:483-491. que avaliou a intensidade da dor em reconstruções de LCA e comparou o grupo submetido apenas a raquianestesia ao grupo em que se associou a raquianestesia ao BNF, evidenciou‐se EVN aproximada mínima de 2 e máxima de 4, sem diferença estatisticamente significativa quando comparados. Dessa forma, optou‐se por usar as variáveis descritas – EVN de 2,0 e de 4,0 (DP 2,0). Adotou‐se erro alfa de 0,05 e beta de 0,2 (poder de 80%) e o cálculo do tamanho amostral mínimo por grupo foi de 16 pacientes (n = 16).

Prevendo a ocorrência de possíveis perdas, optou‐se por randomizar 95 protocolos de pesquisa. O pesquisador principal foi responsável por identificar cada protocolo sequencialmente, conforme os quatro grupos em estudo. Posteriormente, os protocolos foram dobrados e colocados em envelopes, que foram lacrados, misturados e somente então enumerados de 1 até 95, de forma aleatória, sendo violados somente após o paciente assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Todos os grupos foram igualmente submetidos à sedação leve com midazolam e fentanil, raquianestesia com 15 mg de bupivacaína isobárica e fármacos adjuvantes no perioperatório – cetoprofeno 100 mg, dipirona 2 g, dexametasona 4 mg e ondasetrona 4 mg – e no pós‐operatório – cetoprofeno 100 mg a cada 12 horas, dipirona 1 g a cada 6 horas, tramadol 50 mg a cada 8 horas se dor refratária às medicações e ondansetrona 4 mg se náuseas ou vômitos (N/V) ocorressem.

Ao Grupo C (Controle) ofertou‐se apenas a técnica anteriormente descrita; ao Grupo M acrescentou‐se morfina subaracnóidea (100 mcg); aos grupos R0,375 e R0,25 associou‐se BNF com 25 mL de ropivacaína 0,375% e 0,25%, respectivamente (fig. 1).

Figura 1
Intervenções realizadas conforme os grupos em estudo.

Os pacientes pertencentes aos Grupos R0,375 e R0,25 foram submetidos ao BNF antes da raquianestesia, reduzindo‐se o risco de administração inadvertida de anestésico local intraneural. Posicionados em decúbito dorsal, fez‐se antissepsia e procedeu‐se ao bloqueio por meio da técnica inguinal perivascular, abordando‐se o nervo femoral 1 a 2 cm lateral à palpação do pulso da artéria femoral. Usou‐se agulha de bisel curto e estimulador de nervo periférico com intensidade entre 1 e 1,2 mA, buscou‐se atividade motora do músculo reto femoral através de elevação da patela, que se manteve após redução da intensidade do estímulo (0,6 a 0,3 mA), sem exercer pressão sobre a agulha, procedeu‐se à administração do anestésico local.

Os ortopedistas do grupo do joelho usam, desde 2008, a técnica de reconstrução anatômica do LCA com o uso dos tendões flexores, que reproduz a anatomia nativa do ligamento, com uma função biomecanicamente satisfatória e raros casos de revisão cirúrgica até então. As incisões são feitas no terço proximal da tíbia, 2 cm medial e inferior à tuberosidade anterior. Os tendões semitendíneo e grácil são dissecados com extrator de tendão (stripper) no nível de sua inserção. Ocasionalmente, associam‐se meniscectomias parciais e/ou desbridamento. Os cotos do LCA são cuidadosamente identificados e desbridados dos pontos anatômicos de inserção, minimizando‐se, assim, a possibilidade de erro de posicionamento dos túneis por meio da visualização direta dos sítios de inserção.77 Luzo MVM, Franciozi CES, Resende Fc, et al. Ligamento cruzado anterior – artigo de atualização. Rev Bras Ortop. 2016;51:385-395.

As avaliações foram feitas em 6, 12 e 24 horas do pós‐operatório por algum dos pesquisadores do estudo. Inicialmente, tentou‐se cegar esses avaliadores, o que foi descontinuado devido à incompatibilidade com a rotina da equipe.

