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O papel da imagem quantitativa na avaliação da doença pulmonar obstrutiva crônica

É incontestável que a humanidade evolui, do ponto de vista tecnológico, a todo momento. Os computadores, tablets e até mesmo os celulares que atualmente utilizamos possuem uma capacidade de processamento muito maior quando comparados às máquinas disponíveis na década de 90. A evolução da capacidade de processamento de dados é uma constante. Ela praticamente dobra a cada par de anos, seguindo de perto as expectativas da famosa lei de Moore(11 Roser M, Ritchie H. Technological change. [cited 2022 July 23]. Available from: www.ourworldindata.org/technological-change.
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).

Em linha com essa evolução, o diagnóstico por imagem também progride. Saímos da descoberta da capacidade de formação de imagem pelo emprego de raios X por Roentgen em 1895, para uma medicina que usa princípios avançados, como a mobilização de partículas de prótons e a marcação com radiofármaco em moléculas que são expressas em células tumorais. Também abortamos a necessidade de incontáveis cirurgias, hoje substituídas por cateteres, clipes, molas, próteses valvares e outros materiais, implantados de forma pouco invasiva nos pacientes.

Nossa capacidade diagnóstica é alta. Pela alta correlação com a histopatologia, hoje conseguimos diagnosticar neoplasias malignas(22 American College of Radiology. LI-RADS® CT/MRI v2018. [cited 2022 July 23]. Available from: www.acr.org/Clinical-Resources/Reporting-and-Data-Systems/LI-RADS/LI-RADS-CT-MRI--v2018.
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) (como no caso do carcinoma hepatocelular) e doenças intersticiais pulmonares(33 Raghu G, Remy-Jardin M, Richeldi L, et al. Idiopathic pulmonary fibrosis (an update) and progressive pulmonary fibrosis in adults: an official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2022;205:e18-e47.) (padrão de pneumonia intersticial usual), dispensando a realização de muitas biópsias. E essas são situações endossadas não só pela comunidade radiológica, mas pelas próprias sociedades de especialidades clínicas, cirúrgicas e patológicas, fruto do crescimento dos conceitos de multidisciplinaridade e medicina de precisão, focadas no melhor para o paciente.

A imagem quantitativa não poderia ficar de fora dessa evolução. E graças a estudos como o COPDGene, a imagem torácica é um dos atores principais no tema. Hoje, a imagem de tomografia computadorizada (TC) tem papel fundamental em várias etapas da avaliação de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)(44 Lynch DA, Moore CM, Wilson C, et al. CT-based visual classification of emphysema: association with mortality in the COPDGene study. Radiology. 2018;288:859-66.). Na avaliação inicial, por exemplo, ela antecede em anos a expressão dos fenótipos clínicos clássicos (predomínio de doença de vias aéreas ou de enfisema), melhorando a estratificação prognóstica dos pacientes, também auxiliando a atentar para as diferentes comorbidades predominantes em cada um dos perfis. Dentro da mesma linha de raciocínio, a quantificação de enfisema por TC é capaz de estratificar o risco de mortalidade dos pacientes em 10 anos(55 Celli BR, Wedzicha JA. Update on clinical aspects of chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2019;381:1257-66.). Em estudo de metanálise de Yang et al.(66 Yang X, Wisselink HJ, Vliegenthart R, et al. Association between chest CT- defined emphysema and lung cancer: a systematic review and meta-analysis. Radiology. 2022;304:322-30.) foi demonstrado que a presença isolada de enfisema em imagens de TC é um bom parâmetro para distinguir pacientes com maior risco de desenvolver uma neoplasia primária pulmonar. Como os atuais critérios de inclusão de pacientes em programas de rastreamento de neoplasia pulmonar levam a uma alta taxa de falsos positivos e a um grande número de exames necessários para se atingir um benefício a nível populacional, esse pode ser um achado a mudar as regras de recrutamento para os programas.

