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Diagnóstico da microlitíase alveolar pulmonar

No número anterior da Radiologia Brasileira os leitores vão encontrar um artigo muito interessante de Francisco et al.(1Francisco FAF, Rodrigues RS, Barreto MM, et al. Podem os achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax ser diagnósticos de microlitíase alveolar pulmonar? Radiol Bras. 2015;48:205-10.) sobre a microlitíase alveolar pulmonar (MAP). Os autores descrevem os achados na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) de tórax de 13 pacientes com MAP, avaliados por dois observadores de maneira independente. Como descrito pelos autores, diante dos dados clínicos compatíveis e com os achados de imagem característicos, o diagnóstico de MAP pode ser feito sem a necessidade de confirmação por biópsia. Desta maneira, este artigo é bastante interessante e atual, pois, além da descrição dos achados de uma ótima amostra de pacientes com uma doença bastante rara, utilizando processo metodológico científico recomendado para este tipo de estudo, é salientada uma conduta que mostra o crescimento em importância de nossa especialidade nos últimos anos, em que os achados de imagem em conjunto com os dados clínicos são suficientes para se firmar o diagnóstico, sem a necessidade de um procedimento intervencionista.

A MAP é uma doença muito rara e os poucos trabalhos que descrevem os achados radiológicos se restringem a relatos de casos ou série de casos com poucos pacientes(2Prakash UB, Barham SS, Rosenow EC 3rd, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis. A review including ultrastructural and pulmonary function studies. Mayo Clin Proc. 1983;58:290-300.

Francisco FA, Pereira e Silva JL, Hochhegger B, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis. State-of-the-art review. Respir Med. 2013;107:1-9.
-4Castellana G, Lamorgese V. Pulmonary alveolar microlithiasis. World cases and review of the literature. Respiration. 2003;70:549-55.). O estudo de 13 casos bem documentados com certeza acrescenta informação na avaliação tomográfica desta doença. Para efeito de comparação, por exemplo, podemos citar o trabalho de Deniz et al.(5Deniz O, Ors F, Tozkoparan E, et al. High resolution computed tomographic features of pulmonary alveolar microlithiasis. Eur J Radiol. 2005;55:452-60.), publicado em importante periódico de radiologia europeu, em que os autores avaliaram 10 pacientes com MAP e descreveram os achados de imagem em exames de TCAR.

O processo metodológico é outro ponto positivo a ser comentado. Mesmo tratando-se de um artigo de revisão de casos, é necessário salientar a importância do método científico adequado e da maneira correta de se apresentar e discutir os resultados em um texto dirigido a periódico médico. Neste artigo de Francisco et al., dois observadores experientes avaliaram as imagens de maneira independente, com decisão consensual posterior nos casos discordantes. Esta análise tem menor chance de vieses e é mais confiável e reprodutível, quando comparada, por exemplo, à revisão realizada por apenas um observador. Há textos de diferentes sociedades que orientam não somente quanto ao método aplicado à pesquisa em radiologia, mas também quanto à técnica de apresentação dos resultados, redação dos textos científicos e educação em pesquisa(6Beam CA, Blackmore CC, Karlik S, et al. Editors' introduction to the series. AJR Am J Roentgenol. 2001;176:323-5.,7European Society of Radiology (ESR). Research education in Europe: an opinion paper by the European Society of Radiology. Insights Imaging. 2015;6:157-62.). A pesquisa científica em radiologia também evoluiu muito nos últimos anos, acompanhando a tendência de mudanças e modernização dos métodos científicos nas demais áreas da medicina. Esta modernização inclui o desenvolvimento da radiologia baseada em evidência e os ensaios clínicos prospectivos utilizando métodos de imagem(8Evidence-Based Radiology Working Group. Evidence-based radiology: a new approach to the practice of radiology. Radiology. 2001;220:566-75.,9Sardanelli F, Hunink MG, Gilbert FJ, et al. Evidence-based radiology: why and how? Eur Radiol. 2010;20:1-15.). A radiologia, que antes andava de braços dados com a patologia, atualmente tem papel que vai muito além do diagnóstico, e a correlação dos achados de imagem é feita com dados clínicos, provas funcionais e prognóstico, tornando a imagem um biomarcador(1010 Koenigkam-Santos M, Paula WD, Gompelmann D, et al. Endobronchial valves in severe emphysematous patients: CT evaluation of lung fissures completeness, treatment radiological response and quantitative emphysema analysis. Radiol Bras. 2013;46:15-22.). No caso dos exames de tórax, é muito importante também o uso de glossário correto, conforme proposto por documentos internacionais e brasileiros(1111 Hansell DM, Bankier AA, MacMahon H, et al. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246:697-722.

12 Souza Jr AS, Araujo Neto C, Jasinovodolinsky D, et al. Terminologia para a descrição de tomografia computadorizada do tórax (sugestões iniciais para um consenso brasileiro). Radiol Bras. 2002;35:125-8.