Os resultados obtidos de variáveis quantitativas foram descritos por médias, medianas, desvios‐padrão, valores mínimos e máximos. Variáveis qualitativas foram descritas por frequências e percentuais.

Os resultados obtidos de cada grupo através da EVN foram comparados pelos testes não paramétricos de Kruskal‐Wallis ou Kolmogorov‐Smirnov. Empregou‐se o teste de Wald para comparação dos grupos. Usaram‐se os testes qui‐quadrado para comparar intensidade da dor e gênero e de Kolmogorov‐Smirnov ou Anova para comparar medianas e médias.

Os dados foram analisados com o software IBM SPSS v.20. O nível de significância adotado foi de 95% (p < 0,05).

Resultados

Dos 95 pacientes submetidos à reconstrução de LCA com o uso de tendões flexores no período proposto, 12 foram excluídos por falha em alguma das etapas da pesquisa (fig. 2).

Figura 2
Delineamento do estudo.

A média de idade dos 83 pacientes elegíveis ao estudo variou entre 28 e 31 anos, com predomínio do sexo masculino (média de 85,7%), sem diferença entre os grupos.

O Grupo C usou mais opioide no pós‐operatório quando comparado aos grupos M, R0,375 e R0,25 – 27,2% vs. 14,2%, 10% e 5%, respectivamente –, porém sem significância estatística (tabela 1). Em todos os grupos, o tramadol foi solicitado apenas uma vez, entre 8 e 14 horas do pós‐operatório, não se excedendo a dose de 50 mg. Esses pacientes foram excluídos das análises relacionadas à dor devido à possível interferência do opioide endovenoso nessa variável, podendo não refletir a dor relacionada à técnica analgésica inicialmente proposta, o que reduziu a amostra do Grupo C, M, R0,375 e R0,25 para 16, 18, 18 e 19 pacientes, respectivamente.

Tabela 1
Uso de opioide no pós-operatório

Na avaliação feita 6 horas após a anestesia, a mobilidade e a sensibilidade do membro contralateral estavam igualmente preservadas em todos os grupos, o que demonstrou o término da raquianestesia. Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de dor entre todos os grupos nas avaliações de 6, 12 e 24 horas.

A intensidade de dor através da EVN variou, em todos os grupos, entre 0,3 e 1,2 em 6 horas; 1,5 e 2,4 em 12 horas e 2,2 e 2,7 em 24 horas do início do procedimento, sem diferença estatisticamente significativa ao comparar os grupos (tabela 2). Quanto à intensidade de dor leve, moderada e intensa, observou‐se predomínio de dor leve em todos os grupos, sem diferença estatisticamente significativa quando comparados.

Tabela 2
Intensidade da dor conforme EVN em 6, 12 e 24 horas

Os grupos C, M, R0,375 e R0,25 apresentaram reações adversas em 13,6%; 33,3%; 35% e 15%, respectivamente, sem diferenças estatísticas entre os grupos. Entre as reações adversas pesquisadas, observou‐se a ocorrência de retenção urinária, bloqueio motor prolongado da musculatura do quadríceps e N/V. Nenhum paciente apresentou queda, prurido, depressão respiratória, hematoma local ou parestesia no pós‐operatório.

A incidência de retenção urinária (definida como ausência de diurese em 18 a 24 horas) foi de 13,6%; 23,8%; 0% e 5%, nos grupos C, M, R0,375 e R0,25, respectivamente. Observou‐se maior incidência no Grupo M quando comparado ao Grupo R0,375 (p = 0,048), conforme descrito na tabela 3.

Tabela 3
Ocorrência de retenção urinária

Bloqueio motor prolongado da musculatura do quadríceps (definido pela redução da força muscular 18 a 24 horas após o BNF) foi evidente no Grupo R0,375 (30%) e estatisticamente maior do que nos grupos C (p = 0,07) e M (p = 0,009); conforme demonstrado na tabela 4.

