Acessibilidade / Reportar erro

Qual o seu diagnóstico?

Paciente do sexo feminino, 23 anos de idade, com quadro clínico de cefaleia e vômitos incoercíveis há quatro meses. Foi realizada ressonância magnética do encéfalo e da medula espinhal (Figura 1).

Figura 1
(A–D): Ressonância magnética do encéfalo, imagens coronal ponderada em T1 com saturação de gordura, após a administração intravenosa do agente de contraste paramagnético (gadolínio) (A), coronal ponderada em T2 (B), axial DWI/difusão (C), axial mapa de ADC (D). E,F: Ressonância magnética da medula espinal, imagens sagital ponderada em T2 (E) e sagital ponderada em T1 com saturação de gordura, após a administração de contraste (F).

Descrição das imagens

Figura 1. A-D: Ressonância magnética do encéfalo. Imagem coronal ponderada em T1 após contraste (A) mostra duas lesões cerebelares (a maior no vérmis e a menor na região hemisférica superior direita), com realce nodular difuso após contraste da lesão menor e no componente sólido excêntrico da lesão maior, isointenso em T2 (B). O componente cístico da lesão maior apresenta crescimento para a porção inferior do quarto ventrículo. Há foco de facilitação à difusão, caracterizado por hipossinal na difusão (C) e hipersinal no mapa de ADC (D). E,F: Ressonância magnética de medula espinal. As imagens sagitais ponderadas em T2 (E) e em T1 após o contraste (F) mostram duas lesões ovaladas na região da medula cervical, com hipersinal em T2 e com realce após contraste na altura de C4 e C6.

Diagnóstico: Hemangioblastomas múltiplos, associação com a síndrome de von Hippel-Lindau.

COMENTÁRIOS

A avaliação do sistema nervoso central por métodos de imagem, especialmente a ressonância magnética, tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. Adrenoleucodistrofia ligada ao X: correlação entre o escore de Loes e parâmetros do tensor de difusão. Radiol Bras. 2014;47:342-9.

Santana PC, Mourão AP, Oliveira PMC, et al. Dosimetria de pacientes submetidos a exames de PET/CT cerebral para diagnóstico de comprometimento cognitivo leve. Radiol Bras. 2014;47:350-4.

Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Lesões expansivas intraventriculares à ressonância magnética: ensaio iconográfico - parte 1. Radiol Bras. 2014;47:176-81.

Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Lesões expansivas intraventriculares à ressonância magnética: ensaio iconográfico - parte 2. Radiol Bras. 2014;47:245-50.

Carneiro Filho O, Vilela Filho O, Ragazzo PC, et al. Um novo método para a localização intraoperatória de foco de epilepsia mediante utilização de gamaprobe. Radiol Bras. 2014;47:23-7.

Carvalho GBS, Sandim GB, Tibana LAT, et al. Diagnóstico diferencial das lesões inflamatórias e infecciosas do cone medular utilizando a ressonância magnética. Radiol Bras. 2013;46:51-5.

Fiore L, Silva Junior NA, Bertanha R, et al. Fístula arteriovenosa dural intracraniana. Radiol Bras. 2013;46(4):xi-xii.

Reis F, Schwingel R, Nascimento FBP. Linfoma do sistema nervoso central: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2013;46:110-6.
-9Brandão LA. Linfoma primário e secundário do sistema nervoso central. Aspectos de imagem na ressonância magnética convencional e funcional. Radiol Bras. 2013;46(2):ix-x.).

Os principais diagnósticos diferenciais de lesões cerebelares com as características radiológicas deste caso incluem hemangioblastomas, metástases e o astrocitoma pilocítico. A multiplicidade das lesões favorece as duas primeiras hipóteses. A faixa etária da paciente é compatível com hemangioblastoma, considerando que o astrocitoma pilocítico acomete pacientes pediátricos e as metástases seriam esperadas em pacientes mais velhos. Além disso, a falta de lesões supratentoriais favorece a hipótese de hemangioblastomas em relação às metástases, principalmente no caso de lesões múltiplas, considerando que a disseminação neoplásica hematogênica menos provavelmente acometeria apenas a região infratentorial por causa do maior fluxo sanguíneo para a região supratentorial(1010 Ho VB, Smirniotopoulos JG, Murphy FM, et al. Radiologic-pathologic correlation: hemangioblastoma. AJNR Am J Neuroradiol. 1992;13:1343-52.).

A hipótese de hemangioblastomas múltiplos deve levar à consideração de associação com a síndrome de von Hippel-Lindau, que é uma rara síndrome autossômica dominante de câncer familiar, relacionada à inativação de um gene supressor tumoral localizado no cromossomo 3p(1111 Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.,1212 Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.).

Sua incidência é estimada em 1:36.000 indivíduos, com penetrância superior a 90% após os 65 anos. Os tumores característicos da síndrome incluem hemangioblastomas do sistema nervoso central e retina, carcinoma renal de células claras, feocromocitoma, tumor do saco endolinfático, cistos pancreáticos, cistadenomas papilares do epidídimo e do ligamento largo(1111 Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.).

Os critérios diagnósticos incluem: 1) mais de um hemangioblastoma do sistema nervoso central; 2) um hemangioblastoma do sistema nervoso central e uma manifestação visceral da síndrome de von Hippel-Lindau; 3) qualquer manifestação relacionada associada a história familiar de síndrome de von Hippel-Lindau.

