Acessibilidade / Reportar erro

Injeção espinhal de anestésico local durante injeção em facetas articulares cervicais

Resumo

Introdução:

A dor nas articulações facetárias é uma fonte mundialmente comum de dores nas costas não radiculares. As modalidades de intervenções não cirúrgicas continuam sendo os pilares no tratamento da dorsalgia facetária e ocupam o segundo lugar entre os procedimentos mais comumente feitos nos EUA para o manejo da dor.

Relato de caso:

Paciente do sexo masculino, 36 anos, com dor cervical crônica secundária à artrose facetária em C6-C7 (confirmada por radiografia), submetido a exame diagnóstico bilateral das facetas com injeção de anestésico local sob orientação fluoroscópica. O lado esquerdo foi injetado sem intercorrências; porém, um-dois minutos após a injeção do lado direito, o paciente queixou-se de mal-estar e ficou muito ansioso. Mencionou parestesia nos braços, no tórax e no abdome superior. O exame físico revelou déficits sensoriais de, aproximadamente, C5 a T7, sem déficit motor; medidas de reanimação não eram justificáveis. Os déficits foram completamente resolvidos em 35-40 minutos na área de recuperação.

Discussão:

A aplicação de injeções nas articulações facetárias é um método comum e seguro de tratar a dor nas costas secundária à artropatia facetária. Apesar dos excelentes perfis de segurança, complicações raras e, às vezes, com risco de morte podem ocorrer. Nosso caso relata a injeção intratecal de anestésico local durante injeção nas facetas articulares. Poucos relatos descreveram situações semelhantes. Levantamos a hipótese de um mecanismo de entrada através da faceta articular, por causa da proximidade do ligamento amarelo e do espaço intratecal com o aspecto anterior da faceta articular. Esse relato reforça a necessidade de reanimação e de equipamentos para o manejo das vias aéreas estarem prontamente disponíveis quando procedimentos intervencionistas são feitos, bem como a necessidade de estabelecer o domínio do conhecimento no manejo das vias aéreas e das técnicas de reanimação e treinamento em medicina da dor.

PALAVRAS-CHAVE
Injeções; Intra-articular; Articulações zigoapofisárias; Controle da dor

Abstract

Introduction:

Facet joint pain is a common source of non-radicular back pain worldwide. Non-surgical interventional modalities remain the mainstay in the treatment of facetogenic back pain and comprise the second most commonly performed interventional pain procedures in the USA.

Case:

A 36 year-old man with chronic cervical pain secondary to C6-C7 facet arthrosis radiographically, underwent diagnostic local anesthetic bilateral facet joint injection under fluoroscopic guidance. The left side was injected uneventfully; however, 1-2 min following injection of the right side the patient complained of unwellness and became very anxious. He referred paresthesias of the bilateral upper extremities, chest and upper abdomen. Physical examination showed sensory deficits roughly from C5 to T7 without motor deficits; resuscitation measures were not warranted. The deficits were completely resolved by 35-40 min in the recovery area.

Discussion:

Facet joint injections are a common and safe method of treating back pain secondary to facet arthropathy. Despite excellent safety profiles, rare and sometimes, life-threatening complications can occur. Our case hypothesizes intrathecal injection of local anesthetic during facet joint injection. Few reports have described similar situations. We hypothesize a mechanism of entry through the facet joint, given the proximity of the ligamentum flavum, and the intrathecal space to the anterior aspect of the facet joint. This report reinforces the need for resuscitation and airway management equipment to be readily available where interventional procedures are performed, as well as the need for adequate proficiency in airway management and resuscitation techniques in Pain Medicine training.

KEYWORDS
Injections; Intra-articular; Zygapophyseal joint; Pain management

Introdução

A dor crônica nas costas é um problema comum e sério no mundo moderno, com até 84% dos adultos que sofrem desse mal em algum momento de suas vidas.11 Cassidy JD, Carroll LJ, Cote P. The Saskatchewan health and back pain survey. The prevalence of low back pain and related disability in Saskatchewan adults. Spine. 1998;23:1860-1866.