Tabela 4
Ocorrência de bloqueio motor prolongado do quadríceps

A queixa de N/V ocorreu apenas nos pacientes pertencentes ao Grupo M (10%), sem significância estatística ao comparar os grupos.

Todos os pacientes referiram estar satisfeitos com as técnicas anestésica e analgésica empregadas.

Discussão

As modalidades de analgesia ofertadas nesta pesquisa aos pacientes submetidos à reconstrução de LCA com tendões flexores foram semelhantes no controle da dor pós‐operatória, porém observou‐se predomínio de retenção urinária no Grupo M e bloqueio motor prolongado no Grupo R0,375.

Uma revisão avaliou 48 mil pacientes submetidos a reconstrução de LCA nos Estados Unidos entre 2004 e 2009, e evidenciou predomínio do sexo masculino (63,4%) e da faixa entre 10 e 29 anos,88 Leathers MP, Merz A, Wong J, et al. Trends and demographics in anterior cruciate ligament reconstruction in the United States. J Knee Surg. 2015;28:390-394. o que corroborou com os dados apresentados.

Um estudo que avaliou pacientes submetidos a reconstrução de LCA com enxerto dos tendões patelar e flexores, sob raquianestesia associada ou não ao BNF (20 mL de ropivacaína 0,5%), também não evidenciou diferença significativa na intensidade média da dor através da EVN nas avaliações de 6 horas (2,1 vs. 2,5), 12 horas (3,9 vs. 3,2) e 24 horas (2,4 vs. 2,3).66 Guirro UBP, Tambara EM, Munhoz FR. Femoral nerve block: assessment of postoperative analgesia in arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:483-491.

Um ensaio clínico randomizado feito por Harbell et al.99 Harbell MW, Cohen JM, Kolodzie K, et al. Combined preoperative femoral and sciatic nerve blockade improves analgesia after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized controlled clinical trial. J Clin Anesth. 2016;33:68-74. em pacientes submetidos à reconstrução cirúrgica do LCA sob anestesia geral comparou a analgesia ofertada pelo BNF (20‐30 mL de ropivacaína 0,5%) vs. BNF associado ao bloqueio do nervo ciático (20‐30 mL de ropivacaína 0,5%) e evidenciou maior intensidade de dor no primeiro grupo (EVN de 7 vs. 5; p = 0,002); maior permanência na sala de recuperação (128,2 vs. 103,1 minutos; p = 0,006) e maior consumo de opioides durante a permanência no centro cirúrgico (equivalente a 31,8 vs. 19,8 mg de morfina; p < 0,001); porém sem diferença nas avaliações subsequentes, até 72 horas do pós‐operatório. Na atual pesquisa, a duração da raquianestesia pode ter ocultado possíveis diferenças na analgesia nas primeiras horas do pós‐operatório.

Há descrição de sucesso anestésico do BNF com 40 mL de ropivacaína 0,5% sobre os nervos femoral, obturatório e cutâneo lateral da coxa em 100%, 90% e 85%, respectivamente. Esse bloqueio mostrou‐se mais efetivo do que a morfina subaracnóidea para conferir analgesia em cirurgias de quadril, fêmur e joelho nas avaliações feitas em até 16 horas do pós‐operatório, porém os efeitos foram considerados mais constantes no grupo da morfina.44 Fonseca NM, Ruzi RA, Ferreira FX, et al. Analgesia pós-operatória em cirurgia ortopédica: estudo comparativo entre o bloqueio do plexo lombar por via perivascular inguinal (3 em 1) com ropivacaína e analgesia subaracnoidea com morfina. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:188-197.

Uma revisão sistemática que comparou o BNF à analgesia multimodal em reconstruções de LCA demonstrou não haver diferença significativa no escore da dor e no tempo de alta hospitalar entre os grupos.1010 Swank KR, Di Bartola AC, Everhart JS, et al. The effect of femoral nerve block on quadriceps strength in anterior cruciate ligament reconstruction: a systematic review. Arthroscopy. 2017;33:1082-1091.