O hemangioblastoma é o tumor mais frequente nesta síndrome, afetando 60% a 80% dos portadores. A idade média de apresentação é de 33 anos. Os sintomas variam conforme a localização da lesão, mas podem manifestar-se cefaleia, emese, hiperreflexia, ataxia, vertigem, dismetria e perda de força muscular(1111 Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.,1212 Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.). Pode haver policitemia associada, pois uma parcela dos hemangioblastomas produz eritropoetina(1010 Ho VB, Smirniotopoulos JG, Murphy FM, et al. Radiologic-pathologic correlation: hemangioblastoma. AJNR Am J Neuroradiol. 1992;13:1343-52.,1111 Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.).

A expectativa de vida média é de 49 anos(1212 Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.). As causas mais frequentes de óbito são o carcinoma renal de células claras e complicações neurológicas de hemangioblastomas cerebelares, de forma que diversas instituições preconizam, com protocolos variados, rastreamentos periódicos com exames de imagem para pacientes assintomáticos com a síndrome de von Hippel-Lindau(1111 Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.,1212 Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.).

Hemangioblastomas são lesões altamente vascularizadas, frequentemente císticas, com um nódulo mural. Comumente são benignos, multifocais e associados a edema ou cistos ao longo do neuroeixo, que são formados a partir da transudação do componente sólido da lesão, com conteúdo altamente proteico e por isso levemente mais hiperintenso que o líquor normal e bastante hiperintenso em T2(1010 Ho VB, Smirniotopoulos JG, Murphy FM, et al. Radiologic-pathologic correlation: hemangioblastoma. AJNR Am J Neuroradiol. 1992;13:1343-52.). Geralmente mostram hipo/isossinal nas imagens ponderadas em T1 e hipersinal nas imagens ponderadas em T2, com realce da porção sólida após o contraste em T1, podendo apresentar áreas tubulares de flow void, quando nutridos ou drenados por vasos calibrosos. São tipicamente infratentoriais.

Apenas 5% a 30% dos hemangioblastomas cerebelares são atribuídos à síndrome de von Hippel-Lindau, enquanto 80% dos hemangioblastomas medulares estão associados a essa síndrome. Nestes casos, ocorrem em idade mais precoce e têm pior prognóstico(1212 Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.).

Na difusão, pode ocorrer facilitação à difusão (hipossinal em DWI e hipersinal no mapa de ADC), o que, em uma lesão infratentorial, é bastante sugestivo do diagnóstico de hemangioblastoma(1313 Quadery FA, Okamoto K. Diffusion-weighted MRI of haemangioblastomas and other cerebellar tumours. Neuroradiology. 2003;45:212-9.).

A paciente foi reconvocada para prosseguimento da investigação e foram encontrados múltiplos cistos pancreáticos na tomografia de abdome.

  • Schwingel R, Duarte SBL, Oshima MM, Mesquita JVA, Reis F. Qual o seu diagnóstico? Radiol Bras. 2015 Mar/Abr;48(2):XI–XIII.

REFERENCES

  • 1
    Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. Adrenoleucodistrofia ligada ao X: correlação entre o escore de Loes e parâmetros do tensor de difusão. Radiol Bras. 2014;47:342-9.
  • 2
    Santana PC, Mourão AP, Oliveira PMC, et al. Dosimetria de pacientes submetidos a exames de PET/CT cerebral para diagnóstico de comprometimento cognitivo leve. Radiol Bras. 2014;47:350-4.
  • 3
    Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Lesões expansivas intraventriculares à ressonância magnética: ensaio iconográfico - parte 1. Radiol Bras. 2014;47:176-81.
  • 4
    Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Lesões expansivas intraventriculares à ressonância magnética: ensaio iconográfico - parte 2. Radiol Bras. 2014;47:245-50.
  • 5
    Carneiro Filho O, Vilela Filho O, Ragazzo PC, et al. Um novo método para a localização intraoperatória de foco de epilepsia mediante utilização de gamaprobe. Radiol Bras. 2014;47:23-7.
  • 6
    Carvalho GBS, Sandim GB, Tibana LAT, et al. Diagnóstico diferencial das lesões inflamatórias e infecciosas do cone medular utilizando a ressonância magnética. Radiol Bras. 2013;46:51-5.
  • 7
    Fiore L, Silva Junior NA, Bertanha R, et al. Fístula arteriovenosa dural intracraniana. Radiol Bras. 2013;46(4):xi-xii.
  • 8
    Reis F, Schwingel R, Nascimento FBP. Linfoma do sistema nervoso central: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2013;46:110-6.
  • 9
    Brandão LA. Linfoma primário e secundário do sistema nervoso central. Aspectos de imagem na ressonância magnética convencional e funcional. Radiol Bras. 2013;46(2):ix-x.
  • 10
    Ho VB, Smirniotopoulos JG, Murphy FM, et al. Radiologic-pathologic correlation: hemangioblastoma. AJNR Am J Neuroradiol. 1992;13:1343-52.
  • 11
    Kim JJ, Rini BI, Hansel DE. Von Hippel Lindau syndrome. Adv Exp Med Biol. 2010;685:228-49.
  • 12
    Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65-79.
  • 13
    Quadery FA, Okamoto K. Diffusion-weighted MRI of haemangioblastomas and other cerebellar tumours. Neuroradiology. 2003;45:212-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br