Muitos são os benefícios que a avaliação quantitativa das imagens pode proporcionar. Em outros contextos, como no câncer de pulmão, é possível se valer de ferramentas de extração de dados derivados das informações básicas (análise radiômica), melhorando a correlação com os tipos histológicos(77 Ferreira Junior JR, Koenigkam-Santos M, Machado CVB, et al. Radiomic analysis of lung cancer for the assessment of patient prognosis and intratumor heterogeneity. Radiol Bras. 2021;54:87-93.); no contexto da hipertensão pulmonar é possível demonstrar, de forma mais precisa, a redistribuição da trama vascular pulmonar(88 Wada DT, Pádua AI, Lima Filho MO, et al. Use of computed tomography and automated software for quantitative analysis of the vasculature of patients with pulmonary hypertension. Radiol Bras. 2017;50:351-8.), conhecendo sua correlação com a perda de função pulmonar e a extensão de acometimento por doença intersticial na esclerose sistêmica(99 Bruni C, Occhipinti M, Pienn M, et al. Lung vascular changes as biomarkers of severity in systemic sclerosis-associated interstitial lung disease. Rheumatology (Oxford). 2022 Jun 16;keac311.).

No número anterior da Radiologia Brasileira contamos com um artigo que avaliou quantitativamente as alterações brônquicas e a presença de enfisema numa subpopulação específica de DPOC com aumento da contagem de eosinófilos no sangue periférico(1010 Stival RSM, Rabelo LM, Leão GL, et al. Quantitative assessment of emphysema and bronchial wall thickness in patients with stable chronic obstructive pulmonary disease: comparison between the eosinophilic and non-eosinophilic phenotypes. Radiol Bras. 2022;55:209-15.). A DPOC com perfil eosinofílico é um tema atual da especialidade, que levou a mudanças de tratamento dessa subpopulação. Trata-se de um trabalho realizado de forma retrospectiva, comparando os achados de TC com um grupo controle (população DPOC equivalente, sem aumento periférico de eosinófilos), que não demonstrou diferença estatisticamente significante entre a quantificação de enfisema e de morfologia de vias aéreas entre os grupos na população estudada. O resultado demonstra que ainda carecemos de estudos (de pneumologia, radiologia e patologia) que nos auxiliem a entender melhor a peculiar doença do subgrupo de pacientes DPOC com perfil eosinofílico.

REFERENCES

  • 1
    Roser M, Ritchie H. Technological change. [cited 2022 July 23]. Available from: www.ourworldindata.org/technological-change
    » www.ourworldindata.org/technological-change
  • 2
    American College of Radiology. LI-RADS® CT/MRI v2018. [cited 2022 July 23]. Available from: www.acr.org/Clinical-Resources/Reporting-and-Data-Systems/LI-RADS/LI-RADS-CT-MRI--v2018
    » www.acr.org/Clinical-Resources/Reporting-and-Data-Systems/LI-RADS/LI-RADS-CT-MRI--v2018
  • 3
    Raghu G, Remy-Jardin M, Richeldi L, et al. Idiopathic pulmonary fibrosis (an update) and progressive pulmonary fibrosis in adults: an official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2022;205:e18-e47.
  • 4
    Lynch DA, Moore CM, Wilson C, et al. CT-based visual classification of emphysema: association with mortality in the COPDGene study. Radiology. 2018;288:859-66.
  • 5
    Celli BR, Wedzicha JA. Update on clinical aspects of chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2019;381:1257-66.
  • 6
    Yang X, Wisselink HJ, Vliegenthart R, et al. Association between chest CT- defined emphysema and lung cancer: a systematic review and meta-analysis. Radiology. 2022;304:322-30.
  • 7
    Ferreira Junior JR, Koenigkam-Santos M, Machado CVB, et al. Radiomic analysis of lung cancer for the assessment of patient prognosis and intratumor heterogeneity. Radiol Bras. 2021;54:87-93.
  • 8
    Wada DT, Pádua AI, Lima Filho MO, et al. Use of computed tomography and automated software for quantitative analysis of the vasculature of patients with pulmonary hypertension. Radiol Bras. 2017;50:351-8.
  • 9
    Bruni C, Occhipinti M, Pienn M, et al. Lung vascular changes as biomarkers of severity in systemic sclerosis-associated interstitial lung disease. Rheumatology (Oxford). 2022 Jun 16;keac311.
  • 10
    Stival RSM, Rabelo LM, Leão GL, et al. Quantitative assessment of emphysema and bronchial wall thickness in patients with stable chronic obstructive pulmonary disease: comparison between the eosinophilic and non-eosinophilic phenotypes. Radiol Bras. 2022;55:209-15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022
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