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Pseudocisto de pâncreas ectópico: diagnóstico e tratamento percutâneo guiado por TCMD

Sr. Editor,

Homem, 40 anos, com queixa de dor abdominal intensa, náuseas e vômitos com duração de 12 horas. Negou comorbidades, mas relatou quadro concomitante de constipação e história de libação alcoólica nos últimos três dias. No exame físico, apresentou dor abdominal à palpação no baixo ventre. Tomografia computadorizada multidetectores (TCMD) do abdome total mostrou pâncreas normal e uma formação tecidual com densidade semelhante ao parênquima pancreático (Figura 1), de 30 UH, localizada no mesentério, em íntimo contato com segmento proximal de alça jejunal, medindo 2,8 × 2,9 × 2,9 cm, apresentando líquido adjacente (Figuras 1 e 2). O paciente foi internado, com amilase e lipase elevadas, sendo realizado tratamento de suporte nutricional e cobertura antibiótica. A dor piorou e persistiu nos 12 dias subsequentes. Nova TCMD demonstrou formação de pseudocápsula, com realce pelo meio de contraste, e permanência de líquido adjacente. Optou-se pela drenagem percutânea para avaliação de infecção, citologia oncótica e dosagem de amilase no líquido (Figura 2). A citometria mostrou presença de leucócitos, contagem diferencial com predomínio de mononucleares (60% de linfócitos) e ausência de malignidade. Pesquisas de fungo, BAAR, Gram e bacteriológica foram negativas, pH = 7,79 e LDH = 405 UI/mL, com amilase de 1207,0 UI/L. O paciente apresentou boa evolução pós-drenagem, recebeu alta em boas condições clínicas e está em acompanhamento ambulatorial nos últimos seis meses, assintomático.

Figure 1
TCMD do abdome total, corte axial, após administração de meio de contraste iodado intravenoso, na fase arterial (A) e portal (B). Observar o pâncreas em sua localização habitual, sem sinais inflamatórios (A). Em B, observar tecido pancreático ectópico, localizado no mesentério, em íntimo contato com o segmento proximal de alça jejunal, com líquido adjacente.

Figure 2
TCMD do abdome total, corte coronal oblíquo na fase portal (A), em que o pâncreas normal está em sua localização habitual (asterisco simples) e o pâncreas ectópico possui densidade semelhante e sinais inflamatórios (asterisco duplo). Em B, punção e drenagem percutânea guiada por TCMD.

Lesões tumorais e pseudotumorais do abdome superior têm sido motivo de recentes publicações na literatura radiológica brasileira(11 Sousa CSM, Miranda CLVM, Avelino MC, et al. Diffuse plasmacytoma of the pancreas: a rare entity. Radiol Bras. 2017;50:344-5.

2 Siqueira GRS, Guimarães MD, Franco LFS, et al. Exophytic hepatocellular carcinoma, simulating a mesenchymal tumor, in a non-cirrhotic liver. Radiol Bras. 2017;50:62-3.

3 Staziaki PV, Teixeira BCA, Pedrazzani BM, et al. Hepatoblastoma with solid and multicystic aspect mimicking a mesenchymal hamartoma: imaging and anatomopathologic findings. Radiol Bras. 2017;50:68.

4 Fajardo L, Ramin GA, Penachim TJ, et al. Abdominal manifestations of extranodal lymphoma: pictorial essay. Radiol Bras. 2016;49:397-402.

5 Candido PCM, Pereira IMF, Matos BA, et al. Giant pedunculated hemangioma of the liver. Radiol Bras. 2016;49:57-8.

6 Giardino A, Miller FH, Kalb B, et al. Hepatic epithelioid hemangioendothelioma: a report from three university centers. Radiol Bras. 2016;49: 288-94.
-77 Fabro M, Fabro SR, Sales RSO, et al. Pulse granuloma: a rare condition mimicking a gastric tumor. Radiol Bras. 2016;49:272-3.). O pâncreas ectópico é uma condição rara, mais comum no sexo masculino, entre a quarta e sexta décadas de vida. É definido como tecido pancreático em localização anômala, sem nenhuma conexão anatômica, neural ou vascular com o pâncreas normal(88 Lee SL, Ku YM, Lee HH, et al. Gastric ectopic pancreas complicated by formation of a pseudocyst. Clin Res Hepatol Gastroenterol. 2014;38: 389-91.). A sua patogenia é desconhecida, porém, existem duas teorias para ele: a primeira diz que ocorre transplantação de células pancreáticas embrionárias para estruturas vizinhas durante o processo de rotação do intestino, e a segunda propõe que brotos embrionários permaneceriam aderidos ao duodeno primitivo, podendo ser transportados, durante o crescimento e formação do trato gastrintestinal, para locais proximais ou distais do duodeno primitivo(99 Machado MM, Rosa ACF, Barros N, et al. Ultra-sonografia endoscópica (USE) do esôfago, estômago, cólons e reto. Radiol Bras. 2002;35:219-23.).

A maioria dos portadores de pâncreas ectópico é assintomática e o diagnóstico geralmente é incidental por ocasião de exame de imagem ou de explorações cirúrgicas motivados por outras doenças(1010 Surov A, Hainz M, Hinz L, et al. Ectopic pancreas with pseudocyst and pseudoaneurysm formation. Clin Radiol. 2009;64:734-7.,1111 Bromberg SH, Camilo Neto C, Borges AFA, et al. Heterotopia pancreática: análise clínico-patológica de 18 doentes. Rev Col Bras Cir. 2010;37:413-9.). É importante salientar que presença de tecido pancreático ectópico é capaz de reproduzir todas as doenças do pâncreas nativo(1212 Sharma DK, Agarwal S, Saran RK, et al. Pseudocyst of ectopic pancreas of the duodenal wall masquerading as malignant cystic tumor of pancreas. Saudi J Gastroenterol. 2009;15:271-3.).

O tratamento está diretamente relacionado aos sintomas e ao grau de malignidade. Autores defendem a ressecção em pacientes sintomáticos, com lesões maiores que 3,0 cm, e possível malignidade. Porém, quando menores que 3,0 cm ou incidentalomas, não há ainda um consenso quanto a indicação de ressecção versus tratamento conservador percutâneo com vigilância periódica. A ressecção do pâncreas ectópico pode ser efetuada por via endoscópica ou cirúrgica(1313 Ourô S, Taré F, Moniz L. Ectopia pancreática. Acta Med Port. 2011;24: 361-6.).

Concluindo, acreditamos que, apesar de rara, a abordagem de pseudocisto(1414 Guaraldi S, Sá E, Romano S, et al. O papel da endoscopia no diagnóstico das neoplasias císticas primárias do pâncreas. Radiol Bras. 2005; 38:451-8.) em pâncreas ectópico é de grande importância para afastar presença de células neoplásica e infecção, facilitando o tratamento clínico e a vigilância periódica do paciente, tendo o radiologista papel imprescindível nesse diagnóstico.

REFERENCES

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    Sousa CSM, Miranda CLVM, Avelino MC, et al. Diffuse plasmacytoma of the pancreas: a rare entity. Radiol Bras. 2017;50:344-5.
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  • 3
    Staziaki PV, Teixeira BCA, Pedrazzani BM, et al. Hepatoblastoma with solid and multicystic aspect mimicking a mesenchymal hamartoma: imaging and anatomopathologic findings. Radiol Bras. 2017;50:68.
  • 4
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  • 5
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  • 9
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  • 14
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018
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