Um estudo demonstrou que, quando comparado à raquianestesia isolada, o BNF esteve associado ao melhor controle da dor nas primeiras 12 horas do pós‐operatório de reconstruções de LCA com o uso de enxerto dos tendões patelar e flexores, tornando‐se uma opção para analgesia nessa população desde que se permaneça atento à possibilidade de queda.66 Guirro UBP, Tambara EM, Munhoz FR. Femoral nerve block: assessment of postoperative analgesia in arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:483-491.

Frost et al.1111 Frost S, Grossfeld S, Kirkley A, et al. The efficacy of femoral nerve block in pain reduction for outpatient hamstring anterior cruciate ligament reconstruction: a double-blind, prospective, randomized trial. Arthroscopy. 2000;16:243-248. compararam o BNF com bupivacaína 0,25% ao grupo placebo em reconstrução de LCA com tendões flexores e observaram redução da dor pós‐operatória apenas na noite da cirurgia, sem evidência de significância clínica, e não apoiaram o BNF para conferir analgesia ao procedimento em questão.

Um estudo randomizado e duplo‐cego que submeteu os pacientes à anestesia geral e BNF (20 mL de ropivacaína 0,75%) associado ou não à infiltração do sítio de retirada do enxerto e da incisão cirúrgica (40 mL de ropivacaína 0,25%) evidenciou significativa redução na intensidade de dor conforme EVN (4,2 para 2,3 na 1ª hora; 2,8 para 1,3 na 6ª hora) e na dose do fentanil (58 para 35 µg) e da morfina (10 para 6 mg) de resgate nas primeiras 6 horas do pós‐operatório, sem diferença após esse período.1212 Faun P, Lund B, Christiansen SE, et al. Analgesic effect of hamstring block after anterior cruciate ligament reconstruction compared with placebo: a prospective randomized trial. Arthroscopy. 2015;31:63-68.

De forma semelhante, uma coorte prospectiva demonstrou redução do consumo de opioide no pós‐operatório, porém sem redução da intensidade da dor e sem diferença funcional em 6 meses.1313 Lefevre N, Klouche S, Pamphilis O, et al. Peri-articular local infiltration analgesia versus femoral nerve block for postoperative pain control following anterior cruciate ligament reconstruction: prospective, comparative, non-inferiority study. Orthop Traumatol Surg Res. 2016;102:873-877. Tais achados corroboram os dados de estudos que consideram ser o sítio de retirada do enxerto o local responsável pela maior intensidade de dor, correspondendo, no caso dos tendões flexores, aos nervos tibial e obturatório.33 Sehmbi H, Brull R, Shah UJ, et al. Evidence basis for regional anesthesia in ambulatory arthroscopic knee surgery and anterior cruciate ligament reconstruction: part II: adductor canal nerve block—a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2019;128:223-238.

Kristensen et al.1414 Kristensen PK, Pfeiffer-Jensen M, Storm JO, et al. Local infiltration analgesia is comparable to femoral nerve block after anterior cruciate ligament reconstruction with hamstring tendon graft: a randomised controlled trial. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2014;22:317-323. randomizaram 60 pacientes submetidos à reconstrução de LCA com tendões flexores, compararando BNF vs. infiltração local (20 mL de ropivacaína 0,2%) associados à administração de AL intra‐articular, e não evidenciaram diferença quanto à intensidade da dor e ao consumo de opioide em até 48 horas do pós‐operatório.

