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A esquistossomose mansônica e a questão da camada do pré-sal

EDITORIAL

A esquistossomose mansônica e a questão da camada do pré-sal

Nelson M. G. Caserta

Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil. E-mail: ncaser@mpcnet.com.br

A gestão e o destino dos recursos calculados como possíveis a partir da exploração da camada do pré-sal e seus derivados tem sido motivo de ampla exposição nos meios de comunicação. Políticos, autoridades, especialistas e até curiosos emitem as mais diferentes projeções. As mais alarmistas veem o Brasil, no futuro, reduzido a um país dependente de um só produto, acomodado a esta riqueza finita, como exemplos hoje conhecidos. As apressadas já enxergam uma cornucópia petrolífera resolvendo todos nossos problemas. E aqui o estado já saiu na frente desejando uma estatal para cuidar de tanta dinheirama a jorrar. Lembra o que popularmente chamamos de "começar a gastar por conta".

O que nós médicos lamentamos é que esta capacidade de planejamento, de vislumbrar aplicações não tenha a mesma energia na área da saúde. A saúde não é tão ou mais estratégica para uma nação? Não merece igual ou maior planejamento e atenção de todos?

Entre as várias questões sanitárias evitáveis que atingem nosso país, algumas são de magnitude alarmante há muitos anos. É o caso da esquistossomose mansônica. Estima-se que esta doença parasitária tenha uma população estimada entre 8 e 18 milhões de indivíduos infectados no Brasil.

Algumas instituições brasileiras e grupos de estudos apresentam linhas de pesquisa e trabalhos que investigam os estágios agressivos desta doença. É a contribuição da nossa comunidade para entender sua ação e ajudar a combatê-la.

Muitas complicações associadas à esquistossomose são relacionadas à fibrose periportal e, em nosso meio, os trabalhos de Santos et al.(1) e Scortegagna et al.(2) estudaram o emprego da ultrassonografia na classificação desta fibrose. O método sonográfico pode ser usado de modo confiável nesta classificação e estes estudos brasileiros acrescentaram que a ressonância magnética pode contribuir naquelas situações de discrepância entre a avaliação ultrassonográfica e o quadro clínico de pacientes com esquistossomose mansônica crônica. Na mesma instituição, duas outras pesquisas trazem mais informações sobre os métodos de imagem nesta doença. Leão et al.(3) confirmaram que a ultrassonografia com Doppler é um método confiável para quantificar o fluxo em pacientes com hipertensão portal de origem esquistossomótica. Esta informação é importante, já que a literatura demonstra resultados controversos em relação à reprodutibilidade do ultrassom Doppler para medir os parâmetros de fluxo nestes pacientes. O outro estudo, de Gonzalez et al.(4), confirma a utilidade da ultrassonografia na avaliação de nódulos sideróticos esplênicos em pacientes com esquistossomose.

No presente número da Radiologia Brasileira é apresentado um trabalho sobre as alterações das vias biliares na esquistossomose mansônica avaliadas pela colangiorressonância magnética(5). Os autores concluíram que as alterações observadas nas vias biliares foram, em ordem decrescente de ocorrência, distorção da árvore biliar, afilamento, estenose, dilatação e irregularidade. A concordância interobservador para sinais de colangiopatia esquistossomótica pela colangiopancreatografia por ressonância magnética foi quase perfeita para a caracterização de distorção e afilamento da árvore biliar, e substancial para detecção de estenose. Os autores apresentam cuidadosa documentação a partir de sua investigação. Ganc, em tese de doutorado, já exibia, em 1974, excelente demonstração da correlação anatomorradiológica nas alterações das vias biliares em fígados de autópsia(6). São linhas de estudos brasileiras que, assim como outras, reforçam o papel dos métodos de imagem na pesquisa de situações graves de nosso próprio meio.

A esquistossomose mansônica representa doença visível à nossa volta, de necessário conhecimento por todos. Se pouco for planejado ou estrategicamente priorizado, continuará a atingir milhões de vidas. Uma realidade concreta, bem diferente do petróleo do pré-sal, que nem sabemos se, quando obtido, ainda manterá valor comercial ou mesmo respeito ambiental.

  • 1. Santos GT, Sales DM, Leão ARS, et al. Reprodutibilidade da classificação ultra-sonográfica de Niamey na avaliação da fibrose periportal na esquistossomose mansônica. Radiol Bras. 2007;40:37781.
  • 2. Scortegagna Junior E, Leão ARS, Santos JEM, et al. Avaliação da concordância entre ressonância magnética e ultra-sonografia na classificação da fibrose periportal em esquistossomóticos, segundo a classificação de Niamey. Radiol Bras. 2007;40: 3038.
  • 3. Leão ARS, Santos JEM, Sales DM, et al. Mensuração do volume de fluxo portal em pacientes esquistossomóticos: avaliação da reprodutibilidade do ultra-som Doppler. Radiol Bras. 2008;41:3058.
  • 4. Gonzalez TD, Santos JEM, Sales DM, et al. Avaliação ultra-sonográfica de nódulos sideróticos esplênicos em pacientes esquistossomóticos com hipertensão portal. Radiol Bras. 2008;41:6973.
  • 5. Sales DM, Santos JEM, Shigueoka DC, et al. Correlação interobservador das alterações morfológicas das vias biliares em pacientes com esquistossomose mansoni pela colangiorressonância magnética. Radiol Bras. 2009;42:27782.
  • 6. Ganc A. As alterações do sistema bilífero intra-hepático: correlação anátomo-radiológica [tese de doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Out 2009
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