A dor oriunda das facetas articulares (FAs), que resulta da artrose das articulações zigapofisárias da coluna vertebral, é uma fonte comum de dor nas costas não radicular, com índices de prevalência estimados em até 15-40% na coluna lombar22 Beresford ZM, Kendall RW, Willick SE. Lumbar facet syndromes. Pain Pract. 2010;10:113-123. e 45-55% no pescoço.33 van Eerd M, Patijn J, Lataster A, et al. 5. Cervical facet pain. Pain Pract. 2010;10:113-123.

Apesar das evidências controversas que apoiam sua eficácia,44 Chou R, Loeser JD, Owens DK, et al. Interventional therapies, surgery, and interdisciplinary rehabilitation for low back pain: an evidence-based clinical practice guideline from the American Pain Society. Spine. 2009;34:1066-1077. as modalidades de intervenções não cirúrgicas para tratar esses distúrbios (p. ex., injeções em FAs, bloqueios do ramo medial e ablações com radiofrequência [ARF] do BRM) continuam sendo os pilares no tratamento de dorsalgia facetária55 Falco FJ, Manchikanti L, Datta S, et al. An update of the effectiveness of therapeutic lumbar facet joint interventions. Pain Physician. 2012;15:E909-E953. e ocupam o segundo lugar entre os procedimentos mais comumente feitos nos EUA para o manejo da dor.66 Manchikanti L. The growth of interventional pain management in the new millennium: a critical analysis of utilization in the medicare population. Pain Physician. 2004;7:465-482. Apresentamos uma complicação rara desses procedimentos comuns - o caso de injeção intratecal de anestésico local durante injeções em FAs.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 36 anos, saudável em outros aspectos, com história de dor crônica na região cervical com duração de 10 meses, artrose facetária em C6-C7 (confirmada por radiografia) após fusão da coluna cervical, submetido a exame diagnóstico bilateral das FAs com injeção de anestésico local. O paciente foi posicionado em pronação e as FAs C6-C7 foram localizadas e marcadas sob fluoroscopia, seguido de preparação da pele com clorexidina e de campos estéreis. Uma agulha espinhal de calibre 22 foi inserida por via percutânea e direcionada por fluoroscopia até que a inserção na cápsula articular foi sentida como uma queda no espaço articular. Isso foi confirmado com injeção de 0,5 mL de meio de contraste contendo iodo, com artrogramas satisfatórios (fig. 1), seguido de aspiração negativa e injeção subsequente de 1 mL de bupivacaína a 0,5% do lado esquerdo e 0,75 mL do lado direito, de acordo com o espaço articular. O lado esquerdo foi injetado sem intercorrências; porém, um-dois minutos após a injeção do lado direito, o paciente queixou-se de mal-estar e ficou muito ansioso. O paciente foi posicionado em decúbito dorsal e administramos oxigênio via cânula nasal. Os sinais vitais e a saturação de oxigênio permaneceram inalterados, com exceção de uma leve taquicardia e taquipneia; equipamentos básicos de intubação e reanimação estavam prontamente disponíveis. O paciente mencionou sensação desagradável de parestesia (alfinetadas, queimação, dormência) nos membros superiores, no tórax e no abdome superior. Ao exame físico, apresentou déficits sensoriais à sensação de temperatura nas áreas referidas, aproximadamente de C5 a T7, sem déficit motor.

Figura 1
Artrograma fluoroscópico das facetas articulares bilaterais C6-C7.

O paciente foi observado na sala de intervenções por 10 minutos, com melhoria dos déficits sensoriais, que foram completamente resolvidos em 35-40 minutos na área de recuperação. Déficits residuais não foram observados e o paciente recebeu alta hospitalar.