Observou‐se maior ocorrência de retenção urinária no Grupo M (23,8%), o que foi ao encontro dos dados encontrados na literatura, que descrevem incidência de retenção urinária relacionada à administração de morfina no neuroeixo entre 17,3 a 29,9%, sem relação com a dose administrada.1515 Dolin SJ, Cashman JN. Tolerability of acute postoperative pain management: nausea, vomiting, sedation, pruritus, and urinary retention. Evidence from published data. Br J Anaesth. 2005;95:584-591. Entretanto, esse achado pode ocorrer em todos os grupos, como consequência do bloqueio autonômico relacionado à raquianestesia.1616 Imbelloni LE, Beato L. Comparação entre raquianestesia, bloqueio combinado raqui-peridural e raquianestesia contínua para cirurgias de quadril em pacientes idosos. Estudo retrospectivo. Rev Bras Anestesiol. 2002;52:316-325.

Bloqueio motor prolongado da musculatura do quadríceps foi evidente no Grupo R0,375 (30%) e estatisticamente significativo quando comparado aos grupos em que o BNF não foi feito; não foram evidenciadas quedas. Um trabalho correlato descreve a ocorrência de paralisia motora transitória do quadríceps em 80,8% dos pacientes submetidos ao BNF com bupivacaína 0,5%, o que levou dois pacientes (7,7%) à queda ao deambular.66 Guirro UBP, Tambara EM, Munhoz FR. Femoral nerve block: assessment of postoperative analgesia in arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:483-491. Por ser menos lipofílica, a ropivacaína penetra menos nas fibras motoras mielinizadas e acarreta menor bloqueio motor quando comparada à bupivacaína.1717 Kuthiala G, Chaudhary G. Ropivacaine: a review of its pharmacology and clinical use. Indian J Anaesth. 2011;55:104-110.

Fonseca et al.44 Fonseca NM, Ruzi RA, Ferreira FX, et al. Analgesia pós-operatória em cirurgia ortopédica: estudo comparativo entre o bloqueio do plexo lombar por via perivascular inguinal (3 em 1) com ropivacaína e analgesia subaracnoidea com morfina. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:188-197. avaliaram o BNF 3 em 1 e descreveram que a duração do bloqueio motor conferido por 40 mL de ropivacaína 0,5% foi de 9,9 ± 3,54 horas. Uma metanálise descreveu redução da contração isométrica voluntária máxima do quadríceps na primeira hora do pós‐operatório em 79,4% dos pacientes submetidos ao BNF.33 Sehmbi H, Brull R, Shah UJ, et al. Evidence basis for regional anesthesia in ambulatory arthroscopic knee surgery and anterior cruciate ligament reconstruction: part II: adductor canal nerve block—a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2019;128:223-238.

Uma revisão sistemática feita por Swank1010 Swank KR, Di Bartola AC, Everhart JS, et al. The effect of femoral nerve block on quadriceps strength in anterior cruciate ligament reconstruction: a systematic review. Arthroscopy. 2017;33:1082-1091. avaliou dados relacionados aos testes isocinéticos e funcionais da musculatura do quadríceps em pacientes submetidos ao BNF versus anestesia multimodal para reconstrução de LCA e evidenciou maior déficit motor no pós‐operatório precoce (sem relevância clínica ou funcional aparente), porém com resultados conflitantes em 6 meses.

Um estudo de coorte que avaliou crianças e adolescentes submetidas à reconstrução de LCA evidenciou déficit isocinético significativo na força de extensão e flexão do joelho seis meses após o procedimento no grupo submetido ao BNF, com propensão quatro vezes menor para retorno aos esportes em 6 meses.1818 Luo TD, Ashraf A, Dahm DL, et al. Femoral nerve block is associated with persistent strength deficits at 6 months after anterior cruciate ligament reconstruction in pediatric and adolescent patients. Am J Sports Med. 2014;43:331-336.

Um estudo retrospectivo de adultos submetidos à reconstrução do LCA com enxerto do tendão patelar que comparou o BNF com bupivacaína 0,5% (20‐30 mL), seguido de 10 mL.h‐1 de bupivacaína 0,1% por 40 horas vs. ausência do BNF, evidenciou menor força de extensão e maior déficit funcional do joelho em 6 meses, porém sem diferenças quanto ao retorno ao esporte.1919 Krych A, Arutyunyan G, Kuzma S, et al. Adverse effect of femoral nerve blockade on quadriceps strength and function after ACL reconstruction. J Knee Surg. 2015;28:83-88.