13 Pereira-Silva JL, Kavakama J, Terra Filho M, et al. Consenso brasileiro sobre a terminologia dos descritores de tomografia computadorizada do tórax. J Bras Pneumol. 2005;32:149-56.
-1414 Silva CIS, Marchiori E, Souza Jr AS, et al. Consenso brasileiro ilustrado sobre a terminologia dos descritores e padrões fundamentais da TC de tórax. J Bras Pneumol. 2010;36:99-123.) e utilizado adequadamente neste artigo de Francisco et al. O uso correto do glossário permite não somente a compreensão adequada dos achados, mas também a troca de informações precisas entre as especialidades médicas e a comparação adequada entre os estudos.

Por último, gostaria de salientar um aspecto de suma importância também demonstrado neste artigo de Francisco et al. e que faz parte do dia-a-dia nas clínicas de radiologia: o crescimento do papel do médico radiologista. Nossa especialidade evoluiu sobremaneira nos últimos anos e a acurácia dos métodos de imagem cresceu exponencialmente. Sim, nós fazemos cada vez mais diagnósticos, e diagnósticos definitivos, em que não há necessidade da famosa "confirmação patológica". Em radiologia torácica temos um ótimo exemplo presente no último consenso da ATS/ERS sobre as pneumonias intersticiais idiopáticas(1515 Travis WD, Costabel U, Hansell DM, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: Update of the international multidisciplinary classification of the idiopathic interstitial pneumonias. Am J Respir Crit Care Med. 2013;188:733-48.). Neste documento, os autores salientam que os pacientes com padrão de pneumonia intersticial usual na TCAR e dados clínicos compatíveis não requerem a confirmação por biópsia do diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática. É preciso que o médico radiologista assuma seu papel de responsável pelo exame que pode mudar completamente a conduta do clínico ou cirurgião solicitante. É preciso evitar o laudo descritivo, temos sempre que fazer considerações sobre o diagnóstico diferencial, sugerir condutas sempre que possível e, como costumo dizer aos residentes, "colocar nome de doenças no relatório".

Portanto, tomo a liberdade de responder à pergunta-título "Podem os achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax ser diagnósticos de microlitíase alveolar pulmonar?"... Sim, com certeza!

REFERENCES

  • 1
    Francisco FAF, Rodrigues RS, Barreto MM, et al. Podem os achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax ser diagnósticos de microlitíase alveolar pulmonar? Radiol Bras. 2015;48:205-10.
  • 2
    Prakash UB, Barham SS, Rosenow EC 3rd, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis. A review including ultrastructural and pulmonary function studies. Mayo Clin Proc. 1983;58:290-300.
  • 3
    Francisco FA, Pereira e Silva JL, Hochhegger B, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis. State-of-the-art review. Respir Med. 2013;107:1-9.
  • 4
    Castellana G, Lamorgese V. Pulmonary alveolar microlithiasis. World cases and review of the literature. Respiration. 2003;70:549-55.
  • 5
    Deniz O, Ors F, Tozkoparan E, et al. High resolution computed tomographic features of pulmonary alveolar microlithiasis. Eur J Radiol. 2005;55:452-60.
  • 6
    Beam CA, Blackmore CC, Karlik S, et al. Editors' introduction to the series. AJR Am J Roentgenol. 2001;176:323-5.
  • 7
    European Society of Radiology (ESR). Research education in Europe: an opinion paper by the European Society of Radiology. Insights Imaging. 2015;6:157-62.
  • 8
    Evidence-Based Radiology Working Group. Evidence-based radiology: a new approach to the practice of radiology. Radiology. 2001;220:566-75.
  • 9
    Sardanelli F, Hunink MG, Gilbert FJ, et al. Evidence-based radiology: why and how? Eur Radiol. 2010;20:1-15.
  • 10
    Koenigkam-Santos M, Paula WD, Gompelmann D, et al. Endobronchial valves in severe emphysematous patients: CT evaluation of lung fissures completeness, treatment radiological response and quantitative emphysema analysis. Radiol Bras. 2013;46:15-22.
  • 11
    Hansell DM, Bankier AA, MacMahon H, et al. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246:697-722.
  • 12
    Souza Jr AS, Araujo Neto C, Jasinovodolinsky D, et al. Terminologia para a descrição de tomografia computadorizada do tórax (sugestões iniciais para um consenso brasileiro). Radiol Bras. 2002;35:125-8.
  • 13
    Pereira-Silva JL, Kavakama J, Terra Filho M, et al. Consenso brasileiro sobre a terminologia dos descritores de tomografia computadorizada do tórax. J Bras Pneumol. 2005;32:149-56.
  • 14
    Silva CIS, Marchiori E, Souza Jr AS, et al. Consenso brasileiro ilustrado sobre a terminologia dos descritores e padrões fundamentais da TC de tórax. J Bras Pneumol. 2010;36:99-123.
  • 15
    Travis WD, Costabel U, Hansell DM, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: Update of the international multidisciplinary classification of the idiopathic interstitial pneumonias. Am J Respir Crit Care Med. 2013;188:733-48.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015
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