Discussão

Injeções nas FAs são um método comum e seguro de tratar a dor nas costas, não radicular, em pacientes com achados sugestivos de artropatia facetária.55 Falco FJ, Manchikanti L, Datta S, et al. An update of the effectiveness of therapeutic lumbar facet joint interventions. Pain Physician. 2012;15:E909-E953. Apesar dos excelentes perfis de segurança, complicações raras e, às vezes, com risco de morte podem ocorrer. Nosso caso relata a injeção intratecal de anestésico local durante injeção nas FAs. Poucos relatos descreveram situações semelhantes com efeitos neurológicos e hemodinâmicos mais pronunciados;77 Goldstone JC, Pennant JH. Spinal anaesthesia following facet joint injection. A report of two cases. Anaesthesia. 1987;42:754-756.,88 Marks R, Semple AJ. Spinal anaesthesia after facet joint injection. Anaesthesia. 1988;43:65-66. concomitantemente, essas situações ocorreram após a injeção espinhal de doses anestésicas (aproximadamente 10 mg) de bupivacaína por via intratecal. A nossa hipótese foi a existência de um mecanismo de entrada através da FA, por causa da proximidade do ligamento amarelo e, consequentemente, do espaço intratecal com o aspecto anterior da cápsula da FA.99 Lewin T, Moffett B, Vidik A. The morphology of the lumbar synovial interveertebral joints. Acta Morphol Neerl Scand. 1962;4:299-319. A dose minúscula injetada de bupivacaína (entre 2,5 e 5 mg) pode ser responsável pela ausência de simpatectomia e curta duração dos sintomas. Outra hipótese seria a propagação subdural, em vez intratecal, do anestésico local; porém, considera-se que o volume injetado é insuficiente para desencadear tais déficits generalizados.

Este relato reforça a necessidade de manter prontamente disponíveis os equipamentos de reanimação, incluindo oxigênio suplementar, acessórios intravenosos, intubação e equipamentos de monitoramento, bem como medicamentos vasoativos, em qualquer local onde são feitos procedimentos de intervenção. Enfatizamos, principalmente, a necessidade de estabelecer o domínio do conhecimento no manejo das vias aéreas e das técnicas de reanimação e treinamento em medicina da dor, especialmente para médicos sem experiência em anestesia.

References

  • 1
    Cassidy JD, Carroll LJ, Cote P. The Saskatchewan health and back pain survey. The prevalence of low back pain and related disability in Saskatchewan adults. Spine. 1998;23:1860-1866.
  • 2
    Beresford ZM, Kendall RW, Willick SE. Lumbar facet syndromes. Pain Pract. 2010;10:113-123.
  • 3
    van Eerd M, Patijn J, Lataster A, et al. 5. Cervical facet pain. Pain Pract. 2010;10:113-123.
  • 4
    Chou R, Loeser JD, Owens DK, et al. Interventional therapies, surgery, and interdisciplinary rehabilitation for low back pain: an evidence-based clinical practice guideline from the American Pain Society. Spine. 2009;34:1066-1077.
  • 5
    Falco FJ, Manchikanti L, Datta S, et al. An update of the effectiveness of therapeutic lumbar facet joint interventions. Pain Physician. 2012;15:E909-E953.
  • 6
    Manchikanti L. The growth of interventional pain management in the new millennium: a critical analysis of utilization in the medicare population. Pain Physician. 2004;7:465-482.
  • 7
    Goldstone JC, Pennant JH. Spinal anaesthesia following facet joint injection. A report of two cases. Anaesthesia. 1987;42:754-756.
  • 8
    Marks R, Semple AJ. Spinal anaesthesia after facet joint injection. Anaesthesia. 1988;43:65-66.
  • 9
    Lewin T, Moffett B, Vidik A. The morphology of the lumbar synovial interveertebral joints. Acta Morphol Neerl Scand. 1962;4:299-319.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2014
  • Aceito
    28 Abr 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org