Um estudo que avaliou os pacientes submetidos à reconstrução de LCA sob anestesia geral comparou BNF vs. BCA guiados por ultrassom, com ropivacaína 0,5% (20 mL), demonstrou não haver diferença na analgesia pós‐operatória, porém no último preservou‐se a força muscular do quadríceps.2020 Abdallah FW, Whelan DB, Chan VW, et al. Adductor canal block provides noninferior analgesia and superior quadriceps strength compared with femoral nerve block in anterior cruciate ligament reconstruction. Anesthesiology. 2016;124:1053-1064.

Apesar da ausência da superioridade analgésica, uma metanálise que comparou a analgesia conferida pelo bloqueio do canal adutor (BCA) ao BNF e ao grupo controle evidenciou redução da contração isométrica voluntária máxima em 26,2% dos pacientes submetidos ao bloqueio do nervo safeno, possivelmente relacionado à realização de bloqueios mais proximais (meio da coxa).33 Sehmbi H, Brull R, Shah UJ, et al. Evidence basis for regional anesthesia in ambulatory arthroscopic knee surgery and anterior cruciate ligament reconstruction: part II: adductor canal nerve block—a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2019;128:223-238.

O bloqueio motor decorrente do BNF pode influenciar diretamente a feitura de fisioterapia precoce, enquanto a administração subaracnóidea de morfina é pouco eficaz no controle da dor dinâmica,2121 Oliveira AS, Torres HP. O papel dos bloqueios anestésicos no tratamento da dor de origem cancerosa. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:654-662. fatores que podem interferir negativamente na reabilitação.

Muitos serviços ainda usam o BNF ou o BCA como técnica isolada de eleição para conferir analgesia em cirurgias de joelho, porém deve‐se rever sua indicação nessa modalidade cirúrgica. A indisponibilidade da ultrassonografia na época de início da pesquisa impossibilitou a feitura de bloqueios puramente sensitivos.

Não há consenso na literatura quanto à técnica ideal para o controle da dor pós‐operatória em reconstruções de LCA com enxerto de tendões flexores. Dessa forma, deve‐se avaliar cada técnica de forma individualizada, a fim de reduzir a dor, o consumo de opioides no pós‐operatório e a morbidade dos pacientes.

Conclusão

A intensidade de dor relacionada a reconstruções de LCA com enxerto de tendões flexores foi semelhante entre os grupos, porém observou‐se mais retenção urinária no grupo em que se administrou morfina subaracnoídea e mais bloqueio motor no grupo em que se fez o BNF com ropivacaína 0,375%.

Agradecimentos

A todos os colegas anestesiologistas e ortopedistas do Hospital Universitário Cajuru, que propiciaram a realização deste trabalho.

References

  • 1
    Pinheiro A, Sousa CV. Lesão do ligamento cruzado anterior: apresentação clínica, diagnóstico e tratamento. Rev Port Ortop Traum. 2015;23:320-329.
  • 2
    Law BKY, Yung PSH, Ho EPY, et al. Review of knee arthroscopy performed under local anesthesia. Sports Med Arthrosc Rehabil Ther Technol. 2009;1:1-3.
  • 3
    Sehmbi H, Brull R, Shah UJ, et al. Evidence basis for regional anesthesia in ambulatory arthroscopic knee surgery and anterior cruciate ligament reconstruction: part II: adductor canal nerve block—a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2019;128:223-238.
  • 4
    Fonseca NM, Ruzi RA, Ferreira FX, et al. Analgesia pós-operatória em cirurgia ortopédica: estudo comparativo entre o bloqueio do plexo lombar por via perivascular inguinal (3 em 1) com ropivacaína e analgesia subaracnoidea com morfina. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:188-197.
  • 5
    Bujedo BM, Santos SG, Aspiazu AU. A review of epidural and intrathecal opioids used in the management of postoperative pain. J Opioid Manag. 2012;8:177-192.
  • 6
    Guirro UBP, Tambara EM, Munhoz FR. Femoral nerve block: assessment of postoperative analgesia in arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:483-491.
  • 7
    Luzo MVM, Franciozi CES, Resende Fc, et al. Ligamento cruzado anterior – artigo de atualização. Rev Bras Ortop. 2016;51:385-395.
  • 8
    Leathers MP, Merz A, Wong J, et al. Trends and demographics in anterior cruciate ligament reconstruction in the United States. J Knee Surg. 2015;28:390-394.
  • 9
    Harbell MW, Cohen JM, Kolodzie K, et al. Combined preoperative femoral and sciatic nerve blockade improves analgesia after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized controlled clinical trial. J Clin Anesth. 2016;33:68-74.
  • 10
    Swank KR, Di Bartola AC, Everhart JS, et al. The effect of femoral nerve block on quadriceps strength in anterior cruciate ligament reconstruction: a systematic review. Arthroscopy. 2017;33:1082-1091.
  • 11
    Frost S, Grossfeld S, Kirkley A, et al. The efficacy of femoral nerve block in pain reduction for outpatient hamstring anterior cruciate ligament reconstruction: a double-blind, prospective, randomized trial. Arthroscopy. 2000;16:243-248.
  • 12
    Faun P, Lund B, Christiansen SE, et al. Analgesic effect of hamstring block after anterior cruciate ligament reconstruction compared with placebo: a prospective randomized trial. Arthroscopy. 2015;31:63-68.
  • 13
    Lefevre N, Klouche S, Pamphilis O, et al. Peri-articular local infiltration analgesia versus femoral nerve block for postoperative pain control following anterior cruciate ligament reconstruction: prospective, comparative, non-inferiority study. Orthop Traumatol Surg Res. 2016;102:873-877.
  • 14
    Kristensen PK, Pfeiffer-Jensen M, Storm JO, et al. Local infiltration analgesia is comparable to femoral nerve block after anterior cruciate ligament reconstruction with hamstring tendon graft: a randomised controlled trial. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2014;22:317-323.
  • 15
    Dolin SJ, Cashman JN. Tolerability of acute postoperative pain management: nausea, vomiting, sedation, pruritus, and urinary retention. Evidence from published data. Br J Anaesth. 2005;95:584-591.
  • 16
    Imbelloni LE, Beato L. Comparação entre raquianestesia, bloqueio combinado raqui-peridural e raquianestesia contínua para cirurgias de quadril em pacientes idosos. Estudo retrospectivo. Rev Bras Anestesiol. 2002;52:316-325.
  • 17
    Kuthiala G, Chaudhary G. Ropivacaine: a review of its pharmacology and clinical use. Indian J Anaesth. 2011;55:104-110.
  • 18
    Luo TD, Ashraf A, Dahm DL, et al. Femoral nerve block is associated with persistent strength deficits at 6 months after anterior cruciate ligament reconstruction in pediatric and adolescent patients. Am J Sports Med. 2014;43:331-336.
  • 19
    Krych A, Arutyunyan G, Kuzma S, et al. Adverse effect of femoral nerve blockade on quadriceps strength and function after ACL reconstruction. J Knee Surg. 2015;28:83-88.
  • 20
    Abdallah FW, Whelan DB, Chan VW, et al. Adductor canal block provides noninferior analgesia and superior quadriceps strength compared with femoral nerve block in anterior cruciate ligament reconstruction. Anesthesiology. 2016;124:1053-1064.
  • 21
    Oliveira AS, Torres HP. O papel dos bloqueios anestésicos no tratamento da dor de origem cancerosa. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:654-662.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2019
  • Aceito
    14 Ago 2019
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org